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Demo_2006_completo

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« Pesquisa p o d e significar co nd ição de consciênc ia 
crítica e cabe c o m o c o m p o n e n te necessário de toda proposta 
em ancipatória . Para não ser m ero objeto de pressões alheias, 
é m ister encarar a realidade com espírito crítico, to rnando-a 
palco de possível construção social alternativa. Aí, já não se 
trata de copiar a realidade, m as de reconstruí-la co n fo rm e 
n o s s o s in te re s s e s e e s p e ra n ç a s . É p re c is o Construir a 
necessidade de construir caminhos, não receitas que ten d e m 
a destruir o desafio de construção.
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(...) Predom ina entre nós a atitude do imitador, que copia, 
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pela elaboração própria, substituindo a curiosidade de escutar 
pela de produzir.1
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UJ0.
PRINCÍPIO CIENTÍFICO E EDUCATIVO
PEDRO DEMO
BIBLIOTECA DA EDUCAÇÃO 
séné 1 - E s c o l a
Volume 14
D ados Internacionais de C atalogação na Publicação (C IP) 
(C âm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Demo, Pedro, 1941
Pesquisa : princípio científico c educativo / Pedro Demo. - 12. ed. 
- São Paulo : Cortez, 2006. (Biblioteca da educação. Série 1. Escola; 
v. 14)
Bibliografia 
ISBN 85-249-0282-5
1. Pesquisa I. Título II. Série
90-1996 CDD-001.4
índices para catálogo sistem ático:
1. Pesquisa 001.4
Pedro Demo
PESQUISA
Princípio Científico e Educativo
12§ edição
/E i CORTEZ 
'»6D ITO R Q
PESQUISA: princípio científico e educativo 
Pedro Demo
Capa: Carlos Clémen
Revisão: Rosely M. Sesso
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem 
autorização expressa do autor e do editor.
© 1996 by Pedro Demo
Direitos para esta edição
CORTEZ EDITORA
Rua Bartira, 317 - Perdizes
05009-000 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3864-0111 Fax: ( 11) 3864-4290
E-mail: cortez@cortezeditora.com.br
www.cortezeditora.com.br
Impresso no Brasil - junho de 2006
Para Lúcia e Gisela 
minhas m estras
Sumário
Introdução............................................................................. 9
I. Pesquisar — O que é?
1. Desmitificando o conceito...................................... 11
2. Horizontes múltiplos da pesquisa........................ 18
3. A pesquisa como descoberta e criação............... 29
4. A pesquisa como diálogo....................................... 36
II. A pesquisa como princípio científico
1. A questão curricular................................................ 46
2. A questão da teoria & prática............................ 56
3. “Dar conta de um tema” ....................................... 63
4. A questão da avaliação.......................................... 68
III. A pesquisa como princípio educativo
1. Educação, pesquisa e emancipação...................... 78
2. Limitações do apenas ensinar................................ 83
3. Limitações do apenas aprender............................ 88
4. Vazios da escola formal......................................... 94
IV. Prática de pesquisa & educação
1. Construindo a prática.............................................. 99
2. Pinceladas de um g*rr(culo (ISEP)..................... 109
Bibliografia ........................................................................... 117
Introdução
A idéia é fundamentar proposta de teoria e prática da 
pesquisa que ultrapasse os muros da academia e da sofisti 
cação instrumental. É possível desenhar o alcance alternativo 
da pesquisa, que a tome como base não somente das lides 
científicas, mas também do processo de formação educativa, 
o que permitiria introduzir a pesquisa já na escola básica, a 
partir do pré-escolar e considerar atividade humana proces 
sual pela vida afora.
Essa pretensão supõe que se desmitifique a pesquisa, 
para não encerrá-la em sofisticações operáveis apenas por 
castas superiores e raras. Nos espaços onde aparece, de modo 
geral, é cultivada como atividade menos presente que o 
ensino, por exemplo, mas sobretudo existe a tendência a 
reservá-la para entes especiais. De um lado, pode-se tentar 
cotidianizar a pesquisa, como processo normal de formação 
histórica das pessoas e grupos, à medida que significar 
também condição de domínio da realidade que nos circunda. 
De outro, a pesquisa poderia reintroduzir a adequação entre 
teoria e prática, dispensando o recurso artificial ao conceito 
extrínseco de “extensão”, inventado para trazer de volta uma 
universidade que fugiu da realidade concreta. Pode-se colo 
car conceito de pesquisa que evite, de partida, a fuga da 
universidade para o mundo da Lua.
Faz parte dessa rota alternativa a expectativa de fo r 
mação de novos mestres? desde que pesquisar coincida com 
criar e emancipar. A formação científica toma-se também
9
formação educativa, quando se funda no esforço sistemático 
e inventivo de elaboração própria, através da qual se con 
strói um projeto de emancipação social e se dialoga 
criticamente com a realidade. Predomina entre nós a atitude 
do imitador, que copia, reproduz e faz prova. Deveria impor- 
se a atitude de aprender pela elaboração própria, substituindo 
a curiosidade de escutar pela de produzir.
Esse desafio, entretanto, não pode ser algo reservado a 
super-homens. A pesquisa sofisticada cabe como um dos 
níveis de sua realização, mas não pode exclusivizar-se. A 
curiosidade criativa, por exemplo, encontra espaço insistente 
de cultivo na academia, mas é possível na escola básica e 
como posicionamento normal na vida. Pesquisa pode signi 
ficar condição de consciência crítica e cabe como compo 
nente necessário de toda proposta emancipatória. Para não 
ser mero objeto de pressões alheias, é mister encarar a 
realidade com espírito crítico, tomando-a palco de possível 
construção social alternativa. Aí, já não se trata de copiar a 
realidade, mas de reconstruí-la conforme os nossos inter 
esses e esperanças. E preciso construir a necessidade de 
construir caminhos, não receitas que tendem a destruir o 
desafio de construção.
Essa proposta supõe nossos trabalhos anteriores em me 
todologia e crítica da ciência, em particular a postura da 
“discutibilidade”, em seu lado formal e político, e as in 
dagações em tomo de alternativas de construção científica 
em ciências sociais (Demo, 1989, 1985a e 1988a).
10
Pesquisar O que é?
1. D esm itif icando o conceito
O processo de pesquisa está quase sempre cercado de 
ritos especiais, cujo acesso é reservado a poucos iluminados. 
Fazem parte desses ritos especiais certa trajetória acadêmica, 
domínio de sofisticações técnicas, sobretudo de manejo es 
tatístico e informático, mas principalmente o destaque pri 
vilegiado no espaço acadêmico: enquanto alguns somente 
pesquisam, a maioria dá aulas, atende alunos, administra.
Para tanto, estuda-se metodologia, em particular técni 
cas de pesquisa, que ensinam como gerar, manusear e con 
sumir dados, em contato com a realidade. A seguir, absor 
vem-se sofisticações técnicas, a exemplo do pesquisador 
americano, perito em projeções, índices e taxas. Por fim, 
isso permite associar-se a pequeno grupo acima da média, 
que, além de perfazer a nata acadêmica, também tende a 
exclusivizar acesso a recursos. Surgem “patotas” autodefen- 
sivas, para evitar aulas e alunos, dispor do maior tempo 
possível para investigar, cultivar destaque profissional, ga 
rantir acesso a financiamento.
É preciso reconhecer que a formação sofisticada do 
Pesquisador não é mal em si. Ao contrário, faz parte da 
Cena, sempre. Em meio á^ciências sociais muito teorizantes, 
fazem bem exigências específicas de tratamento empírico da
realidade, tomando-se como aceitável aquilo que tem com 
provação factual. E comum, por exemplo, entre educadores 
a ignorância em termos de manuseio de dados e finanças, 
imaginando-se que a “dialética” compensa facilmente tais 
lacunas. Ledo engano. Uma coisa não substitui a outra.
Certamente, esse pesquisador “americano”, além de mui 
tas vezes decair na banalização imitativa colonialista,propende 
a disseminar uma visão curta de processo científico, atrelado 
ao empirismo e ao positivismo, fazendo sucumbir apuros 
técnicos a ingenuidades ou a dubiedades políticas. Esta crítica 
foi fartamente realizada pela pesquisa participante. Facilmente 
acontece que investimentos em pesquisa desse teor não 
conseguem ir além de acumular alguns perfis estatísticos, 
irrelevantes no contexto histórico, o que tem contribuído para 
dissociar sempre mais o processo de saber do processo de 
mudar. O que mais se sabe é como coibir mudanças (Brandão, 
1982 e 1984; Demo, 1984). Todavia, libertar a pesquisa do 
exclusivismo sofisticado não pode levá-la ao exclusivismo 
oposto da banalização cotidiana mágica.
A desmitifícação mais fundamental, porém, está na crítica 
à separação artificial entre ensino e pesquisa. Tomada como 
marca definitiva da nossa realidade educativa e científica, 
muitos estão dispostos a aceitar universidades que apenas 
ensinam, como é o caso típico de instituições noturnas, nas 
quais os alunos comparecem somente para aprender e pas 
sar, e os professores, quase todos biscateiros de tempo parcial, 
somente dão aula. É comum o professor que apenas ensina, 
em especial o de l e e 2o graus: estuda uma vez na vida, 
amealha certo lote de conhecimentos e, a seguir, transmite 
aos alunos, dentro da didática reprodutiva e cada dia mais 
desatualizada. Entretanto, essa imagem é parte constitutiva 
predominante, mesmo avassaladora, da universidade: a grande 
maioria dos professores só ensina, seja porque não domina
12
sofisticações técnicas da pesquisa, mas sobretudo porque 
admite a cisão como algo dado. Fez “opção” pelo ensino, e 
passa a vida contando aos alunos o que aprendeu de outrem, 
imitando e reproduzindo subsidiariamente.
