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Teorias da leitura

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12/04/2022 14:51 Teorias da leitura
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02822/index.html# 1/50
Teorias da leitura
Profª. Priscila Pesce Lopes de Oliveira
Descrição
Introdução aos estudos literários da leitura: Estruturalismo e leitura literária, Estética da Recepção, Teoria do
Efeito Literário e relações Literatura-Psicanálise.
Propósito
Compreender diferentes métodos, pressupostos e objetivos da leitura literária para ampliar a competência
leitora e literária.
Preparação
Tenha em mãos um dicionário de literatura para compreender o vocabulário específico da área. Na internet,
você acessa gratuitamente o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, e o Dicionário de Cultura
Básica, de Salvatore D’Onofrio.
Objetivos
Módulo 1
Estruturalismo e leitura literária
Identificar implicações dos preceitos estruturalistas para a concepção de leitura literária.
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Módulo 2
Estética da Recepção e Teoria do Efeito Literário
Identificar as propostas de Jauss e de Iser quanto ao papel produtivo da leitura na teoria literária.
Módulo 3
Crítica literária e Psicanálise
Reconhecer as possibilidades de pensar a leitura literária a partir de conceitos psicanalíticos.
Em 1961, o escritor francês Raymond Queneau publicou Cem Mil Bilhões de Poemas , livro contendo
dez sonetos e uma organização muito especial: cada verso estava em uma tira de página separada,
ou seja, podia ser virada independentemente do restante do poema na “mesma” página. Na prática,
isso quer dizer que os leitores poderiam montar seus próprios poemas combinando os versos de
forma livre – as possibilidades são 1014, ou seja, 100.000.000.000.000 poemas diferentes.
Queneau aproveita, assim, características da forma do soneto (número fixo de versos e estrofes,
esquema regular de rimas) para concretizar um aspecto da dinâmica literária que será o nosso objeto
de estudos: a participação intensa de leitores na existência do texto literário.
Considerar a pessoa que lê não é novidade na literatura; inclusive, dirigir-se a ela é característica
marcante de alguns de nossos autores mais célebres, como Machado de Assis no início de Memórias
Póstumas de Brás Cubas.
Contudo, apesar de ser buscado, cortejado, desafiado – em uma palavra, previsto pelas obras, o leitor
só veio a receber atenção teórico-crítica em meados do século XX. Isto se deu quando os estudiosos
passaram a se perguntar de maneira sistemática sobre os objetivos e mecanismos da leitura literária,
o que abriu um novo terreno de reflexão que tem sido explorado por pesquisadores atuantes em
diferentes vertentes teórico-críticas, entre elas: Estruturalismo; Estética da Recepção e Teoria do
Efeito Literário; Literatura e Psicanálise.
Introdução
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Cem Mil Bilhões de Poemas
Ilustração da obra escrita pelo autor Raymond Queneau
1 - Estruturalismo e leitura literária
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car implicações dos
preceitos estruturalistas para a concepção de leitura literária.
Contexto e pretexto
Para entender o Estruturalismo, é preciso fazer algo totalmente contrário à atitude estruturalista: examinar o
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seu contexto histórico. Isso porque várias das questões e propostas estruturalistas respondem tanto a
lacunas da teoria literária da época quanto a tendências dominantes na crítica francesa antes de 1950.
No início do século passado, a França era um importante centro cultural, uma referência para outros países
europeus, americanos e africanos. Para lá se dirigiam pensadores, pesquisadores e artistas do mundo todo,
atraídos pelo ambiente cosmopolita. É o caso dos nossos modernistas Oswald de Andrade e Tarsila do
Amaral, e também dos búlgaros Julia Kristeva e Tzvetan Todorov, que ajudaram a introduzir na cena
intelectual parisiense o formalismo russo, uma das bases do Estruturalismo, como veremos adiante.
Atenção!
Um ponto relevante são certas características culturais que, na França como no Brasil, são ao mesmo
tempo estereótipos e algo que se experimenta todos os dias (para nós, por exemplo, o famoso “jeitinho” e as
relações personalistas). Na França, o sistema de ensino e a relação social com o conhecimento eram muito
marcados pela questão do prestígio e da validade da ciência.
Nesse sentido, o Estruturalismo foi pautado por tentativas dos estudos literários de conseguirem mais
legitimidade social e institucional, tornando-se mais parecidos com as ciências humanas, que ganhavam um
caráter de cientificidade crescente: Antropologia, Sociologia e, em especial, a Linguística.
Havia, então, um esforço de ser visto como uma ciência “séria”, o que leva a uma
busca de rigor no desenvolvimento e aplicação de metodologias de análise, bem
como na delimitação do objeto.
A proposta de aproveitar as descobertas mais recentes em Linguística para descrever literatura caminhava
na contramão das principais tendências da crítica francesa da época, na qual imperavam o biografismo e a
crítica engajada.
Vejamos rapidamente alguns pontos dessas práticas que o Estruturalismo buscava combater.
A crítica engajada
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Seu principal expoente foi o pensador e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), e em linhas gerais
caracteriza-se por:
1. Considerar a prosa uma prática que utiliza a língua como um instrumento de nomeação, e que, nesse ato
de nomear, torna visível alguma coisa;
2. Possuir um caráter normativo, de atribuição de julgamentos de valor, ou seja, a obra é boa ou ruim
conforme se posiciona ou não para produzir mudanças no mundo, tornando seus leitores mais
conscientes.
Saiba mais
Logo após a Segunda Guerra Mundial, Sartre publicou o livro Que é a literatura?, que impactou
profundamente o pensamento europeu quanto à capacidade humana de fazermos mal aos nossos
semelhantes, e quanto à responsabilidade de todos para evitar que isso ocorra.
O biogra�smo
É a prática de ler obras literárias a partir de dados da vida do escritor, que é utilizada para explicar e justificar,
entre outras coisas, a presença e o tratamento de alguns temas recorrentes, bem como características de
estilo. A obra é tida como um código que oculta um segredo a ser decifrado pelo crítico, e o gabarito dessa
atividade, que só tem uma resposta correta, é dado pela vida e pelas intenções do escritor. Quanto mais o
crítico dela se aproximar, melhor terá dominado o significado único e correto da obra.
É em reação ao biografismo e à crítica engajada que podemos apreciar a força dos seguintes argumentos
do ensaio A Morte do Autor, publicado originalmente por Roland Barthes em 1968:
Uma vez afastado o Autor, a pretensão de “decifrar” um texto se torna
totalmente inútil. Dar ao texto um Autor é impor-lhe [...] um significado último, é
fechar a escritura. Essa concepção convém muito à crítica, que quer dar-se
então como tarefa importante descobrir o Autor [...] sob a obra: encontrado o
Autor, o texto está “explicado”, o crítico venceu [...]. para devolver à escritura o
seu futuro, é preciso inverter o mito: o nascimento do leitor deve pagar-se com
a morte do Autor.
(BARTHES, 2012, p. 63-64)
Referências, propostas e métodos
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Aqui encontramos, enfim, o nosso assunto principal deste conteúdo: o leitor. Ele vem como parte de um
programa de mudança radical de foco na crítica literária, com a revisão de seus objetivos e métodos:
Descrever x explicar
Ao invés de explicar a obra, descobrindo (revelando algo que estava encoberto) o seu significado único e
correto, a análise estruturalista concentra-seem descrever como o texto funciona, como se organiza
internamente para produzir sentidos.
Signi�cância x signi�cado
Ao invés de pressupor que cada obra tem apenas um significado correto, o Estruturalismo vê os textos
como uma espécie de máquinas de produzir significação quase infinita – essa atividade produtiva recebe o
nome de significância. Assim, os múltiplos significados textuais produzidos na leitura (inclusive a do crítico)
passam a ser validados com base em elementos do próprio texto, e de sua estrutura (exemplo: convenções
do gênero textual) e não mais em algo externo, como a vida do escritor.
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Intertextualidade x �liação
Ao invés de considerar a obra como o produto da intenção e técnica de um escritor, e totalmente
determinada por ele, que detém a sua propriedade, o Estruturalismo vê no texto uma rede de citações,
referências, passagens e presenças que ali acontecem sem serem planejadas por quem o assina. Isso
envolve não apenas as referências “explicáveis” (aquelas que podem ser ligadas ao escritor, que é alguém
atravessado por um repertório cultural e imerso numa língua determinada); de modo mais radical, a
intertextualidade admite que o leitor possa fazer ecoar no texto as suas próprias referências. Assim, ao
invés de executar a obra como um manual de instruções, cujo resultado deve ser sempre o mesmo para
todos em qualquer tempo, cada leitor passa a coproduzir o texto em cada leitura.
Vê-se, assim, que com o Estruturalismo a leitura deixa de estar subordinada ao que se imaginava serem as
intenções do autor, e o leitor passa a ser visto como alguém muito mais ativo e importante no processo de
fazer a literatura existir. Como vimos, Barthes afirmava que o lugar de construção de significados textuais é
a leitura, e que estes não estão sob controle do autor.
