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José Augusto Pádua_500 Anos de Destruição Ambiental no Brasil

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500 Anos de Destruição
Ambiental no Brasil
SÉRIE TÉCNICA VOLUME V - ABRIL DE 2000
Uma lição a ser aprendida
500 Anos de Destruição Ambiental no Brasil
Uma lição a ser aprendida
BRASIL
BIODIVERSIDADE, PARQUES E RESERVAS
USO SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS NATURAIS
PESQUISA, TREINAMENTO, EDUCAÇÃO E DISSEMINAÇÃO
POLÍTICAS AMBIENTAIS
A613n 500 anos de destruição Ambiental no Brasil: Um Balanço do Meio Ambiente.
[Coordenação: robert Buschbacher] - [Brasília]: WWF Brasil, c2000. 24p.: il
Color.; 21x24cm.
Bibliografia
[ISSN: 1518-0107]
1. Destruição. 2. Colonização. 3. Biodiversidade. 4. Exploração. 5. Conservação.
6. Meio Ambiente.
Coordenador: Robert Buschbacher / WWF-Brasil
Consultoria e redação: José Augusto de Pádua
Colaboração técnica: Garo Batmanian / WWF-Brasil
Ligia Girão / WWF-Brasil
Luiz Carlos Pinagé / WWF-Brasil
Robert Buschbacher / WWF-Brasil
Revisão: Ligia Girão / WWF-Brasil
Ulisses Lacava / WWF-Brasil
WWF-Brasil
SHIS EQ QL 6/8 Conjunto E 2º andar
71620-430 Brasília-DF, Brasil
http://www.wwf.org.br - e-mail: panda@wwf.org.br
fone: (0xx61) 364-7400 - fax: (0xx61) 364-7474
500 Anos de Destruição Ambiental no Brasil
Um diagnóstico Preliminar
2000
ÍNDICE
1. A LÓGICA DA HERANÇA PREDATÓRIA 9
2. O DESENVOLVIMENTO DAS PRÁTICAS PREDATÓRIAS 12
2.1. Séculos XVI e XVII 12
2.2. Século XVIII 12
2.3. Século XIX 13
2.4. Século XX 14
3. UM NOVO CAMINHO PARA UM NOVO MILÊNIO 18
4. GRÁFICO ILUSTRANDO A REDUÇÃO DAS FLORESTAS NATIVAS
BRASILEIRAS EM RELAÇÃO AOS CICLOS ECONÔMICOS 21
500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
1 - A LÓGICA DA HERANÇA PREDATÓRIA
Quando os colonizadores portugueses começa-
ram a chegar no território brasileiro, a partir de 1500,
encontraram um conjunto impressionante de man-
gues, rios, florestas, cerrados, campos e outras
estruturas complexas produzidas pela dinâmica da
natureza. Esse universo pode ser interpretado,
segundo a economia ecológica, como uma enor-
me acumulação de “capital natural”, ou seja, um
estoque não produzido pelos seres humanos de
meios para produzir bens e serviços. A existência
desse grande potencial de riqueza veio ao encon-
tro da motivação econômica que dominou o esfor-
ço de expansão marítima das potências européias. O movimento colonizador, com base na
doutrina mercantilista então em voga, visava expandir o espaço do comércio, encontrar novos
segmentos de mercado, estabelecer novos monopólios e aumentar a renda dos estados euro-
peus em processo de construção.
Os conquistadores logo perceberam que a exploração direta da natureza seria o principal eixo
da busca por riquezas nessa parte da América. As sociedades indígenas locais, apesar do
seu grande conhecimento da biodiversidade nativa, não despertaram tanto interesse nos colo-
nizadores portugueses, se comparadas com as complexas estruturas produtivas e tecnológicas
encontradas pelos espanhóis na Mesoamérica e nos Andes. A presença da natureza exube-
rante, porém, manifestada nos cerca de 130 milhões de hectares de Mata Atlântica que cobri-
am o litoral da nova terra, marcou profundamente a imaginação dos europeus, contribuindo
para criar uma imagem paradisíaca que até hoje faz parte da nossa cultura. Isso apesar da
realidade concreta de exploração predatória que fez com que, nos últimos 500 anos, mais de
93% daquele “paraíso” fosse destruído. Uma extraordinária biodiversidade, em boa parte
endêmica, que foi perdida para sempre.
A percepção que dominou a relação do colonizador com essa natureza exuberante vista prin-
cipalmente como potencial econômico a ser explorado, está consignada na própria escolha do
nome “Brasil” para designar a nova terra. O pau-brasil (Caesalpinia echinata) foi o primeiro
elemento da natureza brasileira passível de ser explorado comercialmente em larga escala. O
triunfo deste nome, superando o poder ideológico da Igreja Católica, que desejava o de “ Terra
de Santa Cruz”, indica simbolicamente que o nascimento e a constituição do país se deu sob o
signo de um grande projeto de exploração ecológica. O consumo, quase sempre perdulário,
desse capital natural, marcou a formação da economia brasileira em seus diferentes ciclos. A
maneira como foi tratada a nossa árvore nacional, especialmente no primeiro século da coloni-
zação, quando os estoques naturais da mesma ainda eram abundantes, já prenunciava o cará-
ter predatório que caracterizaria a exploração dessa natureza ao longo dos séculos seguintes.