No oposto está a soberba do pesquisador exclusivo, que 
já considera ensino como atividade menor. Esta dicotomia 
evolui facilmente para a cisão entre teoria e prática: o 
pesquisador descobre, pensa, sistematiza, conhece. Cabe a 
outra figura, sobretudo a “decisores” assumir a intervenção 
na realidade. Saber desliga-se de mudar, o que pode acarre 
tar para a atividade de pesquisa estigmas muito preocupan 
tes, tais como (Demo, jul. 1987):
a) cultivo do distanciamento útil e mesmo recaída na neu 
tralidade farsante, comodista e elitista;
b) contradição flagrante entre discurso crítico, por vezes 
radical, e o desvinculamento da prática, replicando con 
servadorismo gritante;
c) função de “bobo da corte”, reduzindo o conhecimento, 
sobretudo o crítico, na prática a estratégias de controle 
e desmobilização social;
d) apropriação do saber, que passa sobretudo a manobra 
de acesso ao poder, afastando-se da função de trans 
missão socializada;
e) favorecimento da alienação acadêmica no sentido de 
atividades tão especulativas, que nunca se sabe bem para 
que servem na prática, principalmente no cotidiano das 
pessoas e da sociedade.
De si, as ciências sociais tratam da práxis histórica, do 
seu presente, passado e futuro. Teorizar sobre ela é funda 
mental, mas seria prátie^ inaudita permanecer apenas na 
teoria. Pesquisar somente para saber já seria proposta ali-
enante, porque desencarna a pesquisa da sua face inserida 
na realidade histórica, reduzindo-a ao esforço de sistema 
tização de idéias e de especulação dedutiva. Saber está mar- 
cadamente ligado a interesses sociais, definidos aqui como 
contraposições dialéticas. Até mesmo acumular saber para 
cultivar a ignorância é possível e não raro sintomático. Muitos 
diriam que na televisão se faz isso com incrível competên 
cia: usam-se técnicas de comunicação para cultivar o anal 
fabetismo político.
Como ator social, o pesquisador é fenômeno político, 
que, na pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que 
mobilizam os confrontos e pelos interesses aos quais serve. 
Donde segue: pesquisa é sempre também fenômeno político, 
por mais que seja dotada de sofisticação técnica e se mas 
care de neutra. Não se reduz a fenômeno político, mas nunca 
o desfaz de todo. Por isso vale dizer: sabemos mais o que 
interessa. O que explica, em parte, por que conhecemos muito 
mais como não mudar, já que a produção de conhecimentos 
está nas mãos dos privilegiados. O desconforto pode ser 
gritante, quando se descobre, por exemplo, que a pesquisa 
social sobre pobreza cresceu muito, mas nada tem a ver 
com a sua debelação. E difícil, talvez impossível, estabe 
lecer uma correlação positiva entre o conhecimento da pobreza 
e o seu enfrentamento prático, embora não fosse impróprio 
constatar o inverso (Habermas, 1982).
Assim, desmitificar a pesquisa há de significar também
o reconhecimento da sua imisção natural na prática, para 
além de todas as possíveis virtudes teóricas, em particular 
da sua conexão necessária com a socialização do conhe 
cimento. Quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa care 
ce ensinar. Professor que apenas ensina jamais o foi. Pes 
quisador que só pesquisa é elitista explorador, privilegiado e 
acomodado.
14
1 Prova visível da dicotomia artificial está no conceito de 
extensão, inventado precisamente porque a universidade tende 
a fugir da realidade concreta circundante. Embora extensão 
possa conter propriedades sustentáveis em si mesmas, de 
modo geral significa o arremedo empobrecido de vida aca 
dêmica alienada. Esta invenção americana corresponde sobre 
tudo ao mútuo desconhecimento entre quem pesquisa e quem 
ensina. Na Europa, dificilmente aparece a função de extensão, 
pela razão simples de que a atividade primeira da univer 
sidade é pesquisar, em sentido produtivo e construtivo, 
decidindo-se aí a origem básica do conceito de professor.
Professor é quem, tendo conquistado espaço acadêmico 
próprio através da produção, tem condições e bagagem para 
transmitir via ensino. Não se atribui a função de professor a 
alguém que não é basicamente pesquisador. Em vista disso, 
o termo professor é reservado para nível específico de 
amadurecimento acadêmico, geralmente o catedrático, o titu 
lar, que já teria demonstrado capacidade de criação científica 
própria. Outras figuras fazem parte da cena: docentes, assis 
tentes, leitores, monitores etc., mas que não se dizem pro 
fessores. No campo do 1° e 29 graus não há obviamente 
“professores”, mas “instrutores” (Lehrer, na Alemanha; 
teacher, na Inglaterra), “mestres” (maître, na França) etc.
A postura européia tem o defeito de elitizar em excesso 
a pesquisa, se partirmos de que deve fecundar todos os níveis 
do saber, mas tem de correto a recusa de desvincular ensino 
de pesquisa. Por outra, pela via da pesquisa não se garante 
sem mais a presença da prática social adequada, o que 
recoloca a viabilidade da extensão. Todavia, é possível ela 
borar uma proposta de pesquisa que dispense a muleta da 
extensão, se for apenas muleta. Quando a prática se reduz a 
“estágio”, extensão é mtcessária. Se, porém, prática fosse 
curricular, já é extensão.
Dito isso, cabe explicitar que o nosso posicionamento 
compreende a pesquisa não só como busca de conhecimento, 
mas igualmente como atitude política, sem reducionismo e 
embaralhamento, num todo só dialético. Aí cabe a sofisti 
cação técnica, como cabe o seu cultivo especificamente 
acadêmico, desde que não desvinculado do ensino e da 
prática. Mas deve caber ainda a sua cotidianização, no espaço 
político de instrumento de acesso ao poder, a níveis críticos 
da consciência social, a domínio tecnológico diante do dado 
social e natural, a cultura própria. Em termos cotidianos, 
pesquisa não é ato isolado, intermitente, especial, mas ati 
tude processual de investigação diante do desconhecido e 
dos limites que a natureza e a sociedade nos impõem. Faz 
parte de toda prática, para não ser ativista e fanática. Faz 
parte do processo de informação, como instrumento essen 
cial para a emancipação. Não só para ter, sobretudo para 
ser, é mister saber.
O conhecimento gerado na academia é diferente do co 
nhecimento comum, mas seria incompatível soberba não re 
conhecer neste também“saber”. O analfabeto “não sabe” 
frente a critérios do culto, mas em seu universo gera níveis 
próprios do saber, que por vezes não precisam ser menos 
críticos. Sem recair jamais no elogio da ignorância — até 
porque seria coisa de esperto — cabe reconhecer que conhe 
cimento é processo diário, como a própria educação, que 
não começa nem acaba. Diante da nossa ignorância e dos 
nossos limites, há sempre o que conhecer, sobretudo conhe 
cer faz parte do conceito de vida criativa. Para criar, em es 
pecial para se emancipar, é mister informação competente.
Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto 
educativo, como princípio educativo que é, na base de 
qualquer proposta emancipatória. Se educar é sobretudo 
motivar a criatividade do próprio educando, para que surja o
16
n0vo mestre, jamais o discípulo, a atitude de pesquisa é 
parte intrínseca. Pesquisar toma aí contornos muito próprios 
e desafiadores, a começar pelo reconhecimento de que o 
melhor saber é aquele que sabe superar-se. O caminho eman- 
cipatório não pode vir de fora, imposto ou doado, mas será 
conquista de dentro, construção própria, para o que é mister 
lançar mão de todos os instrumentos de apoio: professor, 
material didático, equipamentos físicos, informação. Mas, no 
fundo, ou é conquista, ou é domesticação.
Desmitificar a pesquisa há de significar, então, a su 
peração de condições atuais da reprodução do discípulo, 
comandadas por um professor que nunca ultrapassou a con 
dição de aluno. O novo mestre não é apenas o magnata da 
ciência, o gênio incomparável, o metodólogo virtuoso, mas 
todo cidadão que souber manejar a sua emancipação, para 
não permanecer na condição de objeto das pressões alheias. 
Algo cotidiano, pois, como deve ser cotidiana a emanci 
pação, o projeto próprio de ser sujeito na história. Nada é 
mais degradante na academia do que a cunhagem do 
discípulo, domesticado para ouvir, copiar, fazer provas e 
sobretudo “colar”. Marca o discípulo a atitude de objeto, 
incapaz ou incapacitado de ter idéias e projetos próprios. 
Mais degradante ainda é o professor que nunca foi além da 
posição de discípulo, porque não sabe elaborar ciência com 
as próprias mãos. Como caricatura parasitária que é, repro 
duz isso no aluno.
Por outra, criar não é retirar do nada. Embora seja sem 
pre preferível a criação claramente inspirada e inovadora, na 
expectativa cotidiana não é possível fazer regra do extraor 
dinário. Precisamos reconhecer, no realismo do dia-a-dia que 
marca e limita pessoas e sociedades, que criar já é o processo 
de digestão própria, peto menos a impressão de colorido 
pessoal em algo retirado de outrem. Mesmo porque, de modo
geral, assim começa a criação: pela cópia retocada. Com o 
tempo, emergem condições mais profundas de inovação, que 
não caem do céu por descuido, mas são construídas na 
história de vida, em processo de infindável conquista.
Vale, então, rever o conceito de aprendizagem, re 
lacionado ao de ensinar, sempre restritos os dois a posições 
receptivo-domesticadoras. Educação aparece decaída na con 
dição de instrução, informação, reprodução, quando deveria 
aparecer como ambiência de instrumentação criativa, em 
contexto emancipatório. O que conta aí é aprender a criar. 
Um dos instrumentos essenciais da criação é a pesquisa. 
Nisto está o seu valor também educativo, para além da 
descoberta científica.
2. Horizontes múltiplos da pesquisa
Compreendida como capacidade de elaboração própria, 
a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes 
no contexto científico (Demo, 1985b). E comum prendê-la à 
sua construção empírica. O pesquisador aparece exclusivizado 
na condição de manipulador competente de dados factuais, 
nas ciências sociais. “Levantamento em pírico” é seu con 
teúdo mais típico, geralmente único. Por outra, não se pode 
desconhecer que essa direção foi muito impulsionada, rece 
bendo atualmente forte instrumentação por parte da in 
formática computacional. A acumulação da pesquisa também 
passa quase exclusivamente pela montagem de conhecimento 
empírico validado.
