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StuDocu is not sponsored or endorsed by any college or university Desdobramentos da Boa-fé Objetiva Direito Civil IV (Universidade Estácio de Sá) StuDocu is not sponsored or endorsed by any college or university Desdobramentos da Boa-fé Objetiva Direito Civil IV (Universidade Estácio de Sá) Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva https://www.studocu.com/en-us/document/universidade-estacio-de-sa/direito-civil-iv/desdobramentos-da-boa-fe-objetiva/4974274?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva https://www.studocu.com/en-us/course/universidade-estacio-de-sa/direito-civil-iv/3731255?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva https://www.studocu.com/en-us/document/universidade-estacio-de-sa/direito-civil-iv/desdobramentos-da-boa-fe-objetiva/4974274?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva https://www.studocu.com/en-us/course/universidade-estacio-de-sa/direito-civil-iv/3731255?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva DESDOBRAMENTOS DA BOA-FÉ OBJETIVA Sérgio Lyra RESUMO O princípio da boa-fé objetiva traduz-se na relação pautada na honestidade, na justiça e no equilíbrio moral, a ser observado no conduzir dos negócios jurídicos e nas relações humanas, e vem, principalmente por intermédio do Código Civil de 2002, ganhando força no ordenamento jurídico brasileiro ao ser resguardado, em vários aspectos, pelo Direito Contratual, que nada mais faz além de acompanhar os preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito e os objetivos principais da nação brasileira definidos em sua Carta Magna. Observada em seu aspecto prático a necessidade de garantir a boa-fé objetiva se vislumbra em padrões comportamentais, aqui caracterizadas como institutos da boa-fé objetiva, comuns à relação liberal promovida pelos contratos, dentre eles, o venire contra factum proprioum, o supressio, o surrectio e o tu quoque; aqui explanados com mais minúcia. Palavras-chave: Princípios contratuais. Boa-fé Objetiva. Venire contra factum proprium. Supressio. Surrectio. Tu quoque. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva 2 1. INTRODUÇÃO O Direito Contratual versa sobre a relação entre indivíduos no âmbito civil a fim de garantir que certos princípios sejam respeitados no desenvolver destas relações. Em geral, tais princípios visam reafirmar e proteger o acordo espontâneo de vontades presente nestes negócios jurídicos. Embora tenham efeitos no mundo jurídico, os contratos, devido a sua natureza liberal, produzem resultados que ultrapassam, muitas vezes, as previsões legais. Deste modo, como fontes informais do direito, os princípios devem sempre ser observados, a fim de que se possa garantir a justa e equilibrada relação entre as partes contratantes, como garante, em termos gerais, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro 1, em seu artigo 4.º, onde afirma que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Os contratos são negócios jurídicos que materializam a vontade das partes em transmitir direitos e assumir obrigações, deste modo, não podem agir de forma a contrariar estas vontades ou a função social do negócio pactuado. Sendo assim, surgem, dentre os princípios do Direito Contratual, o princípio da autonomia da vontade; o princípio da força obrigatória do contrato; o princípio da relatividade dos efeitos contratuais; o princípio da função social do contrato; princípio da equivalência material e o princípio da boa-fé objetiva; sendo, este último, o foco de estudo do presente artigo. 2. DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA Como explica Silvio Rodrigues2, “a boa-fé é um conceito ético, moldado nas ideias de proceder com correção. Com dignidade. Pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar ”, ou seja, tal princípio busca garantir o respeito mútuo e a justa elaboração e execução dos contratos. O ordenamento jurídico brasileiro traz consigo a expressa observância da boa-fé nos contratos, exigida pelo Código Civil3, em seu artigo 422, onde se lê que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”, convergindo, assim, com um dos principais propósitos do país, como afirma a Constituição 1 BRASIL. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. 1942. Disponível em: < http://www.planal to.gov.br/CCivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 26 ago. 2018. 2 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 29ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p.61 3 BRASIL. Código Civil Brasileiro. 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm>. Acesso em: 26 ago. 2018. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 3 Federal de 19884, no inciso I de seu artigo 3.