Utilizado na produção de tinta vermelha para a industria têxtil européia, a extração rudimentar e
descontrolada do pau-brasil destruiu o principal desses estoques em algumas poucas déca-
das, tornando o seu comércio insustentável. Esse foi o primeiro desastre ecológico ocorrido
em nosso território. Aliás, essa atitude de consumir irracionalmente os estoques de uma espé-
cie valiosa de árvore até a sua extinção comercial, ou mesmo total, não ficou restrita aos
primórdios da nossa colonização, tornando-se uma prática recorrente na economia brasileira.
Práticas agrícolas arcaicas se perpetuam no
Brasil, levando à degradação do meio ambiente
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Nota
excessivo, esbanjador, gastador
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500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
Série Técnica WWF-Brasil Volume V
É o que pode ser visto, na segunda metade do século XX, no caso do Jacarandá na Mata
Atlântica, especialmente no sul da Bahia, e do Mogno da Floresta Amazônica, cuja exploração
obedece a um padrão semelhante.
O modelo de ocupação do Brasil, enquanto uma colônia de exploração, configurou uma forma
de conduta em relação ao meio ambiente que marcou profundamente a trajetória posterior do
país, criando uma mentalidade predatória que continuou após a independência, em 1822, e até
hoje está muito presente. É verdade que as colônias de exploração, em diferentes regiões do
planeta, caracterizaram-se pela brutalidade e pelo imediatismo, sofrendo profundos danos ambi-
entais. Isso ocorreu, em primeiro lugar, pelo impacto direto das atividades coloniais sobre os
ecossistemas previamente existentes, através de movimentos perturbadores ou francamente
destrutivos. Em segundo lugar, pela introdução de espécies exóticas, que no contexto destes
ambientes perturbados reproduziram-se de forma intensa e descontrolada. Estes elementos,
incluindo animais e vegetais de maior porte, ervas daninhas e microrganismos patológicos, fo-
ram disseminados de forma voluntária ou não, mas terminaram por ocupar um peso desproporci-
onal na estrutura da paisagem. Esta paisagem modificada, aos olhos dos habitantes que não
conheceram a sua estrutura original, passou muitas vezes a ser considerada natural.
No caso do Brasil, este processo foi agravado pela presença especialmente forte de três fatores: a)
a sensação de inesgotabilidade dos recursos, b) a postura parasitária diante dessa abundância
natural, origem de uma tecnologia descuidada e extensiva e c) o desprezo pela natureza tropical.
É preciso levar em conta, para evitar julgamentos apressados, que a primeira atitude foi
bastante compreensível no contexto da época. Os portugueses, acostumados com as res-
trições espaciais e ecológicas ao crescimento da economia européia, viram a Mata Atlânti-
ca, por exemplo, como um universo grandioso cuja exploração jamais se consumaria. O
elemento que mais se destacava, nos primeiros séculos da formação brasileira, era o con-
traste entre um espaço ecológico gigantesco e uma sociedade colonial relativamente peque-
na e localizada, gerando a sensação de uma fronteira indefinidamente aberta ao avanço
horizontal das atividades econômicas.
É verdade que muitos processos de destruição ambiental foram sendo percebidos, e mesmo
denunciados,ao longo do tempo. Solos ficaram estragados, fluxos de água desestabilizados e
florestas destruídas. A imagem da fronteira aberta para o avanço horizontal da produção, no
entanto, minimizou a importância das poucas vozes que argumentavam em favor de um uso
mais cuidadoso das áreas já abertas. Na medida em que os solos agrícolas e pastoris torna-
vam-se estéreis, a fronteira avançava em direção às florestas e aos campos ainda intactos. Na
medida em que espécies úteis de madeira extinguiam-se na proximidade dos centros urbanos
e produtivos, a fronteira buscava reservas onde elas ainda eram abundantes. Este nomadismo
predatório garantia uma certa continuidade na economia e na estrutura social do país, não
obstante os muitos exemplos de vilas, fazendas e minas que foram abandonadas por haverem
atingido o limite da sua capacidade de sustentação natural. Os prejuízos ambientais, portanto,
trouxeram também grandes custos sociais e econômicos ao país.
Desta sensação de inesgotabilidade dos biomas e recursos naturais brasileiros, que hoje sa-
bemos ser totalmente falsa, derivou o estabelecimento de formas descuidadas e parasitárias
de tecnologia e produção. A queima da floresta, por exemplo, constituiu praticamente o único
método de plantio adotado no Brasil até o final do século XIX. Ao invés de adubar o solo, para
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
conservar sua fertilidade, optou-se por queimar progressivamente novas áreas de floresta
tropical, uma vez que a riqueza mineral das suas cinzas garantia boas colheitas por dois ou
três anos, após o que a terra ficava estragada e ocupada por ervas daninhas.
A regra, portanto, era clara, e até hoje em grande parte domina a economia brasileira: ao invés
de cuidar do ambiente natural, modificando-o de forma cuidadosa e utilizando tecnologias inte-
ligentes e sustentáveis, que garantam alta produtividade com um mínimo de redução das for-
mações naturais, opta-se pelo caminho mais fácil da expansão extensiva, horizontal e predató-
ria. O primeiro caminho, apesar de mais difícil, por exigir maiores conhecimentos e investimen-
tos, garante a existência de um futuro benéfico e sustentável. O segundo garante apenas o
ganho de curto prazo, deixando o ônus para as gerações futuras. O que se necessita, desta
forma, é de uma verdadeira mudança no modelo de desenvolvimento.