Todavia, a pesquisa empírica é apenas um horizonte 
dela, que, se exclusivizado, já denota desvirtuamento típico 
do conceito de pesquisa. O primeiro reconhecimento é que
18
não se pode fazer levantamento empírico sem o concurso 
dos outros horizontes, aqui subsumidos em teoria, método e 
prática. O segundo será ressaltar a importância dessa mútua 
fecundação, seja para não ficarmos apenas na permuta de 
extremos, seja para não enclausurarmos a criatividade em 
vias únicas contraditórias, seja para recuperarmos propriedades 
das ciências sociais que jam ais deveríamos reduzir a 
parâmetros das ciências naturais, por mais que haja evidente 
espaço comum.
Mesmo quando colocamos o desafio correto de que a 
pesquisa é descoberta da realidade, trata-se de um conceito 
estreito de realidade, se a restringirmos à sua manifestação 
empírica. A tendência de reduzir à sua expressão empírica é 
facilmente compreensível, porque é a mais manipulável di 
ante da expectativa metodológica dominante. E tanto mais 
tratável cientificamente, aquilo que é mensurável, experi- 
mentável, observável.
Para muitos pode parecer estranho rejeitar que seja real 
apenas o que se “vê”. Esta colocação tem grande signifi 
cado, pois denota, desde logo, que não seria “realista” prender 
a realidade a um único parâmetro de pesquisa. Se sou 
béssemos com evidência inconteste o que é realidade, não 
seria mais necessária a ciência. Neste sentido, ciência vive 
do desafio imorredouro de descobrir realidade que, sempre 
de novo, ao mesmo tempo se descobre e se esconde. Pos 
sivelmente esta marca é comum também à realidade natural, 
mas é sobretudo característica da realidade social. “O que se 
vê”, de modo geral, não é, nem de longe, a parte principal 
e, na conseqüência, o que está nos dados muitas vezes é 
manifestação secundária, ocasional, superficial.
Tomando exemplo próximo, o fenômeno do poder só 
Pode ser captado de modo realista, se de partida não acredi 
tarmos em sua manifestação externa, que sempre usa para se 
mascarar. Poder realmente importante, efetivo, é aquele que 
sabe esconder-se, precisamente para mandar sem ser per 
cebido. Por vezes usamos o conceito de “ informal”, para 
denotar aquele poder que age por trás dos bastidores, exa 
tamente para determinar com mais força. Não se conhece 
adequadamente o fenômeno do poder, se ficarmos na apa 
rência empírica, até porque uma das faces mais típicas da 
ideologia é dissimular, mascarar, esconder (Foucault, 1979).
Sobretudo, faz parte do “em pirism o” a demissão teóri 
ca, segundo a qual se reduz o que é mais importante ao que 
é mais empírico, sacrificando a realidade ao método de 
captação. Se isto for correto, a pesquisa coloca outro de 
safio: desfazer a aparência visível, observável, para sur 
preender a realidade por trás disso. O pesquisador não so 
mente é quem sabe acumular dados mensurados, mas sobre 
tudo quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo 
que qualquer conhecimento é apenas recorte.
Assim, o mínimo que podemos dizer é que há horizon 
tes não-empíricos, que fazem parte da realidade. E fundamen 
tal que a ciência os capte, principalmente é essencial que 
não reduza a realidade ao tamanho do que consegue captar. 
Esta critica, entre outras, motivou o surgimento de meto 
dologias alternativas, ditas por vezes qualitativas, que, sem 
dicotomizar quantidade e qualidade, pretendem trazer à cena 
da pesquisa a preocupação com realidade inesgotável no 
mensurável. Parte do processo emancipatório é tipicamente 
qualitativo, no sentido da qualidade política, feita de utopias 
e esperanças, ideologias e compromissos, influências e artes, 
participação e democracia. Não cabe mensurar. Nem por isso 
menos importante.
De partida, é mister ressaltar que ao lado da preocu 
20
pação empírica deve haver preocupação teórica. “Pesquisa 
teórica” pode parecer algo estranho, mas, olhando bem as 
coisas, é indispensável, comoformulação de quadros expli 
cativos de referência, burilamento conceituai, domínio de 
alternativas explicativas na história da ciência, capacidade de 
criação discursiva e analítica. À diferência do “teoricismo”, 
que faz teoria pela teoria e vive da mera especulação, teoria 
faz parte inevitável de qualquer projeto de captação da 
realidade, a começar pelo desafio de definir o que seja “real”.
De acordo com os quadros teóricos de referência, o real 
pode variar, inclusive apresentar-se contraditório. Para 
começar, todo dado empírico não fala por si, mas pela “boca” 
de uma teoria. Se fosse evidente em si, produziria a mesma 
análise sempre. Na prática, sucede exatamente o oposto: 
dependendo do quadro teórico de referência, o mesmo dado 
passa a “evidenciar” conclusões muito diversas, o que leva 
a aceitar que nos dados do IBGE, por exemplo, não está “o” 
Brasil, mas o Brasil do IBGE, assim como nos dados do 
Dieese está o Brasil do ponto de vista dos trabalhadores. 
Algo semelhante se deve dizer de índices e taxas, que supõem 
definição teórica prévia do que se vai captar e medir. Uma 
taxa de inflação não acusa “a” inflação como tal, mas aquela 
inflação que a respectiva taxa foi teoricamente predeterminada 
a medir. Esta questão parece clara quando se tenta decidir 
que componentes fazem parte da inflação, que itens do con 
sumo deveriam entrar na coleta de preços, que peso atribuir 
no cômputo global a cada item. Por mais que as taxas possam 
assemelhar-se, porque as técnicas de coleta são mais ou menos 
as mesmas e por mais que as concepções de realidade possam 
aproximar-se entre si, há sempre lastro próprio de definição 
e sobretudo de interpretação analítica. Assim, uma taxa não 
“evidencia”, apenas indica relevâncias possíveis, dentro do 
recorte feito no real. ^
21
A realidade que se quer captar é a mesma para todos, 
mas para captar é preciso concepção teórica dela, que pode 
ser diferente em todos, dependendo do que se define por 
ciência, por método, ou do ponto de partida e do ponto de 
vista, ou da ideologia subjacente, ou de circunstâncias so 
ciais condicionantes ou condicionadas por interesses históri 
cos dominantes.
Se numa teoria nunca está inclusa a realidade toda, mas 
tão-somente a maneira de a conceber, muito menos seria 
pensável encerrar em manifestações empíricas. A importância 
da hermenêutica está precisamente no reconhecimento de que 
a interpretação é inevitável. A realidade como tal não de 
pende da interpretação para existir: existe com ou sem 
intérprete. Mas a realidade conhecida é inevitavelmente aquela 
interpretada. Caso contrário, seria ininteligível a disputa 
teórica entre quadros interpretativos diferentes e mesmo 
contraditórios. O dado é muito mais resultado teórico, do 
que achado, pois, para “achar”, é mister antes “decidir” o 
que achar e como achar (Kuhn, 1975).
A hermenêutica é a arte de descobrir a entrelinha para 
além das linhas, o contexto para além do texto, a significação 
para além da palavra. Concretamente, enfrenta os desafios 
do mistério da comunicação humana, que nunca é só o que 
aparenta: como descobrir que o comunicador, ao dizer sim, 
queria dizer não, ao sair da cena, queria sobretudo estar 
presente e ao calar-se, queria precisamente fazer-se notado.
Aí está a importância da teoria, que é a retaguarda 
criativa do intérprete inspirado. Domínio teórico significa a 
construção, via pesquisa, da capacidade de relacionar alter 
nativas explicativas, de conhecer seus vazios e virtudes, sua 
história, sua consistência, sua potencialidade, de cultivar a 
polêmica dialogai construtiva, de especular chances possíveis 
de caminhos outros ainda não devassados. O “bom teórico”,
22
assim, não é aquele que se perde nos meandros sinuosos da 
elucubração infindável, ao longe sempre incompreensível 
porque nada tem a comunicar de prático e aproveitável, mas 
aquele que insiste na estringência conceituai, sabe perseguir 
análises e interpretações, conhece caminhos diferentes de 
tentativa explicativa, guarda vivo senso crítico dos vazios de 
toda e qualquer teoria, retorna à teoria no contexto de 
qualquer prática, toma a explicação como desafio sempre a 
ser recomeçado, aceita todo ponto de chegada como inevitável 
próximo ponto de partida. O bom teórico é sobretudo aquele 
que sabe bem perguntar, colocando a teoria no devido lugar: 
instrumentação criativa diante de realidade sempre furtiva. 
Quem dispõe de boa teoria, diante do dado sabe interpretar, 
ou pelo menos sabe propor pistas de interpretação possível.
Faz parte, assim, da pesquisa teórica:
a) conhecer a fundo quadros de referência alternativos, 
clássicos e modernos, ou os teóricos relevantes;
b) atualizar-se na polêmica teórica, sem modismos, para 
abastecer-se e desinstalar-se;
c) elaborar precisão conceituai, atribuindo significado estrito 
aos termos básicos de cada teoria;
d) aceitar o desafio criativo de prepor a realidade à fixação 
teórica, para que a prática não se reduza à “prática 
teórica”, e para que a teoria se mantenha em seu de 
vido lugar, como instrumentação interpretativa e con 
dição de criatividade;
e) investir na consciência crítica, que se alimenta de alter 
nativas explicativas, do vaivém entre teoria e prática, 
dos limites de cada teoria.
A seguir, é importante ressaltar a preocupação metodo 
lógica. “Pesquisa metodológica” pode parecer algo ainda mais
23
estranho, porque predomina a expectativa de que método se 
aprende, não se cria. Sobretudo em estatística, a atitude típica 
é a de estar diante de “pacote” que temos de engolir.
Primeiro, é constatação comum que todo cientista cria 
tivo e produtivo marcou sua presença no mundo científico 
não só pela teoria e por vezes pela prática, mas também 
sempre pela discussão metodológica. Preocupa-se com mé 
todo, porque é sinal de competência, no mínimo de bom 
nível. Marx, Escola de Frankfurt, Lévi-Strauss, Popper, todos 
sem exceção deixaram produções esserfCiais no campo do* 
método, pois é impossível criar análises inspiradas sem 
discutir o como fazer (Habermas 1981 e 1989). Teoria co 
loca a discussão sobre concepções de realidade. Método colo 
ca a discussão sobre concepções de ciência. Método é ins 
trumento, caminho, procedimento, e por isso nunca vem antes 
da concepção de realidade. Para se colocar como captar, é 
mister ter-se idéia do que captar.
