Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
IMAGEM PESSOAL Eliane Dalla Coletta O ego e os mecanismos de defesa Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir ego e suas funções segundo a psicanálise freudiana. � Descrever os mecanismos de defesa. � Explicar como se dá a identificação para inserção do sujeito em um grupo a partir de sua constituição psíquica e social. Introdução Neste capítulo, será abordada a estruturação do ego sob a ótica freu- diana. Ao introduzir a noção do inconsciente, Freud apresenta uma nova concepção do sujeito e inaugura um novo pensar sobre os processos psíquicos, fundando toda a concepção teórica e técnica da psicanálise. Na segunda tópica da psicanálise, o inconsciente é concebido não somente pelo recalcado, mas também pelas pulsões (de morte e de vida) como forças opostas, e as leis do inconsciente da primeira tópica passam, na segunda tópica, a ser circunstanciadas com o id, o ego e o superego. Em 1923, com a publicação de O ego e o id, o eu passa à categoria de instância da segunda tópica e é expresso como tendo sido originado do inconsciente. O ego ampara a consciência e as percepções externas, enreda o pré-consciente e contém parte do inconsciente, como função mediadora relacionada ao mundo externo pelo sistema percepção- -consciência e, por outro lado, se forma a partir do id e sobre ele tenta exercer uma função conciliadora. O que a percepção exerce para o ego, o id concerne à pulsão. No ego predomina a razão e, no id, as paixões. As três instâncias que formam a personalidade são passíveis de observação de modo diferenciado. O id só é observável quando uma pulsão obtiver passagem aos sistemas pré-conscientes e conscientes, ou seja, somente quando uma pulsão se propagar até o ego em busca de satisfação, causando sentimentos de tensão e desprazer, fora isso o id não é acessível. O superego se torna visível quando afronta o ego, por meio do sentimento de culpa que gera pela sua crítica e, por sua vez, utiliza medidas para se defender dos ataques das pulsões que buscam intensivamente conseguir seus fins com muita obstinação e energia. Além disso, abordaremos o estudo da constituição do sujeito numa perspectiva a que se encontram associados os fundamentos psíquicos e sociais — evento de extrema importância na teoria freudiana que é a identificação. O ego e suas funções segundo a psicanálise freudiana No final do século XIX, Sigmund Freud (1856-1939), mais precisamente em 1985, lança o seu Projeto para uma psicologia científica, no qual desenvolve sua teoria sobre os processos psíquicos, com enfoque na natureza dos neurônios e suas conexões, que ainda não haviam sido objeto de pesquisas empíricas. A descrição do aparelho psíquico realizada nessa publicação, assemelha-se aos estudos contemporâneos da neurociência e da ciência cognitiva. Para Freud, o movimento no aparelho evidenciava que as redes de neurônios indicavam uma atividade psíquica que surge de pequenas quantidades de energia, propondo então “[...] um modelo de funcionamento da atividade psíquica normal [...]” (RODRIGUES, 2009, p. 5). É nesse trabalho que Freud se refere ao eu como uma instância que se insere no conflito psíquico. Este conflito, para ele, ocorria entre a excitação produzida pelo desejo e a propensão ao recalcamento, cuja plataforma é o sistema neuronal relacionado com as excitações endógenas. O eu é constituído nesse sistema neural e impede a passagem dessa energia quando há sofrimento ou satisfação. Tem uma função dupla que implica em se libertar dos propósitos em que é objeto, buscando a satisfação, e por meio da inibição tenta evadir-se da repetição de experiências dolorosas (ROUDINESCO, 1998). Ao introduzir a noção do inconsciente, Freud apresenta uma nova concepção do sujeito e inaugura um novo pensar sobre os processos psíquicos, que fundou toda a concepção teórica e técnica da psicanálise. A consciência, até então entendida como portadora do controle das atividades conscientes, passou a ser uma consciência dividida, que além dos processos racionais, também é possuidora de pensamentos irracionais, indicando uma estrutura central em que todos os processos mentais são ordenados numa sinopse e integração de toda a vida