Um último elemento, que se soma ao quadro anterior e o agrava ainda mais, diz respeito à falta de
conhecimento e valorização da natureza tropical. O colonizador português ocupou-se muito pou-
co do estudo sistemático da natureza brasileira, até no sentido de nela buscar elementos nativos
que pudessem servir para usos econômicos. Apenas no final do século XVIII, pesquisas nesse
campo começaram a ocorrer de forma um pouco mais intensa. O rico espaço natural do país foi
usado de forma pouco nobre, como um simples estoque de solos e biomassa para subsidiar o
cultivo de espécies exóticas, basicamente de origem oriental, como a cana-de-açúcar, o algodão
e o café, que já faziam parte do nascente mercado internacional. Os complexos biomas brasilei-
ros não foram valorizados em toda a sua potencialidade, mas considerados, em geral, como
obstáculos ao desenvolvimento da economia e da civilização. Em 1711, o jesuíta André Antonil
afirmava que o plantador de cana, após escolher a área de plantio, deveria adotar o seguinte
procedimento: “roça-se, queima-se e alimpa-se, tirando-lhe tudo o que pode servir de embaraço”.
Cabe lembrar que esse “embaraço”, no caso do Nordeste onde o autor escrevia, era a própria
Mata Atlântica. Para a mentalidade dominante na formação do Brasil, que até hoje em grande
parte predomina, a exuberante natureza do país não é um tesouro a ser estudado e aproveitado
de forma múltipla e sustentável, mas sim um “embaraço” que deve ser destruído e sobrepujado.
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
2 - O DESENVOLVIMENTO DAS PRÁTICAS PREDATÓRIAS
2.1 - SÉCULOS XVI E XVII
A mentalidade predatória descrita acima produziu
inúmeros processos e episódios concretos de de-
gradação ambiental, desde o primeiro século de nos-
sa formação.
Nos séculos XVI e XVII, ao ocupar a nova terra, os
colonizadores demonstraram uma constante falta de
cuidado na relação com o território. Um acontecimen-
to sintomático ocorreu durante a expedição de Martin
Afonso de Souza, em 1531, destinada a tomar posse
da nova terra de forma mais permanente. Os nave-
gadores queimaram uma ilha inteira, no litoral sudes-
te, apenas por haverem sentido, vindo a partir dela,
um vento quente que poderia trazer febres! A primeira povoação criada pelos portugueses no
país, a de São Vicente, no litoral paulista, foi tragada pelo mar alguns anos depois da sua funda-
ção em 1532. O porto construído na mesma área, em 1542, teve que ser abandonado pelo forte
assoreamento que o padre José de Anchieta atribuiu, corretamente, à devastação das matas
nas elevações próximas ao ancoradouro, que fazia com que as enxurradas de morro abaixo
arrastassem uma grande quantidade de terra. De lá para cá, como se pode observar atualmente
durante as grandes enchentes que ocorrem no Rio de Janeiro ou em São Paulo, o respeito pelas
encostas e pelos espaços de escoamento das águas não parece ter melhorado muito.
Esse descaso na relação com o ambiente manifestou-se de forma ainda mais intensa na ativida-
de canavieira, que presidiu a ocupação efetiva do país pelos portugueses e o estabelecimento
dos seus primeiros centros produtivos permanentes, especialmente no Nordeste e no Sudeste
do país. O estabelecimento dos canaviais baseou-se no método da coivara (queima e plantio
itinerante na floresta tropical), que os índios adotavam em escala relativamente pequena e com
grandes períodos de pousio, permitindo que a Mata se regenerasse após o seu uso agrícola. A
adoção das queimadas para o estabelecimento de grandes áreas de monocultura, no entanto,
teve um impacto ambiental imensamente superior a qualquer processo adotado anteriormente
pelos povos indígenas. Grandes quantidades de Mata Atlântica foram destruídas, não apenas
para abrir espaço para os canaviais, mas também para alimentar as construções dos engenhos
e as fornalhas que a industria do açúcar requeria. Essas fornalhas foram descritas por um escri-
tor do século XVIII como “bocas verdadeiramente tragadoras de matos”. O descaso ambiental
era tão grande que, até o final do século XIX, ao invés de alimentar-se as caldeiras dos engenhos
com o próprio bagaço da cana, prática rotineira no Caribe, optava-se por queimar Mata Atlântica
primária para servir de lenha. Calcula-se que para cada quilo de açúcar produzido queimou-se
cerca de 15 quilos de lenha.
2.2 - SÉCULO XVIII
A economia do século XVIII foi dominada pela mineração do ouro e dos diamantes que, mais
Em 1531, os colonizadores queimaram uma ilha
inteira entre Rio e São Paulo, por acreditarem
que os ventos quentes trariam febre
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
uma vez, foi feita de forma predatória. Um dos efeitos dessa atividade, como se sabe, foi o de
ter promovido uma maior penetração da economia brasileira nos espaços interiores da Mata
Atlântica e do Cerrado. Em Minas Gerais e Goiás, por exemplo, estudos mostram que a mine-
ração provocou inúmeros danos ambientais. Encostas foram desflorestadas, desgastadas pelo
erosão, formando vossorocas (sulcos profundos na terra). Rios foram dragados e tiveram seu
curso desviado. Planícies sedimentares foram revolvidas. Até mesmo a poluição por mercúrio,tão tristemente presente nos atuais garimpos da Amazônia, já fazia parte daquela realidade.