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Saiba mais
Você talvez tenha reparado que, nas oposições acima, tudo o que é rejeitado (explicar, significado e filiação)
está associado ao objeto obra e as propostas (descrever, significância e intertextualidade) estão vinculadas
ao objeto texto. Da Obra ao Texto é justamente o título de um artigo publicado por Barthes em 1971, que
apresenta algumas das principais propostas estruturalistas no campo literário.
A relação entre a abordagem estruturalista e a
linguística de Saussure
Parte dessa reivindicação de autonomia para a leitura está ligada à estreita relação do Estruturalismo com a
linguística de Ferdinand de Saussure (1995). Ele concebia a língua como um sistema de signos.
O signo é formado por um significante (um som ou imagem) e um significado (o conceito, o sentido). A
relação entre esses componentes é arbitrária, ou seja, não existe nenhum motivo para a ideia de casa ser
designada pela palavra "casa" e não por outra. Repare que no signo saussuriano há o sentido, que
corresponde ao conceito, e não ao referente concreto: a palavra "casa" não aponta para nenhuma casa
específica existente no mundo, e sim para a ideia geral de casa.
Saussure propôs uma distinção fundamental entre:
Língua
(langue)
O sistema geral que rege toda a atividade verbal.
Fala
(parole)
Realizações individuais por um/a falante numa situação determinada.
Outra oposição central no pensamento saussuriano é:
Sincronia

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O sistema geral que rege toda a atividade verbal. Estado do sistema em dado momento (como uma
fotografia).
Diacronia
Variação no sistema ao longo do tempo (como um filme).
Para Saussure, o objeto de estudo da Linguística deveria ser a língua, e o objetivo deveria ser determinar as
suas leis de funcionamento a partir do exame das relações existentes em um corte sincrônico do sistema
(isso mudou bastante, e há décadas os linguistas pesquisam falas concretas e em contexto, bem como as
mudanças ocorridas em um período).
A abordagem imanente do Estruturalismo
De modo similar, para uma das maiores referências do Estruturalismo, o formalista russo Roman Jakobson
(2007), a questão central da Poética é "O que faz uma mensagem verbal ser uma obra de arte?", e seu
campo de investigação são os problemas de estrutura verbal.
Basicamente, investigar a estrutura verbal é uma decorrência da visão saussuriana da língua como um
sistema. Nessa perspectiva, o significado de cada unidade do sistema está nas suas relações com outras
unidades, não em uma referência a algo externo.
Dito de outro modo, o significado é funcional, é uma função que o signo exerce dentro de um todo: o
sistema linguístico. De modo análogo, em análise literária, isso se traduz na prática de se concentrar no
texto "em si", em suas articulações internas ou intertextuais (com outras obras do mesmo gênero), ao invés
de usar o texto como meio de acesso a alguma outra coisa que as palavras estariam expressando ou
representando, como as visões políticas do autor, ou o contexto social retratado na trama. Esse
posicionamento faz com que o Estruturalismo seja considerado uma abordagem imanente.
Se esse foco restrito tira da jogada alguns componentes que podem ser do máximo interesse para parte dos
leitores, por outro lado, essa busca de certa impessoalidade contribuiu para tornar a crítica literária menos

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impressionista e mais rigorosa.
Em lugar de encarar as obras como manifestações do gênio de um escritor, a visão estruturalista invertia o
jogo: tanto o escritor quanto o leitor têm sua atividade mental regulada pela língua, um sistema que não
representa o mundo, mas sim enquadra o modo como o percebemos.
Toda leitura deriva de formas transindividuais: as associações geradas pela
letra do texto (onde está essa letra?) nunca são, o que quer que se faça,
anárquicas; elas sempre são tomadas (extraídas e inseridas) dentro de certos
códigos, certas línguas, certas listas de estereótipos. A leitura mais subjetiva
que se possa imaginar nunca passa de um jogo conduzido a partir de certas
regras. De onde vêm essas regras? Não do autor, por certo, que não faz mais
do que aplicá-las à sua moda [...]; visíveis muito aquém dele, essas regras vêm
de uma lógica milenar da narrativa, de uma forma simbólica que nos constitui
antes de nosso nascimento, em suma, desse imenso espaço cultural de que a
nossa pessoa (de autor, de leitor) não é mais do que uma passagem. Abrir o
texto, propor o sistema de sua leitura, não é apenas pedir e mostrar que
podemos interpretá-lo livremente; é principalmente, e muito mais radicalmente,
levar a reconhecer que não há verdade objetiva ou subjetiva da leitura.
(BARTHES, 2012, p. 28-29)
Assim, se tomássemos o conto Peru de Natal, de Mário de Andrade, o que os
pesquisadores estruturalistas procurariam compreender?
Podemos responder, primeiramente, o que eles não estudariam: eles não examinariam o conteúdo do conto,
como a psicologia das personagens, os temas ou a sociologia do enredo, nem avaliariam se o conto está ou
não bem escrito.
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Na verdade, os pesquisadores estruturalistas iriam procurar compreender como age em um texto a
complexa rede de regras estruturais dos vários sistemas aos quais ele pertence (o dos contos, o das
narrativas, o da literatura, o das produções verbais) e os mecanismos que ele aciona (descrição,
organização do tempo etc.).
Em lugar de perguntar “Qual é o sentido deste texto?”, a análise
estruturalista pergunta “Como este texto produz sentidos?”
Essa produção envolve necessariamente a leitura, que mobiliza as estruturas literárias peculiares a cada
estado sincrônico do sistema, estabelecendo relações entre a obra e o sistemaliterário no qual ela é trazida
à vida pelo leitor.
Em Estruturalismo e crítica literária, o teórico e crítico literário francês Gérard Genette (1930-2018) explica
que estudar as estruturas equivale a investigar os princípios e mecanismos de inteligibilidade de um texto
literário. Ele compara cada obra a uma fala, no sentido proposto por Saussure, cuja língua seria o modo
como uma sociedade, em dado momento, se relaciona com a literatura (GENETTE, 1976, p. 166).
Nesse tipo de análise, surgem questões como:

O que é considerado próprio do conjunto ao qual pertence esse texto, isto é, o que nos faz classificá-lo
mentalmente como narrativa, poema etc. e acionar os esquemas cognitivos apropriados para entendê-lo?

O que, nesse texto, é percebido como procedimento estético?
Portanto, deixar de fora da análise o significado e o contexto de produção de uma obra era visto como uma
etapa necessária para esclarecer seu funcionamento interno antes de passar a examinar as relações do
sistema-texto com outros sistemas:
[...] a literatura não é somente uma coleção de obras autônomas, ou que se
“influenciam” por uma série de encontros fortuitos e isolados; ela é um todo
coerente, um espaço homogêneo no interior do qual as obras se tocam e se
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penetram mutuamente; ela é também, por sua vez, uma peça ligada a outras no
espaço mais amplo da “cultura”, no qual o seu valor é função do todo. Assim,
duplamente, justifica-se o estudo das estruturas literárias, tanto internas quanto
externas.
(GENETTE, 1976, p. 165)
Problemas e lacunas da abordagem estruturalista
A vontade de fazer dos estudos literários uma ciência séria e respeitável levou a uma profusão de esquemas
classificatórios, tabelas e abstrações – uma verdadeira fúria taxonômica e esquematizadora.
Por outro lado, as pessoas que estavam desenvolvendo e utilizando aquelas ideias com algum senso crítico
logo perceberam que a vantagem maior da nova perspectiva não estava em fazer esquadrinhamentos e
classificações exaustivos, mas sim em uma espécie de proposta, ou defesa, de alguns princípios.
O abandono da postura valorativa e normativa (isto é, da pretensão crítica de determinar se uma obra é ou
não “literatura de qualidade”) abriu o leque de objetos de análise e facilitou também questionamentos do
cânone, que posteriormente os estudos feministas, queer (relacionado a minorias sexuais e de gênero) e
pós-coloniais (perspectiva teórica e releitura da colonização) demonstraram ser um espaço de ferrenho
embate ideológico.
Perspectiva estruturalista da leitura
Está na hora de nosso bate-papo sobre abordagens da leitura do texto literário na perspectiva estruturalista,
exemplificando com textos ou trechos literários. Vamos lá!

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Vem que eu te explico!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar.
Módulo 1 - Vem que eu te explico!
Referências, propostas e métodos
Comentários sobre a perspectiva estruturalista no descrever o texto, identificar sua significância e entender sua in
Módulo 1 - Vem que eu te explico!
A abordagem imanente do Estruturalismo
Estruralismo saussuriano, significado funcional e leitura imanente.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Leia o trecho seguinte de A descrição da significação em literatura, de Tzvetan Todorov:
Não há limite nítido entre o conteúdo da própria obra e a interpretação que lhe é dada no curso de diferentes
leituras. [...] Mas, apesar da existência inevitável de uma significação acrescentada pelo leitor, parece-nos
que a análise literária não pode inclui-la em seu campo de investigação. [...] Será mais pertinente para nossa
análise descobrir a dependência de cada elemento às relações funcionais entre ele e os outros signos, do
que revelar a existência de uma reação "média" dos leitores, ou descobrir, através das diferenças, as
imagens comuns escondidas no subconsciente coletivo. Este princípio nos permitirá, parece, realizar a
descrição de um texto sem fazer intervir julgamentos de valor. (Todorov, T. In: Literatura e Semiologia -
seleção de ensaios da revista Communications. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 148-159.)
