Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Gestão empresarial comunicação e expressão Leitura e anáLise de texto: contraste e semeLhanças entre textos 5 ObjetivOs da Unidade de aprendizagem Ao final da aula, o aluno deverá ser capaz de comparar e identificar estruturas, temas e características de per- sonagens com a intenção de perceber semelhanças e diferenças. COmpetênCias Desenvolvimento da capacidade de leitura e interpreta- ção de texto. Ampliação do repertório literário. Habilidades Associar informações a textos. comunicação e expressão Leitura e anáLise de texto: contraste e semeLhanças entre textos ApresentAção A interpretação de textos requer entendimento de cer- tos princípios e uso de técnicas. Embora textos simples possam ser compreendidos de modo intuitivo, nem sem- pre a intuição é suficiente para a compreensão de do- cumentos complexos. Nesta aula você verá princípios e técnicas que aprimoram a percepção textual à medida que sua cultura e experiência se desenvolvem. pArA ComeçAr Existem dois provérbios bastante conhecidos que apre- sentam sentidos diferentes. Leia os provérbios a seguir: Quem espera sempre alcança. Quem espera desespera. Embora as duas frases pareçam semelhantes na forma, é possível perceber diferenças de sentido. → A semelhança, mostrada na estrutura da frase, no sujeito e no verbo levam a pensar, nos dois casos, em indivíduos que supostamente estão em posição de aguardar e não de fazer. → A diferença está no sentido, que aparece na con- clusão do enunciado: a primeira frase é otimista e a segunda é pessimista. Agora leia a letra da música Bom Conselho, de Chico Buarque. Pense em provérbios que, de algum modo, o texto faz lembrar. Você é capaz de perceber contrastes entre a letra e os provérbios? E semelhanças? Ouça um bom conselho Que eu lhe dou de graça Inútil dormir que a dor não passa Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 4 Espere sentado Ou você se cansa Está provado, quem espera nunca alcança Venha, meu amigo Deixe esse regaço Brinque com meu fogo Venha se queimar Faça como eu digo Faça como eu faço Aja duas vezes antes de pensar Corro atrás do tempo Vim de não sei onde Devagar é que não se vai longe Eu semeio o vento Na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade — Chico Buarque, Bom Conselho O autor, por meio de jogo de palavras, faz uma paródia das expressões e dos provérbios a seguir: → Se conselho fosse bom não se dava, vendia; → Não espere sentado (ou “espere sentado”, dito em tom irônico); → Quem espera sempre alcança; → Quem brinca com fogo se queima; → Faça o que eu digo e não o que eu faço; → Pense duas vezes antes de agir; → Devagar se vai ao longe; → Quem semeia vento, colhe tempestade. Ao observar um texto, percebemos diferenças de sentido que podem ocorrer ao mudarmos alguns termos. Encontramos semelhanças temá- ticas e de sentido em gêneros textuais diferentes. As diferenças e seme- lhanças, no entanto, não se restringem a isso. Tanto diferenças como semelhanças podem aparecer marcadas por classes de palavras, pelo contexto, pela forma, pelo sentido. Neste capítulo aprenderemos como compreender melhor os textos a partir de semelhanças e diferenças. Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 5 Atenção Semelhanças e diferenças textuais dependem de vários re- quisitos. Uma mesma forma pode conter vários sentidos; um sentido pode ser escrito de várias formas. Um mesmo tema pode ser escrito de várias formas e sentidos diferentes. Vamos nos aprofundar na leitura e interpretação de alguns textos e verifi- car de que maneira os temas se aproximam ou se distanciam. FundAmentos Entendemos semelhança como “a apreensão intuitiva de certa afinidade entre duas ou mais grandezas, a qual permite reconhecer entre elas, sob certas condições e com a ajuda de procedimentos apropriados, uma rela- ção de identidade” (GREIMAS & COURTÉS, 2008, p. 440) e diferença como “a distância entre duas grandezas [...]” (op. cit., 140), que só pode ser re- conhecida a partir de semelhanças que lhe sirvam como suporte. Em ou- tras palavras, só existe a diferença quando existe uma possibilidade de semelhança. Dessa forma, semelhanças e diferenças podem ser consideradas como relações dentro de uma mesma categoria. Nesse sentido, são inúmeras as relações textuais que podem ser observadas. Vamos escolher, a título de ilustração, algumas relações possíveis. Lem- bre-se que não são todas. 