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MÓDULO 2 HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS EXPEDIENTE Baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet REALIDADE AUMENTADA (RA) Nas páginas deste material encontram-se códigos como este ao lado que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet e enquadre os códigos no aplicativo (você precisa ter conexão à internet). Todo o conteúdo do Curso TraNSPor – Treinamento sobre Novas Substâncias Psicoativas, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações 4.0 Internacional. BY NC ND GOVERNO FEDERAL MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS E GESTÃO DE ATIVOS SECRETÁRIO NACIONAL Luiz Roberto Beggiora DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL Clayton da Silva Bezerra COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO Gustavo Camilo Baptista COORDENADOR DE PLANEJAMENTO, ARTICULAÇÃO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Glauber Vinícius Cunha Gervasio PLANEJAMENTO Carlos Timo Brito Eurides Branquinho da Silva CONTEUDISTAS José Luiz da Costa Luíza Nicolau Brandão Caldas Mônica Paulo de Souza REVISÃO DE CONTEÚDO Fernanda Flávia Rios dos Santos Maria de Fátima de Moura Barros APOIO Kathyn Rebeca Rodrigues Lima Maria Aparecida Alves Dias UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD) SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Luciano Patrício Souza de Castro labSEAD COORDENAÇÃO GERAL Luciano Patrício Souza de Castro FINANCEIRO Fernando Machado Wolf CONSULTORIA TÉCNICA EAD Giovana Schuelter COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Francielli Schuelter COORDENAÇÃO DE AVEA Andreia Mara Fiala SECRETARIA Elson Rodrigues Natario Junior Maria Eduarda dos Santos Teixeira DESIGN INSTRUCIONAL Supervisão: Milene Silva de Castro Gabriel de Melo Cardoso Marielly Agatha Machado DESIGN GRÁFICO Supervisão: Carlos Alexandre Alves Juliana Jacinto Teixeira Luana Pillmann de Barros Mariane Ronsani Patricio Vinicius Alves Jacob Simões REVISÃO TEXTUAL Cleusa Iracema Pereira Raimundo PROGRAMAÇÃO Supervisão: Alexandre Dal Fabbro Thiago Assi AUDIOVISUAL Supervisão: Rafael Poletto Dutra Fabíola de Andrade Borges Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira Robner Domenici Esprocati TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Dalmo Tsuyoshi Venturieri Wilton Jose Pimentel Filho SUMÁRIO UNIDADE 1 | “DESIGNER DRUGS”: ANÁLOGOS DA FENTANILA, DERIVADOS DE FENILETILAMINAS E DE TRIPTAMINAS UNIDADE 2 | FAILED PHARMACEUTICALS E LEGAL HIGHS: DERIVADOS DE PIPERAZINA, DA CATINONA E CANABINOIDES SINTÉTICOS 1.1 As “designer drugs” 1.2 Derivados de feniletilaminas 6 8 16 APRESENTAÇÃO 5 9 UNIDADE 3 | ADOÇÃO DO TERMO “NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS (NSP)” E O CENÁRIO ATUAL 3.1 A definição de novas substâncias psicoativas 3.2 O cenário atual das novas substâncias psicoativas 30 29 31 REFERÊNCIAS 34 1.3 Derivados de triptaminas 13 2.1 Derivados de piperazina 2.2 Derivados de catinona 16 21 2.3 Canabinoides sintéticos 25 Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 5 Olá, cursista! Seja bem-vindo ao segundo módulo de estudos! Agora que você já conhece o conceito mais utilizado atualmente para as novas substâncias psicoativas (NSP), vamos explorar o histórico internacional dessas novas drogas. Para isso, percorreremos dife- rentes países e continentes, muitas nomenclaturas, além de diversas classes de substâncias e suas estruturas químicas. No final, você será capaz de compreender os principais aspectos históricos relativos ao surgimento das NSP e estará mais capacitado para traçar melhores estratégias para o enfrentamento do tráfico e uso de novas drogas. Bons estudos! OBJETIVOS DO MÓDULO ¤ Descrever aspectos históricos relativos ao surgimento de novas substâncias psicoativas. ¤ Identificar alguns grupos de novas substâncias psicoativas. RA Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo de apresentação do módulo. MÓDULO 2 APRESENTAÇÃO Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 6 UNIDADE 1 “DESIGNER DRUGS”: ANÁLOGOS DA FENTANILA, DERIVADOS DE FENILETILAMINAS E DE TRIPTAMINAS Iniciaremos este módulo apresentando a história de identificação do princípio ativo da droga China White, uma importante descoberta que, mais tarde, influenciaria de maneira decisiva na criação do termo designer drugs. Na última semana de dezembro de 1979, duas mortes por overdose muito incomuns ocorreram em Orange County, Califórnia. Ambas as vítimas tinham histórico de uso de heroína, foram encontradas com parafernália para uso de drogas injetáveis e os achados da autópsia eram consistentes com uma overdose de heroína (MAGAGNINI, 1980; HENDERSON, 1988). Surpreendentemente, a análise toxicológica dos fluidos corporais não mostrou a presença de drogas conhecidas. Nos meses seguintes, ocor- reram mais seis mortes por overdose em Orange County e, no final de 1980, houve um total de quinze mortes, todas aparentando tratar-se de mortes clássicas por uso de drogas, mas nenhuma foi detectada no exame toxicológico. Durante o mesmo período, foram apreendidas várias amostras de substâncias que estavam sendo vendidas como heroína nas ruas, mas que não continham heroína ou qualquer outra droga conhecida. Uma ligação comum entre esses eventos era o fato de que as vítimas de overdose estavam comprando uma droga chamada "China White", ou "heroína sintética" (MAGAGNINI, 1980; HENDERSON, 1988). Após uma série de investigações, a Agência de Combate às Drogas dos Estados Unidos (Drug Enforcement Administration, DEA) relatou que o material vendido como “China White” continha a substância alfa-metilfentanila (KRAM; COOPER; ALIEN, 1981). A alfa-metilfentanila é um análogo da substância conhecida como fentanila, ou fentanil. Tanto a alfa-metilfentanila quanto a fentanila foram sintetizadas pelos laboratórios de pesquisa Janssen Pharma- ceutical na Bélgica, em 1960 e 1959, respectivamente. CONTEXTUALIZANDO RA Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo de animação sobre a China White, a droga precursora do surgimento do termo designer drugs. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 7 Foto: © [Nomad_Soul] / Adobe Stock. A fentanila é o opioide mais forte disponível para uso médico em humanos, apresentando potência analgésica de 50 a 100 vezes a da morfina (TABARRA, 2019), utilizada como uma medicação para a dor, podendo ser usada com outros medicamentos para a anestesia. Já a alfa-metilfentanila não era encontrada em nenhum medicamento. É importante destacar que, até então, as drogas de abuso vinham tradicionalmente de duas fontes: produtos vegetais e desvio de produtos farmacêuticos. O aparecimento da alfa-metilfentalina trouxe uma mudança de paradigma, pois, pela primeira vez, laboratórios clandestinos estavam sintetizando drogas originais. Essa nova droga não era uma falsificação de um produto farma- cêutico e, assim, não havia sido submetida a estudos toxicológicos ou à avaliação clínica em seres humanos. Além disso, embora a alfa-metilfentanila fosse química e farmacologicamente parecida com a fentanila, era uma nova substância que não estava nas listas de substâncias controladas da DEA e, portanto, era uma droga legal. Na verdade, a alfa-metilfentanila permaneceu como droga legal até 1982, quando foi controlada nos EUA. Nessa época outro análogo da fentanila apareceu, a para-fluorofentanila, mas rapidamente desapareceu. Contudo, a sucessão de novos análogos da fentanila aparecendo nas ruas continuou.Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 8 Em março de 1984, foi identificada a 3-metilfentanila em amostras de pó encontradas perto de uma provável vítima de overdose de drogas (HENDERSON, 1988). O aparecimento deste análogo de fentanila em particular foi ainda outra surpresa, pois, embora a estrutura de 3-metilfentanila fosse notavelmente semelhante aos análogos anteriores, era muito mais potente. Na verdade, a 3-metilfentanila é um dos análogos mais potentes da série da fentanila, sendo 1.000 a 7.000 vezes mais potente do que a morfina. Nesse período, o número de casos de overdose por fentanila e análogos aumentou drasticamente nos EUA. Podcast transcrito 1.1 AS “DESIGNER DRUGS” Após o aparecimento de vários análogos da fentanila no mercado de drogas ilícitas nos EUA, por exemplo, alfa-metilfentanila e 3-metilfentanila, juntamente a certos derivados da alfaprodina, foi criado, em 1984, o primeiro termo para designar essas substâncias: designer drugs (drogas planejadas, ou seja, análogos estruturais) (BAUM, 1985; KING; KICMAN, 2011). Na época, esses compostos foram definidos como “análogos de substâncias controladas, sendo projetadas para produzir efeitos similares às substâncias controladas que eles mimetizam” (BAUM, 1985). A fentanila não é uma molécula simples. Sua estrutura molecular relativamente complexa possibilita um grande número de modifi- cações, viabilizando a criação de inúmeros compostos que também agem como drogas potentes, sendo, em alguns casos, tão ou mais potentes do que a própria fentanila. Confira, a seguir, as estruturas químicas da fentanila e de alguns de seus análogos. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 9 ESTRUTURA QUÍMICA N N O N N O N N F O N N O No entanto, esses novos compostos, apesar de quimicamente se- melhantes à fentanila, não estavam relacionados nas listas de substâncias controladas e, portanto, não eram ilegais. Essa foi a alternativa encontrada por aqueles que pretendiam burlar a legis- lação vigente sobre drogas. PARA FIXAR Os laboratórios clandestinos sintetizando novas drogas originais que não haviam sido submetidas a estudos toxicológicos e a produção de novas drogas a partir de pequenas modificações em moléculas de substâncias com conhecido efeito psicoativo surgiram como alternativa para burlar a legislação vigente, uma vez que estas designer drugs não apareciam nas listas de substâncias controladas e, portanto, eram legais. 1.2 DERIVADOS DE FENILETILAMINAS A próxima fase de evolução das até então chamadas desiner drugs foi representada pelas feniletilaminas e, em menor expressão, pelas triptaminas, no decorrer da década de 1990. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 10 Antes disso, ainda na década de 1960, ocorreram casos isolados relacionados a feniletilaminas. Um exemplo aconteceu em 1967, quando foram relatados pela imprensa britânica casos referentes a uma droga nova e perigosa que circulava nos EUA e no Canadá sob o nome de "STP" – sigla em inglês para serenity, tranquility and peace (serenidade, tranquilidade e paz) (PHILLIPS; MESLEY, 1969). Alguns relatórios médicos sugeriram que essa droga, cuja natureza ainda não era conhecida, era significativamente mais potente e de ação mais longa do que a lisergida (LSD), e que certas fenotiazinas – normalmente usadas como antídotos para LSD – potencializavam sua ação e podiam causar colapso respiratório. Por fim, foi identificada, nos materiais examinados, a feniletilamina 2,5-dimetoxi-4-meti- lanfetamina, também conhecida como DOM. As feniletilaminas são uma classe de substâncias com conhecidos efeitos psicoativos e estimulantes, e incluem os compostos anfeta- mina, metanfetamina e MDMA, bem como 2C-I e DOM. Confira, a seguir, as estruturas químicas da substância feniletilamina e de outras da classe das feniletilaminas. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 11 ESTRUTURA QUÍMICA R6 R5 R4 R3 R2 R R N nRβ Rα NH2 O O NH2 NH2 I O O NH2 O O H N O grande impulso ao consumo de feniletilaminas aparentemente emergiu após a publicação do livro “PiHKAL: A Chemical Love Story” (PiHKAL: uma história de amor química), que tem como autores o casal Alexander Shulgin e Ann Shulgin. PiHKAL é o acrônimo de Phenethylamines I Have Known and Loved (feniletilaminas que eu conheci e amei) (SHULGIN; SHULGIN, 1991). O livro descreve 179 compostos psicodélicos diferentes, a maioria descobertos por Alexander Shulgin, incluindo instruções detalhadas de síntese, bioensaios, dosagens e outros comentários. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 12 SAIBA MAIS Alexander Shulgin, ou “Sasha”, é conhecido em todo o mundo como o padrinho do ecstasy, ou MDMA. Bioquímico com PhD pela Universidade da Califórnia em Berkeley, em 1955, Shulgin sintetizou e testou, ao longo de sua vida, os efeitos de mais de 200 substâncias potencialmente psicoativas. Para conhecer mais sobre a polêmica vida de Alexander Shulgin, assista ao documentário “Dirty Pictures”, em inglês, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jP3hUS84cAs. A obra é dividida em duas seções. A primeira, “The Love Story” (A história de amor), é um relato minimamente fictício da vida de Alexander e Ann, incluindo experiências com drogas. A segunda seção do livro, “The Chemical Story” (A história química), não é uma história, mas descrições de feniletilaminas, que incluem o passo a passo para a síntese, junto com as dosagens recomendadas, duração da ação e comentários subjetivos, como o exemplo a seguir, no qual são relatadas sensações após o consumo de 24 miligramas da substância 2C-B: “Estou totalmente dentro do meu corpo. Estou ciente de todos os músculos e nervos do meu corpo. A noite é extraordinária – lua cheia. Incrivelmente erótico, tranquilo e requintado, quase insuportável. Não posso começar a desvendar as imagens que se impõem durante a descoberta de um orgasmo. Tentando entender a fusão física/espiritual na natureza” (SHULGIN; SHULGIN, 1991, p. 504-505). Podcast transcrito De acordo com representantes da DEA, os livros publicados pelo casal Shulgin eram basicamente livros de receitas sobre como fazer drogas, e cópias deles foram encontradas nos laboratórios clandes- tinos que eles invadiram. https://www.youtube.com/watch?v=jP3hUS84cAs Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 13 De fato, por meio de PiHKAL, o casal Shulgin garantiu que suas descobertas escapassem dos limites dos laboratórios de pesquisa profissionais e encontrassem seu caminho para o público. Um objetivo consistente com suas crenças declaradas de que as drogas psicodélicas seriam ferramentas valiosas para a autoexploração. Nos anos 1990, várias feniletilaminas foram encontradas em apreen- sões policiais ou, menos comumente, em tecidos de pacientes enve- nenados, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos (KING, 2014). O ‘período da feniletilamina’ duraria até os primeiros anos do século XXI. Nessa época, cerca de 50 derivados da feniletilamina seriam en- contrados em apreensões alfandegárias e da polícia na Europa e nos EUA. Quase todos esses derivados não conseguiram encontrar uma base sólida de usuários e muitos tinham um curto tempo no mercado. Também é pertinente ressaltar que as feniletilaminas alucinógenas raramente eram consideradas superiores a drogas conhecidas, como LSD e psilocibina (cogumelos mágicos). Além disso, nenhuma feniletilamina ameaçou substituir o MDMA como escolha dos usuários. 1.3 DERIVADOS DE TRIPTAMINAS Em paralelo às feniletilaminas, muitos derivados de triptamina apareceram ao longo da década de 1990. As triptaminas são compostos de ocorrência natural, que incluem serotonina e melatonina, bem como outroscompostos conhecidos por suas propriedades alucinógenas, como psilocibina em ‘cogumelos mágicos’ e dimetiltriptamina (DMT) em bebidas de ayahuasca. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 14 Confira, a seguir, as estruturas químicas de substâncias do grupo das triptaminas. ESTRUTURA QUÍMICA HN N HN N HN NH2 OH HN NH2 A serotonina e a dimetiltriptamina são de ocorrência natural. Já a 4-HO-MET refere-se a uma síntese. A dimetiltriptamina (DMT) é um exemplo de substância que pertence ao grupo das triptaminas. A substância está presente na bebida ayahuasca, utilizada nos rituais do Santo Daime e do vinho de Jurema e é bem conhecida por índios brasileiros e da América do Sul em geral. O surgimento das triptaminas no mercado de drogas pode ter sido inspirado pela publicação do livro “TiHKAL” em 1997 (SHULGIN; SHULGIN, 1997), embora esse grupo de substâncias nunca tenha se espalhado ou sido visto em grandes quantidades. “TiHKAL: The Continuation” (A continuação) é um livro escrito por Alexander Shulgin e Ann Shulgin sobre uma família de drogas psi- coativas conhecidas como triptaminas. Sequência do livro “PiHKAL: A Chemical Love Story”, TiHKAL é uma sigla que significa “Trip- taminas que Conheci e Amei” (do inglês: “Tryptamines I Have Known and Loved”). Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 15 Da mesma forma que seu antecessor PiHKAL, TiHKAL é dividido em duas partes. A primeira parte do livro começa com a história de Alice e Shura, uma autobiografia ficcional, que continua de onde a seção semelhante de PiHKAL parou. A segunda parte do TiHKAL é “The Chemistry Continues” (A química continua). É um manual detalhado de 55 compostos psicodélicos, muitos deles descobertos pelo próprio Shulgin. Para cada composto, há informações sobre a síntese, dosagem eficaz, duração dos efeitos e comentários subjetivos sobre os efeitos que foram experimentados. Foto: © [John] / Adobe Stock. PARA FIXAR Diversas novas substâncias psicoativas tiveram suas sínteses criadas e divulgadas por meio dos livros “PiHKAL” e “TiHKAL”, impulsionando especialmente o consumo de feniletilaminas e triptaminas, a partir da década de 1990. É importante destacar que as substâncias criadas por Alexander Shulgin não apareciam nas listas de substâncias controladas. Portanto, eram consideradas, até então, legais. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 16 UNIDADE 2 FAILED PHARMACEUTICALS E LEGAL HIGHS: DERIVADOS DE PIPERAZINA, DA CATINONA E CANABINOIDES SINTÉTICOS CONTEXTUALIZANDO O termo designer drugs é usado para se referir às famílias de subs- tâncias anteriormente apresentadas, entretanto não descreve bem o surgimento dos derivados de piperazinas no mercado ilícito de drogas. É comum encontrar para essa família de substâncias a designação failed pharmaceuticals (produtos farmacêuticos que falharam), ou seja, compostos que foram avaliados pela indústria farmacêutica como potenciais agentes terapêuticos, mas que nunca tiveram êxito em sua autorização para comercialização. 2.1 DERIVADOS DE PIPERAZINA O uso indevido em grande escala de certos derivados de piperazina (muitas vezes conhecido como ‘party pills’ – ‘pílulas de festa’) começou na Nova Zelândia há vários anos, mas se tornou comum na Europa somente após 2004. Um derivado de piperazina, cujo uso ficou famoso, é a benzilpiperazina, um estimulante do sistema nervoso central. Em 1996, o primeiro uso recreativo de benzilpiperazina foi regis- trado pela DEA na Califórnia. O uso da droga permaneceu mínimo por vários anos até a virada do século XXI, quando as agências e governos começaram a notar uma crescente tendência em encontrar ocasionalmente comprimidos contendo MDMA (ecstasy) misturada com benzilpiperazina (KERR; DAVIS, 2011). Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 17 Em 1999, a benzilpiperazina foi adicionada ao “Sistema de Alerta Rápido” da União Europeia, sistema projetado para monitorar os padrões de uso de potenciais novas drogas de abuso. Apesar das preocupações das autoridades, o uso recreativo de benzilpiperazina permaneceu muito limitado nos EUA e na Europa, embora tenham sido registrados incidentes isolados de sua posse. Na maioria dos casos, a substância foi considerada um substituto mais barato para o MDMA em comprimidos destinados a serem vendidos como uma “falsificação” de comprimidos do tipo ecstasy. Nas duas últimas décadas, a benzilpiperazina também foi usada por suas propriedades estimulantes nas áreas de corrida de cavalos e atletismo, onde seu uso foi explicitamente proibido. Apenas em 2008 foram introduzidos controles sobre a benzilpiperazina na União Europeia, e em 2015 ela foi controlada internacionalmente. Enquanto a Europa e os EUA experimentaram pouco uso de ben- zilpiperazina no início dos anos 2000, um mercado legítimo surgiu na Nova Zelândia. O empresário Matt Bowden é tido como o responsável por apresentar em festas pílulas contendo a substância benzilpiperazina como um produto comercial. Anteriormente viciado em metanfetamina, Bowden, com a ajuda de um neurofarmacologista não identificado, percebeu que o derivado de piperazina poderia ser um possível substituto de "baixo risco" para a metanfetamina (BOWDEN, 2004; SHERIDAN, 2007). Em 1999, Bowden fundou sua empresa na Nova Zelândia, a Stargate International, que apresentou pílulas contendo benzilpiperazina como uma alternativa legal e mais segura às drogas ilícitas. Depois de se corresponder com agências governamentais sobre a legalidade da substância, até então não controlada, Bowden começou a comercializá- la inicialmente como uma “ferramenta de redução de danos” para ajudar usuários de metanfetamina a escapar de seus vícios (BOWDEN, 2004; SHERIDAN, 2007). Podcast transcrito Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 18 Nos anos seguintes, a benzilpiperazina se tornou popular entre os jovens na cena dance/rave como um potente estimulante com propriedades eufóricas, e o marketing da droga se expandiu rapidamente. À medida que o consumo de benzilpiperazina foi aumentando, o produto químico foi sendo combinado, na formulação de pílulas, com a 1-(3-trifluoro- metil-fenil) piperazina (TFMPP), outra piperazina que, em combinação com a benzilpiperazina, demonstrou produzir efeitos semelhantes ao MDMA em camundongos (BAUMANN, 2005). Os comprimidos e cápsulas que ficaram conhecidos como “party pills” (pílulas para festas) podiam ser vendidos em qualquer lugar, em qual- quer dose, para qualquer pessoa. Os produtos foram agressivamente comercializados como uma legal high (droga legal), outro termo usado para designar essas e outras substâncias psicoativas que não eram con- troladas nacional ou internacionalmente e exibiam nomes de marcas atraentes, como “Frenzy”, “Rapture” e “Charge” (KERR; DAVIS, 2011). Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 19 Confira, a seguir, as estruturas químicas de substâncias do grupo de piperazinas encontradas na Nova Zelândia e na Europa nos anos 2000. ESTRUTURA QUÍMICA N HN ClN HN N N CFN HN 3 Em 2008, o governo da Nova Zelândia decidiu criminalizar a venda e posse da benzilpiperazina. A benzilpiperazina chegou na Europa em 2004, mas foi outra pi- perazina a mais difundida: a 1-(3-clorofenil) piperazina ou mCPP. Em 2006, estimou-se que quase 10% dos comprimidos ilícitos vendidos em países-membros da União Europeia, como parte do mercado ilícito de ecstasy, continham mCPP. No final de 2008 e início de 2009, essa percentagem parece ter aumentado para 50% em alguns Estados-membros (EMCDDA, 2009). O mCPP tinha uso industrial, sendo usado como matéria-prima para a síntese de vários medicamentos antidepressivos. Logo, não pôde ser submetido a uma avaliaçãode risco formal e controle de novas substâncias psicoativas na época. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 20 Além de mCPP, a próxima piperazina substituída mais comumente encontrada foi a TFMPP, embora quase sempre tenha sido vista em combinação com a benzilpiperazina (EMCDDA, 2009). Em 2008, diferentes misturas de derivados da piperazina tornaram-se comuns, mas a maioria consistia em variações de benzilpiperazina, TFMPP, mCPP e dibenzilpiperazina, às vezes misturadas com outras substâncias como anfetaminas, cocaína, cetamina e MDMA. Os derivados de piperazinas promoveram uma mudança de paradigma na comercialização das novas substâncias psicoativas, em virtude da mudança da fonte de produção dessas substâncias. Essas drogas não seriam fabricadas por laboratórios clandestinos, como as já descritas anteriormente, mas sim por empresas legítimas de fornecimento de produtos químicos, muitas das quais localizadas em países da Ásia (KING; KICMAN, 2011). A produção dessas substâncias passou a ocorrer em grande escala e a custos mais baixos. Uma vez que, por definição, as substâncias em questão não eram controladas pela legislação internacional sobre drogas, sua produção e distribuição se tornariam cada vez mais explícitas. A venda ocorria em tabacarias ou head shops, lojas físicas onde era comum o comércio dessas novas drogas, bem como em novos ca- nais de venda que surgiram com o crescimento da internet (KING; KICMAN, 2011). A internet também estabeleceu um ambiente para a discussão aberta sobre as propriedades e experiências de novas drogas. Foi nessa época que apareceu o termo “research chemical”, ou produto quí- mico para pesquisa. RA Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo de animação sobre um Novo Paradigma na Comercialização das Novas Substâncias Psicoativas. PARA FIXAR Fornecedores de novas substâncias passaram a buscar, na literatura científica e no banco de patentes, produtos farmacêuticos que não chegaram a ser comercializados, com o intuito de avaliar a possibilidade de torná-los drogas recreativas de uso legal, contratando empresas legítimas de fabricação de produtos químicos para produzir novas substâncias psicoativas em grande escala. Essas substâncias, além de não constarem nas listas de substâncias controladas, chegaram a ser vendidas como drogas legais (legal highs), especialmente por meio da internet. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 21 2.2 DERIVADOS DE CATINONA Em meados dos anos 2000, ficou claro que os fabricantes de novas substâncias agora vasculhavam a literatura científica e bancos de patentes no mundo em busca de produtos farmacêuticos que não chegaram a ser comercializados (‘failed pharmaceuticals’ ou ‘designer drugs’) (KELLY, 2011; DARGAN et al., 2011), com o intuito de avaliar a possibilidade de torná-los drogas recreativas de uso legal. Isso ficou evidente com o surgimento dos derivados de piperazinas, que logo foram substituídos pelos derivados da catinona, entre eles a 4-me- tilmetcatinona (mefedrona). A substância catinona é o principal estimulante presente nas folhas do arbusto khat (Catha edulis). Devido às suas propriedades psicoativas, o khat é conhecido e utilizado há séculos pelos habitantes da África Oriental e do nordeste da Península Arábica. SAIBA MAIS Em muitas regiões, mastigar folhas de khat recém- coletadas (liberando assim a catinona, que afeta o sistema nervoso central) é considerado uma questão de cultura e tradição local. Para conhecer mais sobre a cultura de consumo do khat, acesse a matéria: “Khat: o narcótico que já faz parte da cultura da Somalilândia”, do jornal Deutsche Welle, disponível em: https://www.dw.com/pt-002/ khat-o-narc%C3%B3tico-que-j%C3%A1-faz-parte-da- cultura-da-somalil%C3%A2ndia/g-18388473. Devido à sua semelhança estrutural com a anfetamina, a catinona e seus análogos são frequentemente chamados de ‘‘anfetaminas naturais’’ (BRENNEISEN et al., 1990) e, assim como a anfetamina, também são caracterizados por apresentarem propriedades estimu- lantes, eufóricas e empatogênicas. Homem não identificado vendendo khat (Catha edulis) no mercado local em Lahij, Iêmen. Foto: © Dmitry Chulov / Shutterstock. https://www.dw.com/pt-002/khat-o-narc%C3%B3tico-que-j%C3%A1-faz-parte-da-cultura-da-somalil%C3%A2ndia/g-18388473 https://www.dw.com/pt-002/khat-o-narc%C3%B3tico-que-j%C3%A1-faz-parte-da-cultura-da-somalil%C3%A2ndia/g-18388473 https://www.dw.com/pt-002/khat-o-narc%C3%B3tico-que-j%C3%A1-faz-parte-da-cultura-da-somalil%C3%A2ndia/g-18388473 Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 22 NH2NH2 Confira, a seguir, as estruturas químicas das substâncias catinona e anfetamina e identifique as semelhanças entre as estruturas. ESTRUTURA QUÍMICA Devido às suas semelhanças estruturais, já era esperado que os derivados de catinonas apresentassem efeitos semelhantes aos da anfetamina. Por isso, os primeiros derivados sintéticos da catinona foram criados para fins medicinais no início do século XX, antes mesmo do isola- mento da catinona a partir das folhas de khat, que só ocorreu em 1975. A síntese da metcatinona (efedrona) foi publicada em 1928, e a da 4-me- tilmetcatinona (mefedrona) em 1929. Confira, a seguir, as estruturas químicas da substância catinona e exemplos de catinonas sintéticas. ESTRUTURA QUÍMICA O NH2 O H N O H N O O H N O O N O R4 R2 R5R3 R1 O N β α O Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 23 O uso abusivo das catinonas sintéticas teve início com a metcatinona na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) nas décadas de 1970 e 1980 (KELLY, 2011). A fabricação clandestina de metcatinona apareceu pela primeira vez nos Estados Unidos, em Michigan, em 1991, e foi seguida por problemas significativos de abuso no início dos anos 1990, o que provocou a inclusão da metcatinona na Lista I da Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas em 1995. Assim, durante a década de 1990, o interesse por compostos rela- cionados à catinona foi restrito a partes isoladas do mundo e a um