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Psicologia em Situação de Emergência Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Ksdy Maiara Moura Sousa Revisão Técnica: Prof.ª Me. Cássia Souza Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento • Aprender como se realiza o manejo psicológico das vítimas de desastres, bem como as prin- cipais alterações emocionais decorrentes desses eventos; • Compreender os processos de luto e a função reconstrutora dos rituais de despedida, e as consequências desse luto complicado; • Apresentar abordagens com crianças e adolescentes, bem como as linhas de intervenção baseadas na Terapia Cognitiva Comportamental. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Transtornos Relacionados ao Trauma; • Transtorno de Estresse Pós Traumático; • Transtorno de Estresse Agudo; • Intervenções Psicológicas e suas Abordagens; • Intervenção em Crise com Crianças e Adolescentes; • Luto Desencadeado por Desastres e Rituais de Luto e sua Função Reconstrutora em Desastres. UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento Introdução Ao longo desta Disciplina, vocês já tiveram contato com vários conceitos funda mentais para a compreensão do papel do psicólogo em situações de emergência. Esses conceitos darão suporte para compreendermos os elementos que iremos abordar nesta Unidade. Antes de prosseguirmos, pense em quais possíveis reações que podemos esperar das pes- soas nessas situações. As consequências emocionais decorrentes de um desastre ou qualquer situação que coloque nossa integridade em risco podem ser diversas, pois, segundo Torlai (2010), os desastres implicam danos tanto materiais quanto psíquicos, o que afeta os padrões de vida das comunidades e das pessoas envolvidas de forma direta ou indireta, bem como as redes de apoio biopsicossocial, colocando, assim, a capacidade de enfrentamento individual e coletivo em risco: As emergências, como é o caso dos desastres naturais, se traduzem em verdadeiras tragédias ou dramas humanos, justificando a preocupação de se levar em conta os aspectos envolvidos, de atenção à saúde física, às perdas materiais e, também, entender a aflição e as consequências psi cológicas decorrentes dessas situações. (SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008 apud BATISTA; CAVALCANTE 2012) Quando a capacidade de enfrentamento de uma determinada situação é coloca da em risco, vários podem ser as patologias decorrentes, no entanto, é importante salientar que determinadas reações no momento do evento possam ser totalmente compatíveis com a situação. Nesta Unidade, falaremos das reações e das consequências que surgem após a ocorrência dos desastres. Importante salientar que qualquer crise pode ameaçar a nossa saúde psíquica: “O indi víduo pode apresentar sinais e sintomas clínicos em resposta ao estado provocado pela crise, necessitando, por consequência, de alguma intervenção para a sua resolução”. Por outo lado, a crise (SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008, p. 3) pode ser um momento importante para mudanças e projetos de vida. Ressignificar uma crise, pode ser um processo fundamental para que a saúde psíquica e emocional se mantenha. Segundo Lira e Veja (2002 apud SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008, p. 3), “Quando a crise é resolvida satisfatoriamente, ela pode auxiliar o desenvolvimento do indivíduo; caso contrário, poderá constituirse em um risco, aumentando a vulne rabilidade da pessoa para transtornos mentais”. A resolução de uma crise pode variar de 4 a 6 semanas, no entanto, pode ser necessário, em alguns casos, um tempo maior para o sujeito ressignificar o evento 8 9 estressante, o que pode levar a certa desorganização psíquica, levando até mesmo a um quadro crônico de sintomas (SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008, p. 3). Horowitz (1976 apud SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008) apresenta um modelo de enfrentamento de crise, que é dividido em três etapas (Figura 1). • Reações inciais diante do impacto: medo, impotência, horror, ausência de resposta emocional, amnesia dissociativa, apatia. • Tentativa de amortecer o impacto; • Tenta continuar suas atividades como se nada tivesse ocorrido. • Expressar, identi�car e comunicar os seus pensamentos, imagens e sentimentos experimentados pela situação de crise. • O indivíduo integra o evento dentro da sua vida, • Reorganização do indivíduo. • Ideias involuntarias de dor pelo evento; • Pesadelos recorrentes, imagem e outras preocupações. Desordem Negação Intrusão Elaboração Término Figura 1 Fonte: Adaptado de HOROWITZ,1976, apud SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008 