1. Oralidade e esCrita. Apesar de haver correspondência entre textos falados e escritos, escrever apresenta características bastante diferentes de falar. Enquanto o interlo- cutor está presente durante o ato da fala, está ausente no momento em que escrevemos. Dessa forma, como localizar aquele para quem escre- vemos? Quem é nosso leitor? Como seremos compreendidos? Essas são algumas perguntas que nos ocorrem diante da escrita. Quando falamos, alguns problemas de interpretação ou compreensão podem ser percebidos e corrigidos com a interrupção daquele a quem estamos nos dirigindo. É possível, no momento da fala, retomarmos e dizermos de outras maneiras, com outras palavras até que sejamos com- preendidos. O evento da fala pressupõe algumas formas de comunicação Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 6 não verbais que servem de apoio à compreensão: gestos, expressão fa- cial, olhares, entonação... Por outro lado, ao escrever, esses elementos nos faltam e precisamos pressupor o entendimento do interlocutor apenas pela escolha lexical. Não é possível introduzir gestos no texto escrito ou supor que as palavras alcancem o mesmo significado. Dessa forma, escrever precisa de cuida- dos adicionais. Apesar das diferenças entre oralidade e escrita, as semelhanças permi- tem que sejam compreendidas. Vejamos dois textos que, embora apare- çam escritos, marcam diferentemente fala e a escrita. Texto I (falado) “Ela tava ali, lindinha e nos conformes, cara... Fiquei olhando, imaginando um jeito de dizer, bem, você sabe né? De di- zer aqueles negócios que fico pensando sem ela. Era hora, agora, vou lá, dou uma chavecada nela, buzino umas no ouvidi- nho dela, tá na minha... Bom, tava faltan- do coragem, puxa, foi me dando um frio, uma coisa, um estado... Virei as costas, meu irmão, e me mandei.” Texto II (escrito) “Digo a você que ela estava lá, diante dos meus olhos. Perfeita. Olhei-a imaginando um jeito de dizer o quanto era importan- te para mim, dizer o que pensava dela quando estava a sós comigo mesmo. Pen- sei ser a hora certa, conversa: Mas me fal- tou coragem. Fugi.”1 Como você pode observar, o texto escrito precisa apresentar um todo semântico, com as partes bem concatenadas. Uma de suas característi- cas é que seja desprovido das marcas de oralidade: repetições, pausas, inserções, expressões vulgares ou continuações. Há exigências que não se fazem no texto oral: regras gramaticais específicas para garantir a clareza, grafia das palavras, acentuação, coesão, coerência... Apesar dessas diferenças, um texto escrito que represente a fala (com marcas de oralidade) pode ser compreendido perfeitamente. Veja o texto a seguir. Caçador de paturis - Cumpadi, cumé que ocê costuma caçá paturi? - Cumo quarqué pessoa. Caçando nos mato. Que pergunta mais estapafúrdia, cum- padi. - Espera aí, cumpadi. Que é caçando, eu sei, mas quero sabê com o quê ocê custuma caçá. 1. As diferenças entre Fala e Escrita. Disponível em: http://www. algosobre.com. br/redacao/as- diferencas-entre-fala- e-escrita.html. Acesso em 16/5/2010. http://www.algosobre.com.br/redacao/as-diferencas-entre-fala-e-escrita.html http://www.algosobre.com.br/redacao/as-diferencas-entre-fala-e-escrita.html http://www.algosobre.com.br/redacao/as-diferencas-entre-fala-e-escrita.html http://www.algosobre.com.br/redacao/as-diferencas-entre-fala-e-escrita.html http://www.algosobre.com.br/redacao/as-diferencas-entre-fala-e-escrita.htmlComunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 7 - Com o que haverá de? Com a minha espingarda de cartucho, ué? Ocê sabe que a carga é grande. Intão na hora que eu puxo o gatío, eu chaqueio o braço pra móde espaiá a porta. Derrubo uns 10 paturi só com um tiro da bicharêda. - Pois eu faço diferente. Caço de noite e sem espingarda nenhuma. A minha lanterna é daquelas que tem um facho grandão de luz que parece olofróte dos campo de aviação. - Ara! Já to querendo sabê como é isso. Caçá de noite e só com a lanterna, pra mim é nova, cumpadi. - Espia só. Os paturi chegam em