número limitado de substâncias derivadas da catinona. No entanto, por volta do ano 2000, uma série de catinonas sintéticas surgiram como “drogas legais” (KELLY, 2011). A metilona apareceu para venda sob o nome comercial ‘Explosion’ por volta de 2004, no Japão e na Holanda (KELLY, 2011), e foi um dos primeiros produtos a serem comercializados via head shops e pela internet, o que proporcionou aos consumidores acesso às “drogas legais” de maneira conveniente. As catinonas sintéticas eram ven- didas como pós cristalinos brancos ou coloridos e, raramente, como comprimidos ou cápsulas. Os produtos contendo ingredientes ativos do grupo das catinonas eram anunciados como ‘nutrientes vegetais’, ‘sais de banho’ ou ‘produtos químicos para pesquisa’ e muitos também traziam na embalagem uma nota de advertência que seria ‘para uso externo’ ou ‘impróprio para uso humano’. Essas informações eram justapostas a um marketing sofisticado que sugeria que elas poderiam ter outros usos, não deixando evidente Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 24 que o produto se tratava de uma substância psicoativa, ludibriando, assim, a fiscalização dos órgãos de saúde e segurança pública. O grande destaque entre os derivados de catinonas detectados nos anos 2000 foi a mefedrona (4-metilmetcatinona). A substância se tornou comum nos pontos de venda em 2007 e 2008 e, em seguida, houve um aumento sem precedentes no interesse pela droga em certas partes do mundo, incluindo Israel, Austrália, Escandinávia, Irlanda e Reino Unido. As razões para o aumento do interesse nesta gama de derivados de catinona (mais particularmente na mefedrona) foramatribuídas ao baixo custo, aos efeitos estimulantes semelhantes aos de algumas substâncias ilícitas, como anfetaminas e cocaína, e à diminuição do grau de pureza do MDMA e da cocaína. Além disso, o interesse por essa classe de substâncias foi ampliado devido à sua situação legal, bem como à facilidade de obtenção dos derivados da catinona em head shops e lojas virtuais. RA Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo da autora sobre a Comercialização e Marketing de Derivados de Catinona como Drogas Legais. Nessa época, descobriu-se que muitos comprimidos vendidos como ecstasy, que tradicionalmente tinham como princípio ativo a substância MDMA, agora continham mefedrona. O crescente interesse pelos derivados da catinona pode ser ilustrado pela observação de que, em 2008, das 13 novas substâncias psicoativas notificadas ao sistema europeu de alerta rápido, seis eram derivadas da catinona. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 25 Uma preocupação crescente sobre os riscos à saúde pública que po- deriam ser causados pela mefedrona e outros derivados de catinona levou os países onde seu uso era predominante a criarem uma série de restrições. Um exemplo foi a decisão do governo do Reino Unido, em abril de 2010, de controlar derivados de catinona como um grupo coletivo (classe estrutural). Com isso, todas as substâncias que apresentassem uma mesma es- trutura química básica, com previsão de substituições específicas e possíveis exceções, seriam automaticamente controladas, mesmo que não estivessem nominalmente listadas na legislação (ADVISORY CONTROL ON THE MISUSE OF DRUGS, 2010). Em 2015, a mefedrona passou a ser controlada internacionalmente. PARA FIXAR O rápido surgimento e disseminação, a baixo custo, de uma grande variedade de catinonas sintéticas com potencial de causar risco à saúde provocou a necessidade de um controle mais efetivo dessas substâncias. Com o objetivo de frear o crescimento dessas novas drogas no mercado, a classe de substâncias foi controlada a partir de sua estrutura química básica. 2.3 CANABINOIDES SINTÉTICOS Desde 2004, ou talvez um pouco antes, produtos intitulados como ‘misturas de ervas’ eram vendidos na Europa, principalmente em lojas virtuais e do tipo ‘head shop’. Esses produtos se tornaram muito populares, principalmente entre os jovens, e eram comercializados sem restrição de idade. Eles eram encontrados em diferentes versões da marca ‘Spice’ (EM- CDDA, 2009), como Spice Silver, Spice Gold, Spice Diamond, Spice Arctic Synergy, etc., bem como em outras preparações que alegavam possuir uma composição semelhante ao ‘Spice’, como Yucatan Fire, Smoke, Sence, ChillX, etc. Embora declarados como incensos ou aromatizadores de ambientes, eram fumados pelos seus consumidores. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 26 Em fóruns na internet, usuários de drogas relatavam efeitos se- melhantes aos da Cannabis (maconha) após fumar as misturas. Apesar disso, os testes de drogas comumente usados nos laborató- rios forenses não eram capazes de detectar quais eram as substâncias presentes no material. Finalmente, em dezembro de 2008, grupos de peritos e pesquisadores austríacos e alemães detectaram cana- binoides sintéticos entre seus princípios ativos (AUWARTER, 2009; UCHIYAMA, 2009; EMCDDA, 2009; STEUP, 2008). Na época, foi um grande desafio detectar precisamente os princí- pios ativos contidos no 'Spice' por meio das análises químicas que eram realizadas nos laboratórios forenses. O ‘Spice’ supostamente continha até 15 ervas diferentes, com diversos compostos mistu- rados. Entre elas, supostamente havia as plantas Leonotis leonurus, também conhecida como “Rabo-de-Leão”, e Pedicularis densiflora, que, quando fumadas, apresentam efeito psicoativo. Em um experimento de autoadministração, pesquisadores alemães ficaram surpresos com a potência da erva do tipo ‘Spice’ testada (AUWARTER, 2009). No entanto, a análise química detalhada não conseguiu encontrar nenhuma das substâncias esperadas com base nas plantas descritas na rotulagem do produto. A identificação dos princípios ativos foi ainda mais difícil pela falta