Calcula-se que pelo menos cem toneladas desse elemento tóxico podem ter sido utilizadas na
Minas Gerais setecentista. A irracionalidade dessas práticas revela-se no fato de que, muitas
vezes, o assoreamento dos rios gerado pelo lixo estéril e pela lama dos próprios garimpos
acabava por soterrar os depósitos auríferos, tornando-os inacessíveis.
O crescimento das cidades e da população, impulsionado pelo ciclo de mineração do século
XVIII, gerou a necessidade de um grande aumento na produção de alimentos, que foi atendido
especialmente pela expansão da pecuária extensiva nos sertões interioranos do Nordeste e
Centro-Oeste. Esta atividade ocupou biomas marginais em relação aos interesses dominantes
da economia da época, como a Caatinga e os Cerrados, repetindo, mais uma vez, o mesmo
padrão extensivo e predatório. Ao invés de promover o replantio dos pastos, por exemplo, já
que os naturais se degradavam após um ou dois ciclos de pastoreio, optava-se por incendiá-
los, na expectativa de que o fogo promoveria o crescimento de ervas comestíveis e garantiria
alguma sobrevida para a permanência do rebanho. Ao invés de aumentar a produtividade inten-
siva da criação, optava-se por deixar o gado crescer a solta, ocupando um espaço territorial
bem maior do que seria necessário, muitas vezes em ecossistemas frágeis. Essa realidade,
aliás, ainda permanece, pois a pecuária ocupa hoje uma área gigantesca de quase 200 milhões
de hectares, com uma produtividade baixíssima, muitas vezes de menos de uma cabeça por
hectare. Uma área bem menor, manejada de forma adequada, seria suficiente para aumentar a
produção e reduzir substantivamente a pressão sobre o território.
2.3 - SÉCULO XIX
A economia brasileira do século XIX foi marcada pelo ciclo do café, que exerceu um impacto
especialmente deletério sobre a Mata Atlântica. As florestas que cobriam o Vale do Paraíba,
centro da produção cafeeira, foram destruídas com requintes de falta de cuidado. O café, espé-
cie de origem africana, acostumado a crescer em áreas sombreadas, foi cultivado no Brasil em
espaços completamente abertos e desflorestados. A irracionalidade dessa prática revela-se
no fato de que as jovens mudas de café tinham que ser protegidas do sol através da colocação
de pequenas tendas. O plantio nas encostas dos morros era o preferido, especialmente pela
facilidade que o uso da gravidade trazia para o desflorestamento. As queimadas, feitas de
forma descuidada, espalhavam-se pelas fazendas vizinhas. Uma testemunha do final do sécu-
lo XIX, o agrônomo francês M. R. Lezé, chegou a observar situações onde, para cada hectare
que se pretendia abrir para a lavoura, de cinco a dez eram destruídos pelo fogo descontrolado.
A cidade do Rio de Janeiro, a exemplo do que hoje ocorre em Rondônia e no sul do Pará, ficava
ocupada pelo “enfumaçado”, como então se denominava a expansão pelos ventos da fumaça
das queimadas. A forma de plantar o café, por sua vez, era feita em filas retas ao longo das
encostas, facilitando sobremaneira a erosão e a perda de fertilidade dos solos.
O café produzido desta forma rudimentar era de baixa qualidade, sendo vendido apenas nos
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
piores mercados internacionais. Um fazendeiro da época, confirmando a lógica que foi menci-
onada acima, chegou a afirmar que “o que eu quero é muito café: dá um preço mais baixo, mas
eu tenho o mesmo lucro liquido, muito embora eu não tenha o mesmo trabalho”. Se o descaso
houvesse sido menor, opções bem mais benéficas poderiam ter sido adotadas. O cultivo de
café na sombra, por exemplo, foi experimentado com sucesso em várias regiões da América
Latina. O exemplo de uma outra lavoura adotada no Brasil, a do cacau no Sul da Bahia, onde o
cultivo foi feito na sombra das árvores, ajudando a conservar a Mata Atlântica, revela que é
possível conciliar a agricultura comercial com a conservação florestal.
A história do Vale do Paraíba, em sentido oposto, revela o quanto à mentalidade predatória pode
ser maléfica em termos econômicos. A produção da r egião caiu vertiginosamente a partir de
1882, como resultado do esgotamento dos solos, dos desequilíbrios climáticos e da extinção
das florestas primárias. O café seguiu então sua marcha destrutiva no rumo de São Paulo e
Paraná. Os 800 quilômetros de ferrovias abertas no vale, que consumiram grande parte das
receitas do estado com o comércio do café, tornaram-se inúteis e, com o tempo, foram abando-
nados. A região que havia produzido quase ¾ do PIB brasileiro, no século XIX, entrou em
irremediável decadência no século XX, tendo como atividade rural apenas uma pecuária pouco
produtiva, que terminou por degradar ainda mais o ambiente.
Ainda no caso da Mata Atlântica no século XIX, é preciso lembrar que algumas formas de econo-
mia tradicional, que exerceram seu impacto desde o início da colonização, continuaram a danifi-
ca-la, com benefícios econômicos muito discutíveis. A produção de açúcar, no Nordeste e Su-
deste, expandiu-se ao longo do século XIX, sempre de forma horizontal e predatória. A quantida-
de exportada passou de 41.174 toneladas em 1821-25, por exemplo, para 238.074 toneladas em
1881-85, apesar da queda dos preços internacionais ter feito com que os ganhos desse aumento
de produção fossem limitados. A transformação do engenho em usina, por outro lado, aumentou
enormemente a destruição florestal e a poluição provocada por essa atividade.