Ainda, também é constatação comum que metodologia 
científica é uma das matérias mais estratégicas na formação 
acadêmica, sobretudo na direção da motivação à pesquisa. 
Todo projeto sério de pesquisa contém em algum momento 
discussão do método, pelo menos no sentido barato de fases 
a serem seguidas, possíveis resultados colimados, autores que 
se pretende ler, interpretar, rebater, superar. A despreocu 
pação metodológica coincide com baixo nível acadêmico, pois 
passa ao largo da discussão sobre modos de explicar, substi 
tuindo-a por expectativas ingênuas de evidências prévias. Nada 
favorece mais o surgimento do discípulo “copiador” que a 
ignorância metodológica.
Terceiro, é preciso lembrar que a distinção entre ciência 
e outros saberes está no método, sobretudo. Enquanto estes 
são taxados de senso comum, postura acrítica, credulidade
24
etc., por vezes sem razão, ciência é assumida como conheci 
mento metódico, cuidadoso, testado, e se possível verdadeiro. 
Assim, é a metodologia que coloca mais propriamente a 
pretensão científica e seu domínio define na prática quem é 
ou não cientista.
Nesse sentido, pesquisa metodológica é um dos hori 
zontes estratégicos da pesquisa como tal, que não se restringe 
a “decorar” estatística com seus testes áridos, mas alcança a 
capacidade de discutir criativamente caminhos alternativos 
para a ciência e mesmo de criá-los. Um exemplo recente é 
a pesquisa participante, que, além de recolocar a questão da 
teoria e da prática, apresenta invectiva forte na linha de 
refazer caminhos científicos, o que indica pesquisa em sen 
tido estrito (Saul, 1988; Trivinos, 1987; Thiollent, 1986).São essenciais polêmicas metodológicas como a disputa entre 
positivismo e dialética ou em tomo da proposta de ciência 
social com base na comunidade comunicativa ideal (Haber- 
mas, 1989; Tempo Brasil, 1989; Rouanet, 1986; Siebeneich- 
ler, 1989; Demo, 1989).
Alguns tópicos da pesquisa metodológica poderiam ser:
a) discussão crítica das metodologias em uso: dialéticas, 
positivismos, estruturalismos, empirismos, sistemismos;
b) propostas de metodologias alternativas: pesquisa partici 
pante, avaliação qualitativa, hermenêutica;
c) capacidade de aferir de uma teoria a concepção científica 
subjacente, garimpando nas linhas e nas entrelinhas a 
postura metodológica;
d) capacidade de detectar o fundo ideológico das produ 
ções científicas, já que são condicionadas também so 
cialmente, do que se pode inferir a concepção de ciência 
e de método;
25
e) formação crítica e emancipatória de espaço científico 
próprio;
f) discussão do lugar da ciência na sociedade, que, como 
técnica, tem sido tática de lucro e opressão (Luedke & 
André, 1986; Haguette, 1987; Demo, 1987).
O mais interessante é o questionamento criativo, cons 
tante e processual da própria ciência: seu lugar na sociedade, 
o que pode e não pode explicar, suas ideologias e mitos, 
ciência como mito moderno, para da insatisfação retirar 
energia alternativa. A ciência mais criativa é aquela que se 
questiona, quando adquire ares de sabedoria. Embora todos 
busquem a mesma verdade, o que cada qual encontra é uma 
concepção possível, com decorrente método de captação. Aí, 
a coisa mais verdadeira será que a verdade não está toda em 
ninguém. Na pesquisa metodológica a ciência demonstra 
sobretudo que não morreu (Abbagnano, 1989).
Por fim, outro horizonte da pesquisa é a prática, por 
mais que as ciências sociais, contraditoriamente, possam 
estranhar tal postura. Por caminhos surpreendentes, as ciências 
sociais — que tratam a práxis social histórica — tomaram- 
se ou produto tipicamente teórico, ou cópia teórica.
Advêm disso repercussões drásticas, que vão desde o 
descrédito crescente das ciências sociais, cada vez mais vistas 
como impotentes frente aos problemas que apenas estudam, 
até ao cúmulo de inventar “especialidades” sem qualquer de 
monstração prática. E possível tomar-se “doutor em Edu 
cação” sem nunca ter amealhado experiência concreta. Basta 
ler alguma coisa, confrontar o que se leu, discutir em teoria 
a teoria, propor possível nova síntese teórica.
Reproduz-se formidável indigestão teórica, de estilo imi- 
tativo, quase sempre na direção de filiações tacanhas a de 
terminadas posturas, no que a falta de elaboração própria em
26
termos teóricos e metodológicos se combina com a falta de 
confronto prático. É ironia: estuda-se na solidão da teoria a 
prática social coletiva, reintroduzindo um tipo diferente de 
“neutralidade”, tendo em vista a distância artificial cultivada.
Por essa porta artificial entra o fantasma da dicotomia 
entre saber e mudar, cuja correlação tende a ser inversa. De 
um lado, sabe-se muito mais do que se consegue mudar. De 
outro, no que se sabe, predominam estratégias de como não 
mudar. E temos o resultado sarcástico: as ciências sociais 
são sobretudo estratégia de controle e desmobilização social. 
Quanto mais se pintam de crítica radical, mais apenas “latem”, 
porque o sentido real é falar de mudança, para não mudar.
Todavia, não vale sacralizar a prática. Teoria e prática 
detêm a mesma relevância científica e constituem no fundo 
um todo só. Uma não substitui a outra e cada qual tem sua 
lógica própria. Nos extremos, os vícios do teoricismo e do 
ativismo causam os mesmos males. Não se pode realizar 
prática criativa sem retomo constante à teoria, bem como 
não se pode fecundar a teoria sem confronto com a prática.
A distância para com a prática é compreensível, sobre 
tudo pelo temor do confronto, que condiciona mudanças na 
teoria. Na prática, a teoria é outra, e vice-versa. Se a dis 
cussão crítica é cuidado providencial contra a petrificação 
das teorias, o confronto com a prática ainda é mais, porque 
é a prática que escancara a pequenez de toda construção 
teórica. Por isso, o que mais fomenta instabilidade teórica e 
obriga a buscar alternativas é o confronto prático.
A pesquisa participante é talvez a proposta mais osten 
siva de valorização da prática como fonte de conhecimento, 
apesar de suas banalizações típicas. Propug.ia a eliminação 
da separação entre sujeito e objeto, tentando estabelecer 
relação dialogai de infkfência mútua, teórica e prática. Conhe 
27
cimento adquire a dimensão de autoconhecimento, aparecendo 
logo a importância da formação da consciência crítica como 
passo primeiro de toda proposta emancipatória. Todo conhe 
cimento advindo da prática necessita de elaboração teórica, 
mas não é menos verdadeira a postura contrária. E isto per 
mitiria superar a dicotomia sarcástica entre saber & mudar.
A ideologia recebe tratamento mais adequado, porque, 
sendo parte integrante do processo científico em ciências 
sociais, o desafio será como controlar, não como suprimir. 
A melhor estratégia de controle será sempre enfrentar aber 
tamente algo que de antemão não se tenta camuflar. Ideolo 
gia aberta não faz mal, porque entra em cena como dis 
cutível. Neste sentido, pode ser fator criativo e fecundante.
A pesquisa prática — que nunca pode ser bem-feita 
sem teoria, método e empiria — é modo salutar de pro 
dução de conhecimento, que possui ainda a vantagem de 
puxar para o cotidiano a ciência. Pode resvalar facilmente 
para o senso comum, mas pode adquirir tonalidades muito 
criativas da sabedoria e do bom senso. Pesquisa prática não 
significa apenas a noção de aplicabilidade concreta, porque 
seria irônica uma teoria não-aplicável, mas sobretudo a prática 
como parte integrante do processo científico como tal. Con 
seqüência disso será que prática deve ser estritamente cur 
ricular, não fazendo sentido a noção truncada de estágio.
Pesquisa prática quer dizer “olhos abertos” para a reali 
dade, tomando-a como mestra de nossas concepções. Quem 
é inteligente sempre aprende, porque está em atitude de 
pesquisa. Naturalmente muda de posição, no dinamismo 
natural de uma realidade variável e surpreendente. Ao con 
trário da tendência teórica típica que “ensaca” a realidade na 
teoria, pesquisa prática busca o movimento contrário: colo 
car realidade na teoria, obrigando a teoria a se adequar e
28
nisto a se rever, mudar e mesmo se superar. Assim chega 
mos a reconhecer que o critério mais pertinente, criativo, 
formal e politicamente, da cientificidade é a discutibilidade: 
somente o que é discutível, na teoria e na prática, pode ser 
aceito como científico. Apanha-se ciência, ao mesmo tempo, 
como expressão formal lógica, e como prática histórica na 
sociedade (Demo, 1988b e 1989; Habermas, 1989). Não há 
ciência sem pesquisa; sobretudo, não há criatividade científica 
sem pesquisa. Não há emancipação histórica criativa sem 
pesquisa, compreendida como diálogo crítico com a realida 
de no seu dia-a-dia e como raiz política da constituição de 
espaço próprio, com projeto próprio de vida (Ladrière, 1978).
3. A pesquisa como descoberta e criação
Em metodologia científica, descobrir e criar não são a 
mesma coisa. Quando se fala de descobrir, tem-se em mente 
postura próxima das ciências naturais, de estilo nomotético, 
que as entende como esforço formal de tratamento da reali 
dade, para descobrir leis da sua estrutura e funcionamento. 
O cientista nada cria, apenas detecta relações. A lei da gravi 
dade, por exemplo, é descoberta formidável, mas não signi 
fica intervenção na realidade ou criação de relações novas.
Na descoberta criou-se conhecimento novo, não realidade 
nova, embora a partir daí se possa inventar usos novos do 
conhecimento. O positivismo e o estruturalismo demarcam 
tal postura e, à sombra das ciências naturais, entendem ciência 
como descoberta das relações necessárias e dadas na reali 
dade (Popper, 1959; Lévi-Strauss,1967 e 1976).