Com base no excerto acima e em seus estudos neste módulo, é correto afirmar que
A
a análise literária estruturalista não deve descrever as leituras individuais, pois isso é
impossível.
B o Estruturalismo investiga a funcionalidade social da literatura.
C para o Estruturalismo, o signo literário tem um componente subconsciente.
D
análises estruturalistas não efetuam julgamentos de valor das obras, pois isso contraria
seus princípios humanistas.
E
o Estruturalismo privilegia a descrição funcional sobre a explicação e a avaliação das
obras literárias.
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Parabéns! A alternativa E está correta.
A abordagem estruturalista do texto literário se caracteriza por uma análise centrada na descrição
do funcionamento do texto, bem como em sua organização interna a partir de sua função de
produção de sentidos.
Questão 2
Leia o trecho de "Verossímil e motivação", de Gérard Genette:
O discurso narrativo é portanto um discurso cujas ações respondem, como também as aplicações ou casos
particulares, a um corpo de máximas aceitas como verdadeiras pelo público ao qual se dirige; mas essas
máximas, pelo próprio fato de serem admitidas, ficam frequentemente implícitas. A relação entre o discurso
narrativo verossímil e o sistema de verossimilhança a que se sujeita é, pois, essencialmente mudo: as
convenções de gênero funcionam como um sistema de forças e restrições naturais, às quais o discurso
narrativo obedece como se não as percebesse, e a fortiori sem nomeá-las. (Genette, G. In: Literatura e
Semiologia - seleção de ensaios da revista Communications. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 7-34.)
Com base no excerto acima e nos seus estudos neste módulo, pode-se dizer que essa análise de Genette
utiliza o seguinte princípio estruturalista:
A Detecção das forças implícitas na narrativa.
B Consideração do objeto analisado dentro dos diversos sistemas aos quais pertence.
C Consideração das relações entre a obra e o público.
D Aplicação do conceito saussuriano de discurso.
E Recusa de categorias aristotélicas, como a verossimilhança.
Parabéns! A alternativa B está correta.
A abordagem teórica e os interesses dos pesquisadores estruturalistas diante do texto literário
eram direcionados para a compreensão das regras estruturais que integrariam os sistemas aos
quais o texto literário pertence, além de se debruçar sobre os mecanismos que esses sistemas
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2 - Estética da Recepção e Teoria do Efeito
Literário
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as propostas de
Jauss e de Iser quanto ao papel produtivo da leitura na teoria literária.
Primeiras palavras
Continuaremos vendo correntes teóricas europeias, desta vez, vamos a Constança, na Alemanha, conhecer
a Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss, e a Teoria do Efeito Estético, de Wolfgang Iser.
Enquanto o Estruturalismo francês estava preocupado com a organização interna dos textos, a chamada
Escola de Constança se concentrava mais na leitura propriamente dita – tanto a leitura efetiva realizada por
grupos sócio-historicamente determinados quanto o processo que acontece no contato individual entre
leitor/a e texto.
acionam. Desse modo, aspectos como a biografia do autor, o contexto da obra ou outros
elementos estranhos à estrutura e sistema internos da obra seriamdeixados de lado.

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Vamos lá?
A estética da recepção de Jauss
As bases da Estética da Recepção são colocadas pelo escritor e crítico literário alemão Hans Robert Jauss
(1921-1997), em História da Literatura como Provocação à Ciência da Literatura.
Ali, ele anuncia o objetivo de conciliar as abordagens histórica (filológica, sociológica) e estética
(formalistas russos, new criticism estadunidense) da literatura, colocando em primeiro plano o estudo de um
fenômeno, que é ao mesmo tempo estético e social: a recepção e seu impacto.
Jauss vê a literatura em uma perspectiva que podemos chamar de comunicacional, pois entende-a como
um processo e um diálogo. Um dos principais participantes desse diálogo é justamente o leitor, o principal
destinatário da obra literária.
Entretanto, diferentemente dos estruturalistas, para quem todas as condições de todos os possíveis
significados de uma obra estavam contidas unicamente no texto, Jauss propõe que os múltiplos
significados textuais são produzidos por leitores situados em contextos sócio-históricos e estéticos, e que
esses contextos influem em como tais grupos leem esta ou aquela obra com base em conhecimentos
prévios sobre literatura (formas, temas, gêneros textuais, outras obras literárias conhecidas) e sobre o
mundo (organização social, valores morais etc.).
Uma vez que esses conhecimentos prévios variam conforme a época e o lugar, eles propiciam leituras
diferentes – essas leituras, organizadas em sistema, constituem a recepção.
A obra manipula esses elementos e predispõe o leitor a certo tipo de recepção por meio de estratégias
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textuais, características familiares e alusões diretas ou implícitas a outras obras. Portanto, Jauss não está
preocupado em descrever a experiência de leitura individual (é o que procura Iser, cuja teoria veremos a
seguir), e sim a leitura como atividade que envolve parâmetros partilhados por um grupo de leitores.
Os horizontes de expectativas
Esses parâmetros recebem o nome de horizonte de expectativas, e têm três elementos:
A noção vigente de gênero
textual
Formas e temas de obras
familiares ao público
Contraste entre as
linguagens poética e
comuns
Como uma nova obra se
relaciona com a ideia corrente
que os leitores de dado
contexto têm do gênero ao qual
ela pertence?
Como a obra se relaciona
implícita ou explicitamente com
outras que, na época da
publicação, eram conhecidas
pelos leitores?
Quais os critérios usados
em um contexto para
classificar aquele texto
como sendo uma obra de
arte?
Quadro: Horizontes de expectativas de Jauss. Priscila Pesce
Esse horizonte é continuamente estabelecido e alterado pelas obras que surgem, e tem um papel
determinante na relação de cada obra com as outras do mesmo gênero: de modo não intencional, ao ler
uma obra, o leitor aciona em seu repertório o conhecimento prévio sobre aquele conjunto de textos (gênero),
que o contato com a nova obra pode reproduzir, alterar, variar, e mesmo modificar profundamente, negando
o familiar ou articulando uma experiência pela primeira vez.
Apesar de ser individual, o repertório tem um forte componente social, então, Jauss caracteriza o horizonte
de expectativas como transubjetivo, ou seja, algo que não é particular de cada um.
Jauss propõe que as obras respondem a perguntas existentes (nos âmbitos social e estético) e colocam
novas perguntas, que serão enfrentadas por obras futuras e/ou abrirão novas possibilidades de significado
nas anteriores. Assim, a dinâmica do efeito histórico é concebida por ele em termos de questões/respostas
ou problemas/soluções colocados pelas obras.
O terceiro elemento do horizonte de expectativas (o contraste entre linguagem comum e poética, entre
ficção e realidade) conecta a leitura não apenas a repertório e a outras obras, mas à vida do leitor – o que
confere à literatura a possibilidade de ser uma experiência relevante, de mudar perspectivas e nos fazer
repensar nossa compreensão de mundo, de nós mesmos e das pessoas ao nosso redor.
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O modo como uma obra se relaciona com o horizonte de expectativas é, para Jauss, um dos critérios para
estabelecer seu valor estético. Ele chama de distância estética a distância entre o horizonte de expectativas
e a experiência provocada por uma nova obra. Vemos, assim, que ele valoriza as obras que provocam a
quebra ou reorganização do horizonte. É o que ele chama de "momentos formadores de época" (JAUSS,
1994, p. 28).
Sua proposta consiste em considerar a história da literatura pelo ângulo da
recepção, da seguinte forma:
A literatura seria formada por uma série de sistemas, cada um com seu equilíbrio interno, que são alterados
pelas obras. Esses sistemas têm normas estéticas vigentes, isto é, relações estabelecidas entre gêneros,
formas, temas e abordagens existentes. Quando uma obra que trouxe grandes mudanças em relação ao
horizonte de expectativas da época de seu surgimento passa a fazer parte das referências que compõem o
horizonte dos leitores futuros, sua distância estética diminui. É o caso, para Jauss, dos grandes clássicos,
que já estão tão incorporados ao repertório cultural, que leituras inovadoras deles (sempre possíveis)
requerem um esforço da parte dos leitores.
Nessa ótica, toda obra tem um público inicial específico, determinado histórica e socialmente. Esse
destinatário participa da composição de muitas formas diferentes: por exemplo, no caso da literatura
moderna e modernista, muitas obras buscavam abertamente chocar e incomodar o público-padrão da
época, tanto pelos temas quanto pelo tratamento da linguagem e das formas literárias.
Assim, o leitor habituado ao esmero métrico, ao vocabulário rebuscado e aos temas elevados de Olavo Bilac
é atacado pela poética de Oswald de Andrade (2003, p. 39):
Atualmente, quase cem anos depois, muitas obras modernistas adquiriram o status de clássicos e são
referências no conceito de literatura do leitor atual; o que antes era marginal, hoje em dia está no centro do
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sistema.