2.4 - SÉCULO XX
O século XX assistiu no Brasil a um duplo movimento, no que se refere ao uso dos recursos
naturais e à ocupação dos grandes biomas. Em primeiro lugar, a economia permaneceu essenci-
almente centrada no litoral, especialmente do Sudeste, mas com um aumento crescente da po-
pulação urbana e da industrialização. Essa mudança no tecido sócio-econômico produziu um
impacto ambiental considerável, ajudando a consolidar a destruição da Mata Atlântica. A falta de
combustíveis fósseis, especialmente na primeira metade do século, fez com que a lenha servis-
se de alimento para quase todo tipo de atividade urbano-industrial. As ferrovias foram um caso
típico. A Estrada de Ferro Paulista, por exemplo, já entre 1916 e 1920 transportava 30 mil tonela-
das de lenha por ano, sem contar a que era gasta como combustível para os próprios trens de
ferro. A industria siderúrgica, particularmente em Minas Gerais, tornou-se uma devoradora de
florestas, necessitando 4,5 m3 de lenha para cada tonelada de ferro-gusa produzido.
Um segundo movimento, contudo, diz respeito à expansão geral da fronteira agro-pecuária em
direção a áreas que nos séculos anteriores haviam sido pouco ocupadas, tanto no interior da
Mata Atlântica quanto, mais tarde, em outros biomas. A Mata de Araucária, por exemplo, que
ocupava vastas regiões nos estados do Sul do Brasil, foi objeto de um enorme processo de
colonização nas primeiras seis décadas do século XX. Os colonos europeus e brasileiros
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500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
destruíram florestas para obter madeira de construção e áreas para o plantio de milho, trigo e
videira. As serrarias dedicadas ao comércio do pinho, por outro lado, atacaram de forma
irreparável as Araucárias, especialmente no período entre 1920 e 1960. O desmatamento foi
intensificado com a expansão do café e a abertura de uma forte fronteira de ocupação no Norte
do Paraná, a partir da década de 40. O resultado é que as Matas de Araucárias, que somavam
cerca de 16 milhões de hectares em 1900, foram reduzidas para 7,8 milhões ainda em 1950.
No início da década de 90, o total de florestas nos três estados do Sul, incluindo as Mata de
Araucária e outras formas de Mata Atlântica,não somavam mais do que 3 milhões de hectares.
Uma expansão semelhante, só que mais fortemen-
te direcionada pelo estado federal, com investimen-
tos de vulto em infraestrutura, além de apoio finan-
ceiro direto e indireto, ocorreu na região do Cerra-
do, a partir dos anos 60, e na Amazônia, a partir
dos anos setenta.
No primeiro caso, já existia uma preocupação
geopolítica com a ocupação do “Brasil Central” des-
de os anos 30, que inspirou em grande parte a
decisão de construir Brasília e toda a rede de ro-
dovias que a ela estão interligadas. Neste momen-
to, o eixo da economia regional continuava sendo a pecuária e a mineração, herança dos tem-
pos coloniais. Com a construção de Brasília, o governo implementou uma série de planos de
desenvolvimento, especialmente a partir dos anos 70, que modificaram radicalmente a paisa-
gem econômica e ecológica da região. Ela tornou-se uma grande fronteira destinada a produ-
ção de grãos para exportação, principalmente o milho, o arroz e, nos últimos anos, de forma
dominante, a soja. O avanço das pastagens plantadas também tem sido notável, colocando em
outro patamar a tradicional atividade pecuária. O crescimento da industrialização, por outro
lado, aumentou muito o corte do Cerrado para produção de carvão vegetal, impulsionando uma
atividade que combina enorme dano ambiental com péssimas condições de vida e saúde para
os seus trabalhadores.
O ponto essencial desta expansão, dentro da lógica histórica geral que estamos analisando, diz
respeito à permanência, no caso do Cerrado, de dois padrões básicos que detectamos em outras
regiões e momentos do país: o desprezo pelos ecossistemas naturais e o crescimento espacial
extensivo. O Cerrado, como antes aconteceu com a Mata Atlântica, está sendo visto como um
“embaraço” que deve ser superado. Os remanescentes desse bioma já estão por volta de 50%
do original. A discussão sobre o uso dessa “fronteira agrícola ”, no entanto, quase nunca aborda
esse aspecto. A riqueza da biodiversidade do Cerrado, assim como os seus importantes servi-
ços ambientais, mormente no aspecto hidrológico, são constantemente ignorados. O uso econô-
mico que dele se está fazendo, além disso, continua apostando no velho modelo da monocultura
de exportação. A lavoura da soja no Cerrado pode ser considerada, no momento atual, como a
grande herdeira metodológica dos desastres ambientais da cana de açúcar nos séculos XVII e
XVIII e do café no século XIX. Mais uma vez, na história dos últimos 500 anos, substitui-se
maciçamente um rico bioma nativo por uma monocultura exótica que, ao que tudo indica, acabará
por sofrer os efeitos da superprodução e da degradação ambiental, como já se pode ver pelo
crescimento da contaminação e da perda de solos. Mesmo no caso das pastagens plantadas,
onde aparentemente existe uma mudança, já que tradicionalmente a pecuária brasileira utilizou,
A Floresta amazônica perdeu 15% de sua
cobertura original em menos de 30 anos
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500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
Série Técnica WWF-Brasil Volume V
de forma bastante rudimentar, pastos naturais, a lógica essencial continua presente. Trata-se
sempre de uma aposta maior no crescimento horizontal e quantitativo, ao invés de reduzir o
território ocupado através do aumento da produtividade. Com essa segunda alternativa, seria
possível preservar melhor os serviços ambientais e as opções de uso múltiplo do Cerrado, inclu-
sive em termos de exploração da biodiversidade, recreação e unidades de conservação.