Num exemplo aplicá^eh à história, a concepção de dia 
lética estrutural-objetiva busca delinear nela leis “férreas” do
29
seu desenvolvimento, pelo que a passagem do capitalismo 
para o socialismo se dá inexoravelmente, pela própria lei da 
sua dinâmica interna. Não são condições subjetivas que em 
purram a história e fazem a revolução, mas condições obje 
tivas, já vistas como típicas determinações. Ao cair uma pe 
dra, não é imaginável que, de repente, “decidisse” não seguir 
a lei da gravidade.
No texto Contribuição Para a Crítica da Economia 
Política, considerado apenas nele mesmo, Marx desdobra esse 
tipo de concepção dialética, que Lévi-Strauss supõe como 
estruturalista a seu modo (Marx, 1973; Demo, 1989). Parte- 
se do ponto de vista de que a ciência tem como proposta, 
no quadro da neutralidade metodológica, descobrir estruturas 
dadas da realidade, que são formas não-históricas por defi 
nição. Mesmo a consciência, que pareceria ligada à produção 
de conteúdos subjetivos, é algo estritamente objetivo para o 
estruturalismo, porque no inconsciente está a sua estrutura 
formal invariante, que aparece sobretudo sob o signo da ló 
gica. É lógico, estritamente, aquilo que é formal-invariante.
Marx de certa forma alimentava, em momentos, a ex 
pectativa de fazer da história uma ciência exata. No texto 
citado atribui significação pálida, muito secundária, a fatores 
subjetivos. A revolução do modo de produção se dá objetiva 
e necessariamente, como resultado inexorável do desen 
volvimento das forças produtivas. Tomando-se em conta 
outros textos, é possível equilibrar tal concepção, sobretudo 
diante da importância da “luta de classes”, do papel do 
partido, da experiência histórica da Comuna de Paris. Como 
se fora gramática dada, esta não cria linguagem; apenas 
constata as relações necessárias dos seus termos. Descobrir a 
gramática de uma língua é algo sumamente criativo na linha 
do conhecimento sistematizado, não na linha da intervenção 
histórica na realidade (Moles, 1971; Bunge, 1974).
30
Por outra, quando se fala de criar, temos proposta di 
versa de ciência, desde os extremos hegelianos e similares 
que exageram o lugar das condições subjetivas, até o 
equilíbrio da dialética histórico-estrutural. Nunca se cria do 
nada, porque a história tem sempre antecedentes e conseqüen 
tes, mas na fase nova pode predominar o novo, ao que se 
dá o nome de revolução. Qualquer dinâmica criativa não 
cria ao léu, porque a realidade histórica é pelo menos regu 
larmente condicionada, ainda que não-determinada. O próprio 
fato simples de que ciência se dirige ao geral, não ao indi 
vidual — de indivíduo non est scientia — já denota que, se 
existe conceito de revolução, é porque nesse fenômeno há 
estruturas que se repetem, ao lado da criação histórica. Caso 
contrário, seria algo irrepetível e por isso refratário à cap 
tação científica.
A história vem concebida como, de um lado, condi 
cionada por estruturas dadas, naturais e sociais, que jamais 
podem ser ignoradas, e, de outro lado, condicionada pela 
possível intervenção humana, que não precisa submeter-se 
passivamente às circunstâncias dadas ou encontradas. Assim 
como não se pode inventar revolução ao próprio talante, 
pode-se apressá-la, precipitá-la, retardá-la, de acordo com as 
condições de intervenção. Na revolução russa de 1917, talvez 
se pudesse aventar que se conseguiu precipitar a passagem 
histórica, tendo em vista que as condições objetivas — a 
passagem do capitalismo avançado, desenvolvido, para o so 
cialismo — não estavam maduras ainda. As circunstâncias 
encontradas, contudo, foram favoráveis à intervenção de Lênin 
e do seu grupo, que acabaram impondo a cisão histórica 
mais pela via da manobra política do que pelo amadureci 
mento objetivo do modo de produção. Este fato não deixou 
de ter conseqüências até^hõje, porque o surgimento apres 
sado do socialismo queimou etapas, que a história posterior
31
reclam
ou sem
pre, a saber, a necessária acum
ulação de capi 
tal 
e 
a 
presença 
da 
grande 
produção 
com
o 
bases 
da 
su 
peração da 
desigualdade. 
Para o 
socialism
o é 
desafio 
im
 
próprio ter que acum
ular capital, pois deveria ter ocorrido 
no m
odo 
anterior de produção e, na prática, nunca se re 
solveu a contento (B
ahro, 
1980; G
illy, 
1985).
Sem
 aprofundar a disputa entre dialéticas “objetivantes” 
e “subjetivantes”, está claro que 
indicam
 concepções dife 
rentes do cam
inho científico, m
as no fundo ressaltam
 a m
esm
a 
im
portância 
da 
pesquisa. 
Tanto 
em
 
um
a 
com
o 
em
 
outra, 
pesquisar é condição essencial do descobrir e do criar. Isto, 
entretanto, é verdade com
 respeito à realidade com
o tal. C
om
 
respeito à produção científica, a disputa continua, caricatu 
rada 
nos 
pólos 
antagônicos 
do 
positivism
o 
e 
da 
dialética 
(A
dom
o/H
orkheim
er, 
1986; A
lbert, 
1977; D
em
o, 
1989).
A
 
concepção 
form
alista 
de 
ciência distingue e 
separa 
sujeito do objeto e 
investe em
 m
etodologia objetiva com
o 
instrum
entação de cerceam
ento da subjetividade. 
D
iante do 
objeto, cabe ao sujeito proceder à análise, decom
pondo-o em
 
partes, em
 atitude de observador externo. N
o fundo, trata-se 
de 
constatar 
estruturas 
dadas, 
com
 
suas 
relações 
form
ais 
invariantes, sobre as quais é possível exarar leis. A
 pesquisa 
analítica descobre e, nisso, cria conhecim
ento novo. M
as nada 
deveria 
colocar 
no 
objeto, 
que 
adviesse 
do 
sujeito 
com
o 
intervenção 
política. 
Este 
m
odelo 
é 
copiado 
das 
ciências 
naturais, nas quais a ideologia poderia aparecer apenas no 
sujeito, não no objeto. Este é dado e cabe à ciência desven 
dar a estrutura via análise (D
em
o, 
1985a e 
1988a).
Torna-se fatal a distinção entre ciência pura e aplicada, 
entre teoria e prática, por questão de m
étodó. Problem
a do 
cientista 
é 
som
ente 
saber, 
estudar, 
analisar, 
não 
intervir, 
m
udar, questionar. O
 apelo à neutralidade científica é a fuga
32
útil, para não ter que enfrentar a questão ideológica. N
ão se 
supera essa questão; apenas se ignora. O
 que não deixa de 
ser a pior m
aneira de controlar. Ideologia indesejável sem
pre 
é aquela que se dissim
ula para influenciar ainda m
ais, não 
aquela 
que 
aparece 
claram
ente 
na 
cena, 
porque 
nisto 
já 
respeita a condição prim
eira do controle possível e passa a 
integrar-se no repto da discutibilidade (A
lbert, 
1977).
N
o outro lado, a concepção histórico-estrutural de ciência 
coloca o objeto construído com
o produto e processo científico 
típico, adm
itindo que ciência é tam
bém
 criação. 
É 
im
por 
tante discutir nesse quadro o relacionam
ento entre sujeito e 
objeto em
 ciências sociais, a com
eçar pelo questionam
ento 
dos term
os com
o tais: não há propriam
ente objeto, com
o é 
o caso em
 ciências naturais e que perm
ite o distanciam
ento 
típico do analista observador.
D
e um
 lado, tem
os de assum
ir que as ciências sociais 
não 
são 
apenas questão de conhecim
ento, 
m
as 
igualm
ente 
questão 
histórico-social. 
Elas 
m
esm
as 
refletem
 
condicio 
nam
ento social e são no fundo tam
bém
 “problem
a social”. 
A
 noção de objeto construído adverte para este fato: ciência 
não é algo acim
a ou à m
argem
 da sociedade, m
as com
po 
nente da própria sociedade em
 que se faz. O
 cientista não é 
ente desencarnado, m
esm
o quando se traveste de neutro, m
as 
anim
al político sem
pre. 
A
 ciência tem
 sem
pre a m
arca do 
seu 
construtor, 
que 
nela 
não 
só 
retrata 
a 
realidade, 
m
as 
igualm
ente a m
olda do seu ponto de vista.
D
e outro 
lado, aponta-se para a característica de um
a 
realidade histórica dinâm
ica e com
plexa, que jam
ais cabe na 
cabeça do cientista integralm
ente. A
 ciência recorta a reali 
dade, 
porque, não alcançando dom
inar o todo, avança por 
m
eio da estratégia aproxfihativa das relevâncias discem
íveis. 
Em
 
term
os práticos,vê-se 
na realidade o que 
se 
im
agina33
relevante, o que determina ato construtivo, pelo menos no 
sentido de que não se interpreta sem intervir. Na ciência 
deve estar a realidade, que é seu objetivo de captação, mas 
está sempre também a maneira própria do cientista de ver a 
realidade. E isso permite compreender os confrontos naturais 
de posturas contrárias, que constroem de modo diversificado 
a mesma realidade. É impossível compreender a teoria weberi- 
ana fora do contexto da prática ideológica histórica de Weber, 
e isto permite dizer que a teoria weberiana é uma cons 
trução de Weber.
O termo construção pode ser exagerado, quando indica 
que o cientista passa a “inventar” a realidade, sobrepondo a 
ela a rigidez teórica ou o interesse ideológico. Este fenômeno 
não é raro e faz parte do negócio hermenêutico. Porque a 
realidade nunca é evidente, interpretar é preciso. Porque a 
comunicação nunca é unívoca, interpretar é inevitável. Já diz 
o povo: “Quem conta um cònto, aumenta um ponto”. Ou na 
expressão italiana do “tradutor, traidor”, porque é impossível 
apenas traduzir; em toda tradução há também interpretação.
Esta discussão pode mostrar o quanto a pesquisa é fun 
damental para descobrir e criar. É o processo de pesquisa 
que, na descoberta, questionando o saber vigente, acerta 
relações novas no dado e estabelece conhecimento novo. E 
a pesquisa que, na criação, questionando a situação vigente, 
sugere, pede, força o surgimento de alternativas.