mental. Porém, concebendo que o inconsciente é possuidor também de um pensamento, o sujeito passa a ser entendido como um sujeito dividido, ou seja, a consciência faz parte do psíquico, mas não contém todos O ego e os mecanismos de defesa2 os processos psíquicos, pois o inconsciente é hábil em estabelecer e produzir pensamentos que não são conscientes, subordinados a uma lei própria que são distintas dos processos racionais, o que demonstra a impossibilidade de uma sinopse harmônica da vida mental pela consciência. Na primeira tópica, o inconsciente é composto basicamente por representações dos desejos impassíveis que foram gerados nos primeiros anos da infância. O recalque foi o agente que os suscitou e os instaurou através das leis do deslocamento e da condensação e suas implicações e articulações. Na segunda tópica, o inconsciente é concebido não somente pelo recalcado, mas também pelas pulsões (de morte e de vida) como forças opostas e as leis do inconsciente da primeira tópica passam na segunda tópica a ser circunstanciadas com o id, ego e superego (BARATTO, 2002). De 1985 até 1923 o eu é pensado como lugar das pulsões, posteriormente no estudo sobre narcisismo primário e secundário, o eu além de mediador passa a ser também objeto de amor e faz-se refúgio da libido. Mas, foi em 1923, com a publicação de O ego e o id, que o eu passa à categoria de instância da segunda tópica e é expresso como tendo sido originado do inconsciente. Segundo Freud (1996a, p. 39-40), […] o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por intermédio do sistema Pc-Cs (sistema percepção consciência) [...] o ego, antes de tudo, um ego corporal, não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície. Nessa abordagem, além do ego e do id, surge a instância do superego, que se desenvolve durante a fase fálica (dos três aos cinco anos), durante o complexo edípico, é o último a se desenvolver na estrutura da personalidade, sendo a força moral, representando as normas e valores, tendo internalizado os padrões morais dos pais pelo sistema de punições (sentimento de culpa), quando a criança faz algo errado e recompensa quando realiza algo de forma satisfatória (HALL; LINDZEY; CAMPELL, 2007). O ego, em função de sua ligação com o sistema perceptivo, cria a or- ganização temporal dos processos psíquicos e o subordina à aprovação da realidade. O ego alterna os processos de pensamento e obtém êxito no adiamento das descargas motoras e busca controlar a energia. Na sua relação com a ação, o ego tem o domínio de uma dinastia contundente, em que nada pode ser transformado em lei sem a sua aquiescência, mas pondera e leva em consideração todas as demandas do id e do superego. O ego ampara a consciência e as percepções externas, enreda o pré-consciente e contém parte 3O ego e os mecanismos de defesa do inconsciente, como função mediadora relacionada ao mundo externo pelo sistema percepção-consciência e, por outro lado, se forma do id e sobre ele tenta exercer uma função conciliadora. O que a percepção exerce para o ego, o id concerne à pulsão. No ego predomina a razão e no id as paixões (ROUDINESCO, 1998). Para elucidar a importância funcional do ego, Freud (1996a, p. 39) faz uma analogia da relação do ego com o id com um cavaleiro: O ego é como um cavaleiro que tem de manter controlada a força superior do cavalo, com a diferença de que o cavaleiro tenta fazê-lo com a sua própria força, enquanto que o ego utiliza forças tomadas de empréstimo [...] com frequência um cavaleiro, se não deseja ver-se separado do cavalo, é obrigado a conduzi-lo onde este que ir, da mesma maneira o ego temo hábito de transformar em ação a vontade do id, como se fosse sua própria. A formação do ego teve, segundo Freud, a influência não somente do sistema perceptivo na sua diferenciação do id, como também do próprio corpo, principalmente a sua superfície (parte externa), pelas sensações do tato externo e interno. A dor exerce um papel nesse processo, pois gera um conhecimento dos órgãos internos, que contribuirá também para que se forme a ideia do corpo, “o ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície” (FREUD, 1996a, p. 40). O ego, no entanto, não tem somente essa relação com id, a partir da latência