bando e vão se aninhando naquela arve frondosa. Ficam ali apinhocado mais de 200. Tudo pronto pra drumi. Pois bem. Eu chego quieti- nho com a minha lanterna no escuro, aprumo pra riba, pra perto da arve e acendo o facho de luz, pro rumo do céu. Aí eu começo a rodopiá aquele facho de luz. De repente, os paturi percebe e entra naquele facho de luz que formou ansim quiném um anér. E entra mais outro, e mais outro. Eu continuo rodando aquele anér de luz... E quando a roda toda ta cheia de paturi... aí eu, num solavanco de surpresa, rodopio ao contrário. Os paturi trombam tudo uns nos ôtro e cai aquele despropó- sito no chão. Tudo tonto co as cabeçada que deram! — Rolando Boldrin, Contando Causos, Nova Alexandria, 2001 De qualquer forma, mesmo esse texto, por estar escrito segue algumas regras específicas. É preciso uma apresentação formal: os parágrafos ini- ciam com letra maiúscula, as palavras devem ser separadas umas das outras por espaços em branco, as orações são pontuadas e as palavras seguem a ortografia oficial. Atenção Não basta que o autor siga exigências ortográficas e de sin- taxe para que você leia com facilidade. As ideias precisam ser transpostas com clareza, o que é obtido por meio da coesão e coerência textuais. O assunto é bastante complexo e vasto e não podemos abranger todas as suas especificidades. Podemos afirmar, no entanto, que a própria oralida- de apresenta diferenças em situações diversas: um apresentador de tele- jornal, alguém que fale ao telefone, crianças conversando, adolescentes, homens de negócios, vendedores, professores universitários... Em cada uma dessas situações marcadas pela oralidade os textos são diferentes. Se escritos, mais diferentes ainda. Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 8 2. gênerOs e tipOs Antes de passarmos às diferenças e semelhanças, é preciso primeiro es- tabelecer o que seja tipologia textual e gênero textual, pois existe certa confusão teórica a esse respeito. É comum encontrarmos em livros de gramática a divisão de textos em três gêneros: narração, descrição e dissertação, o que veremos mais adiante. No entanto, e devido ao aparecimento de diversas mídias com formas comunicativas novas e próprias, aconteceu uma mistura que de- safia as relações entre oralidade e escrita. Ainda por conta disso, diferentes tipos de texto até então desconheci- dos passaram a existir e houve necessidade de uma divisão. Alguns teóricos consideram tipologia textual o que comumente se cha- mava gênero. Assim, os tipos (e não os gêneros) seriam: narração, descri- ção e dissertação e a palavra gênero passou a denominar as diversas ma- nifestações textuais que apresentam características sociocomunicativas definidas. São inúmeras: cartas, romance, bilhete, reportagem, reunião, notícia, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, ins- truções, cartazes, inquérito, resenha, edital, gênero jornalístico, televisivo, piada, conversação, conferência, e-mail, propaganda, novela, aula virtual... Além dos gêneros e dos tipos, existem os chamados domínios discursi- vos que propiciam discursos específicos. Assim, temos: discurso jurídico, religioso, jornalístico. As características de cada um dos gêneros e mesmo dos tipos são di- ferentes. As semelhanças que podem ocorrer, nesses casos, residem nos temas. Tomemos a cerveja como exemplo. É possível encontrar: propaganda, notícia, história da cerveja, conversa sobre cerveja, receita culinária com cerveja. Mas serão enfoques e leituras diferentes. A interpretação será efetuada de acordo com cada gênero. Lembre-se Os tipos de textos seriam: narração, descrição e disserta- ção. O gênero passou a caracterizar diversas manifestações textuais que apresentam características sociocomunicativas definidas, como cartas, romance, bilhete, reportagem, reu- nião, notícia, receita culinária, bula de remédio. E os domí- nios discursivos que propiciam discursos específicos são os discursos jurídico, religioso, jornalístico. Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 9 Leia a seguir um artigo opinativo publicado na Folha de S. Paulo. Compare- -o com o texto poético de Carlos Drummond de Andrade. Estabeleça as semelhanças e as diferenças. Um novo José Josias de Souza Calma José. A festa não começou, a luz não acendeu, a noite não esquentou O Malan não amoleceu, mas se voltar a pergunta: E agora, José Diga: ora Drummond, agora Camdessus. Continua sem mulher, continua sem discurso, continua sem carinho, ainda não pode beber, ainda não pode fumar, cuspir ainda não pode, a noite é fria, O dia ainda não veio, o riso ainda não veio, não veio ainda a utopia, o Malan tem miopia, mas nem tudo acabou, nem tudo fugiu, nem tudo mofou. Se voltar a pergunta: E agora, José? Diga: ora Drummond, Agora FMI. Se você gritasse, se você gemesse, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... O Malan nada faria, mas já há quem faça. Ainda só, no escuro, qual bicho do mato, ainda sem teogonia, ainda sem parede nua, pra se encostar, ainda sem cavalo preto, que fuja a galope, você ainda marcha José! Se voltar a pergunta: José para onde? Diga: ora Drummond, Por que tanta dúvida? Elementar, elementar, sigo pra Washington e, por favor, poeta, não me chame de José. Me chame Joseph. Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 10 José Carlos Drummond de Andrade E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio – e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho do mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde? Aproveitando esse exemplo, podemos passar para o próximo item: dife- renças e semelhanças na forma com que os textos se apresentam. 3. FOrma Como você viu, as diferenças entre textos orais e escritos residem na es- colha lexical, no cuidado com a escrita em relação à fala e suas semelhan- ças podem ser observadas no tema. Ou seja, você pode conversar sobre determinado assunto – e utilizará propriedades da linguagem oral – ou escrever sobre esse mesmo assunto – e precisará empregar certas regras da linguagem escrita. As diferenças entre os gêneros, assim como oralidade e escrita, tam- bém estão na maneira de dizer: propagandas, cartazes apresentam uma linguagem mais visual, em comparação a uma carta ou romance. Comunicação e Expressão / UA 05 Leiturae Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 11 As semelhanças também se encontram no assunto. Pode-se falar de um mesmo assunto em diferentes gêneros. E a forma? As formas textuais estão ligadas mais à escrita. As formas levam em conta a estrutura escolhida para veicular determinado tema. Poema e prosa são diferentes formas, que seguem regras específicas no momento de sua criação. Observe a seguir, a forma como se apresenta a letra de uma música (versos) e uma crônica (prosa), sobre o mesmo tema, a chuva. Chuva de Prata Ed Wilson / Ronaldo Bastos Se tem luar no céu Retira o véu e faz chover Sobre o nosso amor... Chuva de prata Que cai sem parar (refrão) Quase me mata De tanto esperar Um beijo molhado de luz Sela o nosso amor... Basta um pouquinho De mel pra adoçar Deixa cair O seu véu sobre nós Oh Lua! Bonita no céu Molha o nosso amor... Toda vez Que o amor disser: Vem comigo! Vai sem medo De se arrepender... Você deve acreditar No que eu digo Pode ir fundo Isso é que é viver... Cola seu rosto no meu Vem dançar Pinga seu nome no breu Pra ficar Enquanto se esquece de mim Lembra da canção... Toda vez Que o amor disser: Vem comigo! Vai sem medo De se arrepender... Você deve acreditar No que eu digo Pode ir fundo Isso é que é viver... Chuva de prata ... (refrão) Um beijo molhado de luz Sela o nosso amor Enquanto se esquece de mim Lembra da canção Oh Lua! Bonita no céu Molha o nosso amor!... Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 12 Herói em dia de chuva Sonia Madruga Susto também passou a minha mãe nesta noite de tanta chuva. Ela mora aqui perto, em uma casa grande, com suas acompanhantes. Escurecia quando um som abafado fazia crer que alguma coisa tinha caído no jardim dos fundos. Misteriosamente, momentos depois, a campainha de trás começou a tocar intermitentemente. Todas se assustaram: ninguém entraria pelo jardim dos fundos e, por mais que perguntassem: Quem é? Quem é? ... não havia nenhuma resposta. Cheias de iniciativa, chamaram a polícia, mas assoberbados, não puderam dar atenção. Às 8 da noite, já à beira do pânico, me ligaram narrando o fato. Alguém no jardim, sem poder sair (é um jardim interno), durante todas aquelas horas