O processo apresentado acima pode ser vivenciado por qualquer pessoa que passa por uma situação de crise. No entanto, a maneira como cada indivíduo interpreta e dá significado à situação em si é que definirá a maneira de enfrentamento, de elaboração ou de sofrimento e adoecimento mental. Dessa forma, a percepção que o sujeito faz em termos de ameaça ou dano para si, assim como da avaliação dos recursos disponíveis para o necessário enfrentamento da situação, pode ou não leválo a desenvolver um transtorno decorrente da situação de crise (SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008). Quanto mais rápido for a intervenção, melhor será o resultado em longo prazo, na resolução da crise. Slaikeu (1996 apud SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008) postula três princípios clínicos para a prática da intervenção em crise (Quadro 1): Quadro 1 Princípios para Intervenção em Crise Objetivos Oportunidade Avaliar e diminuir o perigo, avaliando também o nível de motivação do paciente para propor nova estratégia de enfrentamento com as cir- cunstâncias atuais de vida. Meta Promover ajuda aos envolvidos na recuperação do nível de equilíbrio que tinha antes ou a atingir um nível que permita superar o momento crítico. Avaliação Engloba tanto os “aspectos fortes” quanto as “debilidades” de cada um dos sistemas implicados na crise, bem como informações do que está funcional e disfuncional na vida do indivíduo . Fonte: Adaptado de SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008, p. 3 Como já mencionado anteriormente, os processos de intervenção mais breves e em grupo têm sido o modelo mais utilizados nessas situações: “A meta principal da intervenção é ajudar a pessoa a recuperar o nível de funcionamento que possuía 9 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento antes de o evento desencadeante da crise” (SLAIKEU, 1996 apud SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008). Para isso, é fundamental que o profissional envolvido nesse processo realize trei namentos específicos, pois é necessário que esse especialista saiba como fazer uma boa avaliação do processo, bem como o grau da crise, assim como reconhecer o funcionamento e as características do evento, para que possa determinar a relevân cia e o resultado das intervenções propostas. Importante salientar que existe um curso das manifestações de sintomas durante a crise e a pós crise. É o que chamamos de sintomatologia aguda, que dura em média 30 dias seguintes ao evento. Um exemplo desses sintomas pode ser a manifestação de estresse, ansiedade e depressão. No entanto, caso não haja intervenção e tratamento adequado dos sintomas agu dos apresentadas, os indivíduos podem evoluir para um quadro crônico de sinto mas, levando ao desenvolvimento de outros transtornos ou doenças, que necessitem de acompanhamento e tratamento especializado, como no caso do Transtorno de Estresse PósTraumático (TEPT), sendo um transtorno prevalente pós situações de estresse, podendo vir acompanhado de outras patologias, como transtorno depres sivo, fobias e transtorno de ansiedade generalizada. Leia o texto “The Lancet: uma em cada cinco pessoas que vivem em áreas afetadas por conflitos sofrem com condições de saúde mental”. Disponível em: https://bit.ly/3iZh4DK Transtornos Relacionados ao Trauma De acordo como o DSM V (2014, p. 264), existem transtornos que são relaciona dos atrauma e a estressores, que incluem como critério diagnóstico a exposição a um evento traumático ou estressante. Esses transtornos podem ser: Transtorno de Apego Reativo, Transtorno de Inte ração Social Desinibida, Transtorno de Estresse PósTraumático (TEPT), Transtorno de Estresse Agudo e Transtornos de Adaptação, sendo os três últimos mais relacio nados a eventos como desastres e catástrofes, que abordaremos por aqui. Essa classificação no Manual Diagnóstico se deu pela demanda e a pela ocorrên cia de sofrimento psicológico decorrente da exposição de eventos estressores. Muitas vezes, esses sintomas podem ser acompanhados de ansiedade e medo. No entanto, segundo do DSM V, muitos indivíduos podem apresentar um fenótipo no qual as 10 11 características clínicas mais evidentes são sintomas anedônicos e disfóricos, externa lizações de raiva e agressividade ou sintomas dissociativos: Em virtude dessas expressões variáveis de sofrimento clínico depois da exposição a eventos catastróficos ou aversivos, esses transtornos foram agrupados em uma categoria distinta: transtornos relacionados a trauma e a estressores. Ademais, não é incomum que o quadro clínico inclua uma combinação dos sintomas mencionados (com ou sem sintomas de ansiedade