Pesquisa se define aqui sobretudo pela capacidade de 
questionamento, que não admite resultados definitivos, es 
tabelecendo a provisoriedade metódica como fonte principal 
da renovação científica. Há por certo noções de ciência 
definitiva, mas que sempre se aproximam mais do dogma — 
que apenas mascara a incerteza fundamental da realidade 
histórica — do que de produtos finais. Mesmo no positivis-
34
mo moderno, digamos em Popper e Albert, mas igualmente 
em Lévi-Strauss, o método nunca é colocado como inventor 
de produtos finais, até porque seria “mera invenção”. A “fal- 
sificabilidade” popperiana rejeita evidências últimas, vivendo, 
pelo menos no método, a certeza das explicações imper 
feitas, pois em toda explicação há pressupostos inexplicados. 
No estruturalismo, embora manipulando formas invariantes 
da realidade no contexto formal típico das ciências naturais, 
sua captação é aproximativa, premida pelo modelo cada vez 
mais simples, mas nunca final e único.
A vantagem de posturas dialéticas está precisamente em 
colocar o questionamento não apenas no método, mas igual 
mente na própria realidade, até porque a ideologia não aparece 
só no sujeito, mas na realidade como tal, por ser histórica 
e prática. Não somente o método é dialético, sobretudo a 
realidade é dialética na substância. Por isso nela mesma se 
elabora o contrário, que leva à superação histórica.
Para descobrir e criar é preciso primeiro questionar. Esta 
relação é tão forte, que aí reside o “perigo” para a ordem 
vigente. O cientista é figura fundamental para o domínio da 
realidade, sobretudo em termos tecnológicos, mas é essencial 
que não seja crítico, em termos políticos. Cientista útil é 
aquele, ao mesmo tempo, competente em termos formais, 
mas alienado politicamente. A insistência sobre neutralidade 
científica tem essa direção ideológica, porque instrumenta a 
postura distanciada, aparentemente relevante para a análise, 
mas principalmente cômoda em termos políticos.
Para tanto encerra-se a ciência na descoberta, reservando 
a criatividade apenas para o nível do conhecimento. A seguir 
separa-se teoria da prática, fazendo do cientista mero instru 
mento tecnológico. Com isto a ideologia, sob a capa da neu 
tralidade metódica, já penetrou todo o recinto da ciência e
35
serve à ideologia dominante, o que faz da ciência tenden- 
cialmente produto conservador ou pelo menos útil à ideolo 
gia conservadora, na figura do idiota especializado: compe 
tente formalmente, tapado politicamente.
Na história, porém, a lógica que mais interessa não é a 
“lógica da descoberta”, como dizia Popper, mas a lógica da 
criação, da alternativa, da transformação, da esperança infi 
nita. O questionamento não pode ser apenas ato isolado e 
esporádico, mas atitude processual que corresponde ao de 
safio que toda sociedade coloca sobre a ciência. A sociedade 
vê no cientista e na universidade não somente próceres e 
lugares da descoberta de relações dadas e necessárias, mas 
principalmente a geração incansável e sempre renovada da 
criatividade histórica. Por mais que a universidade tenha 
frauda/do sistematicamente a esperança social, a sociedade 
continua esperando isso dela (Borda, 1985; Silva & Souza, 
1984; Bachelard, 1986).
Pesquisa deve ser vista como processo social que per 
passa toda vida acadêmica e penetra na medula do professor 
e do aluno. Sem ela, não há como falar de universidade, se 
a compreendermos como descoberta e criação. Somente para 
ensinar, não se faz necessária essa instituição e jamais se 
deveria atribuir esse nome a entidades que apenas oferecem 
aulas. Ainda que esse tipo de oferta possa existir em seu 
devido lugar, não pode ser misturada com aquela instituição 
que busca a sua principal razão de ser na pesquisa. Na 
ciência, o primeiro princípio é pesquisa.
4. A pesquisa como diálogo
Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo 
inteligente com a realidade, tomando-o como processo e ati-
36
tude, e como integrante do cotidiano. De um lado, é mister 
desmitificar o conceito de diálogo:
a) não é algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou 
algo ritual e especial como é a necessidade de comuni 
cação entre professor e aluno;
b) não é expressão dos consensos, da intelecção fácil e 
mecânica; é sempre também confronto, se for comu 
nicação entre atores com idéias próprias e posições con 
trárias;
c) não se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo 
comunicação, com todos os seus riscos e desafios; não 
é apenas o fenômeno de indivíduos que se encontram e 
defrontam, mas a complexa comunicação de uma so 
ciedade sempre desigual.
De outro lado, é mister fazer a aproximação devida en 
tre pesquisar e dialogar. De certa maneira, se em ciências 
sociais não cabe propriamente a noção e a posição de ob 
jeto, o relacionamento será de dois sujeitos, entre os quais 
cabe o diálogo como forma mais madura de convivência. 
Ao mesmo tempo, questionar inclui comunicar criticamente 
o próprio ponto de vista e receber criticamente o ponto de 
vista do outro.
Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram 
e se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de 
verdade dialogar, porque têm com que contribuir. Somente 
quem é criativo tem o que propor e contrapor. Um ser social 
emancipado nunca entra no diálogo para somente escutar e 
seguir, mas para demarcar espaço próprio, a partir do qual 
compreende o do outro e com ele se compõe ou se defronta.
O fenômeno do dialogo toca no complexo problema da 
comunicação social, cuja compreensão adequada dificilmente
37
escaparia do contexto hermenêutico. Primeiro, se a comuni 
cação fosse óbvia, não haveria necessidade de interpretação, 
e o diálogo seria apenas reprodução, como faz um alto- 
falante. Segundo, a ambiência comunicativa é de tal modo 
dialética, que no fundo tem a característica do mistério. Nunca 
temos certeza suficiente, se comunicamos bem e se fomos 
bem compreendidos.
Mas, ao lado disso, a comunicação tem a característica 
do ardil, porque é sempre mais fácil confundir, desentender, 
enganar. O sorriso irônico comunica, através do sorriso, o 
contrário. O humor negro comunica a tragédia como diversão. 
Há silêncios ensurdecedores, ausências gritantes, desapareci 
mentos estratégicos. Enquanto, de um lado, a comunicação 
garante que é possível conviver, de outro abriga nela mesma 
a condição do desencontro. A comunicação pode, ao mesmo 
tempo, gerar e abafar a crítica, favorecer e suprimir o 
questionamento, motivar e desestimular o encontro.Todavia, essa marca histórico-estrutural da comunicação 
não é diferente da realidade social, que também possui a 
característica do mistério e do ardil. Porquanto, não é so 
mente algo estruturalmente dado, mas em parte feito, con 
struído, conquistado. Onde entra o fator político, entra o 
ardil e, na sua complexidade extrema, esgueira o misterioso, 
de algo que somente pode ser preciso na imprecisão.
Uma realidade dessa tessitura não pode ser de todo do 
minada, muito menos vilipendiada como mero objeto de 
manipulação. Diante dela cabe outra atitude: precisamente a 
de pesquisa, no respeito entre sujeitos que se defrontam, no 
desafio mútuo nunca totalmente devassável, na relevância do 
cuidado em termos de procedimento relacional, na possibili 
dade de colaboração e desencontro.
Fundamental é essa compreensão, porque, de partida,
38
supera a pesquisa como simples descoberta, que termina na 
análise teórica. Como diálogo, é necessária comunicação e a 
socialização do saber faz parte integrante da sua produção, 
sem falar na ligação estrutural e histórica entre teoria e 
prática. Se comunicação fosse mero discurso, não passaria 
de permuta de signos em contexto apenas formal. Entretanto, 
para além disso, comunicação é no âmago fenômeno político, 
de atores polarizados, competentes se emancipados.
Pesquisar, assim, é sempre também dialogar, no sentido 
específico de produzir conhecimento do outro para si, e de 
si para o outro, dentro de contexto comunicativo nunca de 
todo devassável e que sempre pode ir a pique. Pesquisa 
passa a ser, ao mesmo tempo, método de comunicação, pois 
é mister construir de modo conveniente a comunicação cabível 
e adequada, e conteúdo da comunicação, se for produtiva. 
Quem pesquisa tem o que comunicar. Quem não pesquisa 
apenas reproduz ou apenas escuta. Quem pesquisa é capaz 
de produzir instrumentos e procedimentos de comunicação. 
Quem não pesquisa assiste à comunicação dos outros.
Sendo a desigualdade social o ardil principal da so 
ciedade, é também o maior desafio da comunicação. De um 
lado, somente seres sociais desiguais se comunicam propria 
mente, porque criam a necessária polarização dialogai dia 
lética. Seres iguais socialmente não criam relações novas, 
porque são de si contíguos e apenas permutantes. De outro, 
nada perturba, destrói, compromete tanto a comunicação como 
a desigualdade, pois somente seres iguais se comunicariam 
sem ruído. Aí estão o ardil e o mistério: comunicação sem 
ruído já não tem o que comunicar e não faz parte da história 
concreta; comunicação desigual tem, ao mesmo tempo, toda 
chance de criar e destruir. Esta é a história intranqiiila na 
sua estrutura e que sefftpfe clama por transformação, sem 
chegar ao porto seguro.
39
Pesquisa assume contornos existenciais, porque encerra 
o desafio histórico-estrutural de compreender e enfrentar a 
desigualdade social, num processo que nunca termina. 
Pesquisa coincide com a vontade de viver, de sobreviver, de 
mudar, de transformar, de recomeçar. Pesquisar é demons 
trar que não se perdeu o senso pela alternativa, que a espe 
rança é sempre maior que qualquer fracasso, que é sempre 
possível reiniciar. No fundo, pesquisa passa a ser a maneira 
primeira de o ator político se colocar, se lançar, seja no 
tatear cuidadoso em ambiente desconhecido ou hostil, seja 
no medir as próprias forças diante de forças contrárias, seja 
na instrumentação estratégica da ocupação de espaço.
Com isso chegamos a um ponto fundamental desta dis 
cussão, que é a visão da. pesquisa no contexto dos interes 
ses sociais. O confronto histórico-estrutural de interesses é 
que perfaz o ambiente típico da comunicação e do diálogo. 