A reconstituição desses muitos horizontes de expectativas, o exame das relações entre eles e dos
momentos de transição seria, então, o trabalho da Estética da Recepção. Isso porque, para Jauss,
reconstituir o horizonte original de uma obra ajuda a encontrar as questões (sociais e estéticas) que ela se
propôs a responder, e a descobrir como ela era vista e compreendida pelo leitor da época.
Lembrando que, neste ponto, Jauss concordava com seu antigo professor, o filósofo alemão Hans-Georg
Gadamer (1900-2002), para quem nossa compreensão da questão original será sempre enviesada pelo fato
de que estamos chegando a ela a partir do nosso presente, e do entendimento que temos atualmente sobre
o contexto no qual ela foi formulada. Assim, o crítico historiador (que não deixa de ser um leitor) é, como as
obras, situado histórica e socialmente, trabalhando dentro de seu próprio horizonte.
Os sentidos potenciais da obra literária
Pensar que a obra pode ser compreendida de modos diferentes em diferentes contextos vai contra o
entendimento de que o significado de uma obra literária seja objetivo, atemporal, imutável e independente do
leitor – esse entendimento é, como você talvez tenha pensado, uma das bases para a crença de que cada
obra teria apenas um único significado correto.
Pelo contrário, a proposta de Jauss permite pensar em significados potenciais, que vão sendo realizados
pelos leitores ao longo da história, conforme são abertas novas possibilidades na interação de cada obra
com as demais que vão surgindo.
Para Jauss (1994),a obra literária não consiste em um objeto com existência em si mesmo, sempre se
mostrando do mesmo jeito aos leitores de diferentes contextos históricos, ou seja, uma obra literária não é
como um monumento que em um discurso monológico mostra uma essência atemporal. Pelo contrário, a
obra é um criador de diálogo.
Exemplo
Esse tipo de movimento está presente na revalorização de determinadas obras, movimentos e escolas
estéticas que acontece de tempos em tempos: o Neoclassicismo recuperando valores da Antiguidade
Greco-Romana, o Modernismo canibalizando o Barroco, e assim por diante.
Desse modo, na Estética da Recepção, a história literária é vista como um constante diálogo entre o
passado e o presente, que se influenciam mutuamente – Jauss fala de conexões funcionais entre a
compreensão de novas obras e o significado das antigas, e de coexistência entre o simultâneo (coisas que
acontecem ou existem ao mesmo tempo) e o não simultâneo.
Assim, o contexto de surgimento da obra de arte, apesar de relevante, não coloca limites definitivos para sua
compreensão, pois as obras podem ir além do seu contexto, antecipar experiências humanas inéditas,
"imaginar novos modelos de percepção e de conduta, ou trazer as respostas a novas questões" (JAUSS,
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1994, p. 22) porque trazem sentidos potenciais: aqueles que, dormentes e ainda não realizados, aguardam
pacientemente as condições de virem a existir por meio de novas leituras.
Por isso, Jauss classifica a leitura como uma atividade produtora (e não descobridora) de significados: é
como se o texto fosse a matéria-prima a ser trabalhada na leitura, sendo o significado o resultado desse
trabalho, e não algo pronto que o leitor simplesmente extrai do texto sem modificar.
Trabalha-se, assim, em três frentes:
Os planos formal e semântico da obra literária e o contexto
Esse tipo de análise leva em conta dois planos da obra:
Formal
Sincrônica
Considerando o horizonte do contexto de composição/publicação: isto é, as expectativas,
memórias e antecipações.
Diacrônica
Considerando a "série literária" à qual a obra pertence, para que seja possível reconhecer sua
importância no contexto da experiência literária, isto é, como aquela obra contribuiu para a
formação do horizonte de expectativas de sua época, e das seguintes?
Intersecção de diacrônico e sincrônico
Analisando “o horizonte literário de determinado momento histórico enquanto sistema
sincrônico no qual obras surgidas simultaneamente podem ser recebidas diacronicamente
em relação, e no qual a obra possa ser vista como sendo ou não de interesse corrente, na
moda, ultrapassada ou dotada de valor duradouro" (JAUSS, 1994, p. 29).
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Associado a uma espécie de gramática da literatura e composto por elementos como a estrutura dos
gêneros textuais, figuras retóricas e convenções estilísticas.
Semântico
Formado por temas, arquétipos, símbolos e metáforas, seu objetivo é tornar inteligível, compreensível a
experiência estética, por meio do estudo das mudanças de horizonte de expectativas, ou de como o
impacto de um evento literário (uma ou várias obras) influi no estado presente da literatura e na sua
continuidade histórica.
Contudo, nessa investigação, o contexto não aparece somente como motivador das obras literárias; Jauss
(1994, p. 31) acredita que "a função social [da literatura] se manifesta quando a experiência literária do leitor
adentra o horizonte de expectativas de sua vida, forma suas interpretações do mundo e, assim, tem efeitos
em suas ações sociais".
Desse modo, as obras e o contexto social estão em constante processo de formação mútua, e a literatura,
longe de representar ou imitar uma realidade pronta, é algo que ajuda a formar a percepção que as pessoas
têm de suas realidades. Inclusive, por trazerem significados e formas potenciais, as obras podem, além de
expressar experiências reais, também inaugurar maneiras inéditas de nos relacionarmos não apenas com a
literatura existente, mas também com nossas vidas.
Tais mudanças de percepção envolvem, além do que costumamos
chamar de "conteúdo" das obras, também – e, talvez, principalmente
– a sua forma.
Romance Vidas Secas
Um exemplo brasileiro marcante é o romance Vidas Secas, em que Graciliano Ramos, além de abordar uma
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questão social da primeira importância (a drástica desigualdade social), obtém, por procedimentos de
técnica narrativa (ponto focal, organização do tempo, uso de discurso indireto livre, estruturas de frase e
escolhas lexicais, entre outras), a humanização de personagens pertencentes a um grupo social que, por
falta de voz no debate público, era e continua sendo muitas vezes relegado ao lugar de objeto e não de
sujeito de sua própria existência e da coexistência social. As mudanças de horizonte, isto é, as mudanças na
própria concepção e prática de literatura, não acontecem apenas por inovação, oposição e substituição do já
existente. Para Jauss, as novas formas podem abrir possibilidades de entendimento inéditas de obras
antigas, reconfigurando assim o lugar delas no sistema literário.
Um exemplo é o paideuma dos concretistas brasileiros, que arrancaram do poeta francês Mallarmé o rótulo
de simbolista para reposicioná-lo como um marco da poesia verbivocovisual.
Jauss afirma:
paideuma
Rol de autores de referência e precursores.
verbivocovisual
Neologismo em que o verbo, seu som e sua visualidade estariam unidos criando o poema concreto. Assim,
na poesia concreta, o poema era organizado integrando o verbal, o visual e o sonoro. O próprio nome da
revista e do grupo concretista Noigandres era um neologismo que carregava essa materialidade
verbivocovisual.
O novo se torna uma categoria histórica quando a análise diacrônica da
literatura é forçada a encarar questões como: quais forças históricas de fato
tornam uma obra literária nova, o quanto a novidade pode ser reconhecida no
momento histórico em que surge, qual distância, caminho ou circunlocução de
compreensão foram necessários para sua realização plena, e se o momento
dessa realização foi efetivo a ponto de mudar a perspectiva sobre o antigo e,
portanto, influenciar no cânone literário do passado.
(JAUSS, 1994, p. 27)
A partir desse tipo de raciocínio, temos que a Estética da Recepção avança a ideia de que o cânone precisa
ser algo em constante revisão, pois a maneira como entendemos coletivamente a literatura muda conforme
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novas obras e condições sócio-históricas modificam os parâmetros da experiência estética.
Um exemplo seria a polêmica acerca dos livros infantis de Monteiro Lobato que, após serem aclamados por
gerações, enfrentam, na última década, um reposicionamento na constelação de obras de referência na
literatura brasileira devido ao tratamento racista de personagens negros: um fator cultural atual, que não
participou da recepção inicial da obra, altera seu lugar dentro do sistema literário brasileiro e abre novas
possibilidades de leitura.
A teoria do efeito estético de Iser
Em seus estudos da leitura literária, o professor e pesquisador alemão Wolfgang Iser (1926--2007)
concentra-se na interação entre a estrutura da obra e o leitor, examinando as ações realizadas pelo leitor
como resposta ao texto. Leitor e texto são, assim, dois polos ou parceiros desse processo.
Para Iser (1979), a obra literária não é nem o texto objetivo (as palavras no papel, na tela ou em outro
suporte), nem sua realização em uma leitura subjetiva, mas algo intermediário: uma interação, que é
regulada e estruturada pelo texto por meio de uma série de estratégias.
Ele traz algunsparâmetros da Teoria dos Atos de Fala, do filósofo estadunidense John Austin, apenas para
mostrar como a falta deles define o modo particular de comunicação dos textos literários. Veja!