surge o superego ou ideal de ego. O ideal do ego havia sido tratado por Freud em 1914, com o estudo Introdução ao narcisismo, em que o ideal do ego era uma função do ego. Em 1921, em Psicologia das massas e análise do ego, a função converte-se numa instância do mesmo nome e em 1923, na publicação do Ego e o id, surge o termo superego. Na primeira infância, temos as primei- ras identificações de natureza geral enraizadas e a primeira identificação é responsável pelo nascimento do superego, que é a identificação com o pai. O superego é o herdeiro do complexo de Édipo, e institui-se como uma expressão mais integralizada da libido do id. O ego é o representante do mundo externo e o superego se contrapõe a ele como representante do mundo interno, do id (ROUDINESCO, 1998). Posteriormente a Freud, o ego, sua concepção e suas funções se tornariam um desafio teórico e político originando correntes contraditórias na psicanálise. Surgiram então duas correntes fortes: o annafreudismo e a ego psychology liderada por Anna Freud e Heinz Hartmann, que privilegiaram o ego e seus mecanismos de defesa, desprezando o id e o inconsciente, em que a terapia O ego e os mecanismos de defesa4 psicanalítica tinha como objetivo a adaptação do ego à realidade. Uma outra corrente radicalmente oposta à psicologia do ego teve como representante Melanie Klein (kleinismo) e Jacques Lacan (lacanismo), com um retorno ao inconsciente utilizando direções diferenciadas (ROUDINESCO, 1998). O ego e os mecanismos de defesa Investigar e buscar o conhecimento do conteúdo do ego, suas fronteiras e funções e como acontece a sua relação com o mundo externo, a sua relação com as pulsões do id e com o superego, tem sido uma busca constante na psicanálise para o entendimento do aparelho psíquico, nas décadas de 1930- 1960. Segundo Marques (2012, p. 13): Freud verificou que os afetos podiam ser deslocados para pensamentos por meio de mecanismos inconscientes que mais tarde ele próprio designou por dissociação, recalcamento e supressão. Mais tarde, esses pensamentos pode- riam vincular os mesmos afetos a outros objetos, projeção. Anna Freud, juntamente com seu pai, durante muitos anos dispensou uma atenção especial ao estudo dos mecanismos de defesa identificando cinco grandes atributos: 1. as defesas são a melhor maneira de enfrentar os conflitos e os afetos; 2. as defesas são parcialmente inconscientes; 3. as defesas são distintas entre si; 4. é possível transformar as defesas, apesar de assemelharem-se com os sintomas psiquiátricos; 5. as defesas podem desempenhar uma função adaptativa, porém também podem ser patológicas (MARQUES, 2012). A palavra defesa surgiu pela primeira vez em 1894, no estudo de Freud As neuropsicoses de defesa, sendo estudada com mais profundidade em vários trabalhos seguintes (A etiologia da histeria, Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa). Posteriormente, abandonou esta terminologia e passou a utilizar recalcamento, voltando a se referir novamente à defesa em Inibições, sintomas e ansiedade (1926) (FREUD, 2006). As três instâncias que formam a personalidade são passíveis de observa- ção de modo diferenciado. O id só é observável quando uma pulsão obtiver 5O ego e os mecanismos de defesa passagem aos sistemas pré-conscientes e conscientes, ou seja, somente quando uma pulsão se propagar até o ego em busca de satisfação, causando sentimentos de tensão e desprazer, fora isso o id não é acessível. No caso do superego, o seu conteúdo é, em sua maior parte, consciente, sendo possível acessá-lo através da análise, porém quando está em harmonia com o ego é impossível discerni-los. O superego se torna visível quando afronta o ego, tornando-se visível através do sentimento de culpa que gera pela sua crítica. Das três instâncias, o ego é a que permite a observação direta e é através dele que se acessa as outras duas. O ego utiliza medidas defensivas para se defender dos ataques das pulsões que buscam intensivamente para conseguir seus fins com muita obstinação e energia. No entanto, essas defesas acontecem invisivel- mente no caso do recalcamento que é bem-sucedido, como também acontece com a formação reativa que é uma das principais defesas do ego contra o id. Além de