Estes tomam-se necessários e inevitáveis, não por harmo 
nia funcional, mas por sobrevivência. Sem um mínimo de 
convivência, não há sociedade praticável, ou pelo menos 
suportável. Essa drasticidade dialética — que é inútil 
descrever como drama, pois é simples dialética do conflito
— recoloca com força específica a importância da pesqui 
sa, no sentido preciso do conhecimento estratégico para a 
defesa adequada dos interesses. A insegurança social dian 
te de interesses periclitantes recomenda saber, conhecer, in 
formar-se, tanto para não perder posições, quanto para con 
quistar outras.
Muitas vezes destaca-se essa questão sob o ângulo da 
curiosidade, que estaria na base do espírito científico pes 
quisador. Há algum conteúdo nisso, pelo menos como possí 
vel motivação e embasa a dúvida metódica e mesmo es 
tratégias didáticas de instigação da vontade de saber. Por 
curiosidade, muita gente lê muito, mete-se em discussões
40
r
sempre que pode, aprecia desvendar todos os detalhes, 
mantém-se bem-informada.
Entretanto, o móvel mais estrutural e histórico da 
pesquisa é sua raiz política, no contexto do diálogo interes 
seiro. Aí a própria negação do diálogo é forma de comuni 
cação, via confronto. Talvez o exemplo mais à mão, embora 
incômodo, sejam os sistemas de informação do tipo CIA, 
SNI, KGB. A informação garante poder. Para se chegar a 
ele, é mister pesquisar. Este exemplo é incômodo, mas não 
deixa de escancarar o ardil da comunicação, quando a 
pesquisa, a serviço do poder, pode informar para desinfor- 
mar, inventar “dados” para denegrir, conhecer para matar.
Outro exemplo é a pesquisa tecnológica, que adquiriu 
hoje o primeiro lugar como estratégia de acumulação de 
capital, superando já a fonte da mais-valia. O capitalismo 
perverso busca ainda o lucro através da depauperação do 
trabalhador. O capitalismo avançado, sem sair do contexto 
da mais-valia, descobriu que a maneira mais efetiva de fazer 
o capital crescer é a criação de conhecimento novo via 
tecnologia. Investem-se, então, fortunas na pesquisa tecno 
lógica, que, com certeza, está menos a serviço do conheci 
mento científico, do que a serviço dos interesses dominan 
tes. É neste sentido preciso que a ciência é também fenômeno 
social, não apenas epistemológico, pois sua formação e 
progresso são marcados por interesses sociais.
Talvez estranhe colocar essa crueza histórica no con 
texto da pesquisa como diálogo. Mas, em nome da comuni 
cação dialética, não vale mascarar a desigualdade social, re 
produzindo do diálogo uma concepção funcionalista. Não faz 
sentido imaginar a pesquisa sempre como boa intenção, 
fraternidade exuberantef^põrque é lenda. Ao ressaltarmos a 
raiz política da pesquisa, não decorre somente a sua chance
41
histórica de comunicação construtiva, mas igualmente a 
potencialidade de manipulação social.
Quer dizer, não podemos transformar pesquisa em ardil. 
Por coerência, valorizar a pesquisa é em primeiro lugar 
questioná-la. Não é assim que pode tudo, ou nada. De partida, 
não cabe afirmar que o conhecimento em si já é transforma 
dor, porque a geração da consciência critica não é automática, 
mas conquista política típica. O conhecimento pode dirigir- 
se à transformação, como pode ser estratégia para não trans 
formar. Pesquisa não é só a da paz; mais insistentemente é 
a da guerra. Aí cabe o questionamento, contra o ardil.
Em seguida, cabe afirmar que, como princípio científico, 
a pesquisa instrumenta qualquer interesse político, princi 
palmente quando se pinta de neutra. Colocar pesquisa como 
diálogo transformador é processo político de conquista, de 
construção, de criação, que depende da qualidade política 
dos pesquisadores, no contexto da respectiva sociedade.
Dito isso, podemos valorizar à vontade pesquisa como 
diálogo, na esperança social de que, através dela, se possa 
motivar o surgimento de alternativas sociais mais aceitáveis. 
Aí aparecem sobretudo dois componentes fundamentais da 
discussão:
a) pesquisa como princípio científico e educativo faz parte 
integrante de todo processo emancipatório, no qual se 
constrói o sujeito histórico auto-suficiente, crítico e auto- 
crítico, participante, capaz de reagir contra a situação 
de objeto e de não cultivar os outros como objeto;
b) pesquisa como diálogo é processo cotidiano, integrantedo ritmo da vida, produto e motivo de interesses sociais 
em confronto, base da aprendizagem que não se restrinja 
a mera reprodução; na acepção mais simples, pode
42
significar conhecer, saber, informar-se para sobreviver, 
para enfrentar a vida de modo consciente.
É possível alargar ainda mais a desmitificação do con 
ceito estereotipado de pesquisa, tendo em vista que aparece 
naturalmente — porque necessariamente — na formação 
histórica do sujeito social competente. Essa competência deve 
ser formal (domínio científico-tecnológico) e política (cons 
trução da cidadania), onde dialogar crítica e produtivamente 
com a sociedade e com a realidade é a própria demonstração 
da competência e da cidadania. Assim como “boa educação” 
não é monopólio de quem estudou muito, a capacidade de 
questionar criativamente a realidade não é marca exclusiva 
de cientistas (Carraher, 1983; Carraher et al., 1988).
De certa maneira, pesquisa se confunde com a filosofia, 
em seu sentido original: apreço pela sabedoria, tanto em sua 
modéstia que sabe antes de mais nada que pouco sabe, como 
em sua exuberância que a tudo questiona, inclusive a si 
mesma (Abbagnano, 1989). Também no índio que busca 
resposta a inquietações que o perturbam e faz o mito, ou no 
caboclo que tenta explicar seus êxitos e fracassos e faz o 
saber popular, há lastro possível de pesquisa, quer na atitude 
de questionamento e dúvida, quer na adequação entre teoria 
e prática, quer na busca de inventividade diante dos de 
safios, quer no desdobramento de passos dedutivos e indu 
tivos. Sem fetichizar mitos e saberes populares, parece claro 
que no trajeto de formação das identidades culturais, a par 
de processos reprodutivos insistentes, há também momentos 
de criatividade originados da aprendizagem via pesquisa.
Nesse sentido, o que faz da aprendizagem algo criativo 
é a pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao de 
safio, desfazendo tendência Tneramente reprodutiva. Aprender, 
além de necessário sobretudo como expediente de acumu-
lação de informação, tem seu lado digno de atitude constru 
tiva e produtiva, sempre que expressar descoberta e criação 
de conhecimento, pelo menos a digestão pessoal do que se 
transmite. Ensinar e aprender se dignificam na pesquisa, que 
reduz e/ou elimina a marca imitativa.
Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa. 
Pesquisar não é somente produzir conhecimento, é sobretudo 
aprender em sentido criativo. É possível aprender escutando 
aulas, tomando nota, mas aprende-se de verdade quando se 
parte para a elaboração própria, motivando o surgimento do 
pesquisador, que aprende construindo (Franchi, 1988).
E isso não redunda apenas em competência técnica e 
científica; funda também um passo essencial no processo 
emancipatório. Dialogar com a realidade talvez seja a de 
finição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha como 
princípio científico e educativo. Quem sabe dialogar com a 
realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa con 
dição de vida, progresso e cidadania. Não faz sentido dizer 
que o pesquisador surge na pós-graduação, quando, pela 
primeira vez na vida, dialoga com a realidade e escreve 
trabalho científico. Se a nossa proposta for correta ou pelo 
menos aceitável, a pesquisa começa na infância e está em 
toda a vida social. Educação criativa começa na e vive da 
pesquisa, desde o primeiro dia de vida da criança.
44
II
A pesquisa 
como princípio científico
Nesta parte aplicamos ao processo de formação aca 
dêmica na universidade a visão de pesquisa, ressaltando sua 
face de princípio científico. A par da crítica contra a marca 
atual desse processo medíocre e imitativo, decepcionante para 
o professor e sobretudo para o aluno, é mister sugerir 
caminhos alternativos, ainda que preliminares. Não se trata 
de imitar padrões externos de universidade, mas é possível 
deles aprender, desde que não se faça cópia subalterna.
A atual instituição universitária está em decomposição 
histórica, seja porque se mantém medieval, sobretudo em 
termos de impunidade social, distanciamento elitista e atraso 
didático, seja porque perdeu a noção essencial de mérito 
acadêmico em troca da burocratização funcional, seja porque 
é muito pouco produtiva e criativa, custando muito além do 
que vale para a sociedade que a sustenta. Todavia, repre 
senta instituição necessária na sociedade, quando menos para 
cultivar elites intelectuais e tecnológicas, que não se saberia 
dispensar, tanto para o processo produtivo, quanto para o 
processo político, além de técnico em geral. Neste sentido, 
se virar cinzas, terá que delas ressurgir. Mesmo sendo uma 
das instituições mais conservadoras, tão falastrona quanto 
inepta em termos de nrftidanças sociais relevantes, terá de 
recuperar o brilho histórico da vanguarda criativa, em ter-
45
mos de competência e mérito. Não desaparece, mas apo 
drece, para ressurgir.
Cremos que visão alternativa de pesquisa seria fermento 
apto a recolocar a universidade no caminho das esperanças 
sociais nela depositadas, o que exige criatividade, intenso 
diálogo com a realidade, disciplina e compromisso histórico 
produtivo. O mínimo que se exige de instituição que se quer 
inventiva e alternativa é que saiba apresentar e realizar 
propostas coerentes, no que tem falhado absurdamente. Nossa 
atenção estará voltada para a pesquisa como princípio 
científico, sem unilateralizar a visão formal da pesquisa. A 
pesquisa como princípio educativo estará sempre presente, 
mesmo que seja na contra-luz.
1. A questão curricular
Tomemos aqui, de partida, currículo na noção corrente 
de proposta de ensino/aprendizagem, na qual se define, grosso 
modo, o que e como estudar. Na grade curricular aparecem 
as matérias ordenadas dentro de algum princípio didático e 
de certa concatenação entre elas. Cumprido esse trajeto, 
chega-se ao diploma e considera-se o aluno detentor de nível 
superior. Quanto ao professor é preciso que, no decorrer dos 
semestres, ministre as respectivas aulas e proceda à avaliação 
da aprendizagem.