Falta de contato direto
Como já reclamava Platão (no diálogo Fedro), quando lemos, nem o autor, nem o texto podem responder a
perguntas ou nos garantir que estamos compreendendo da forma correta o que está sendo dito.
Falta de um objetivo comunicacional especí�co
Em uma consulta médica, tanto a/o profissional quanto a/o paciente sabem que a troca de informações tem
um objetivo definido, sobre o qual ambos estão de acordo, e que orienta a compreensão do que está sendo
dito. Isso não acontece com a literatura.
Essas faltas geram uma série de incertezas e indeterminações que, na visão de Iser, motivam o leitor: ao ler,
estamos constantemente tentando construir um todo coerente, suprir as lacunas em nossa compreensão.
As faltas geram também uma situação bastante particular: a obra literária precisa estabelecer para o leitor
os parâmetros da interação. Por isso, Iser fala em assimetria entre texto e leitor, e em dispositivos textuais
que guiam a leitura.
Tais dispositivos são estruturais, e não declarados. Como sabemos por experiência própria, poucos textos
trazem um manual de como devem ser lidos, mas todos eles colocam as condições de sua leitura. Nas
palavras de Iser, os leitores são levados a adotar uma posição em relação ao texto – o que é bem diferente
de afirmar que eles são levados a construir este ou aquele significado específico e "correto".
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A comunicação na literatura, então, é um processo desencadeado e regulado
[por uma interação] entre o explícito e o implícito, entre revelação e
ocultamento. O que está oculto convida o leitor a entrar em ação, mas esta
ação também é controlada pelo que está revelado; por sua vez, o explícito é
transformado quando o implícito é trazido à tona.
(ISER, 1979, p. 111)
Desse modo, para Iser, a leitura é um processo extremamente dinâmico, que a todo momento reorganiza a
compreensão em função de novas descobertas e de como estas modificam tanto o que pensávamos saber
quanto nossas expectativas para o que acontecerá a seguir.
Para descrever esse processo, Iser utiliza uma nomenclatura extensa; apresentaremos a seguir alguns dos
termos-chaves.
Termos-chaves da Teoria do Efeito Estético
A Teoria do Efeito Estético aproveita a dinâmica das relações parte-todo. Conforme Iser, existem na obra
vários temas e perspectivas que são apresentados de maneira alternada. Cada vez que o foco da narrativa
recai sobre um personagem, por exemplo, o leitor está acompanhando o desenrolar dos acontecimentos e
tem, em segundo plano, tudo o que já leu antes. Cada novidade altera o sentido que havia sido atribuído ao
que já havia sido lido antes, muda seu lugar no desenho geral do todo.
Algo muito importante nesse processo são as lacunas, os espaços em branco estruturados no texto, pois
uma das principais atividades da leitura é produzir sentido costurando o que o texto apresenta, formando
um todo coerente a partir dos fragmentos que são enfocados sucessivamente. Essa costura é estruturada a
partir dos brancos do texto, que organizam campos de referência formados por segmentos textuais em
interação.
Como isso acontece?
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Os brancos ou vazios são pontos em que a sensação de que falta alguma coisa motiva o leitor a preencher
essa falta. Essa interação leitor-texto é movida por uma tensão entre os segmentos textuais, que o leitor
está sempre procurando resolver. O mecanismo para isso é chamado de estrutura tema/pano de fundo: o
segmento em foco em dado momento é o tema, que percebemos em relação com o pano de fundo dos
demais segmentos. A alternância de temas/panos de fundo e as relações estabelecidas entre eles ao longo
da leitura constituem o objeto estético, que o leitor produz a partir de sua interação com o texto.
O sentido é, assim, um efeito da leitura.
Vem daí o nome Teoria do Efeito Estético.
O texto regula a interação, pois estabelece a sequência na qual os diferentes segmentos se tornarão temas
e, assim, dirige o olhar do leitor – propiciando o que Iser chama de ponto de vista errante.
Se tudo isso parece muito abstrato e difícil de entender, você pode pensar nestes dois exemplos:
Um romance policial
O leitor está tentando juntar pistas e fatos, entender a personalidade e os comportamentos dos
personagens, para conseguir encontrar o/a culpado/a de um crime. A cada vez que um novo fato é
revelado, ele pode mudar a ideia que fazia de um suspeito, ou do modo como o crime foi executado.
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A série televisiva Guerra dos Tronos
Ao longo dos episódios, o expectador tenta juntar fatos, entender a personalidade e o comportamento
dos personagens, para prever o desfecho do confronto. A cada vez que um novo fato é revelado, seja
ele presente ou passado, isso pode mudar a compreensão que se fazia do todo, e alterar
significativamente as chances de um ou outro personagem atingir seu objetivo final.
Evidentemente, outros tipos de narrativa propõem outros tipos de questões e de relações entre seus
componentes, mas a dinâmica básica da interação texto-leitor é a mesma: a resolução de indeterminações
na construção de um conjunto coerente.
Uma crítica bastante frequente à teoria de Iser é que ele favorece, de certo modo, um retorno à visão de que
cada texto guarda uma maneira "correta" de ser lido – se o texto detém todo o controle das regras da
interação, o leitor, mesmo trabalhando muito, estaria sempre caminhando em direção um objetivo
predeterminado.
Um dos motivos para isso é que Iser, ao contrário de seu colega Jauss, não pensa no leitor como alguém
concreto, participante de determinado contexto sócio-histórico. O leitor de Iser é um conceito abstrato –
que, inclusive, dá nome a um de seus livros: O Leitor Implícito (publicado em 1974).
O leitor implícito é um papel no funcionamento do texto, não um leitor real, de carne
e osso (esses são chamados, em outros tipos de estudos da leitura, de "leitor
empírico").
Como toda abstração, o leitor implícito acaba sendo idealizado e incorporando características que
demonstram a visão de Iser sobre a leitura literária. Essa visão está calcada em um pressuposto: de que a
principal atividade da leitura seria produzir um conjunto coerente, suprindo os vazios do texto.
Saiba mais
Outro ponto relevante é que a visão de Iser está profundamente ligada à concepção moderna (prevalente na
Europa desde o século XVIII e culminante nas vanguardas modernistas) de que o objetivo maior da obra de
arte é transformar o ser humano que entra em contato com ela, alargando suas perspectivas.
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Para Iser, a literatura consegue isso reorganizando normas sociais e culturais, além de tradições literárias –
apresentando-as em formas e combinações diferentes do habitual, abrindo a possibilidade de que o leitor
possa vê-las de outras maneiras, em um processo que ele chama de desfamiliarização. É um pouco
parecido com o que acontece quando visitamos alguém: ao ver uma organização diferente dos objetos na
cozinha, por exemplo, podemos perceber que a organização adotada em nossa casa não é a única possível,
não é imutável – podemos pensar sobre ela e talvez até questioná-la, o que não fazemos normalmente,
quando estamos ocupados em preparar algo para comer.
Contudo, esse modelo de literatura transformadora não necessariamente se aplica a todos os textos
existentes, especialmente os da Antiguidade e Idade Média europeias, ou os de outras matrizes culturais.
Na verdade, isso nãoseria uma questão se fosse reconhecido pela proposta teórica: se, ao invés de falar em
leitura literária, a Teoria do Efeito Estético explicitasse que é feita a partir de e direcionada prioritariamente
para obras da modernidade eurocêntrica. A adequação entre abordagem e objeto é uma etapa prevista da
pesquisa em literatura, uma vez que quase nenhuma teoria pode ser aplicada a obras literárias de qualquer
tempo e cultura, e descobrir isso é um dos primeiros passos para construir uma atitude crítica consciente.
Não obstante, o valor do modelo de Iser é indiscutível ao reconhecer que:
1. O leitor não é alguém passivo, que simplesmente absorve o texto, e sim alguém que trabalha
intensamente para fazê-lo existir.
2. Toda obra é feita para ser lida e prevê o leitor na sua organização interna, busca direcionar a sua
participação.
Diferenças e semelhanças entre Jauss e Iser
Tanto Jauss quanto Iser examinam a relação entre leitores e texto, pouco explorada até então pela teoria
literária, que privilegiava estudos centrados no autor e nas obras.
Jauss
Se ocupa das relações leitor-texto em uma escala social e histórica.
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Iser
Trabalha na escala da leitura individual.
Uma das poucas semelhanças entre as propostas desses dois membros da chamada Escola de Constança
é o valor concedido à negatividade, ao movimento textual de contrariar as expectativas do leitor e, assim,
favorecer a sua modificação. Ambos acreditam, portanto, no poder transformativo da literatura.
As teorias de Jauss e Iser
Está na hora de quem mais entende do assunto comparar as abordagens teóricas da leitura e do leitor de
Jauss e de Iser. Vamos conferir!
Vem que eu te explico!
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Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar.
Módulo 2 - Vem que eu te explico!
A Estética da Recepção de Jauss
O conceito de recepção e a leitura para além do leitor individual.
Módulo 2 - Vem que eu te explico!