ou medo). (DSM V, 2014, p. 265) A seguir, serão listados todos eles, com as principais características e manifesta ções clínicas, baseados no DSM V (2014). Transtorno de Estresse Pós Traumático Características Clínicas A característica essencial do Transtorno de Estresse PósTraumático é o desenvolvi mento de sintomas característicos após a exposição a um ou mais eventos traumáticos. A apresentação clínica do TEPT varia: • Sintomas de revivência do medo, emocionais e comportamentais pode predominar; • Estados de humor anedônicos ou disfóricos e cognições negativas podem ser mais perturbadores; • Excitação e sintomas reativos externalizantes são proeminentes; • Sintomas dissociativos; • Algumas pessoas exibem combinações desses padrões de sintomas. O TEPT pode ocorrer em qualquer idade a partir do primeiro ano de vida. Os sin tomas, geralmente, manifestamse dentro dos primeiros três meses depois do trauma, embora possa haver um atraso de meses, ou até anos, antes de os critérios para o diagnóstico serem atendidos. Critério Diagnóstico • Exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual em uma (ou mais) das seguintes formas: 1. Vivenciar diretamente o evento traumático; 2. Testemunhar pessoalmente o evento traumático ocorrido com outras pessoas; 3. Saber que o evento traumático ocorreu com familiar ou amigo próximo. Nos casos de episódio concreto ou ameaça de morte envolvendo um familiar ou amigo, é preciso que o evento tenha sido violento ou acidenta; 11 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento 4. Ser exposto de forma repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento traumático (p. ex., socorristas que recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a detalhes de abuso infantil). • Presença de um (ou mais) dos seguintes sintomas intrusivos asso- ciados ao evento traumático, começando depois de sua ocorrência: 1. Lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático; 2. Sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e/ou o senti mento do sonho estão relacionados ao evento traumático. 3. Reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente; 4. Sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a si nais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático; 5. Reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que sim bolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático. • Evitação persistente de estímulos associados ao evento traumáti- co, começando após a ocorrência do evento, conforme evidencia- do por um ou ambos dos seguintes aspectos: 1. Evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimen tos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento tramático; 2. Evitação ou esforços para evitar lembranças externas (pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos, situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático. • Alterações negativas em cognições e no humor associadas ao evento traumático começando ou piorando depois da ocorrência de tal even- to, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 1. Incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento trau mático (geralmente devido a amnésia dissociativa, e não a outros fatores, como traumatismo craniano, álcool ou drogas); 2. Crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a res peito de si mesmo, dos outros e do mundo (p. ex., “Sou mau”, “Não se deve confiar em ninguém”, “O mundo é perigoso”, “Todo o meu sistema nervoso está arruinado para sempre”); 3. Cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das con sequências do evento traumático que levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros; 4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha); 5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas; 6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros; 7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (p. ex., incapa cidade de vivenciar sentimentos de felicidade, satisfação ou amor). • Alterações marcantes na excitação e na reatividade associadas ao evento traumático, começando ou piorando após o evento, confor- me evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 12 13 1. Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação) geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos; 2. Comportamento imprudente ou autodestrutivo; 3. Hipervigilância; 4. Resposta de sobressalto exagerada; 5. Problemas de concentração . 