debaixo de tanta água... é uma cena dantesca. Falei com Lauro Henrique e, homem varonil e decidido, pegou sua bengala, o guarda-chuva e foi lá dar apoio e averiguar. Para atravessar a rua, teve que ir de carro, tamanha a correnteza e volume de água. Ninguém queria abrir a porta dos fundos debaixo daquele temporal, por motivos óbvios. Fiquei monitorando pelo celular, fiz mil recomendações, e estava toda apavorada: que estava acontecendo? O cara da guarita aqui da rua negou fogo: melhor aguardar a polícia... Lauro entrou pela frente da casa, que tem entrada independente, verificou com sua potente lanterna o jardim, do segundo andar da casa e, depois de entrevistar os “mordomos”, e observar os toques espaçados da campainha, que obedeciam ao ritmo da chuva, chegou à sherlockiana conclusão de que se tratava de pequeno curto-circuito na tecla da campainha, causado pelo volume de água! Aliviadas, mas sem abrir a porta de jeito nenhum, a alegria voltou a reinar. Lauro Henrique voltou para casa perto da meia noite, tendo colocado a conversa em dia com minha mãe, falado de música e cantarolado o samba de breque de Moreira da Silva – CIDADE LAGOA. Todas dormiram um sono sossegado, mesmo com a campainha tocando por toda a noite. Embora possamos perceber diferenças na forma escolhida para a criação de um mesmo tema, é preciso lembrar que as possibilidades são inúmeras. Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 13 Lembre-se São muitas as semelhanças entre os textos; inúmeras as diferenças. Entre semelhanças e diferenças, os textos são universos em construção. O papel do leitor é desvendar tais universos... 4. sentidO Já se falou em forma, conteúdo, escolha lexical, tipos de texto, gêneros. Agora vamos comentar um pouco a respeito dos sentidos que se apresen- tam nos textos. Muitas palavras têm um significado genérico, mas podem ser utilizadas com outro sentido. Tomemos um exemplo bastante simples: a palavra manga tem alguns significados, conforme o dicionário Aurélio (1999): 1) parte do vestuário onde se enfia o braço; 2) filtro afunilado para líquidos; 3) qualquer peça de forma tubular que reveste ou protege outra peça; 4) parte do eixo de um veículo que se encontra dentro da caixa de graxa. Ainda segundo o mesmo dicionário, significa: 5) fruto da mangueira e, com sentidos derivados do espanhol: 6) espécie de corredor com paredes de varas, que conduz a um rio ou igarapé e serve para guiar os bois que embarcam; 7) pastagem cercada onde se guarda o gado; 8) parte da rede de pescar que fica nas extremidades. Como você vê, uma mesma palavra pode trazer muitos significados, que só serão percebidos pela leitura e conhecimento do leitor. Em síntese, o leitor também constrói o texto. Além desses significados, os textos possuem um sentido, ou seja, os produtores de texto têm uma intenção, ao escrever. É possível que tenha mais de uma intenção e nesse caso, seu texto poderá ser interpretado de várias maneiras, apresentará mais de uma leitura. Escrever implica em deixar marcas para que seja compreendido de acordo com os sentidos de quem o escreveu. Ler o texto implica em decifrar as marcas e sinais deixados pelo autor para compreender o sentido ou sentidos. Assim, o leitor precisa não só conhecer os significados genéricos que as palavras possuem e que podem ser encontrados nos dicionários, mas entender porque o escritor as esco- lheu e porque as dispôs daquela forma. Não vamos aqui descobrir como se constrói o sentido de um texto ou de que recursos o escritor dispõe para expressá-los ou até mesmo quais elementos ele pode utilizar. Porém sabe-se que esse sentido não se forma apenas pela decifração das marcas e sinais deixados pelo autor. Segundo uma Ingedore Koch, uma especialista importante em análise de textos, O Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 14 leitor também é um construtor de sentido, pois para essa construção são acionados: seu conhecimento de mundo, suas crenças, suas leituras; o contexto, o conhecimento comunicacional e interacional, os gêneros. Como você pode perceber, compreender os textos faz parte de uma atividade complexa. O leitor precisa estar atento a várias instâncias e ain- da ser um cocriador, ou seja, recriar o que o autor