Termos chaves da teoria do efeito estético
O leitor como aquele que preenche as lacunas do texto literário.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Na Estética da Recepção, a história literária é
A irrelevante, pois o sentido é construído na relação individual leitor-texto.
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B
determinante, pois os significados possíveis da obra são validados pelo exame do
contexto.
C inacessível, pois nossa percepção é sempre enviesada.
D
dinâmica, pois cada mudança de horizonte pode alterar a compreensão de obras
anteriores.
E questionada, pois os valores modernos são incompatíveis com os clássicos.
Parabéns! A alternativa D está correta.
Na Estética da Recepção, conforme elaborada teoricamente por Jauss, o diálogo constante entre
o passado e o presente orienta a história literária. Passado e presente se influenciam
mutuamente, gerando uma inter-relação ou conexões funcionais entre a leitura de novas obras e a
interpretação das obras antigas. Assim, a história literária é dinâmica.
Questão 2
Na Teoria do Efeito Estético, um dos principais elementos textuais que estruturam a leitura são os brancos
ou vazios, que
A existem apenas nos textos da modernidade eurocêntrica.
B convidam o leitor a tentar formar coerências com base na dinâmica parte-todo.
C constituem o espaço ocupado pelo leitor implícito.
D convidam o leitor a completar essas lacunas com seu conhecimento pessoal.
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3 - Crítica literária e Psicanálise
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as possibilidades
de pensar a leitura literária a partir de conceitos psicanalíticos.
Alguns esclarecimentos preliminares
Se até agora temos visto abordagens críticas originadas no campo dos estudos literários, este módulo será
um pouco diferente: veremos aqui como alguns conceitos de outra área de estudos, a Psicanálise, podem
ser aproveitados para pensar a leitura literária.
E não devem ser preenchidos, pois isso prejudica os significados potenciais do texto.
Parabéns! A alternativa B está correta.
Os brancos ou vazios são termos que se destacam na Teoria do Efeito Estético de Iser. Eles
correspondem a pontos nos quais a percepção do leitor de que falta alguma coisa deve motivá-lo
a suprir essa falta por meio da leitura. Essa leitura ou interação entre o leitor e o texto ocorre a
partir de uma tensão entre os segmentos textuais, com o leitor buscando resolver essa tensão
estabelecendo coerência entre as partes do texto e o seu todo.

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Antes de começar, vale lembrar alguns cuidados: como lidaremos com instrumentos que não foram
desenvolvidos para o estudo literário, e sim para o tratamento clínico de pessoas reais em sofrimento
psíquico, os empréstimos de conceitos e técnicas passam sempre, necessariamente, por adaptações de
meios e de objetivos. Isto porque a Psicanálise se dá em situações de interação face a face entre o analista
e o analisando (paciente).
Na literatura, como temos visto, o texto não propicia exatamente uma interação entre as pessoas do autor e
do leitor, mas outra coisa.
Iniciaremos os estudos com uma visão esquemática do modelo freudiano de constituição psíquica do
sujeito e de alguns dos conceitos psicanalíticos mais aproveitados nos estudos literários. Em seguida,
veremos algumas modalidades de aproximações entre Psicanálise e Literatura. Por fim, conheceremos a
proposta desenvolvida por Julia Kristeva em seu A revolução da linguagem poética, que utiliza conceitos e
teorias psicanalíticas para pensar o funcionamento linguístico-psíquico-social do texto literário.
A base de tudo: o modelo de Freud
Diferentemente de outras ciências, a Psicanálise tem um fundador: o médico austríaco Sigmund Freud
(1856-1939), que construiu suas teorias a partir de observações e da prática clínicas realizadas entre o final
do século XIX e o início do século XX. De sua extensa obra, que tem diversas mutações internas, alguns
conceitos e modelos interessam especialmente aos estudos literários, como Inconsciente, Pulsão e Édipo.
A teoria do inconsciente pode ser vista como uma narrativa do processo de
constituição psíquica do sujeito.
Inicialmente, o bebê não se percebe como alguém separado do mundo e nem de sua mãe. O
estabelecimento dessas fronteiras, que acarretam a formação da consciência e a sensação de ser um Eu,
decorrem de experiências de frustração, de se defrontar com a realidade: nunca se está totalmente
satisfeito.
A constituição da estrutura psíquica é fundada sobre a experiência da falta, do desconforto (por exemplo,
sensações de fome, frio/calor, da falta de controle sobre o ambiente e sobre o próprio corpo), confrontados
com a ilusão de que teria existido um tempo anterior de satisfação absoluta: isso gera o desejo, que é a
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busca constante por substitutos dessa plenitude sentida como perdida, por uma satisfação completa e
inatingível, a "repetição de uma experiência primária de satisfação" (FREUD, 1996, p. 52).
Ao mesmo tempo, conforme se dá conta da existência de outras pessoas, a criança percebe que seus
desejos podem provocar reações negativas e que é preciso fazer adequações e renúncias, sob pena de
sofrer restrições.
O estabelecimento de limites Eu-Outro e a percepção de que é preciso adequar nosso comportamento a
estruturas e normas sociais são explicados por Freud na forma de um pequeno drama, a que ele chama
Édipo, e que apresentaremosde modo simplificado.
Antes de iniciar a exposição, é importante ter em mente dois pontos:
A sexualidade infantil freudiana
A sexualidade infantil freudiana é muito diferente do sexo do mundo adulto; como ressalta Payne (1993, p.
86-87), o modelo de Freud não pretende descrever fatos, mas sim entender como a mente infantil percebe e
simboliza os processos que a estruturam: em outras palavras, é uma teoria de como se organizam a
percepção corporal e social, bem como as sensações de prazer, necessidade, frustração etc. Payne lembra
que o texto freudiano As Teorias Sexuais das Crianças, de 1908, no qual é apresentado o complexo de
castração, inicia avisando aos leitores que essas teorias infantis, longe de serem precisas, correspondem à
percepção e ao entendimento limitado da mente infantil naquele estágio de sua formulação.
Pai, mãe e criança são papéis em uma estrutura
Pai, mãe e criança são papéis em uma estrutura. Esses papéis requerem características de gênero
(masculino e feminino), mas não laços biológicos.
Assim, para Freud, durante a amamentação o bebê não apenas se alimenta, mas descobre também a
sensação de prazer. Essa sensação, desvinculada de sua utilidade prática, origina a primeira pulsão –
articulação de estímulos corporais e de suas marcas psíquicas.
A pulsão é definida como:
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[...] conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o
representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e
alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de
trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.
(FREUD, 1996, p. 127)
Originada em um desvio do instinto, a pulsão é um estímulo que perturba a inércia à qual tende a psique e
demanda uma ação para restituir o equilíbrio tensional. Destacamos que a separação entre necessidade e
prazer é importantíssima para os estudos literários, pois muitas teorias estéticas modernas baseiam-se no
valor de fruição daquilo que não tem utilidade.
Voltando ao Édipo freudiano: nesse momento, o bebê ainda não tem nenhum senso de identidade, sendo
antes um campo de forças desordenadas. A proximidade e importância do corpo da mãe fazem com que
este seja o foco de muitas sensações e impulsos do bebê, resultando em um desejo inconsciente de união
(sexual).
Até aqui, a teoria abrange tanto meninos quanto meninas; a partir deste ponto, contudo, o modelo freudiano
privilegia a constituição psíquica masculina, tratando a feminina como uma espécie de derivado. O desejo
do bebê é barrado pela presença do pai, que aparece como rival na posse da mãe, e pelo que o bebê percebe
como ameaça de castração: quando se dá conta de que a anatomia genital da mãe é diferente da sua, o
menino passa a temer que isso aconteça com ele caso contrarie o pai.
Produz-se nessa complexa rede de relações o Eu, que é um instrumento de interação psíquica com o
mundo, uma maneira de o ser humano se perceber e se articular, que é mediada pela consciência.
Para solucionar seu dilema, o menino reprime seu desejo, isto é, aceita subordiná-lo à estrutura social
vigente (ao que Lacan identifica como a Lei, personificada na figura do pai) mediante a promessa de que no
futuro ele será como o pai, ocupará esse lugar social da Lei e de posse de seu objeto de desejo.
Essa repressão inaugural, que é renúncia aos desejos e aceite da Ordem, instaura a consciência e seu duplo,
o inconsciente.
Produz-se nessa complexa rede de relações o Eu, que é um instrumento de interação psíquica com o
mundo, uma maneira de o ser humano se perceber e se articular, que é mediada pela consciência.
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Já o inconsciente tem sua dinâmica particular, regulada por pulsões e desejos que
se mostram apenas indiretamente – nos sonhos, por exemplo.
O inconsciente não se aquieta nos bastidores e pressiona para vir à tona, influenciando nossos atos e
palavras; como é uma região fora da língua comunicativa, ele se manifesta de outras formas, que o
psicanalista procura detectar e traduzir (no inconsciente freudiano, a relação significante-significado não é
arbitrária e parte do trabalho do analista é refazer a cadeia de associações para chegar ao seu motivador
inicial).
Assim, o sujeito formado por esse processo é fraturado, rachado entre inconsciente e consciência,
separado irremediavelmente não apenas dos outros, mas – também e principalmente – de si mesmo.