6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou sono agitado). • A perturbação (Critérios B, C, D e Hipervigilância) dura mais de um mês; • A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e pre- juízo social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo; • A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma subs- tância (p. ex., medicamento, álcool) ou a outra condição médica. (DSM, 2014 p. 271) Notase que o TEPT pode ser uma condição debilitante, levando a alterações no funcionamento diário do indivíduo, e pode ser associado a outras comorbidades como depressão e ansiedade: “O TEPT está associado a relações sociais e familiares empobrecidas, ausências ao trabalho, renda mais baixa e menor sucesso acadêmico e profissional” (DSM V, 2014, p. 274). A manifestação do trauma pode acontecer em qualquer idade e, principalmente, dentro dos primeiros 3 meses após o evento traumático, podendo sofrer variações quanto ao tempo de sua manifestação. Transtorno de Estresse Agudo Outra condição muito comum pós a ocorrência de um desastre é o transtorno de estresse agudo. Ele apresenta uma sintomatologia muito parecida com o TEPT, no entanto, o que os diferencia é a manifestação e a duração dos sintomas. De acordo com o DSM V (2014 p. 280), esse transtorno não pode ser diagnosticado nos três primeiros dias após o evento, pois as reações apresentadas durante esse período podem ser temporárias e esperadas para a situação, não podendo ser esta belecida como um transtorno: “A característica essencial do Transtorno de Estresse Agudo é o desenvolvimento de sintomas típicos que duram de três dias a um mês após a exposição a um ou mais eventos traumáticos” (DSM V, 2014, p. 281). No entanto, o Transtorno de Estresse Agudo pode evoluir para o transtornode estresse póstraumático depois de um mês, porém, ele também pode ser uma res posta de estresse temporária que cede dentro de um mês depois da exposição ao trauma e não resulta em TEPT. 13 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento A manifestação clínica do Transtorno de Estresse Agudo varia de pessoa para pessoa, mas, de maneira geral, inclui sintomas ansiosos e revivência do evento, bem como uma reatividade a ele. Dentre esses sintomas, pode haver a apresentação de sintomas dissociativos de distanciamento social. Uma outra manifestação possível é raiva intensa, irritabilidade e agressão. Em termos de alterações cognitivas, esses indivíduos podem apresentar pensa mentos catastróficos com conteúdo extremamente negativos sobre si em relação a sua resposta às experiências traumáticas ou de danos futuros, ou seja, uma pessoa com esse transtorno pode sentir culpa excessiva por não ter impedido o evento trau mático ou por não se adaptar à experiência com mais êxito (DSM V, 2014). Outras condições podem ser apresentadas após um evento traumático, como depressão, ansiedade, uso de álcool e outras condições clínicas. No entanto, é fundamental compreender que para que essas condições sejam consideradas um transtorno, é necessário observar o critério diagnóstico de cada uma, bem como os prejuízos funcionais e a duração da manifestação dos sintomas. Apresentamos a você, até o momento, as principais manifestações clínicas decor rentes do trauma. A seguir iremos discutir as intervenções psicológicas possíveis e as abordagens mais utilizadas até o momento. Intervenções Psicológicas e suas Abordagens As intervenções psicológicas em situações de desastres podem variar de acordo como tipo de evento, o cenário e a demanda apresentada, como já discutimos. Por isso, é fundamental mapear as variáveis e o campo para uma atuação eficaz e satisfatória. Segundo Sá, Werlang e Paranhos (2008), as intervenções podem ser divididas em primeira e segunda instância. A primeira instância envolve os auxílios psicológicos iniciais, ou assistência ime diata, podendo durar de minutos a horas para ocorrência de um evento, que tem como objetivo promover apoio emocional, diminuindo o risco de morte, além de permitir maior acesso aos envolvidos aos recursos de ajuda disponíveis no local e apoio geral realizado na comunidade e pela comunidade. Já a intervenção de segunda instância diz respeito à terapia para a crise, que pode ser definida como: 14 15 Uma estratégia de ajuda indicada para auxiliar uma pessoa e/ou família ou grupo, no enfrentamento de um evento traumático, amenizando os efeitos negativos, tais como danos físicos e psíquicos e incrementando a possibilidade de crescimento de novas habilidades de enfretamento e opções e perspectivas de vida. O tipo de crise não importa, pois o evento é emocionalmente significativo e gera uma mudança radical na vida da pessoa. (SÁ; WERLANG; PARANHOS, 2008) A seguir, iremos apresentar alguns modelos de manejo psicológico e psiquiátrico realizados em intervenções de segunda instância. Figueroa, Marin, GONZÁLEZ (2010) propuseram um modelo de resposta psico