de material de referência de substâncias tão pouco conhecidas na época. Também é possível que agentes mascaradores, como tocoferol (vitamina E), tenham sido adicionados para dificultar a detecção do canabinoide sintético. Podcast transcrito Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 27 No final de 2008, alguns laboratórios identificaram os aditivos sin- téticos presentes em produtos do tipo ‘Spice’. Os compostos encon- trados na primeira geração de produtos ‘Spice’ foram o homólogo C8 do canabinoide CP-47497 (UCHIYAMA, 2009). O primeiro canabinoide sintético controlado internacionalmente foi o JWH-018, a partir do ano de 2015 (UNITED NATIONS ON NARCOTIC DRUGS, 2015). Logo depois que essas substâncias foram colocadas sob controle legal em vários países, muitos outros compostos apa- receram no mercado. Desde então, o número de novos canabinoides sintéticos tem aumentado continuamente. Qu an tid ad e d e c an ab in oi de s si nt ét ic os Tempo (x) (y) Confira, a seguir, as estruturas químicas de alguns canabinoides, observando que o tetrahidrocanabinol (THC) é um canabinoide de ocorrência natural encontrado na planta Cannabis (maconha) e os demais são canabinoides sintéticos. ESTRUTURA QUÍMICA OH O O N OH OHOH OH Tetrahidrocanabinol (THC) JWH-018 CP‐47497 homólogo C8CP‐47497 Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 28 É importante destacar que o ‘Spice’ era composto por ervas secas acrescidas de ingredientes psicoativos que não estavam descritos nas embalagens do produto, não eram controlados e, em sua maioria, não foram testados. Por não terem sido testados, não se tinha conhecimento sobre os riscos que estes compostos poderiam causar à saúde humana. Contudo, por ser vendido como “produto natural”, muitos usuários acreditavam que o ‘Spice’ se tratava de um produto seguro. Além disso, o processo de adição de pequenas quantidades de aditivos sintéticos em material vegetal seco provavelmente acarreta distribuição heterogênea do canabinoide sintético na erva. Portanto, a concentração da substância psicoativa podia variar de um lote para outro ou até mesmo em diferentes porções da mistura de ervas. O caso ‘Spice’ fornece um importante estudo de caso sobre como a globalização e a inovação no mercado de drogas apresentam um desafio crescente para as abordagens de monitoramento, resposta e controle do uso de novas substâncias psicoativas. PARA FIXAR Produtos contendo canabinoides sintéticos eram vendidos legalmente como produtos naturais sob a alegação de que se tratava apenas de uma “mistura de ervas”. Esses produtos trouxeram aos laboratórios um novo desafio, pois foi observada uma grande dificuldade na detecção da substância psicoativa impregnada nesses materiais. Além disso, eles rapidamente se tornaram populares em diversos países da Europa, demonstrando se tratar de um fenômeno global. Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 29 UNIDADE 3 ADOÇÃO DO TERMO “NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS (NSP)” E O CENÁRIO ATUAL CONTEXTUALIZANDO No ano de 2005, já era evidente para a União Europeia (UE) a necessidade de identificar as tendências emergentes sobre drogas com o objetivo de prever futuros problemas. O crescente aumento de substâncias que poderiam constituir uma ameaça para a saúde pública despertou na Europa a necessidade de atualização do seu Sistema de Alerta Rápido (SUMNALL; EVANS-BROWN; MCVEIGH, 2011; OEDT, 2005). Esse sistema era e ainda é baseado em intercâmbio de informações entre os Estados-membros da UE, avaliação de riscose controle de novas substâncias psicoativas (EMCDDA, 2020). Um exemplo de si- tuação que demonstrou a necessidade e a importância de informações obtidas por meio de Sistemas de Alerta Rápido foi a rápida expansão da substância mCPP (1-(3-clorofenil)piperazina) na Europa em 2005. O aparecimento da mCPP mostrou que as pessoas envolvidas na produção de drogas procuram inovar constantemente, criando novas substâncias químicas que possam ser introduzidas no mercado. Esse processo de inovação recorrente de novas substâncias exigia uma resposta rápida, pois cada nova substância desenvolvida poderia gerar efeitos ainda desconhecidos, mas potencialmente danosos à saúde humana. Podcast transcrito O Sistema de Alerta Rápido criado pela decisão do Conselho Europeu (2005/387/JAI) constituiu, assim, em um mecanismo importante para intervir num processo em que a saúde dos jovens europeus era posta em risco por aqueles que procuravam obter lucros contornando os mecanismos de controle de drogas existentes na época (SUMNALL; EVANS-BROWN; MCVEIGH, 2011). Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 30 3.1 A DEFINIÇÃO DE NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Neste módulo, vimos diversos nomes que foram dados às novas substâncias psicoativas: Trata-se de nomes diferentes por serem grupos de compostos dis- tintos, seja com relação às suas estruturas químicas, seja com relação aos efeitos ou a determinadas características, ou ainda devido ao contexto em que cada substância foi inserida no mercado de drogas. Conforme vimos no Módulo 1, as novas substâncias psicoativas são drogas com potencial de abuso, na forma pura ou em preparações (misturas), que não são controladas nos termos da Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 ou pela Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, mas que podem constituir uma ameaça à saúde pública. A Decisão 2005/387/JAI do Conselho da União Europeia foi um dos primeiros documentos a trazer claramente a definição de novas substâncias psicoativas, apresentada em seu art. 3º: Outras designações das novas substâncias psicoativas designer drugs failed pharmaceuticals herbal highs research chemicals legal highs party pills Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 31 Decisão 2005/387/JAI do Conselho, de 10 de maio de 2005 Definições Para efeitos da presente decisão, entende-se por: a) Nova substância psicoactiva, um novo estupefaciente ou um novo psicotrópico, puro ou numa preparação; b) Novo estupefaciente, uma substância, pura ou numa preparação, não enumerada na Convenção Única das Nações Unidas de 1961 sobre os estupefacientes e que possa constituir uma ameaça para a saúde pública comparável à das substâncias constantes das listas I, II ou IV; c) Novo psicotrópico, uma substância, pura ou numa preparação, não enumerada na Convenção das Nações Unidas de 1971 sobre substâncias psicotrópicas, e que possa constituir uma ameaça para a saúde pública comparável à das substâncias constantes das listas I, II, III ou IV [...]