Embora façamos aqui visível caricatura, ela pode clari 
ficar a vigência estereotipada do mero ensinar, ao lado do 
mero aprender. Sem ressaltar no momento o lado da pesqui 
sa como princípio educativo, bastaria trazer à cena a pesquisa 
como princípio científico, para demarcar o absurdo que é o 
mero ensinar e o mero aprender.
46
Do lado do professor temos a visão empobrecida do 
ministrador de aulas, ainda em grande parte pessoas que 
detêm apenas graduação, sem experiência comprovada no 
campo científico. Fruto do mero aprender, naturalmente 
decaem no mero ensinar. Esta caricatura se adensa mais ainda 
no professor biscateiro, marcado por condições negativas de 
toda ordem:
a) em seu campo de graduação é chamado a dar qualquer 
matéria, como se possuísse versatilidade perfeita, não 
faltando casos em que é chamado a desbordar o seu 
campo: há administradores que ensinam economia, ad 
vogados que ensinam sociologia, educadores que ensi 
nam filosofia;
b) entende-se como simples repassador de conhecimento 
alheio, que um dia estudou e aprendeu e, em decor 
rência, imagina poder transmitir aos outros, de cópia 
em cópia;
c) embora possa sempre existir a “picaretagem”, predomina 
a luta pela sobrevivência, que não deixa sequer tempo 
para pensar em qualidade formal e mérito acadêmico 
conquistado.
Essas marcas expressam a impropriedade flagrante da 
função de professor, banalizada na condição de repassador 
barato de conhecimento alheio. Deixando de lado aquilo de 
que ele não tem “culpa”, essa figura não ultrapassa o pata 
mar de “instrutor”, porque não intemaliza os conteúdos 
principais do conceito de pesquisa como princípio científico. 
Não detém qualidade formal mínima, no sentido de ter 
aprendido bem a sua matéria, até porque, pela via da aprendi 
zagem imitativa, não é viável qualidade formal satisfatória. 
Não é difícil, por exemplo, encontrar professor de matemática 
no 2- grau que sabe muito pouco de matemálca, alémde
estar desatualizado. Como não é difícil encontrar professor 
de metodologia na universidade que mal consegue mostrar 
intelecção satisfatória dos textos que se está lendo e repas 
sando. Fez graduação escutando um “instrutor”, copiando 
fichas e anotações de aula, “colando” provas, jamais tentou 
construir elaboração própria, nem isto lhe foi exigido; tem 
de ciência a noção de algo que não faz parte do seu mundo 
profissional e cotidiano. A falta de conteúdo, resta apenas a 
forma, como casca externa frágil e estranha: professor é 
aquela Figura que, tendo graduação, é contratada para dar 
aulas. Pior que isso, há instituições de ensino superior que 
assim se definem: apenas dão aula e têm como professor 
típico esse biscateiro instrutor.
A noção de professor precisa ser totalmente revista, sem 
recair em preciosismos importados de fora. O conceito 
desmitificado de pesquisa admite considerar pesquisador 
também quem tem apenas graduação, até porque pesquisa — 
bem compreendida — é possível e necessária já no pré- 
escolar. Assim, vale perguntar: o que é professor?
a) em primeiro lugar, é pesquisador, nos sentidos releva 
dos: capacidade de diálogo com a realidade, orientado a 
descobrir e a criar, elaborador da ciência, firme em 
teoria, método, empiria e prática;
b) é, a seguir, socializador de conhecimentos, desde que 
tenha bagagem própria, despertando no aluno a mesma 
noção de pesquisa;
c) é, por fim, quem, a partir de proposta de emancipação 
que concebe e realiza em si mesmo, torna-se capaz de 
motivar o novo pesquisador no aluno, evitando de todos 
os modos reduzi-lo a discípulo subalterno.
Parece exigência excessiva essa definição de professor. 
Mas, se recolocarmos a possível cotidianização da pesquisa,
48
não se trata de genialidade esotérica, nem de píncaros ex 
cepcionais, mas da atitude fundamental de participação 
construtiva, pelo menos ao nível da digestão própria, que 
aparece na capacidade de elaboração pessoal.
Por exemplo, quem dá aula de introdução à educação 
faz isso porque é capaz de escrever — pelo menos de 
reescrever à sua maneira — o que seria introdução à edu 
cação. Não é aceitável que alguém se considere professor de 
introdução à educação, porque, tendo graduação em educação, 
já leu um livro de introdução e, em seguida, conta para os 
alunos o que leu. Aí não se saiu da imitação, da cópia, da 
simples reprodução, que vai imprimir a mesma atitude re 
ceptiva nos alunos.
No extremo, é impossível ser professor “de qualquer 
coisa”, até porque sequer seria viável ser monitor, entendendo- 
se por monitor alguém que, não tendo necessariamente 
domínio da matéria, se apresenta como instrutor útil even 
tual. Esta postura permite afirmar que somente tem algo a 
ensinar quem pesquisa. Os alunos não podem bastar-se com 
a formalidade vazia de alguém que é professor apenas porque 
foi contratado e investido na autoridade formal, mas neces 
sitam de um autêntico mestre, compreendido como professor 
que tem o que dizer a partir da elaboração própria.
Essa exigência pode recair na “idiotice especializada”, 
quando a especialização resvala para o encerramento em de 
talhes que fazem perder a noção do todo, dificultando o 
diálogo com a realidade. Voltando ao exemplo, um professor 
competente de educação pode aceitar o desafio de dar aula 
de introdução à educação, mas não deixaria jamais de colo 
car nesse prato a sua própria pimenta, recolhida da sua ex 
periência prática como^dlicador, reelaborada a partir do 
conhecimento crítico de muitas introduções escritas por vários
autores. No mínimo, deve aparecer síntese própria, que 
começa pelo cotejo crítico dos autores.
Mas parece claro que o professor mais adequado de 
introdução à educação seria aquele que tem produção pró 
pria nessa matéria, em particular quem faz elaborações 
próprias, porque, além de dispor de bagagem pessoal, é ca 
paz de comparar as várias maneiras de conceber a maté 
ria, de imprimir forte dose de espírito crítico e autocrítico, 
de formular o ambiente propício ao diálogo criativo com 
todas as correntes, de fomentar a produção constante de ar 
gumentos alternativos na área. Este já poderia imbuir-se da 
condição de mestre, que se alimenta principalmente da 
pesquisa.
Em termos muito simplificados, pode-se dizer que, no 
plano da teoria, é mister exigir capacidade própria de ela 
boração, e, no plano da prática, capacidade de recriar teo 
ria e de unir saber & mudar. A exigência de elaboração 
criativa não deve ser estereotipada em vezos sofisticados ex 
cepcionais. No contexto do questionamento inquieto diante 
da realidade, já temos aí o início fecundo da criatividade, 
possível mesmo num analfabeto, que, embora não conseguindo 
produzir ciência, é capaz de criar alguma sabedoria e muito 
bom senso.
Ainda é importante repisar a necessidade de atualização 
constante, que faz parte da pesquisa como questionamento 
cotidiano, com vistas a evitar o instrutor que passa uma vida 
toda dizendo sempre a mesma coisa, à revelia do progresso 
científico, o que significa precariedade dupla: apenas copiar, 
e surrar a cópia. A universidade está marcada fortemente 
por essa dupla precariedade, o que lhe transmite imagem 
insistente de conservadorismo: por não estar fecundada pela 
pesquisa, predomina a engrenagem burocrática respectiva, da
50
qUal faz parte o professor-papagaio, que sempre diz a mesma 
c0isa e já sequer sabe o que diz.
Por outra, ainda que se deva cotidianizar a pesquisa, há 
um mínimo de exigência qualitativa que se defronta com 
misérias típicas da nossa sociedade, sobretudo com o 
amesquinhamento profissional e salarial. Basta colocar a 
necessidade de elaboração própria, para tomar-se impres 
cindível o acesso a livros, tempo para discutir e escrever, 
condição econômica de auto-sustentação razoável. Demons 
tração ostensiva dessa precariedade é o ensino notumo, que 
representa necessidade e banalização, ao mesmo tempo. De 
um lado, sem ele, grande parte da população não teria 
qualquer acesso, porque, antes de estudar, precisa trabalhar 
para sobreviver. De outro, estudar à noite significa acomo 
dar exigências às condições concretas, coibindo aprovei 
tamento desejável e que somente é factível nos casos de 
dedicação integral.
Sem chorar mágoas do subdesenvolvimento, é preciso 
saber encontrar equilíbrio aceitável entre a condição favore 
cida e desigual dos que podem dedicar-se ao estudo integral, 
e aquela da maioria que vai estudar depois do trabalho. Aí 
é fundamental a noção cotidianizada de pesquisa: pode ba 
nalizar-se, mas pode ainda ser muito aceitável, se se con 
seguir ambiente propício à formação do diálogo crítico com 
a realidade, do questionamento processual como atitude 
científica básica, da insistência na elaboração própria, pelo 
menos da digestão pessoal. Talvez fosse o caso prolongar o 
tempo de estudo para o ensino notumo, por mais que seja 
outra carga desigual.
O importante é compreender que sem pesquisa não há 
ensino. A ausência de pesquisa degrada o ensino a patamares 
típicos da reprodução imitativa. Entretanto, isto não pode
51
levar ao extremo oposto, do professor que se quer apenas 
pesquisador, isolando-se no espaço da produção científica. 
Por vezes, há professores que se afastam do ensino, por 
estratégia, ou seja, porque do contrário não há tempo para 
pesquisa. Outros, porém, induzem à formação de uma casta, 
que passa a ver no ensino algo secundário e menor.
Se a pesquisa é a razão do ensino, vale o reverso: o 
ensino é a razão da pesquisa, se não quisermos alimentar a 
ciência como prepotência a serviço de interesses particulares. 
Transmitir conhecimento deve fazer parte do mesmo ato de 
pesquisa, seja sob a ótica de dar aulas, seja como sociali 
zação do saber, seja como divulgação socialmente relevante.
Em termos ideais, podemos colocar para o professor 
exigências tais como:
a) a primeira será a exigência de pesquisa;
b) deve possuir domínio teórico, para ser capaz de discu 
tir alternativas explicativas da realidade,

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