se defender das pulsões do id, o ego também se defende dos afetos associados a estas. Afetos como amor, nostalgia, ciúme, mortificação, dor e pesar, deslocam-se junto com as pulsões dos desejos sexuais, já o ódio, a cólera e a fúria acompanham os impulsos agressivos (FREUD, 2006). O ego utiliza-se de um número limitado de defesas durante os períodos da vida, podendo escolher ora um, ora outro método que pode ser o recalcamento, deslocamento, inversão, etc. A análise das resistências no processo de análise é outra oportunidade de acessar e entender essas defesas. Os principais meca- nismos de defesa são a repressão, a negação, a racionalização, o isolamento, a formação reativa, a projeção, a regressão, a identificação, a dissociação, o deslocamento, a sublimação e a idealização. Quando a sua utilização é em demasia, aponta para sintomas neuróticos (SILVA, 2010). A seguir, as definições desses mecanismos: Repressão: é um dos mecanismos mais comuns de defesa do ego. Seu sig- nificado é o de retirar algo do consciente, levando-a para o inconsciente, ou seja, mantendo distante alguma imagem ou percepção insuportável. Obstaculiza sentimentos e experiências desagradáveis da consciência. O reprimido é instalado no inconsciente, no entanto continua a fazer parte da psique e continuará exercendo influência no comportamento através do desenvolvimento de sintomas. Exemplo: uma vítima de assalto violento não consegue se lembrar de nada do ocorrido e encontra-se com grande ansiedade e/ou deprimida. Regressão: é a volta a um período de desenvolvimento anterior na busca de um conforto, segurança e gratificação sentidas nessa fase. Segundo Volpi O ego e os mecanismos de defesa6 (2008, p. 2), “é um modo de defesa bastante primitivo e, embora reduza a tensão, frequentemente deixa sem solução a fonte de ansiedade original”. Exemplo: uma criança que volta a fazer xixi na cama quando nasce um irmãozinho. Formação reativa: para evitar a expressão de pensamentos ou sentimentos inaceitáveis, o sujeito exagera na expressão de sentimentos ou expressão oposta. Exemplo: Júlio fez direito para agradar seu pai, porém odeia o curso e o fato de ter que ser advogado, mas quando fala publicamente refere a profissão de advogado como sendo uma excelente carreira. Identificação: é um mecanismo não defensivo, no qual se busca alcançar os traços, qualidades e particularidades de alguém a quem se admira. Na identificação projetiva, conceito desenvolvido por Melanie Klein — posição esquizoparanoide, segundo Volpi (2008, p. 2) “[...] o indivíduo se identificando com o outro (pessoa ou objeto), cria internamente uma imagem ou fantasia e projeta isso para fora de si identificando-se com esta fantasia e construindo uma outra realidade psíquica”. Exemplo: uma pessoa que fez um longo tratamento dentário, ortodôntico, decide ser dentista posteriormente. Intelectualização: há um isolamento dos afetos. Exemplo: este mecanismo é muito utilizado pela área médica. Os médicos necessitamisolar os afetos ao realizar uma cirurgia, ou tratar doenças terminais. Racionalização: este mecanismo é um dos mais utilizados, pois o sujeito justifica com lógica e ética plausível alguma atitude e pensamentos inaceitáveis, dessa forma tem um intento benéfico como autoproteção e conforto psíquico. Exemplo: o dependente de álcool que justifica o uso da bebida como meio de suportar a morte de um filho. Projeção: é o ato de atribuir pensamentos, sentimentos e impulsos intole- ráveis para si mesmo a outra pessoa. Segundo Silva (2010, p. 4), “necessa- riamente, antes da projeção vem um mecanismo de negação, ou seja, uma forma de deslocamento que se dirige para fora e atribui a outra pessoa seus traços de caráter e desejos contra os quais existem objeções”. Exemplo: uma pessoa que se apaixona perdidamente por alguém (casado ou seu professor ou seu analista) e refere que é o outro que está apaixonado e que está assediando. 