No caso da Amazônia, por fim, também é possível detectar uma lógica semelhante, guardadas
as diferenças nas características ecossistêmicas. Inicialmente, é importante observar que a
simples sobrevivência de grandes espaços de floresta tropical na Amazônia já é um fenômeno
extraordinário, que apenas pode ser explicado historicamente. No início dos anos setenta, por
exemplo, apesar dos séculos de exploração econômica, apenas 1 % da sua cobertura original
havia sido destruída. Alguns elementos básicos ajudam a entender esse fato. Enquanto uma
fonte de produtos trópico-florestais, em sentido geral, a Amazônia não era particularmente
relevante para a economia mundial. Para o império português, fazia sentido concentrar-se nos
vastos recursos da Mata Atlântica, mais próximos dos eixos produtivos centrados na extração
mineral e na monocultura de exportação. As outras potências coloniais européias possuíam
amplo domínio sobre florestas tropicais na Ásia, na África e na região do Caribe. Após a eman-
cipação política de 1822, por outro lado, o destino da floresta não sofreu uma mudança signifi-
cativa. O Brasil, assim como os demais países que compartilham a Amazônia sul-americana,
não possuía capitais e tecnologias em escala suficiente para superar as enormes dificuldades
antepostas à sua ocupação e exploração econômica. Além disso, a elite política nacional, con-
centrada principalmente na região Sudeste, não assumia esta ocupação como uma verdadeira
necessidade. O fato é que a Floresta Amazônica, com toda a sua incomensurável riqueza
biológica, não apresentava aos setores dominantes da produção nacional, ou ao capitalismo
industrial exógeno, benefícios econômicos que fossem potencialmente compensadores em
relação aos custos de sua exploração. Nem fora nem dentro do Brasil se desenvolveu uma
efetiva vontade política ou econômica no sentido de ocupá-la.
Esta situação poderia ter-se modificado no final do século XIX, quando a economia mundial mo-
derna, e mais especificamente o capitalismo industrial europeu e norte-americano, encontraram
na biodiversidade amazônica um elemento endêmico essencial para o seu desenvolvimento: a
borracha da seringueira. A presença deste recurso natural despertou a vontade econômica e
política mencionada anteriormente, na medida em que propiciava uma forte compensação para
os esforços envolvidos na ocupação da floresta. Neste momento, a floresta foi salva exclusiva-
mente por uma casualidade biológico-tecnológica: o fato do valor da seringueira encontrar-se na
circulação da sua seiva, e não nas entranhas do caule. A extração do látex, portanto, não reque-
ria a destruição da árvore que, ao contrário, precisava ser mantida o mais possível viva e saudá-
vel. Se não fosse esse detalhe, o impacto destrutivo sobre a floresta teria sido enorme.
Nos anos setenta, ao contrário dos períodos anteriores, o Brasil já contava com um volume
considerável de capitais e recursos tecnológicos para promover a ocupação massiva da Amazô-
nia. Apesar da presença do capital exógeno ter sido relevante, especialmente no setor mineral, a
parte mais substantiva destes investimentos veio do poder público, seja de forma direta ou indire-
ta. Desta vez, no entanto, ao contrário do ciclo da borracha, a vontade política de ocupação e
exploração não proveio da esfera econômica, mas sim da esfera política. Este processo não se
originou de necessidades ou oportunidades sócio-econômicas especialmente prementes para o
país, mas sim do calculo geopolítico dos governos militares, motivados pela vontade de garantir
o domínio nacional brasileiro sobre a maior parte da Amazônia. Foi essa vontade que justificou os
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500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
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Série Técnica WWF-Brasil Volume V
grandes investimentos feitos em infra-estrutura e em subsídios para a sua ocupação.
O resultado concreto posterior dessa dinâmica, de toda forma, tem sido uma perda total de con-
trole sobre o processo de ocupação, abrindo espaço para uma multiplicidade desorganizada de
atores e fontes de exploração/destruição da floresta. Estas fontes estão, na verdade, replicando
uma série de movimentos perversos em relação ao ambiente natural já observados na história
dos últimos 500 anos. Trata-se, de fato, de um modelo de desenvolvimento que beneficia um
segmento pequenoda população, além de não ser sustentável no longo prazo. A industria madei-
reira tem atuado com a mesma falta de cuidado antes observada em serrarias do Paraná, do
Espírito Santo e do Sul da Bahia, para mencionar apenas três pólos importantes. A pecuária
extensiva e rudimentar continua crescendo, servindo principalmente como instrumento de ocu-
pação da terra. As perspectivas de expansão da soja na floresta, caso confirmadas, podem vir a
replicar o que antes se observou com o café na Mata Atlântica. A soma de todos esses proces-
sos, dos quais apenas alguns puderam ser mencionados, já gerou a destruição completa, até
agosto de 1998, de 14 % daquela gigantesca floresta. Isso sem contar as áreas onde a floresta,
apesar de ainda existir, sofreu os impactos da atividade madeireira, tendo sido consideravelmen-
te empobrecida em sua flora e fauna. O Brasil está ameaçado de repetir, uma vez mais, um
grande desastre ecológico em seu território, sendo que dessa vez, ao contrário dos séculos
anteriores, a ignorância dos processos ecológicos não pode mais ser usada como desculpa.