lógica baseada em cinco níveis: difusão, suporte social, gestão médica geral, manejo psiquiátrico geral e manejo psiquiátrico por especialista. Cada um desses níveis será implementado em diferentes locais e apresentam objetivos e benefícios distintos, bem como tarefas, executores e critérios de encami nhamentos específicos. • Nível I – difusão: Toda a comunidade deve ser informada sobre o desastre e receber psicoeducação e atendimento psicológico. A maioria das pessoas afe tadas será atendida em Centros de Afluência Pública, como acampamentos, abrigos, escolas etc.; • Nível II – suporte social: Facilitar a recuperação espontânea e a resiliência, bem como identificar e encaminhar pessoas afetadas por emergências psiquiá tricas ou em risco de desenvolver um transtorno psiquiátrico; • Nível III – manejo médico geral: Uma porcentagem menor será encami nhada aos Postos Médicos Avançados (Hospitais de Baixa Complexidade ou Hospitais de Campanha das Forças Armadas) para atendimento médico geral. Somente aqueles que desenvolverem transtornos psiquiátricos formais serão encaminhados para Centros Psiquiátricos Gerais; • Nível IV – manejo psiquiátrico geral: Estabilizar os sintomas, com a realiza ção de um diagnóstico psiquiátrico. Os pacientes mais graves, refratários aos tratamentos baseados em evidências, podem ser submetidos a tratamentos de resgate nos Centros de Especialidades em TEPT, no nível V; • Nível V – manejo especializado: O objetivo é reservar psicoterapia e farma coterapia apenas para pacientes com transtornos psiquiátricos formais, vez que esse é o único grupo que demonstrou se beneficiar com esses tratamentos. Para o restante das pessoas afetadas, incluindo aquelas com sofrimento subclínico, recomendase limitar a atenção aos chamados primeiros socorros psicológicos. Uma das abordagens psicológicas utilizadas nos atendimentos em situações de emergência é a terapia cognitiva comportamental, conhecida por sua atuação breve e focal, estruturada e diretiva. A escolha por essa abordagem se dá pelo fato da TCC se mostrar eficaz no trata mento das respostas emocionais decorrentes de eventos traumáticos. 15 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento No entanto, internacionalmente, outras abordagens terapêuticas são consideradas e utilizadas nesse contexto, tais como: terapia de exposição de longo prazo e Dessen sibilização do Movimento Ocular e Terapia de Reprocessamento (EMDR). Segundo Errazuriz et. al (2019), essas são abordagens que, segundo as evidên cias científicas internacionais, devem ser consideradas tratamentos de primeira linha nesses casos. Cabe ressaltar que algumas intervenções usadas para tratar o trauma ainda não apresentam evidências científicas suficientes em intervenções pós desas tres (por exemplo, terapia psicodinâmica breve). A TCC pós desastre é uma terapia de grupo de curto prazo (1012 sessões), cujo objetivo é identificar e intervir nas crenças não adaptativas relacionados ao desastre. A intervenção inclui quatro componentes: • Psicoeducação; • Retreinamento respiratório; • Ativação comportamental; • Reestruturação cognitiva. Salazar, Caballo e González (2007) propõem um modelo e diretriz para atendimento em situações de crise, baseado na Perspectiva CognitivoComportamental (TCC). Segundo esses autores, a TCC tem como objetivos principais: • Promover a construção de uma relação terapêutica segura, por meio do contato psicológico e da empatia; • Conhecer as dimensões da crise, o evento desencadeador, o impacto pessoal, social e contextual, para o qual seria necessário utilizar todas as estratégias de busca e coleta de informações; • Comunicar apoio ao indivíduo afetado e à comunidade, aumentando, assim, a possibilidade de obter algum nível de controle e previsão sobre o que aconteceu e suas consequências; • Desenvolver ou fortalecer estratégias de enfrentamento que lhes permitam lidar com a situação de tal forma que os resultados possíveis sejam diminuídos, pro movendo a resolução de problemas. Segundo os autores, o psicólogo cognitivocomportamental deve, inicialmente, avaliar a situação real e concreta do indivíduo e da comunidade. Os processos de avaliação diante da crise devem ser imediatos e rápidos, mas não superficiais. É de suma importância que seja realizada uma avaliação global, reunindo infor mações relevantes para que se possa realizar uma intervenção efetiva. Para isso, é necessário considerar alguns aspectos: características do evento que causou a crise, processos envolvidos no funcionamento psicológico do indivíduo e impacto sofrido pela situação que desencadeou a crise no nível das respostas biológicas, emocionais, 16 17 comportamentais e