7O ego e os mecanismos de defesa Introjeção: trata-se de assumir para si características de outras pessoas. Algo externo passa a fazer parte de seu ego. Esse mecanismo é relacionado ao de identificação. Exemplo: uma criança que repreende outra quando quer subir uma escada perigosa. Ela introjetou as normas passadas por seus pais. Negação: o sujeito rejeita um pensamento, uma atitude ou um sentimento que é muito insuportável, que não consegue tolerar e simplesmente considera-o inexistente. Exemplo: típico mecanismo dos alcóolatras, que não admitem que são dependentes da bebida e referem que bebem socialmente. Isolamento: o sujeito desassocia o pensamento ou recordação do afeto ou emoção que estava relacionado a ele. Exemplo: pacientes terminais falam de sua doença como se não fosse com eles. Dissociação: é a separação de sentimentos/pensamentos contraditórios como o amor e ódio em relação a um mesmo objeto. A tentativa de integração gera uma ansiedade insuportável. Exemplo extremo é a dupla personalidade. Deslocamento: é a substituição de um impulso/pulsão inicial por outro. Exemplo: uma pessoa que está com ódio de seu professor e agride verbalmente um colega. Sublimação: é um processo através do qual a libido se separa do objeto sexual para outra finalidade, visando a satisfação. Para Freud (1996c, p. 111), “a sublimação é um processo que diz respeito à libido objetal e consiste no fato da pulsão se dirigir no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade da satisfação sexual”. Exemplo: competições esportivas são subli- mações de pulsões agressivas ou uma pessoa com fortes impulsos sexuais se transforma em um grande artista. Idealização: Segundo Freud (1996c, p. 111), “[...] a idealização é um processo que diz respeito ao objeto; por ela este objeto, sem qualquer alteração na sua natureza, é engrandecido e exaltado na mente do indivíduo”. Exemplo: idealizar o parceiro e cair na dependência emocional, pois estar com alguém que hipo- teticamente lhe era impossível faz com que a pessoa se entregue totalmente. Fixação: é um apego permanente da libido num estágio do desenvolvimento da personalidade. Muito dos traços de personalidade são pequenas fixações a alguma fase (oral, anal, fálica). Fixação está na origem das repressões/recalques. Exemplo: uma pessoa com forte fixação na fase anal pode apresentar carac- O ego e os mecanismos de defesa8 terísticas obsessivas ou vir a manifestar uma neurose obsessivo-compulsiva (ZIMERMAN, 2008). O ego, então, se utiliza desses mecanismos de defesa para se defender das constantes inserções das pulsões na busca de uma incansável satisfação. São parcialmente inconscientes, podem ser utilizadas como uma forma de adaptação, como também podem se transformar em patologias em função da intensidade, frequência e rigor. O ego utiliza variadas defesas e é através da análise das resistências que é possível acessá-las. Das três instâncias que formam a personalidade, o ego é a instância que possibilita observação direta. Compreenda melhor o mecanismo de identificação lendo o texto O mecanismo da identificação: uma análise a partir da teoria freudiana e da teoria crítica da sociedade, o qual foi desenvolvido pela pesquisadora Dulce Regina dos Santos Pedrossian. Nesse texto, a autora faz uma reflexão sobre o mecanismo de defesa “identificação”, to- mando como ponto de apoio os textos sociais de Freud e as contribuições da teoria crítica da sociedade. Para Pedrossian (2008, p. 1), “os indivíduos, em vez de estarem identificando entre si, estão se identificando com a totalidade social irracional [...] a cultura e a sociedade têm utilizado estratégias compulsivas para a criação de vínculos identificatórios [...]”. O processo de identificação na inserção do sujeito em um grupo O estudo da constituição do sujeito requer o entendimento dentro de uma perspectiva em que se encontram associados os fundamentos psíquicos e sociais, em que está envolvido um evento de extrema importância na teoria freudiana que é a identificação. A inserção do sujeito em um grupo foi objeto de estudo de Freud em 1921, com a publicação de Psicologia de grupo e análise do ego. Segundo Roudinesco (1998), Freud desde o início de seu texto expôs o fenômeno de que sempre existe o “outro”, que serve de modelo, objeto e ou rival na constituição do ego, preterindo a oposição onisciente entre psicologia individual e psicologia social. No entanto, há diferenças a serem pontuadas no interior da psicologia individual, na constituição do sujeito quanto às ações sociais e às ações