º, que elenca, como objetivo fundamental da nação brasileira “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Deste modo, a boa-fé se mostra mais que um princípio, mas uma regra a ser observada. Tendo o princípio da boa-fé um sentido amplo, faz-se necessária a clara distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva para que se compreenda sua aplicabilidade. Quanto à boa-fé subjetiva, entende-se como o caráter psicológico da boa conduta ou, em outros termos, da crença pessoal do indivíduo com relação às suas intenções; enquanto a boa-fé objetiva se refere, mais especificamente, ao padrão de conduta ou ao conjunto de atitudes esperadas do homem médio que visa, de forma leal e honesta, respeitar os direitos alheios e atender às expectativas geradas por ele ao realizar o contrato. Nesse sentido, a boa-fé objetiva, segundo Humberto Theodoro Junior5, é “uma conduta correta, sob a ótica mediana do meio social, encarada não com enfoque do subjetivismo ou psiquismo do agente, mas de forma objetiva”. A separação dada à boa-fé visa efetivar sua aplicação mesmo que não haja, necessariamente, intenção do contratante cuja conduta causou prejuízo a outro. Enquanto a boa-fé subjetiva se mostra abstrata e exige uma análise profunda e individualista do contratante em questão e de suas intenções, o que se mostra impossível visto o caráter de fato subjetivo desta, a boa-fé objetiva analisa puramente os fatos e a conduta do mesmo, buscando a boa-fé não na intenção individual do contratante, mas no efeito de fato produzido por sua conduta. O princípio da boa-fé objetiva exige que os contratantes hajam, tanto na elaboração quanto na execução dos contratos, de acordo com o que a outra parte espera daquela relação jurídica, não cabendo a nenhum deles se desvencilhar de quaisquer obrigações pactuadas por mera tecnicalidade. Como exemplo da aplicação deste princípio observa-se, nas obrigações de pagar quantia em dinheiro, que não há desobrigação do pagamento pelo simples fato de o credor não realizar a cobrança do modo previsto em contrato, como sevê na decisão do TJDFT: "EMBARGOS À EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SUSPENSÃO DOS DESCONTOS. OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR DE PAGAR O DÉBITO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. TAXAS ANUAL E MENSAL. DUODÉCUPLO. COBRANÇA AUTORIZADA. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS.I - Embora a suspensão dos descontos do 4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 26 ago. 2018. 5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. Pág. 19. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva 4 empréstimo consignado não tenha ocorrido por culpa do devedor, cabia a ele, conforme cláusula contratual e o princípio da boa-fé, efetuar o pagamento das parcelas vencidas junto à entidade credora ou por depósito na conta-corrente dela. Como o devedor não cumpriu essa obrigação, prossegue-se a execução das prestações inadimplidas acrescidas dos encargos de mora. (...). IV - Apelação desprovida.” (Acórdão n.770703, 20130111899535APC, Relator: VERA ANDRIGHI, Revisor: ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/03/2014, publicado no DJE: 25/03/2014. Pág.: 304, grifo nosso) Em sua aplicação no universo jurídico, a boa-fé se traduz em alguns institutos capazes de alterar a relação obrigacional pactuada pelos contratantes, seja suprimindo ou expandindo os efeitos do contrato. Dentre eles, encontram-se o venire contra factum proprium, o surrectio, o supressio e o tu quoque. 2.1. DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM O brocardo latino venire contra factum proprium, que, em tradução livre, significa “vir contra seus próprios atos”, representa o atentado à boa-fé objetiva pela atitude nova que não corresponde à justa expectativa gerada pela outra parte diante de seus atos anteriores. Por consequência, tal instituto surge para que haja uma vedação do comportamento contraditório, que se caracterizada por uma sequência objetiva de fatos. Inicialmente, faz-se necessário, para a caracterização do instituto, que haja uma conduta primária do contratante, por um longo período de tempo, a ponto de tal comportamento se mostrar contínuo e inalterável. Diante deste, o outro contratante, assumindo justificadamente que nada mudará naquele sentido, passa a contar com aquela conduta como certa e investe seus recursos e confiança nesta condição. A posteriori, surpreendendo este contratante, que já considerava a conduta anterior como regra, o primeiro altera sua conduta de modo a causar prejuízos ao outro pela sua repentina alteração de comportamento. Deste modo, vislumbra-se com facilidade a conduta contraditória do contratante que, por seus atos, acaba rompendo a confiança contida no contrato e, consequentemente, a boa-fé esperada pelas partes. Ressalte-se que tais comportamentos, tanto o primário quanto o posterior, não são necessariamente ilícitos, ferindo não a lei diretamente, mas, mais especificamente, a boa-fé investida na relação contratual. Como se observa na decisão do STJ: “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS INFRINGENTES. SEGUROS. INCÊNDIO. CÓDIGO CIVIL DE 1916. PERDA TOTAL. VALOR DA APÓLICE. PERDA PARCIAL. VALOR Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 5 DOS DANOS EFETIVAMENTE SOFRIDOS. 