Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FARMACOTÉCNICA II Karolina Marques Rodrigues Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer as diferenças entre os géis de natrosol e carbopol. � Descrever métodos de preparação de géis de natrosol e carbopol. � Identificar os principais pontos críticos da preparação dos géis de natrosol e carbopol. Introdução Os géis são formas farmacêuticas semissólidas, formadas pela suspensão de partículas (orgânicas ou inorgânicas) em um veículo aquoso. São compostos por um agente gelificante, que pode ser um derivado de celulose, do ácido acrílico ou ser semissintético, e por um veículo, que pode ser água, uma mistura hidroalcoólica ou até mesmo óleo mineral, além conservantes. Por se tratarem de uma preparação com grandes quantidades de água, também podem conter outros adjuvantes técnicos, como os umectantes ou substâncias para aumentar a estabilidade. Neste capítulo, você vai estudar as principais características dos géis carbopol e natrosol, usados diariamente em muitas formulas manipuladas. Também verá como essas bases são preparadas e quais os cuidados que o farmacêutico deve tomar quando estiver preparando essas bases ou produtos que as utilizem. Gel carbopol Os carbopóis são polímeros sintéticos do ácido acrílico, de alto peso molecular e carácter aniônico, que dão lugar a dispersões em meio aquoso, hidroalcoólico e com diferentes solventes orgânicos. Existem diferentes tipos de carbopol, que são designados por um número, mas os mais utilizados nas técnicas farmacêuticas são o Carbopol 934 e o Carbopol 940. Os carbopóis que têm a letra P depois do número são de elevada pureza, com um baixo teor residual de benzeno — substância considerada cancerí- gena e proibida em muitos países. Isso faz com que estejam preparados para serem utilizados via oral (por exemplo, como aglutinante em comprimidos, espessantes em formulações líquidas ou, até mesmo, como agente solubilizante em algumas cápsulas). Os polímeros de carbopol são encontrados na forma de pó, na qual suas moléculas estão na forma enrolada. Esses polímeros são ácidos livres que, após serem dispersos em meio aquoso, precisam ter seus grupamentos de caráter ácido neutralizados com uma base, como hidróxido de sódio ou trietanolamina, para serem ativados e terem sua ação gelificante, atingindo a viscosidade e transparência desejadas. Esse processo de neutralização converte os grupos ácidos da cadeia polimérica em sua forma de sal, formando uma estrutura estendida e tornando a formulação viscosa. O Carbopol 940 é um dos tipos de polímero mais usados pelos farmacêuti- cos, pois produz géis cristalinos, brilhantes e viscosos, além de ser facilmente solúvel e não reativo com a maioria dos componentes das fórmulas. Esse polímero é muito usado em preparações cosméticas, como espessante, gel de cabelo e pós-barba, loções e antissépticos. Os vários tipos de carbômeros encontrados atualmente no mercado têm diferentes características e estabilidade, que o farmacêutico deve levar em consideração na hora de escolher qual polímero melhor se enquadra nas suas necessidades. Existem polímeros próprios para uso interno, utilizados para suspender ingredientes não solúveis, ou também para uso como estabilizantes e doadores de consistência em emulsões. Entretanto, outros tipos de polímeros Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo2 devem apenas ser usados em formulações para uso externo ou cosmético. Existem polímeros mais fáceis de serem manipulados e até com algumas fórmulas mais modernas e seguras. A seguir estão listados os diferentes polímeros de carbopol com suas respectivas descrições e principais usos pelos farmacêuticos. � Carbopol 934: produz géis turvos, porém oferece boa estabilidade e viscosidade alta em emulsões e suspensões. � Carbopol 934P: é o carbopol de grau farmacêutico, que apresenta um conteúdo de benzeno residual baixo. É empregado como espessante, agente suspensor e emulsificante, tanto em formulações orais como nas de uso tópico, além de ser um formador coloidal em formas far- macêuticas sólidas. � Carbopol 941: proporciona emulsões permanentes e suspensões em baixas viscosidades, géis com ótima limpidez, além de proporcionar maior viscosidade do que os demais carbopóis. � Carbopol Ultrez: apresenta propriedades de dispersão superiores aos outros. Seu preparo é mais rápido, pois a resina utilizada se dispersa mais facilmente. � Carbopol ETD 2020: polímero de fácil dispersão em água, menos suscetível à formação de grumos, utilizado para a obtenção de géis aquosos estabilizantes de emulsões. � Carbopol AQUA SF-1: utilizado como espessante em produtos de higiene pessoal, como xampus, géis para banho, sabonetes líquidos, produtos de limpeza facial e esfoliantes. � Carbopol 980 e Carbopol 974: novos carbopóis, desenvolvidos para substituir o Carbopol 940 e o 934, respectivamente. Esses novos car- bopóis não são polimerizados em benzeno, substância com potencial cancerígeno proibida em alguns países e não recomendados para uso oral e interno. Os carbômeros sem a designação P não devem ser utilizados em preparações de uso interno. 3Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo Os polímeros derivados do ácido acrílico, quando dispersos em água, formam uma dispersão (resina/água) com valor de pH na faixa de 2,8–3,2. Nesse estado pré-dissolvido, as moléculas estão extremamente enroladas, o que faz com sua capacidade espessante seja limitada. Para se obter o espessamento, é necessário que o farmacêutico neutralize essa dispersão com bases inorgânicas, como o hidróxido de sódio, ou até mesmo com aminas de baixo peso molecular, como a trietanolamina ou o aminometilpropanol. Ao acrescentar essas bases na dispersão, o polímero deixa de ser enrolado e adquire uma forma esticada, devido à reação de neutralização dos grupos carboxilas da es- trutura do polímero. A viscosidade e transparência adequada do gel de carbopol é conseguida com uma neutralização no pH 7, porém o gel começa a engrossar e se tornar transparente a partir do pH 5 e se estende até o 11. Apesar de serem muito utilizados pelos farmacêuticos na manipulação, os carbopóis são polímeros pH dependentes. Desse modo, antes de iniciar sua incorporação a princípios ativos, é necessário o farmacêutico saber se não existe incompatibilidade entre as substâncias. Como exemplo de agentes incompatíveis com o carbopol, podemos citar as substâncias catiônicas (como sulfato de neomicina, cloridrato de procaína, cloridrato de difenidramina, polímeros catiônicos, etc.); os eletrólitos e íons metálicos (sobretudo sódio, cálcio, alumínio, zinco, magnésio e ferro); ácidos ou bases fortes (pH inferior a 6 ou superior a 9–11); fenol; resorcina; e radiações UV. Preparação do gel Carbopol 940 Carbopol 940...................................0,70% Metilparabeno..................................0,10% Trietanoloamina..................................0,50% Água purificada qsp............................100 ml Em um béquer, acrescentar 89 mL de água e dispersar 0,70 g de carbopol. Tampar com filme PVC e esperar a completa hidratação do polímero — isso pode levar de Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo4 12 a 24h. Após a hidratação, retirar o filme e homogeneizar. Acrescentar 0,5 mL de trietanolamina aos poucos e sob agitação constante até a mistura se tornar viscosa e transparente. Em um cálice, solubilizar os 0,10 g de metilparabeno em quantidade suficiente de álcool e acrescentar ao béquer. Transferir a mistura para outro béquer previamente tarado e verificar se atingiu os 100 g. Se necessário, completar o volume com água. Fonte: Conrado, Cordeiro, P. e Cordeiro, C. (2009). Gel natrosol Polímero derivado da celulose, também conhecido como hidroxietilcelulose,o natrosol possui grupos hidroxietila ligados à cadeia de celulose, e se encontra disponível em diferentes graus de viscosidade. O natrosol tem a vantagem de ser solúvel tanto na água quente quanto na água fria, não formando gel sob aquecimento. Esse é o polímero à base de celulose de maior interesse para a veiculação de ativos em bases dermatológicas. Possui caráter não iônico e tolera bem o pH ácido, sendo indicado para a incorporação de ativos que levem a um abaixamento do pH final da formulação, como os ácidos glicólico e ascórbico. Solúvel em água, é usado como agente espessante para formulações aquo- sas de cosméticos e cuidados pessoais. Produzirá produtos de gel cristalino e engrossará a fase aquosa de emulsões cosméticas. Também pode ser usado para engrossar, com eficiência, xampus, lavagens corporais e gel de banho. A hidroxietilcelulose e a metilcelulose são, frequentemente, usadas com drogas hidro- fóbicas em formulações de cápsulas, para melhorar a dissolução da droga nos fluidos gastrointestinais. Esse processo é conhecido como hidrofilização. Um dos problemas normalmente associados a esse e a outros espessantes solúveis em água é a tendência de as partículas se aglomerarem quando adicio- nadas pela primeira vez diretamente na água, sendo necessário hidratar esse pó por até 25 minutos antes de incorporá-lo à solução. O tempo de hidratação é marcadamente afetado por dois fatores: pH e temperatura da água. Uma 5Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo temperatura mais alta e um pH mais alto diminuem o tempo de hidratação, mas uma temperatura ou pH muito altos podem resultar em aglomeração. Por- tanto, recomenda-se que o espessante seja adicionado à água em temperatura ambiente com um pH neutro. Uma vez hidratado, pode ser aquecido, e o pH pode ser ajustado conforme necessário. A capacidade de espessamento de polímeros que não possuem grupamentos ácidos para serem neutralizados (não iônicos) se deve à capacidade de expansão ao absorverem a água. Essa capacidade é controlada pelo grau de substituição dos grupos hidroxila por radicais orgânicos específicos, como ocorre em polímeros