narcísicas, como a satisfação da pulsão. A temática do homem 9O ego e os mecanismos de defesa na cultura e na sociedade também foi tratada nas publicações O mal-estar da civilização (1930), Totem e tabu (1913) e em O futuro de uma ilusão (1927) (GUIMARÃES; CELES, 2007). A identificação é um dos mecanismos que surgem na mais tenra idade, sendo para Freud (1996b, p. 136): A mais remota expressão de um laço emocional com outras pessoas, como também pode, de maneira regressiva, se tornar sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por meio da introjeção do objeto no ego, e, também pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto da pulsão sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo assim representar o início de um novo laço. [...] o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos suspeitar que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder. A relação do grupo ou a questão do sujeito se relacionar num grupo não se sustenta na explicação da existência de uma pulsão social, conforme Freud (1996b). A sua investigação foi na direção de desvendar a influência do grupo na vida mental do sujeito, a magnitude do grupo na constituição do sujeito e na alteração mental que o mesmo provoca no sujeito. Buscou fundamentar essa atratividade do grupo e de sua influência no sujeito pela libido. Libido enquanto energia de todas as pulsões que podem ser abrangidas pelo amor, de forma ampla como amor sexual, amor próprio, amor pelos pais, pelos filhos, amor na amizade, etc., ou seja, tudo que faz laço emocional constitui a essência da mente grupal. Como membro de um grupo, o sujeito identifica-se com o líder e também com os outros membros do grupo. Nessa dinâmica, o sujeito abandona o seu ideal de ego em prol do amor a um líder, ou seja, o objeto foi colocado no lugar do ideal do ego e assim todos os membros do grupo o fizeram, o que faz com que se identifiquem uns com os outros em seu ego (FREUD, 1996b, p. 147). O líder não é alguém que se intitula como um “Deus”, a não ser em casos patológicos, ou que esteja estampado “eu sou a sua parte idealizada” ou “eu sou aquilo que vocês gostariam de ser”. Tudo acontece de forma subliminar, pouco perceptívelbaseado no fenômeno da identificação. O líder é escolhido por ter algumas características e competências diferenciadas que todos gos- tariam de ter, por isso tem mais autonomia de ação que os demais membros e ao substituir o ideal de todos estabelece uma ligação entre eles, pois todos acabam se identificando, uns com os outros, através de seu ideal de ego agora compartilhado com o líder. O grupo passa a ter assim um ideal de grupo que O ego e os mecanismos de defesa10 se torna o ideal do sujeito, que não medirá esforços para cumprir com todas as exigências do grupo, pois estas se transformaram em suas também. Na dinâmica organizacional, atualmente um atributo muito desenvolvido, esti- mulado e colocado como padrão de comportamento é o trabalho em equipe e o desenvolvimento de lideranças não mais como chefes e sim como líderes, que sejam inspiradores, em prol de um objetivo comum como estratégia (CAPITÃO; HELOANI, 2007). A libido é que sustenta a relação do líder com os demais membros do grupo e cada elemento do grupo está ligado ao líder e aos outros membros. Esses laços se tornam efetivos em função da dessexualização dos impulsos sexuais, sendo que no processo civilizatório cada vez mais vemos a formação de grupos em torno de objetivos comuns e isso merece um cuidado em especial, tendo em vista que para que esses vínculos sejam mantidos é inexorável um comedimento da vida sexual. Como o narcisismo é limitado na atuação em grupo, o que prepondera é a vontade do grupo sobre os interesses individuais (GUIMARÃES; CELES, 2007). Se o que mantêm a coesão grupal é energia da libido dessexualizada, assemelha-se a um estado de estar amando, por isso necessitamos aprofundar o entendimento desse fenômeno “amor”. Segundo Freud (1996b), no final da fase edipiana há uma repressão das pulsões sexuais, sendo que a criança abandona grande parte desses objetivos sexuais e sua relação com os pais se modifica para uma relação afetuosa, porém essas primeiras tendências sen- suais continuam a existir no