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Ética e moral

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Ética e moral 
Por mais que os humanos sejam seres gregários, isto é, que tendam, 
naturalmente, a viver em sociedade, a História demostra que, desde a 
Anti-guidade, a convivência grupal não tem sido fácil. Daí a necessidade de 
estabelecer regras para impor limites naturais a essa convivência. E essa 
foi uma tarefa que exigiu séculos até os filósofos normatizarem o conjunto 
de princípios, normas e regras que deveriam ser seguidos para que se 
estabelecesse um relacionamento entre os valores morais e a conduta 
humana, o perfil do profissional que atua ou pretende vir a atuar na 
perícia, fundando-se tais características, genericamente, nas duas formas 
de excelências de que nos fala Aristóteles: 
• a excelência moral (honestidade, moderação, equidade etc.) e • a 
excelência intelectual (inteligência, conhecimento, discernimento etc.), 
conjunto esse que se transformou num ramo da filosofia – a Ética –, a 
partir do ethos (costume), extraído da maneira concreta de viver, vigente 
na sociedade. 
O mesmo Aristóteles nos adverte que um homem deve ser reto e não tido 
como reto – para certas funções, entre as quais se inclui a perícia e o 
perito –, pelos reflexos que sua atuação causa no corpo social; tal 
condição não é classificada como desejável, mas sim como exigível e 
básica para que se cumpra o que aquele mesmo corpo social espera do ser 
individual. 
Na Grécia, na época clássica, Aristóteles (Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 
a.C.) doutrinou sobre a Ética, discutindo as ideias de seu mestre Platão, 
apenas passando do idealismo para o realismo: a ideia fundamental de 
Aristóteles, tanto quanto para seu mestre Platão, era o Bem Supremo. E 
esse bem 
supremo era identificado com a felicidade ou eudaimonia (em grego). Mas 
a felicidade não como forma abstrata, ideal, mas “a felicidade como uma 
forma de viver bem e conduzir-se bem em convivência”. 
A Ética é, pois, o conjunto de princípios teóricos e valores da nossa 
conduta na vida comunitária. É aquilo que orienta a capacidade de decidir, 
julgar e avaliar com autonomia. 
Mantendo-nos fiéis à finalidade desta obra e para sermos práticos – 
adotando o pragmatismo de Cortella (2014) –, devemos ter presente que 
a Ética é um conjunto de princípios e valores que o Perito (bem como 
qualquer ser humano autônomo e livre) usará para responder, na 
execução do seu mister, as três grandes perguntas da vida humana: 
Quero? Devo? Posso? 
Sob esse ponto de vista, é fácil compreender que a Ética, conquanto seja 
algo comum aos seres humanos, ela é personalíssima, isto é, cada pessoa 
tem a sua ética, seu conjunto de princípios, e age em consequência dos 
mesmos. 
Pode acontecer, entretanto, que a ética de alguém contrarie os princípios 
da “ética” que um grupo de pessoas compartilha e aceita. Diz-se, então, 
que essa pessoa é antiética, o que não quer dizer que “não tenha ética”, e 
sim apenas que seu conceito de ética não é o mesmo que o daquele 
grupo. 
E o que é a moral do Perito? 
Como vimos, a forma concreta como a ética é vivida depende de cada 
cultura e, aqui, cada uma é sempre diferente da outra. Esse jeito diferente 
de viver conforme a ética é o que se chama de moral. 
Ética, como vimos, existe uma só para todos os membros de determinado 
grupo. 
Moral, existem muitas, consoante as maneiras diferentes como os seres 
humanos organizam a vida. 
Vejamos um exemplo. O importante é fazer uma perícia (ética). A técnica 
e a maneira de processá-la variam (moral). Pode ser simples ou complexa, 
acidentária, previdenciária, securitária, cível, criminal, contanto que seja 
uma “atividade legal responsável pela produção de prova técnica em 
procedimentos administrativos ou em processos judiciais”. 
Assim é com a ética e a moral. 
O conjunto de princípios e valores que o Perito usará para responder, na 
execução do seu mister, às três grandes perguntas da vida humana 
– Quero? Devo? Posso? – representará a Ética. 
E o que será a Moral do Perito? Nada mais do que pôr em prática, 
efetivar, as respostas a essas perguntas. 
Quero? Devo? Posso? 
Eis as três perguntas que o Perito, no trabalho tanatológico, deverá se 
fazer em cada caso que periciar e no qual deva tomar decisões ao encerrar 
o Relatório. 
Quero fazer (proponho-me a fazer) um exame completo, minucioso, que 
leve a conclusões úteis e confiáveis para quem me incumbiu a tarefa? 
• Sim, com quase certeza, se eu contar com o Auxiliar adequado, com o 
instrumental necessário que me permita obter os resultados 
tempestivamente. 
• Caso não, melhor eu desistir da perícia: o ganho previsto não 
compensará as dores de cabeça que terei de enfrentar... 
Devo enumerar todos os achados, inclusive aqueles pregressos, crônicos e 
degenerativos, e que não se relacionam diretamente com o óbito? 
• Sim, embora saiba de antemão que isso poderá prejudicar, 
frontalmente, o periciando porque impedirá o estabelecimento do liame 
de causalidade atual entre o evento (trabalho, acidente etc.) e os achados 
(exame necroscópico). 
• Se não, como Perito, não estarei sendo honesto porque, como médico, 
odontólogo etc., tudo quanto observe deveria constar do Laudo de Exame 
Necroscópico. Um dia a casa vai cair... 
Posso ganhar tempo, adiar a entrega do Relatório, demorar a prestação 
jurisdicional, e até suavizar alguns itens, uma vez que meu colega, o 
Médico--Assistente, me solicitou favorecer seu cliente de longa data ? 
• Sim. Caso assim eu proceda, lembremo-nos que na perícia médica 
honesta não se aplica o brocardo “tempus omnia solvit” [o tempo tudo 
resolve]. Por mais que o tempo passe, o resultado da avaliação pericial 
não mudará e a demora trará prejuízo para todas as partes envolvidas. • 
Se não: embora eu saiba que algumas partes ficarão temporariamente 
“gratas” pelo meu gesto (e talvez até me façam algum “agrado”), estarei 
prejudicando a Administração, o Juízo e pelo menos uma das partes, além 
de estar maculando de forma irreversível minha reputação como Perito 
qualificado.

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