derivados de celulose (como o natrosol) ou outras gomas naturais. Assim como os polímeros derivados do ácido acrílico, agentes gelificantes como o nitrosol têm características especificas que devem ser levadas em consideração pelo farmacêutico na hora de manipular essas fórmulas. Alguns corantes fluorescentes ou produtos (que melhoram o aspecto óptico), alguns desinfetantes quaternários (que irão aumentar a viscosidade de soluções aquo- sas), o ácido tânico, o ictiol ou os compostos iônicos não são indicados para o uso com géis derivados da celulose. Fórmula para fazer o gel natrosol Muito usado para a preparação de várias fórmulas e receitas com a incorporação de ativos quimicamente compatíveis, em sua composição está presente o EDTA, que é um antioxidante; o natrosol, que é o formador do gel; a água destilada, que é o veículo; o nipagim (metilparabeno) e o nipazol (propilparabeno), que são os conservantes; e o propilenoglicol, que é o solubilizante. Para preparar 100 g dessa base, o farmacêutico precisa dos ingredientes e quantidades listados no quadro a seguir. Ingredientes da Fase A Quantidades da Fase A EDTA 0,1 grama Natrosol 2 gramas Água destilada 94,75 gramas Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo6 Ingredientes da Fase B Quantidades da Fase B Nipagim 0,1 grama Nipazol 0,05 grama Propilenoglicol 3 gramas Fase A � Higienizar um béquer de vidro e adicionar a água destilada, o EDTA e o natrosol. � Aquecer até 60°C, até total solubilização dos componentes. Fase B � Higienizar outro béquer de vidro e adicionar o propilenoglicol, o nipagim e o nipazol. � Aquecer até 60°, até total solubilização. � Verter a Fase A na Fase B. � Mexer até esfriar. � Envasar em frascos plásticos. Fonte: Conrado, Cordeiro, P. e Cordeiro, C. (2009). Reologia e as formas semissólidas O termo reologia, originado do grego rheo (fluxo) e logos (ciência), foi criado por Bingham e Crawford, e passou a ser adotado a partir de 1929. Ele pode ser definido como o estudo das propriedades de fluxo e deformação da matéria. Segundo Corrêa et al. (2005), essa área do conhecimento descreve a fluidez dos líquidos ou a deformação dos sólidos sob a influência de forças mecânicas. O tipo de polímero empregado na formulação do gel pode influenciar o comportamento reológico da formulação e, portanto, pode influenciar a estabilidade física do produto, assim como no seu comportamento sobre a pele (liberação do ativo pelo veículo e formação de filme na pele), resultando em diferentes graus de aceitação pelo consumidor. As características reológicas são propriedades importantes, que devem ser consideradas nos processos de fabricação, estocagem e aplicação de um produto. Miura (2012) mostra que é necessário que se conheça as velocidades de deformação das operações às quais o produto estará sujeito, como no processo de mistura de substâncias, no envase em recipientes e na retirada de determinada embalagem. 7Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo As formas farmacêuticas semissólidas, em sua maioria, são destinadas ao uso externo. Elas apresentam propriedade de adesão à superfície de aplicação durante certo período de tempo, antes de serem removidas. Esse comporta- mento permite que os semissólidos mantenham a forma e adiram como um filme, até que uma força externa os faça deformar e fluir. É desejável que produtos para uso externo espalhem facilmente, sem muito esforço, mas não devem ser tão fluidos a ponto de escorrerem pela superfície da pele. Essa característica é classificada como um comportamento reológico do tipo pseudoplástico. CONRADO, M. F. L.; CORDEIRO, P. C. C.; CORDEIRO, P. P. M. Gestão farmacotécnica magistral. São Paulo: Basse, 2009. v. 1. CORRÊA, N. M. et al. Avaliação do comportamento reológico de diferentes géis hidro- fílicos. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 41, n. 1, p. 73−78, jan./mar. 2005. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rbcf/article/view/44028/47649. Acesso em: 24 out. 2019. MIURA, D. Y. Desenvolvimento farmacotécnico e estudo de estabilidade de géis de papa- ína destinados ao tratamento de feridas. 2012. Tese (Mestrado)- Universidade Federal Flu- minense, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/3219/1/ Miura%2c%20Daniele%20Yuri%20%5bDisserta%c3%a7%c3%a3o%2c%202012%5d. pdf. Acesso em: 24 out. 2019. Leituras recomendadas ANSEL, H. C.; POPOVICH, N. G.; ALLEN JR., L. V. Farmacotécnica: formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 6. ed. São Paulo: Editorial Premier, 2000. BONACUCINA, G.; MARTELLI, S.; PALMIERI, G.F. Rheological, mucoadhesive and release properties of Carbopol gels in hydrophilic cosolvents. International Journal of Pharma- ceutics, v. 282, p. 115–130, 2004. CARBOPOL tipo 940. [S. l., 201-?]. Disponível em: http://feuerquimica.yolasite.com/ resources/Carbopol%20940.pdf. Acesso em: 24 out. 2019. Preparo e utilização dos géis natrosol e carbopol para uso interno e externo8
Compartilhar