Em que pesem as críticas ao machismo e eurocentrismo que permeiam os modelos freudianos, lembremos
apenas que a proposta psicanalítica do sujeito fraturado representa um rompimento avassalador com a
concepção anterior, na qual o sujeito era visto como uma unidade íntegra e essencialmente racional: em
contraste, pensar que nossa identidade, longe de ser um fato, é uma espécie de construção narrativa, e que
somos fortemente movidos por motivações que somos incapazes de conhecer e de controlar, é altamente
perturbador.
Atenção!
A teoria freudiana não coloca em questão a responsabilidade ética ou jurídica sobre os atos, apenas a
arrogância de achar que somos capazes de compreendê-los por completo.
Literatura e Psicanálise
Também chamada de "cura pela fala", a Psicanálise pressupõe que ao falar sobre si, sobre suas experiências
e percepções, o paciente constrói uma espécie de narrativa de si mesmo. Essa narrativa será o objeto de
trabalho do psicanalista.
Desse modo, a Psicanálise e a Literatura têm em comum serem fundadas na prática da palavra. Um primeiro
ponto de contato é o recurso de Freud às narrativas e aos mitos na formulação e nomeação de conceitos
psicanalíticos: o complexo de Édipo, o narcisismo (derivado de Narciso), os nomes para as pulsões de vida e
de morte, chamadas de Eros e Tânatos.
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Para o fundador da Psicanálise, as figuras e narrativas artísticas ajudam a simbolizar o funcionamento da
psique humana e "antecipa[m] as descobertas da investigação analítica" (MANDIL, 2005, p. 45).
Freud considerava que a Literatura pode dar a ver coisas importantes sobre o ser
humano.
Uma semelhança entre o inconsciente e as produções literárias está no tipo de relações que ali se
estabelecem: ao contrário da lógica da realidade, do dia a dia, no inconsciente e na poesia os contrários
podem coexistir sem se anular, há espaço para ambiguidades e contradições e as associações seguem um
parâmetro mais formal do que semântico.
O psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), que retrabalhou as teorias freudianas à luz do
Estruturalismo e de estudos sobre o discurso, considerava que o inconsciente é estruturado como uma
linguagem, operando por condensação e deslocamento de significados e produzindo, assim, uma cadeia
infinita e vertiginosa de significantes.
Como na língua saussuriana, a economia do inconsciente lacaniano é imanente e diferencial, ou seja, os
valores dos significantes são estabelecidos nas relações entre eles, e não com algo externo que indicariam.
condensação e deslocamento de signi�cados
Conceitos próximos, respectivamente, dos conceitos de metáfora e metonímia de Jakobson.
Uma das poucas manifestações do inconsciente a que nossa consciência tem acesso parcial são os
sonhos. Porém, essa expressão não é direta: o sonho é o resultado de um intenso trabalho de
transformação dos diversos estímulos psíquicos que ele elabora (sensações, emoções, eventos). Essa
transformação pode ser vista como análoga à transformação operada pela literatura sobre os seus objetos
ou temas: ela tem leis próprias e é essencialmente uma atividade produtiva, que não reflete, e sim propõe:
articula relações e objetos de maneira inédita, compondo uma organização própria.
Como explica o crítico inglês Terry Eagleton:
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Em contrapartida, a noção freudiana de sonho permite-nos ver a obra literária
não como um reflexo, mas como uma forma de produção. Assim como o
sonho, a obra parte de certas "matérias-primas" – a linguagem, outros textos
literários, modos de perceber o mundo – e, usando certas técnicas, transforma-
os num produto. As técnicas dessa produção são os diversos dispositivos que
conhecemos como "forma literária".
(2005, p. 157)
Para Lacan, a entrada do sujeito no mundo da linguagem coincide com a percepção de estarmos separados
dos outros e do mundo – e é, portanto, um trauma fundador de nossa estrutura psíquica: a palavra é sempre
experimentada como falta, como substituto insuficiente de uma integração, e não dá jamais acesso ao
significado referido, apenas a outros significantes.
A experiência da palavra como falta, e não como presença, é central na produção literária de muitos
escritores da modernidade eurocêntrica.
Entre nós, um dos exemplos mais marcantes talvez seja a escritora Clarice Lispector, para quem o trabalho
da leitura (chegamos a ela, finalmente!) não é suprir os não ditos do texto, as entrelinhas, e sim experimentar
a comunhão do indizível e da opacidade da linguagem.
Em Literatura e Psicanálise: modos de aproximação, Ram Mandil (2005) alerta para a importância da
diferença entre as áreas e de uma certa impermeabilidade entre elas. Ele lembra que uma das principais
aproximações entre Literatura e Psicanálise foi levantada pelo filósofo francês Michel Foucault no seu livro
As palavras e as Coisas.
Nesse livro, Foucault argumenta que a modernidade trouxe uma ruptura epistêmica, isto é, uma mudança no
modo de conceber e construir conhecimento. Essa mudança partiria de uma alteração profunda no
entendimento da palavra: além de veículo de sentido e de representação (ou seja, ferramenta de
pensamento e comunicação humanas), passa-se a reconhecer que ela é também regida por leis internas,
próprias, que os falantes não controlam.
A abertura dessa nova face da palavra possibilita o surgimento de campos que estudam essas leis, como a
Gramática e a Filologia, e também de campos que exploram a relação humana com esse incontrolável,
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como a Psicanálise e a Literatura, que passa a refletir cada vez mais sobre seus próprios processos.
Práticas da articulação Literatura-Psicanálise
Pode-se dizer que as principais práticas de articulação entre Literatura e Psicanálise nos estudos literários
consistem em:
1. Usar conceitos psicanalíticos para interpretar obras literárias. Segundo Eagleton (2005, p. 155), há quatro
modos principais de fazer isso: enfocando o autor, o conteúdo, a construção formal, ou o leitor da obra.
2. Pesquisar as possibilidades terapêuticas da escrita e da leitura literárias.
3. Partir de conceitos psicanalíticos para refletir sobre a natureza do texto literário, sobre seus modos
particulares de funcionamento e de relações linguísticas, psíquicas e sociais.
É esta terceira opção que exploraremos a seguir, acompanhando a argumentação desenvolvida por Julia
Kristeva em A Revolução da linguagem poética (1974).
É importante considerar as definições sobre:
Usar a obra para analisar o escritor, buscando a influência de acontecimentos biográficos na
recorrência de temas, estilos etc. Trata-se o texto como um sintoma a decifrar.
Analisar as motivações inconscientes de personagens, o simbolismo de eventos/elementos/temas
figurados no texto.
Buscar reconstituir um inconsciente do texto. Como o texto não é um sujeito, a particularidade
desse tipo de análise está em ater-se exclusivamente às palavras na página, sem buscar causas ou
consequências em fatores externos, como o autor, o contexto etc. Explora-se ambiguidades,
recorrências, omissões e destaques para construir na leitura um subtexto, trazer à tona algo que
estava silencioso.
Autor 
Conteúdo 
Construção formal 
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Analisar o texto para entender alguns dos processos envolvidos em sua produção e discernir as
relações entre o conteúdo manifesto (os objetos e situações) e o latente (sua simbologia), que se
dão a ver em distorções, ausências, supressões, paralelismos, frequência de certos termos e campos
semânticos.
Investigar os possíveis efeitos da leitura na psique dos leitores.
O semiótico de Kristeva: na encruzilhada de poesia e
Psicanálise
Julia Kristeva (1974) trabalha na articulação entre teorias do sentido, da linguagem e do sujeito, tomando
emprestado à Psicanálise conceitos que ajudam a formular o processo de significância – nome que ela dá à
prática dos textos com/na linguagem e na constituição dos sujeitos. Ela une seu conhecimento e prática de
Psicanálise, Semiótica e Literatura a uma perspectiva feminista para postular duas modalidades do
processo de significância: o semiótico e o simbólico.
Simbólico
É "produto social da relação com o outro, através das limitações objetivas constituídas pelas
diferenças biológicas (dentre as quais estão as sexuais) e pelas estruturas familiares dadas concreta e
historicamente" (KRISTEVA, 1974, p. 28).
Semiótico
É uma potência que, na língua, resiste ao seu caráter de estabilidade. Um resíduo do estágio anterior ao
Édipo, o semiótico kristevano traz a possibilidade de escapar/suspender momentaneamente a ordem
vigente da linguagem comum.
De modo esquemático, Kristeva assim caracteriza essas duas modalidades:
Autor da obra 

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Simbólico Semiótico
Sujeito indiviso e transcendental Sujeito disperso e fraturado
Requer posicionamento (identidade ou
diferença) do sujeito falante em relação aos
objetos dos quais fala
Indistinção sujeito-objeto
Estruturado pela Lei
Estruturado em articulações provisórias, fluidas
e constituídas de movimentos
Subjacente aos aparelhos institucionais de
ordem, autoridade e poder
Disruptivo da ordem estabelecida
Língua comunicativa
Lida com aspectos da língua irredutíveis à sua
tradução verbal inteligível
Quadro As modalidades semiótica e simbólica
Tais modalidades são inseparáveis e se articulam de modos diferentes nos vários tipos de discurso (teoria,
poesia, narrativa...). Podem ser relacionadas aos estágios de desenvolvimento do sujeito propostos por
Freud e retrabalhados por Lacan e pela psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960).