cognitivas, antecedentes individuais (característicasfísicas e de personalidade prémórbidas); Características do contexto físico e social (SALAZAR; CABALLO; GONZÁLEZ, 2007). Para a realização de qualquer intervenção, é indispensável que sejam investigados os fatores desencadeantes e suas consequências, bem como as diversas característi cas físicas e biológicas em que o sujeito está envolvido, desde a exposição à contami nação, barulho, calor excessivo, frio ou esforço físico, jejum, para sofrer algum tipo de lesões ou infecções, etc., sua intensidade, sua duração, escopo e, em geral, o con junto de circunstâncias que definem a situação (CABALLO et al., 1996; CABALLO; SIMÓN, 2000; FREEMAN; DATTILIO, 2000; LAZARUS; FOLKMAN, 1984 apud SALAZAR ; CABALLO; GONZÁLEZ, 2007). Geralmente, as terapias com foco em trauma têm como objetivos permitir e expor sistematicamente o paciente a memórias traumáticas, permitindo, assim, dessen sibilização e habituação à resposta emocional e angustiante. Essa técnica permite que o paciente compreenda que, muitas vezes, suas respostas emocionais inten sas não necessariamente estão associadas ao evento real, ou seja, o risco inicial objetivamente não existe mais (ERRAZURIZ et al., 2019). Outros objetivos dessa terapia focada no trauma é avaliar as memórias traumá ticas e o desenvolvimento de distorções cognitivas e os componentes da resposta (reações físicas e problemas na adaptação, entre outros). Isso ajuda o paciente a modificar a relação entre a resposta afetiva e os pensa mentos que contribuem para sua manutenção e exacerbação. Eliminar sistematica mente os comportamentos de evitação (por exemplo, supressão, uso de substâncias e distrações) que contribuem para o desenvolvimento e a manutenção dos sintomas (ERRAZURIZ et al., 2019). Para atingir adequadamente os objetivos de expor o paciente às memórias do trauma, modificando a resposta afetiva e cognitiva a essas memórias e eliminando os comportamentos de evitação, Errazuriz et al. (2019) sugerem que: • O paciente possa lembrar e pensar nas memórias traumáticas até que elas não criem altos níveis de desconforto. No caso das técnicas de exposição, é muito importante evitar o uso de técnicas de relaxamento, pois estas interrompem a exposição e, portanto, retardam e dificultam a habituação ; • Identificar, desafiar e modificar preconceitos, crenças ou distorções dos pensamentos e memórias da experiência traumática. Técnicas como diálogo socrático e dever de casa podem ser usadas na forma de regis tro de pensamentos automáticos relacionados ao trauma. Os compor tamentos de evitação devem ser examinados (por exemplo, “Não vou trabalhar porque posso tremer de novo”), uma vez que frequentemente estão vinculados a distorções cognitivas e contribuem para a manuten ção do TEPT, para o qual devem ser examinados e desmontados ; • Ajudar a administrar os sentimentos que emergem ao enfrentar expe riências traumáticas, como desamparo, vergonha, raiva, culpa e deses perança, entre outros. Esses sentimentos são esperados no contexto do 17 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento PTSD e é útil para socializar o paciente com os elementos normativos da psicopatologia póstraumática. É importante notar a diferença entre normalizar os sentimentos produzidos pelo PTSD, por um lado, e nor malizar o próprio PTSD, por outro. O terapeuta deve fornecer psicoe ducação adequada e indicar que o PTSD é um transtorno psiquiátrico que requer tratamento. Apesar de os eventos traumáticos prejudicarem vários âmbitos e aspectos da vida dos indivíduos, sejam recursos financeiros, sejam sociais, sejam profissionais, situações de extra dor e sofrimento também podem proporcionar oportunidades de desenvolvimento pessoal, principalmente, quando se referem à ativação de reconstrução e de resistência e estratégias de enfrentamento para futuros desastres (SAMOUEI, et al., 2014). Torlai (2008) aponta dois métodos importantes quando falamos de intervenção psicológica em situação de desastres, o Defusing e o Debrifing psicológicos. Essas estratégias são técnicas de intervenção psicológicas e psiquiátricas, que são acionadas imediatamente após o evento estressor. O Defusing é uma técnica que visa a diminuir a intensidade das reações, colo cando o indivíduo em perspectiva, psicoeducando e promovendo informações sobre o evento, criando rede de apoio social, ampliando o suporte social diminuindo a sensação de isolamento, bem como levantando e avaliando as necessidades reais de prosseguimento em relação ao tratamento. Essa é uma intervenção breve, que se inicia até 24 horas após a ocorrência do evento. Já o Debrifing consiste em uma entrevista mais