1. São cabíveis embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente a ação rescisória (CPC/1973, art. 530). 2. No contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados (CC, art. 757). É, pois, ajuste por meio do qual o segurador assume obrigação de pagar ao segurado certa indenização, caso o risco a que está sujeito o segurado, futuro, incerto e especificamente previsto, venha a se realizar. 3. O Superior Tribunal de Justiça, à luz do Código Civil de 1916 (art. 1.438), consagrou o entendimento de que, em caso de perda total de imóvel segurado, decorrente de incêndio, será devido o valor integral da apólice. Dessarte, em havendo apenas a perda parcial, a indenização deverá corresponder aos prejuízos efetivamente suportados. 4. Na hipótese, o voto vencedor concluiu que houve perda apenas parcial do imóvel. Somado a isso, a requerente, de forma espontânea, declarou que houve a perda parcial no momento em que realizou acordo sobre o valor das mercadorias perdidas. Ao intentar, posteriormente, ação aduzindo a ocorrência da perda total da coisa para fins de indenização integral, a autora acaba por incorrer em evidente venire contra factum proprium, perfazendo comportamento contraditório, de quebra da confiança, em nítida violação a boa-fé objetiva. 5. Recurso especial não provido. ” (REsp 1245645/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 23/06/2016, grifo nosso) Nota-se claramente que os elementos chave aqui observados são a confiança entre as partes e a expectativa gerada, ou seja, o direito abstrato adquirido pelo contratante ao observar a conduta permissiva do outro. Direito este, que adquire concretamente, ao observar-se a ocorrência do venire contra factum proprium, através da aplicação do princípio da boa-fé. 2.2. DO SUPRESSIO E SURRECTIO No mesmo sentido que o instituto anterior, o supressio, implica na perda de um direito por conta de uma conduta recorrente e prolongada no tempo que demonstre a abdicação ou supressão de tal direito por parte daquele que o possui. Caracteriza-se, mais claramente, pela prática costumeira de aceitar certa violação à direito ou abrir mão do mesmo por longo período, gerando assim a expectativa daquele que o usufrui de tê-lo obtido para si. Não cabe àquele que abdicou voluntariamente do direito, reintegra-se, por um longo período de tempo, exigir que o tenha de volta após permitir o convencimento da outra parte de que abdicara dele. Distanciando-se do venire contra factum proprium, no caso do supressio não há uma mudança de conduta, mas uma inércia ou aceitação por parte do detentor do direito em exercita-lo. Deste modo, refere-se a perder o direito por não o exigir em tempo Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva 6 propício, permitindo que a outra parte se valha dele como seu. Tentar exigi-lo a posteriori, depois de estabilizada a condição de supressão, fere diretamente o princípio da boa-fé ao ponto que frustra a expectativa gerada pela própria inércia do interessado em garanti-lo. Como se lê em decisão publicada pelo STJ: CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO. 1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, como isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos. Diantedesse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual. 2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa. Precedentes. 3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular. 4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio. 5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1202514/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 30/06/2011, grifo nosso) Diametralmente, verifica-se o surrectio, instituto em que se observa não a abdicação costumeira de um direito, mas a recorrente e prolongada concessão de um direito, a priori inexistente, de tal modo a gerar naquele que o usufrui a expectativa de tê-lo adquirido. Não cabe àquele que concedeu o direito por longo tempo nega-lo no futuro, rompendo diretamente a confiança depositada entre as partes. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 7 Ambos os institutos, supressio e surrectio, tendem a surgir juntos, visto que para que haja a aquisição de um direito pela conduta da outra parte, necessária se faz a abdicação do direito pela parte que pratica tal conduta. Tal relação se observa na decisão do STJ: RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE COMBUSTÍVEIS. OBRIGAÇÃO DO POSTO DE GASOLINA DE ADQUIRIR QUANTIDADES MÍNIMAS MENSAIS DOS PRODUTOS. REITERADO DESCUMPRIMENTO TOLERADO PELA PROMITENTE VENDEDORA. CLÁUSULA PENAL DESCABIDA. 1. Como de sabença, a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento. 2. Sob essa ótica, o longo transcurso de tempo (quase seis anos), sem a cobrança da obrigação de compra de quantidades mínimas mensais de combustível, suprimiu, de um lado, a faculdade jurídica da distribuidora (promitente vendedora) de exigir a prestação e, de outro, criou uma situação de vantagem para o posto varejista (promissário comprador), cujo inadimplemento não poderá implicar a incidência da cláusula penal compensatória contratada. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1338432/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 29/11/2017, grifo nosso) 2.3. DO TU QUOQUE A figura do tu quoque, ou “tu também”, origina-se da célebre frase supostamente dita por Júlio César a seu filho quando este o traíra, “tu quoque, Brute, fili mi? ”, que, em tradução livre, significa “Tu também, Bruto, meu filho? ”. Tal origem indica muito bem sua aplicação no direito civil brasileiro com relação a quebra da confiança bilateral contida na relação contratual. O tu quoque se caracteriza pela exigência de uma das partes em ver cumprida cláusula ou conduta que, em mesmas condições, ele mesmo não cumprira ou, inversamente, agir de modo contraditório à sua própria conduta diante das obrigações pactuadas. O Código Civil6 traz, em seu artigo 476, um exemplo claro de vedação ao comportamento contraditório por ocorrência do tu quoque, onde diz que “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”. Fica óbvia a intenção do legislador em garantir a manutenção do equilíbrio contratual a fim de impedir que uma parte se prevaleça da outra exigindo que o contrato seja cumprido unilateralmente. Não cabe, àquele que descumpriu sua parte do contrato, exigir do outro que a cumpra. Desse modo, identifica-se tal instituto quando a 6 BRASIL. Código Civil Brasileiro. 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm>. Acesso em: 26 ago. 2018. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva 8 própria parte que exige o cumprimento da obrigação não a cumpriu quando a ela incumbia. No mesmo sentido, observa-se também a presença do tu quoque quando a conduta posterior da parte aponta diretamente contra a sua conduta anterior, como no caso julgado pelo STJ: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO. NOTA PROMISSÓRIA. ASSINATURA ESCANEADA. DESCABIMENTO. INVOCAÇÃO DO VÍCIO POR QUEM O DEU CAUSA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS SINTETIZADA NOS BROCARDOS LATINOS 'TU QUOQUE' E 'VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM'. 1. A assinatura de próprio punho do emitente é requisito de existência e validade de nota promissória. 2. Possibilidade de criação, mediante lei, de outras formas de assinatura, conforme ressalva do Brasil à Lei Uniforme de Genebra. 3.Inexistência de lei dispondo sobre a validade da assinatura escaneada no Direito brasileiro. 4. Caso concreto, porém, em que a assinatura irregular escaneada foi aposta pelo próprio emitente. 5. Vício que não pode ser invocado por quem lhe deu causa. 6. Aplicação da 'teoria dos atos próprios', como concreção do princípio da boa-fé objetiva, sintetizada nos brocardos latinos 'tu quoque' e 'venire contra factum proprium', segundo a qual ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes e a boa-fé 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1192678/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 26/11/2012, grifo nosso) Aqui, vemos que foi vedado o questionamento da validade da assinatura no documento pela própria parte que o juntou aos autos. Ora, não pode aquele que deu fé pública ao documento indicando-o como verdadeiro, posteriormente, ao se ver prejudicado pelas informações nele contidas, questionar sua autenticidade. Tal conduta ofenderia o princípio da boa-fé contido na relação processual, visto que se espera veracidade dos documentos juntados aos autos, esta questionada pela conduta contraditória durante o processo. 3. CONCLUSÃO Fica evidente, ao observar o alcance do princípio da boa-fé, e os institutos que dela derivam no ordenamento jurídico brasileiro, o atendimento à intenção constitucional de fundar um Estado Democráticode Direito que seja pautado na honestidade, na lealdade, na justiça e no respeito mútuos. Como fonte informal do direito, o princípio da boa-fé garante o equilíbrio e a função social dos contratos, indispensáveis para a justa relação jurídica entre indivíduos. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 9 Ainda que esperada de todo cidadão, a justiça não poderia de fato deixar desamparada a tutela da boa-fé. Deste modo, tanto a Constituição Federal quanto o Código Civil brasileiro trazem institutos, ordenamentos e regras que garantem e protegem a confiança investida nas relações civis e, ao vislumbrar os casos concretos trazidos aqui, percebe-se que a jurisprudência caminha no mesmo sentido. De outra forma, aquele que se envolvesse em quaisquer relações jurídicas se veria dependendo da mera confiança no indivíduo que com ele pactua, o que, vista a natureza onerosa de algumas dessas relações civis, traria sérias consequências para o status quo da sociedade brasileira enquanto Estado de Direito. Tão importante quanto a garantia da boa-fé, a caracterização de sua forma objetiva no Código Civil permite que haja uma verdadeira efetivação do objetivo essencial deste princípio. Sem que se observasse o caráter objetivo da boa-fé, dificilmente se defenderia a confiança depositada pelas partes diante da impossibilidade de analisar propriamente seu caráter subjetivo. Assim, não há o que questionar quanto a importância de respeitar o princípio da boa-fé objetiva, devendo o ordenamento, a cada evolução, caminhar em direção de salvaguarda-lo com mais fervor, a fim de que se haja segurança contratual plena nas relações civil brasileiras. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 https://www.studocu.com/en-us?utm_campaign=shared-document&utm_source=studocu-document&utm_medium=social_sharing&utm_content=desdobramentos-da-boa-fe-objetiva 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 26 ago. 2018. _______. Código Civil Brasileiro. 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 26 ago. 2018. _______. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. 1942. Disponível em: < http://w ww.planalto.gov.br/CCivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 26 ago. 2018. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1192678/PR – Paraná. Relator: Ministro Paulo De Tarso Sanseverino. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 26 novembro 2012. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em: 31 ago. 2018. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1202514/RS – Rio Grande do Sul. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 21 junho 2011. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em: 31 ago. 2018. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1245645/RS – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 24 maio 2016. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em: 31 ago. 2018. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1338432/SP – São Paulo. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 24 outubro 2017. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em: 31 ago. 2018. _______. Tribunal Regional Federal do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº 20130111899535 – Distrito Federal. Relator: Vera Andrighi. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 12 março 2014. Disponível em: < https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/Indexador Acordaos-web/sistj?visaoId=tjdf.sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao.VisaoBu scaAcordao >. Acesso em: 31 ago. 2018. Downloaded by Jennifer Oliveira (jennifer0costa@gmail.com) lOMoARcPSD|13321615 11 CIELO, Patrícia Fortes Lopes Donzele; DOTTO, Adriano Cielo. Princípios relacionados aos contratos civis. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25825/principios-relacionados- aos-contratos-civis>. Acesso em: 29 ago. 2018. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Contratos. 5. º ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 494 p. v. 3. DA COSTA, Patricia Ayub; GOMES, Sergio Alves. O princípio da boa-fé objetiva à luz da constituição. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/ anais/salvador/patricia_ayub_da_costa.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2018. DE AZEVEDO, Antonio Junqueira. A boa-fé na formação dos contratos. 1992. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67168/69778>. Acesso em: 28 ago. 2018. ELIAS, Sergio Sipereck et al. “VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”. Revista Interação, São Paulo, n. 01, p. 100-116, jan. 2008. 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DO TU QUOQUE 3. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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