As pesquisas de Klein se concentram no estágio pré-edípico. De modo semelhante, as propostas de Kristeva
buscam resgatar um "outro" necessário ao simbólico na linguagem (o semiótico) e propor que isso é
realizado pela literatura.
Possivelmente em diálogo com o filósofo argelino Jacques Derrida, Kristeva coloca a necessidade de
pensar em um elemento/dinâmica "externo" e constituinte dos sistemas fechados – algo que, sendo
designado nesse sistema como marginal, é ao mesmo tempo um elemento do sistema e a definição de seus
limites.
Como sublinha Eagleton (2005, p.164, grifos do autor), o semiótico de Kristeva "não é uma alternativa à
ordem simbólica, uma linguagem que se poderia falar no lugar do discurso "normal", mas sim um processo
interno aos sistemas de signos convencionais, que questiona e transgrede os limites deles."
Nesse sentido, Kristeva (1973, p. 13) sustenta que, por privilegiar o semiótico, o
tipo de significância operada por alguns escritores é capaz de provocar profundas
rupturas no funcionamento da língua, o que conduz a modificações no estatuto do
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sujeito – e, consequentemente, nas instituições sociais e políticas que neles se
sustentam.
A literatura, portanto, efetuaria uma violência positiva sobreas relações inconscientes, subjetivas e sociais,
impondo a necessidade de reposicionamentos. Para formular essa violência positiva, Kristeva se vale
especialmente da pulsão de morte, que, para Freud (em Além do princípio do prazer, de 1920), é o impulso
para retornar a um estado anterior à existência animada.
Assim como para Freud, o inconsciente existe e age após a instauração da consciência, sendo seu
duplo e buscando a todo tempo driblar sua hegemonia e suas barreiras, também o semiótico de
Kristeva opera com/contra o simbólico.
Do mesmo modo que o inconsciente se manifesta em atividades específicas, como o sonho, o
semiótico é detectável em práticas significantes específicas, como o texto (KRISTEVA, 1974, p. 28).
Assim como a pulsão de morte é, para Freud, anterior e subjacente ao princípio do prazer (que, até
aquele momento, fora o principal elemento regulador da economia psíquica na teoria freudiana), o
semiótico kristevano é a atividade primordial da significância, e é cortado pela significação, que se
instala sobre ele e a partir dele.
Assim como um rio canalizado pode, sob forte chuva, transbordar e inundar a cidade que o confinou,
também o semiótico pode transbordar e inundar a língua.
A ação das pulsões no sistema simbólico da linguagem provoca modificações
que atingem o nível morfo-fonêmico, a sintaxe, a distribuição das instâncias
discursivas, e as relações contextuais. [...] Ritmo, perturbação da estrutura
profunda, passagem da locução à ficção etc.: [...] multiplicam-na numa nova
rede e tendem a dissolvê-la. Chamaremos essa nova organização
translinguística [...] dispositivo semiótico.
(KRISTEVA, 1974, p. 207, grifo da autora)
E o que tudo isso tem a ver com a leitura?
O inconsciente e a pulsão de morte 
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Apesar de serem operadas pelos textos poéticos, o lugar onde as transformações postuladas por Kristeva
acontecem é exatamente na pessoa leitora.
Kristeva examina o trabalho de linguagem de alguns poetas franceses e encontra ali uma pressão do
poético que leva o signo linguístico ao limite pelo seguinte procedimento: recusando a "transparência" da
língua (isto é, recusando-se a concebê-la como um mero veículo para significados) e valorizando suas
propriedades imanentes, os textos desses poetas produzem estranhezas que ameaçam estilhaçar a
estabilidade dos significados.
Isso é efetuado explorando poeticamente qualidades sensoriais da língua, como tom e ritmo, e também
tudo o que escapa ao projeto racional de coerência: silêncios, contradições, ausências. Como a estabilidade
é um dos componentes cruciais de uma leitura que atravessa o texto como uma janela para a
representação, o efeito dessa pressão poética atinge também o leitor, que se vê não apenas incapaz de fixar
coerências e significados definitivos no texto, mas também abalado na estabilidade de seu funcionamento
linguístico e de seu estatuto de sujeito. Em consequência, esse leitor pode vir a vislumbrar fissuras nas
várias estruturas sociais, políticas e econômicas que eles sustentam.
Resumindo
Em uma escala maior, social, Kristeva propõe que essa perturbação poética abale algumas das oposições
binárias que sustentam a ordem social vigente, tais como autoridade/obediência, são/insano,
norma/desvio.
Psicanálise e literatura
Está na hora de quem mais entende do assunto exemplificar a relação entre Psicanálise e Literatura a partir
de conceitos de Freud, Lacan e Kristeva. Vamos conferir!

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Vem que eu te explico!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar.
Módulo 3 - Vem que eu te explico!
A base de tudo: o modelo de Freud
Relações entre Psicanálise e literatura a partir da obra de Freud.
Módulo 3 - Vem que eu te explico!
Práticas da articulação Literatura-Psicanálise
Conceitos psicanalíticos na interpretação do texto literário.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Analise as afirmativas seguintes com base no texto deste módulo.
I. A crítica psicanalítica deve necessariamente levar em conta informações biográficas do autor, pois busca
decifrar seu inconsciente.
II. Há semelhanças entre o trabalho de deformação-produção realizado pelos sonhos e pela forma literária.
III. Literatura e Psicanálise são atividades discursivas que efetuam o mesmo tipo de utilização da palavra
(não comunicativa).
São corretas
A apenas I.
B apenas II.
C apenas III.
D I e III.
E II e III.
Parabéns! A alternativa B está correta.
A afirmativa I está incorreta porque a crítica psicanalítica não está baseada na biografia do autor
ou na decifração de seu inconsciente. A afirmativa II está correta porque o sonho provém da
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transformação ou do trabalho dos vários estímulos psíquicos, o que pode ser visto como análogo
ao trabalho ou à transformação produzidos pela literatura a partir de seus objetos e temas. A
afirmativa III está incorreta porque há diferenças entre Psicanálise e Literatura, uma delas
corresponde ao trabalho discursivo ou com a palavra.
Questão 2
Relacione os focos de análise textual listados a seguir com as citações numeradas. Depois, escolha a
alternativa com a ordem correta.
psique do autor – conteúdo do texto – forma do texto
I. "Durante esse tempo, pouco a pouco, [o protagonista] vai se esquecendo de si mesmo, até que, após muito
procurar, se depara com uma imagem conhecida. Era uma imagem de seu pai. Quando isto acontece, ele
percebe que já não se lembra mais de seu nome. Não havia mais nenhum significante que o pudesse
garantir como ser, [...]. O esquecimento do nome representava, portanto, o sinal de que a enfatuação
narcísica chegava ao fim e que uma passagem podia ser realizada" (LIMA, Celso Rennó. A leitura de uma
ficção: a história sem fim. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p. 57-63, 2005.)
II. "Água viva [...] configura-se como ponto-limite da obra de Clarice, em que o enredo, a “história”, é quase
que completamente abandonada em prol do fluxo incessante [...]. Essa dura escritura irá, então, privilegiar a
música da língua, fundindo o “corpo todo inteiro” daquele que escreve com a materialidade da palavra, seu
“ponto tenro e nevrálgico”, exigindo assim do leitor uma escuta “de corpo inteiro”. Dessa forma, Água viva
pode ser pensado como um “idiomaterno”" (ANDRADE, Maria das Graças Fonseca. Escrita e escuta de corpo
inteiro – a lalíngua de Água viva. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 12, p. 171-184, 2005.)
III. "Curiosamente, Clarice – fato para o qual muitos atentaram – possuía uma dicção estranha, um sotaque
que, à primeira escuta, soava como algo similar a uma fala nordestina com dissonâncias francesas, em que
“erres” se arrastavam e vogais se faziam pronunciadas com uma abertura típica. [...] José Castello observa
que, talvez, essa justificativa não esgote o assunto: “Suas dificuldades com a língua eram embaraçosas e
sua grandeza como escritora vem dessa repugnância. Só uma pessoa que não se adapta à língua, que a
revira, que dela desconfia pode escrever uma obra como a de Clarice Lispector.”" (ANDRADE, Maria das
Graças Fonseca. Escrita e escuta de corpo inteiro – a lalíngua de Água viva. Aletria: Revista de Estudos de
Literatura, v. 12, p. 171-184, 2005.)
IV. "Então: minha proposta é um exercício interpretativo da síndrome de uma neurose de angústia da
personagem Luís da Silva, do romance de Graciliano Ramos, à luz das ideias de Freud. O objetivo não é um
“diagnóstico clínico”, que não levaria muito longe, mas uma discussão de ideias freudianas, tão
surpreendentemente

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