aprofundada sobre as experiên cias e as vivências das pessoas envolvidas no evento traumático, buscando promover enfrentamento, resiliência, crescimento pessoal, bem como a recuperação do indi víduo. Essa etapa pode ser realizada posteriormente ao evento, sendo uma ação de médio e longo prazo (GUIMARÃES et al., 2007 apud TORLAI, 2008). Outra técnica importante a ser apresentada é a CISD (Critical Incident Stress Debriefing). Essa intervenção alcançou grande difusão em cenários de desastres e emergências. Essa técnica, foi idealizada por Jeffrey Mitchell, em 1983, como parte de sua teoria geral sobre intervenção em crise e desastres naturais (GUIMARÃES et al., 2007): Resumidamente, a técnica CISD consiste em facilitar a expressão dos sentimentos e emoções em grupo, relacionadas à experiência traumática vivida, com o propósito de reordenála cognitivamente, de forma mais adaptativa. (GUIMARÃES et. al, 2007, p. 2) Ela é dividida em 7 etapas: 1. Introdução; 2. Fatos; 18 19 3. Pensamentos; 4. Reações emocionais; 5. Sintomas; 6. Informação; 7. Reentrada, sendo reorganizadas em quatro componentes: a) fase de introdução, onde o profi ssional se apresenta e na qual são ex plicados: os objetivos, metas e benefícios da intervenção; b) fase de narração na qual os participantes relatam os fatos vivenciados e descrevem seus pensamentos e ideias acerca do mesmo; c) fase de reação, na qual se promove a liberação de emoções associa das à experiência vivida; e d) fase pedagógica em que se informam os sintomas comuns do TEPT2, normalizamse as reações, entregase material informativo gráfi co acerca de estratégias de enfrentamento (coping), listamse sintomas etc. Essa técnica precisa ser realizada por profissionais da saúde, treinados adequa damente, atendendo às vítimas, nas primeiras 24 e 72 horas pós o evento. Dessa forma, as intervenções psicológicas em emergências se tornam fundamentais, pois permitem que os indivíduos afetados aumentem sua capacidade de resiliência, adap tação e enfrentamento, frente às situações de perdas (TORLAI, 2008). Intervenção em Crise com Crianças e Adolescentes Não poderíamos deixar de citar, nesta Unidade, mesmo que de forma breve, a intervenção e as manifestações psicológicas em crianças e adolescentes em situações de desastres. Segundo Kar (2019), as crianças e os adolescentes formam uma população vulne rável quando se trata de uma situação de desastre e trauma. As respostas emocionais e comportamentais, muitas vezes, são complexas e subi dentificadas, sendo, portanto, pouco estudadas. No entanto, é importante dizer que as estratégias de enfrentamento e as reações psicológicas dessa população podem ser diferentes das apresentadas pelos adultos. Dessa forma, entendese que as intervenções também não podem ser generalizadas. As manifestações psicológicas mais comuns encontradas nessa população são: estresse agudo, depressão, transtorno do pânico, ansiedade, transtornos específicos da infância e fobias, sendo relatados, também, transtornos psicóticos, dentre eles, a esquizofrenia (KAR; BASTIA, 2006; KAR, 2009) 19 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento No entanto, durante a avaliação inicial envolvendo crianças e adolescentes, é importante considerar que elas, muitasvezes, podem não relatar suas reações psico lógicas ao trauma, por não ter a oportunidade de falar sobre o evento com alguém, muitas vezes por ser considerado imaturo e incapaz de compreender. Nesse caso, os relatos e as experiências das crianças podem ser realizados por pais, professores ou responsáveis, o que muitas vezes pode ser superficial e não fidedigno, sendo, portanto, fundamental perguntar diretamente à criança sobre seus sentimentos e emoções. (AMERICAN ACADEMY OF CHILD AND ADOLESCENT PSYCHIATRY, 1998 apud KAR, 2009). Após a realização da entrevista, a triagem psicológica é fundamental para a ela boração de estratégia de intervenção adequada, sendo necessária a realização dessa etapa o mais rápido possível, para evitar sequelas psicossociais que são conhecidas por se tornarem crônicas (KAR, 2009). Uma fase fundamental é o apoio psicológico, pois essa etapa irá permitir às crian ças darem sentido a seus sentimentos e pensamentos. Para isso, é recomendado sempre seguir o exemplo dado pela criança, evitar son dar e responder apenas ao que a criança tem apresentado espontaneamente, para apoiar a contenção de sentimentos opressores. O apoio psicológico pósdesastre deve ser disponibilizado por longos períodos, com mudança de ênfase para atender as necessidades variáveis dos grupos de alto risco, conectando pacientes com comunidades e serviços e ajudando e auxiliando os pais a falarem sobre o