pretendeu dizer e al- cançar os significados pretendidos. Quanto mais aberto a interpretações for o texto, ou seja, quanto mais sentidos ele possuir, mais diferenças poderão ser encontradas e mais di- fícil será alcançar a que realmente o autor pretendeu dizer. Histórias em quadrinhos são um bom exemplo de que o leitor precisa construir o sentido, ou não entenderá a mensagem do autor. O leitor precisa ir além do que está escrito. É preciso acessar seu co- nhecimento de mundo, suas leituras, o contexto comunicacional. Há im- plícitos (subentendidos, pressupostos) que precisam ser desvendados para a compreensão do texto. ConCeito Implícitos são inferências, implicações, alusões e insinuações. Ducrot (1992) estabeleceu os dois implícitos que são consi- derados mais importantes: pressuposto e subentendido. 5. COnteúdO/tema Conforme se viu anteriormente, existem diferentes formas, gêneros e ti- pos de veicular os mesmos conteúdos. Por outro lado, conteúdos diferen- tes podem ser escritos em formatações iguais ou diferentes. As possibi- lidades são infinitas, cabe a cada um escolher a melhor forma, o melhor meio de dizer e compreender os textos. A letra da música “Chuva de Prata” e a crônica “Herói em dia de chuva” são exemplos de temas semelhantes escritos de formas diferentes. DiCA Uma mesma palavra pode trazer muitos significados,que só serão percebidos pela leitura e conhecimento do leitor. Em síntese, o leitor também constrói o texto... antena pArAbóliCA A Universidade de Harvard publicou há alguns anos os dez mandamentos do e-mail, que são desde então muito falados, muito badalados, mas nem sempre seguidos. É interessante procurar esses mandamentos na Internet. Vamos focar aqui um aspecto: o emprego do e-mail, que é de uso muito ácil, para assuntos que ficariam melhor em uma conversa face a face ou mesmo em um telefo- nema. Praticamente todos os que trabalham em empre- sa conhecem pelo menos uma história de e-mail desas- troso. A lição que fica é que a multiplicidade de meios de se comunicar obriga a pensar para escolher como cada comunicação deve ser feita. e AgorA, José? Agora que você já conhece as semelhanças e diferenças entre diversos tipos e gêneros textuais, vale a pena apro- fundar seus conhecimentos sobre temas. Bons estudos! Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 16 glossário Implícito: a maior parte dos enunciados tem, além de seu conteúdo explícito, literal, um ou vários conteúdos implícitos. O enuncia- do “faz calor” pode significar apenas que a temperatura ambiente está quente. Mas em um ambiente fechado com muitas pessoas, e dependendo do contexto em que for dito, pode significar, por exemplo, “abra a janela”, “posso tirar o casaco?”, “ desligue o aquece- dor”, “ligue o ar condicionado”. Subentendido: um dos tipos de conteúdo im- plícito definidos por Ducrot que, entre ou- tros fenômenos linguísticos estudou os im- plícitos. Se alguém pergunta: “poderia abrir a janela?”, nem sempre espera a resposta literal “Sim” ou “Não”, mas sim que seu in- terlocutor abra a janela. Trata-se, neste caso, de uma resposta indireta a uma pergunta subentendida. A pergunta subentende um pedido. Pressuposto: é o tipo de conteúdo implícito que se caracteriza por algo que está coloca- do antes do “posto”. Quando se diz: “Pedro parou de fumar” (este é o posto), há a pres- suposição que ele fumava. Só para de fumar quem já fumou... Escolha lexical: trata-se da escolha das pala- vras que o escritor/falante faz para enunciar seus textos. reFerênCiAs AMARAL, E.; SEVERINO, A.; PATROCÍNIO, M. F. Português: Redação, gramática, litera- tura e Interpretação de Texto. São Paulo: Nova Cultural, Círculo do Livro, 1999. BOLTRIN, R. Contando Causos. São Paulo: Nova Alexandria, 2001. CHARAUDEAU, P.; MAINGHENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Con- texto, 2004. FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Lín- gua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2010. FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Áti- ca, 2009. GREIMAS, A. J,; COURTÉS, J. Dicionário de Semi- ótica. São Paulo: Contexto, 2008. KOCH, I. V. Desvendando os Segredos do tex- to. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2003.
Compartilhar