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500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
Série Técnica WWF-Brasil Volume V
3 - UM NOVO CAMINHO PARA UM NOVO MILÊNIO
A ação predatória do passado teve sua lógica no contexto de uma colônia de exploração onde
os recursos naturais pareciam ilimitados. A exuberância, fertilidade e riqueza da natureza do
Brasil criou, aos olhos europeus, compreensivelmen-
te, a fantasia de sua eternidade. O que é completa-
mente irracional e inaceitável, contudo, é a perma-
nência dessa mentalidade em uma nação indepen-
dente, especialmente quando já podemos compre-
ender, através do estudo da história, as suas con-
seqüências devastadoras – do período colonial aos
dias de hoje, as florestas da Mata Atlântica estão
reduzidas a 7% de sua cobertura original, com áre-
as específicas, como as florestas de Araucária, com
apenas 2% da cobertura remanescente. Durante o
século XX, esse padrão destrutivo se repete no in-
terior do país, com a devastação de mais de 50% do Cerrado, em apenas 60 anos e de 15% da
Amazônia, em menos de uma geração.
São notórias as conseqüências em termos econômicos. O fracasso dos ciclos econômicos foi
resultado direto do esgotamento de recursos ou ecossistemas devido à sua exploração irraci-
onal. Como exemplos, temos a decadência do ciclo do café, levando ao abandono do Vale do
Paraíba e de sua infra-estrutura de ferrovias e o soterramento de depósitos auríferos, devido
ao assoreamento de rios danificados pelo garimpo.
No plano social e étnico, os danos resultantes desse modelo exploratório também foram consi-
deráveis. Ao mesmo tempo em que beneficiou um segmento reduzido da população, condenou
uma vasta maioria de brasileiros à pobreza e à doença. Os povos indígenas foram os mais
penalizados. Com uma população original estimada em 5 milhões, restam hoje apenas 320 mil,
a maior parte na Amazônia.
Mas não basta apenas lamentar o passado em busca de culpados. Nossa herança colonial
predatória não pode ser negada, é certo, mas o importante, daqui para a frente, é buscar solu-
ções duradouras que reflitam uma nova relação do Brasil com sua grandiosa, porém finita,
biodiversidade. E há experiências positivas mesmo no período colonial, como é o caso do
plantio e exploração da cabruca de cacau, feitos à sombra de árvores da floresta, permitindo a
conservação de boa parte do ecossistema natural, e o reflorestamento das encostas da cida-
de do Rio de Janeiro para proteger os seus mananciais.
Nos dias atuais, também já são significativas as experiências bem sucedidas de projetos de explo-
ração racional e de desenvolvimento sustentável. O WWF, atuando no Brasil desde 1971, sente-se
orgulhoso em participar de vários deles. O princípio norteador destas alternativas é o de exploração
racional, minimizando o impacto ambiental e maximizando o valor agregado, combinado a um pla-
nejamento de ocupação espacial que garanta uma paisagem saudável, com áreas de exploração
intensiva, áreas de preservação permanente e áreas de uso extensivo de baixo impacto.
Temos, como exemplo, o Plano de Manejo do Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, feito em
parceria do WWF com o IBAMA e a organização não-governamental Fundação Vitória Amazô-
No Brasil, entre as 87 unidades federais de
conservação, apenas uma é lucrativa
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nia (FVA) que envolve em todo o seu planejamento, as comunidades locais do Parque, antes
sempre marginalizadas. Temos também o desenvolvimento de tecnologias de exploração, de
baixo impacto, de madeira das florestas naturais, feito em conjunto com o IMAZON e testado
em Paragominas, no Pará.
O processo de certificação de madeiras e de outros produtos pelo selo verde do FSC (Conse-
lho de Manejo Florestal), ainda que tímido no Brasil, é também uma experiência significativa. Ao
garantir o manejo da floresta, evitando o seu desgaste e destruição, o selo verde do FSC
também sinaliza com benefícios para a população local que sobrevive da floresta, além de
tornar esses produtos mais competitivos no mercado internacional, cada vez mais exigente no
que diz respeito à procedência de produtos florestais.
Exemplos de experiências bem sucedidas de manejo não faltam, mas é necessário que elas
sejam consistentes e integradas em nível governamental. Adianta pouco o Ministério do Meio
Ambiente combater o desmatamento da Amazônia, ao mesmo tempo que, dos 55.400 km²
utilizados para assentamentos no primeiro governo FHC, 76% ficam na Amazônia. Desse total,
23.700 km² foram áreas de floresta que tiveram o desmatamento autorizado. O irônico é que
existem mais de 185 mil km² de áreas desmatadas e abandonadas na Amazônia.
É também necessário entender que programas centrados apenas em controle, punição,
limpeza ou reabilitação são ultrapassados. Os europeus destruíram 97% de suas florestas
nativas em nome do desenvolvimento econômico. No entanto, para manter o alto padrão de
vida, gasta-se hoje bilhões de dólares na Europa em programas para manter o ar limpo,
descontaminar rios e manter a fertilidade do solo. O exemplo mais gritante vem da Flórida, nos
Estados Unidos, onde o aterro e drenagem do Everglades - a maior área úmida do país - para
fins agrícolas e de expansão urbana, resultou em sérios problemas, obrigando os americanos
a pagar uma conta de 7 bilhões de dólares.