. Essa Decisão do Conselho da UE substituiu a Ação Comum de 1997, ação que, desde 1999, havia implementado o Sistema de Alerta Precoce europeu (Early Warning System – EWS), que já monitorava novas drogas sintéticas. O sistema, além de detectar as novas drogas que surgem no mercado de droga europeu, também monitora as novas tendências potencialmente prejudiciais do consumo de substâncias psicoativas. Assim, a Decisão 2005/387/JAI do Conselho reuniu, em um conceito único, substâncias de diversos grupos, baseando-se na ausência de controle internacional, e estabeleceu procedimentos para o inter- câmbio de informações, avaliação de riscos e controle de NSP (Sistema de Alerta Rápido). 3.2 O CENÁRIO ATUAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Tem-se observado, nos últimos anos, uma estabilização no ritmo de introdução de novas substâncias psicoativas no mercado. Ainda assim, continuam a ser detectadas anualmente pelo Sistema de Alerta Rápido da União Europeia mais de 50 novas substâncias psicoativas nunca antes detectadas (OEDT, 2020). Além disso, todos os anos são detectadas no mercado europeu cerca de 400 das novas substâncias psicoativas já anteriormente notificadas. Essas substâncias são encontradas em uma ampla variedade de tipos RA Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo da autora sobre Detecção de Novas Substâncias Psicoativas pelo Sistema de Alerta Rápido. 32 de drogas e não são controladas pelas leis internacionais sobre drogas. Incluem estimulantes, canabinoides sintéticos, benzodiazepinas, opiáceos, alucinógenos e dissociativos. O gráfico a seguir mostra o número de novos compostos comunicados anualmente ao Observatório Europeu da Droga e da Toxicodepen- dência. Ao todo, foram 790 novas substâncias psicoativas até 2019. Número e categoria de novas substâncias notificadas pela primeira vez ao mecanismo de alerta rápido da UE. Fonte: Adaptado de OEDT (2020). Já o gráfico a seguir mostra o número total de novas substâncias psicoativas detectadas a cada ano. Número e categoria de substâncias detectadas todos os anos, após sua primeira detecção. Fonte: Adaptado de OEDT (2020). Catinonas Aminoindanos Plantas e extratos Piperidinas e pirrolidinas Arilciclohexilaminas Outras substâncias Canabidioides Fenetilaminas Opiáceos Triptaminas Benzodiazepinas Piperazinas Arilalquilaminas 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 0 20 40 60 80 100 Catinonas Aminoindanos Plantas e extratos Piperidinas e pirrolidinas Arilciclohexilaminas Outras substâncias Canabidioides Fenetilaminas Opiáceos Triptaminas Benzodiazepinas Piperazinas Arilalquilaminas 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 Curso TraNSPor MÓDULO 2 - HISTÓRICO INTERNACIONAL DAS NOVAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 33 PARA FIXAR As novas substâncias psicoativas são drogas com potencial de abuso que não são controladas pelas principais convenções internacionais sobre drogas e que podem constituir uma ameaça à saúde pública. Nos últimos anos, tem ocorrido uma estabilização no ritmo de introdução de novas substâncias psicoativas no mercado, o que pode ser uma consequência dos diferentes mecanismos de controle adotados pelos países. Ainda assim, a cada ano, novas substâncias continuam sendo desenvolvidas e disseminadas. Vimos, nas Unidades 1 a 3, importantes aspectos históricos das novas substâncias psicoativas. Para auxiliar na fixação da sua aprendi- zagem, sintetizamos alguns desses aspectos numa linha do tempo. Confira a seguir. Você finalizou este módulo, siga adiante e continue seus estudos! Adoção do termo “New Psychoactive Substances”. Criação do termo “designer drugs”. (EUA - derivados de fentanila). Publicação do livro PIHKAL. “Período das feniletilaminas” (Europa e EUA). Publicação do livro TIHKAL (Triptaminas EUA e Europa). Surgimento de derivados de piperazinas na Europa. Explosão das catinonas sintéticas e identificação de canabinoides sintéticos na Europa. Tendência de estabilização do ritmo de introdução de novas substâncias psicoativas no mercado. 1984 1991 1997 2004 2005 2008 2019 34 REFERÊNCIAS ADVISORY COUNCIL ON THE MISUSE OF DRUGS. The Misuse of Drugs Act 1971 (Amendment) Order 2010. 2010. Disponível em: https://www. legislation.gov.uk/uksi/2010/1207/pdfs/uksiem_20101207_en.pdf. Acesso em: 14 jul. 2021. AUWARTER, V. et al. ‘Spice’ and other herbal blends: harmless incense or cannabinoid designer drugs? Journal of Mass Spectrometry, n. 44, p, 832-837, 2009. BARCLAY, L. L. Benzylpiperazine/Trifluoromethylphenylpiperazine. In: BLACHFORD, S. L.; KRAPP, K. Drugs and Controlled Substances: Information for Students. [S.l.]: [s.n.], 2002. BAUM, R. M. New variety of street drugs poses growing problem.Chemical & Engineering News, 9, p. 7-16, Sept. 1985. BAUMANN, M. H. et al. N-Substituted Piperazines Abused by Humans Mimic the Molecular Mechanism of 3,4-Methylenedioxymetham- phetamine (MDMA, or ‘Ecstasy’). 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