inconsciente, somente foram reprimidas. Surge o ideal de ego, ou superego, cuja principal função é a consciência moral, a auto-observação e a censura, sendo o herdeiro do narcisismo original em que o ego infantil usufruía de autossuficiência para se submeter à influência do mundo externo. No estado de estar amando, uma boa quantidade de libido narcisista extravasa para o objeto e pode ser observado que em algumas formas de escolha amorosa há a evidência de que o objeto se ajusta como suplente de algum ideal de ego de nós mesmos que não foi atingido. Ou seja, amamos em função das qualidades e virtuosidades que gostaríamos de conseguir para nosso próprio ego e, de uma maneira indireta, busca-se a satisfação do nosso narcisismo. O ego passa a ser devoto ao objeto como uma sublimação, as funções do ideal do ego deixam de funcionar, deixam de fazer a crítica, silenciam e tudo o que o objeto faz e pede é correto. A consciência não se aplica a nada que seja feito por amor ao objeto; na cegueira do amor, a falta de piedade é levada até o diapasão do crime. A situação total pode ser inteiramente resumida numa fórmula: o objeto foi colocado no lugar do ideal do ego (FREUD, 1996b, p. 143). 11O ego e os mecanismos de defesa Observamos que num grupo os vínculos emocionais intensos são sufi- cientes para o entendimento de uma de suas características: a dependência e falta de iniciativa de seus membros, suas reações são semelhantes, há uma redução a indivíduos grupais. Contudo, um grupo apresenta mais do que isso. É possível identificar a fraqueza da capacidade intelectual, falta de controle emocional, incapacidade de moderação, inclinação em ultrapassar todos os limites na expressão da emoção e descarregá-las sob a forma de ação, demonstra uma regressão da atividade mental de um indivíduo a um estágio anterior, semelhante aos selvagens e às crianças. Essa regressão é bem comum de aparecimento nos grupos comuns, já nos grupos organizados e artificiais ela pode ser controlada (igreja, exército, organizações). Na sociedade humana é possível encontrar esses fenômenos de dependência e de quanto cada indivíduo é governado por essas atitudes da mente grupal nas características raciais, preconceitos de classe, opinião pública (FREUD, 1996b). Ao analisar a vida de cada indivíduo como elemento de grupo, veremos que está conectado por vínculos de identificação em muitos sentidos e constituiu seu ideal de ego com muitos modelos, participando de numerosas mentes grupais: sua raça, classe, credo, nacionalidade, etc. Porém, é nos grupos transitórios e efêmeros que se pode observar como o indivíduo abandona seu ideal de ego e o substitui pelo ideal do grupo, tal como é corporificado no líder. A identificação revela o quanto o “outro” é universal na experiência subjetiva e o quanto o apoderamento de um elemento que venha do outro tem repercussão na subjetividade foi o que levou Freud a não ver oposição entre a psicologia individual e a social. 1. Conforme estudamos acerca do ego e dos mecanismos de defesa, analise essa situação: Rogério costuma tratar as situações difíceis de maneira fria, chegando a configurar comportamentos que caracterizam falta de humanidade. Nesse caso, poderíamos inferir, ainda, que Rogério apresenta dificuldades em lidar com suas emoções em determinadas situações, tendendo a racionalizar a maioria das questões por ele vivenciadas. Qual mecanismo de defesa seu ego está utilizando de forma a evitar emoções indesejadas? a) Identificação. b) Idealização. c) Intelectualização. d) Formação reativa. e) Introjeção. O ego e os mecanismos de defesa12 2. Quando encontramos uma pessoa com dois tipos de personalidade distintos, com incapacidade de recordar informações pessoais, com variações de memória, podemos supor que o seu ego está utilizando que tipo de mecanismo de defesa? a) Projeção. b) Dissociação. c) Formação reativa. d) Sublimação. e) Idealização. 