Nós não precisamos repetir os mesmos erros. É preciso pensar em ações preventivas para
evitar o gasto de bilhões de reais apenas para combater as queimadas ou despoluir a Baía de
Guanabara e o Rio Tietê. É preciso criar estratégias para evitar que tais situações se repitam,
ou não teremos aprendido a lição dolorosamente ensinada ao longo da nossa história. Nos
Estados Unidos, as 376 áreas protegidas pelo Sistema Nacional de Parques , recebem mais
de 270 milhões de visitantes, que geram receita de 10 bilhões de dólares e 200.000 empregos.
A Costa Rica, um país 167 vezes menor que o Brasil, conseguiu utilizar adequadamente seu
potencial natural e hoje é o destino mais comum para o turista que deseja conhecer uma
floresta tropical. No Brasil, entre as 87 unidades federais de conservação, apenas uma é lucra-
tiva, a do Parque Nacional de Foz do Iguaçu.
A conservação do meio ambiente pode e deve ser sinônimo de desenvolvimento, mas para
isso é preciso valorizar e utilizar os recursos naturais em nosso favor. O governo federal reco-
nhece que o setor florestal contribui com 4% na formação do PIB e com 8% das exportações
nacionais, gerando 1,6 milhões de empregos diretos e uma receita anual de 20 bilhões de
dólares. Dados como esses comprovam que a conservação e utilização racional de nossas
florestas são fundamentais para o crescimento econômico do país e contradiz a idéia de que o
desmatamento traz progresso. Recentemente, o governo concedeu uma linha especial de fi-
nanciamento à agriculturae nada ao setor florestal, apesar de o setor sofrer prejuízos devido
ao uso de equipamentos inadequados: muitos tratores utilizados danificam a floresta mais do
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500 Anos de Destruição ambiental no Brasil
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que seria necessário e cerca de 50% da madeira nas serrarias são perdidos porque as serras
utilizadas não estão de acordo com as recomendações para um bom manejo florestal.
Já se disse que, no futuro, o poder de barganha de uma nação será medido pela qualidade e
quantidade de seus recursos naturais. E o Brasil é um país privilegiado: possui 10% da biodi-
versidade mundial, com um número superlativo de espécies, muitas das quais ainda desco-
nhecidas da ciência. Temos também 13,7% dos estoques hídricos disponíveis no mundo e
10% de todas as florestas. Se imaginarmos que 40% dos medicamentos do planeta são sinte-
tizados ou produzidos a partir de espécies naturais, destinados a um mercado consumidor de
centenas de milhões de consumidores, concluímos que conservar é, acima de tudo, estratégi-
co no mercado globalizado em que vivemos.
A história mostra que a exploração desordenada dos recursos naturais gera paisagens deso-
ladas, desigualdade social, desemprego e miséria. Além disso, o aspecto utilitário associado à
conservação do meio ambiente, não deve se sobrepor ao aspecto ético que ele engloba. O ser
humano é parte intrínseca da natureza e é sua vocação estar em harmonia com ela, de forma
a garantir a nossa sobrevivência, das demais espécies e viabilizar a satisfação das necessi-
dades das gerações futuras, nos níveis do que temos hoje.
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REDUÇÃO DAS FLORESTAS NATIVAS BRASILEIRAS EM RELAÇÃO AOS CICLOS ECONÔMICOS
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100%
Percentual
Remanescente
de
Biomas
Brasileiros
Amazônia
Cerrado
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50%
0%
1500 1550 1600 1650 1700 1750 1800 1850 1900 1950 2000
CICLOS ECONÔMICOS
Pau Brasil
Cana
Café
Soja
Madeira p/ Exporta ção
Os percentuais de desmatamento dos biomas são estimados historicamente conforme os grandes ciclos
econômicos agrícolas e extrativistas do Brasil, uma vez que séries históricas de desmatamento somente
estão disponívies a partir do final do século passado para o Rio de Janeiro e São Paulo, e de forma 
consistente com o respaldo científico do sensoriamento remoto a partir de 1985.
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SHIS EQ QL 06/08 Conjunto “E” 2º andar
70620-430 Brasília-DF Brasil
Tel.: (0xx61) 364-7400
Fax: (0xx61) 364-7474
panda@wwf.org.br
http://www.wwf.org.br
O WWF acredita que a conservação do meio ambiente pode e deve ser sinônimo de desen-
volvimento econômico e social. A história mostra que a exploração desordenada dos recur-
sos naturais gera, a longo prazo, paisagens desoladas, distribuição desigual da riqueza,
desemprego e miséria. Ao examinar o processo histórico de 500 anos da ocupação do Brasil
temos uma oportunidade de aprender a lição duramente ensinada ao longo dos séculos e
não repetir mais os erros do passado.
O WWF-Brasil é uma organização não-governamental autônoma dedicada à conservação
da natureza, atuando em todas as regiões do país com o objetivo de harmonizar a atividade
humana, a preservação da biodiversidade e o uso racional dos recursos naturais renováveis
em benefício dos brasileiros de hoje e das próximas gerações. O WWF trabalha no Brasil
desde 1971, realizando atualmente 60 programas e projetos, e integra a maior rede mundial
de conservação da natureza.
Para maiores informações consulte:

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