3. Identificar e entender a personalidade de uma pessoa só é possível através da observação direta de seu comportamento. Nesse sentido, através de que instância da personalidade isso pode ser apreendido? a) Superego. b) Id. c) Ideal de ego. d) Pré-consciência. e) Ego. 4. Veja o exemplo: Felipe continuamente está pensando e lendo sobre todo o tipo de doença que pensa ter contraído, uma preocupação excessiva com doenças que sempre pensa ter, porém, no seu grupo de conhecidos, colegas e amigos, refere que busca informações sobre as doenças porque se preocupa com a saúde. Nesse exemplo, que tipo de mecanismo de defesa podemos inferir? a) Identificação. b) Deslocamento. c) Formação reativa. d) Racionalização. e) Idealização. 5. Analise a seguinte afirmação: o que revela o quanto o “outro” é universal na experiência subjetiva e o quanto de apoderamento de um elemento que venha do outro tem repercussão na subjetividade. Estamos falando de qual conteúdo psíquico? a) Ideal de ego. b) Identificação. c) Ego. d) Superego. e) Id. BARATTO, G. Descobrindo o encobrimento da descoberta freudiana: a psicanálise e a “ego psychology”. Estilos da Clínica, v. 7, n. 12, p. 156-177, 2002. Disponível em: <http:// pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v7n12/13.pdf>. Acesso em: 27 nnov. 2018. CAPITÃO, C. G.; HELOANI, J. R. A identidade como grupo, o grupo como identidade. Aletheia¸ n. 26, p. 50-61, 2007. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/aletheia/ n26/n26a05.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018. FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Porto Alegre: Artmed, 2006. FREUD, S. O ego e o id. In: FREUD, S. Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. v. 19. (Edição Standard Brasileira, 12). Obra originalmente publicada em 1923. 13O ego e os mecanismos de defesa FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego. In: FREUD, S. Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996b. v. 18. (Edição Standard Brasileira, 12). Obra originalmente publicada em 1921. FREUD,S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996c. v. 14. (Edição Standard Brasileira, 12). Obra originalmente publicada em 1914. GUIMARÃES, V. C.; CELES, L. A. M. O psíquico e o social numa perspectiva metapsico- lógica: o conceito de identificação em Freud. Psicologia: teoria e pesquisa, v. 23, n. 3, p. 341-346, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v23n3/a14v23n3.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018. HALL, C. S.; LINDZEY, G.; CAMPELL, J. B. Teorias da personalidade. Porto Alegre, Artmed, 2007. Livro eletrônico. MARQUES, A. C. I. Mecanismos de defesa do ego, apoio social e auto-percepção do en- velhecimento em adultos mais velhos. 2012. Dissertação (Mestrado Integrado em Psi- cologia) - Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/8056/1/ulfpie043166_tm.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018. RODRIGUES, S. S. A atualidade do projeto freudiano de 1985. TransFormações em Psico- logia, v. 2, n. 2, p. 100-113, 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/transpsi/ v2n2/a06.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018. ROUDINESCO, E. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,1998. SILVA, E. B. T. Mecanismos de defesa do ego. 2010. Trabalho apresentado a FUNEDI, sob a orientação da Mestre Leila Ferreira Eto para obtenção parcial de crédito na Disciplina Avaliação psicológica Técnicas Projetivas. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/ artigos/textos/TL0212.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018 VOLPI, J. H. Mecanismos de defesa. 2008. Artigo do curso de Especialização em Psicologia Corporal, Centro Reichiano, Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.centroreichiano. com.br/artigos/Artigos/Mecanismos%20de%20Defesa.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018. ZIMERMAN, D. E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2008. Livro eletrônico. Leituras recomendadas PEDROSSIAN, D. R. S. O mecanismo da identificação: uma análise a partir da teoria freudiana e da teoria crítica da sociedade. 2008. Inter-Ação, v. 33, n. 2, p. 417-442, 2008. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/interacao/article/view/5275/4692>. Acesso em: 27 nov. 2018. STENNER, A. S. A identificação e constituição do sujeito. Psicologia: ciência e profis- são, v. 24, n. 2, p. 54-59, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n2/ v24n2a07>. Acesso em: 27 nov. 2018. O ego e os mecanismos de defesa14 Conteúdo:
Compartilhar