trauma com seus filhos (COVELL et al., 2006; FETTER, 2005 apud KAR, 2009). A terapia cognitivocomportamental em grupo é a intervenção mais indicada nes ses casos. Por ser uma intervenção breve e focal, é indicada para uso em longo prazo. Essa modalidade oferece aos participantes a oportunidade de compartilhar suas experiências, desenvolver uma narrativa e aprender habilidades para lidar com o TEPT e a depressão (KAR, 2009). A eficácia da TCC no alívio dos sintomas de Estresse PósTraumático após desas tre catastrófico foi demonstrada. As principais técnicas utilizadas são: intervenções cognitivas e comportamentais incluindo discussão direta das técnicas de trauma, dessensibilização e relaxamento, reenquadramento cognitivo e reforço de contingência, bem como programas para comportamentos complexos. A terapia em grupo pode ocorrer nas escolas, hospitais e outros ambientes comunitários. Esse tipo de abordagem parece ser a melhor maneira de lidar com o problema de várias crianças afetadas (KAR, 2009). 20 21 Luto Desencadeado por Desastres e Rituais de Luto e sua Função Reconstrutora em Desastres O luto é um processo inevitável quando estamos falando de uma situação de emergência e desastres. A perda, não só associada a morte de parentes, mas a perda pela segurança físi ca, financeira e social pode ser um fator complicador para o luto. Várias são as manifestações desse processo e várias são as etapas para a conso lidação e enfrentamento do luto. Segundo Franco (2012, p. 56), a experiência do luto é única e incomparável, “ninguém permanece o mesmo após viver um luto, e essa transformação é ampla e profunda”. Primeiramente, é necessário trazer aqui alguns conceitos breves sobre morte e luto. Segundo Kovács (1992 p. 149): A morte do outro configurase como a vivência da morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos. Estabelecemos vínculos ao longo de nossas experiências, alguns mais profundos outros mais superficiais, mas a vivência de uma perda, mesmo com vínculos mais frágeis, pode gerar reações diversas e dolorosas. De acordo com Kovács (1992, p. 150): A morte como perda nos fala em primeiro lugar de um vínculo que se rom pe, de forma irreversível, sobretudo quando ocorre perda real e concreta. Nesta representação de morte estão envolvidas duas pessoas: uma que é “perdida” e a outra que lamenta esta falta, um pedaço de si que se foi. O outro é em parte internalizado nas memórias e lembranças, na situação de luto elaborado. A morte como perda evoca sentimentos fortes, pode ser então chamada de “morte sentimento” e é vivida por todos nós. E impos sível encontrar um ser humano que nunca tenha vivido uma perda. Ela é vivenciada conscientemente, por isso é, muitas vezes, mais temida do que a própria morte. Como esta última não pode ser vivida concretamente, a única morte experienciada é a perda, quer concreta, quer simbólica . A representação que temos sobre a morte irá nos direcionar na forma como ire mos vivenciar essa perda. Todos nós temos essas representações que, são pautadas em nossos valores, ideias e experiências. Assim a morte é uma norteadora das relações sociais. Para Kovács 21 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento (1992), é a morte que envolve basicamente a relação entre pessoas que, se acontece de maneira brusca e inesperada, pode gerar desorganização, paralisação e impotência. O processo de luto, por definição, é um conjunto de reações diante de uma perda. É complexo, doloroso e abrange uma série de fatores que interferem na vida pessoal, familiar e social dos enlutados (CIPRIANI, D’AGOSTINI, 2015). Segundo Bowlby (1985 apud KOVÁCS, 1992), as quatro fases do luto compreendem: 1. Fase de choque que tem a duração de algumas horas ou semanas e pode vir acompanhada de manifestações de desespero ou de raiva; 2. Fase de desejo e busca da figura perdida, que pode durar também meses ou anos; 3. Fase de desorganização e desesper. 4. Fase de alguma organização. Já KüblerRoss (2005 apud BASSO; WAINER 2011), apresenta cinco fases do luto. Sendo elas: • Negação e o isolamento: dificuldade em aceitar e encarar a situação. Ocorre em quem é informado abruptamente a respeito da morte. Embora considerado o primeiro estágio, pode aparecer em outros momentos; • Raiva: considerada a reação de externar a revolta e busca por culpados, na tentativa de aliviar a dor; • Barganha: é a busca por acordos e promessas, na tentativa de aliviar ou adiar o medo de enfrentamento da situação; • Depressão: apresenta duas etapas: preparatória e reativa. A depressão reativa ocorre quando surgem outras perdas decorrentes da perda por morte, como a perda de um emprego, papel social etc. Já na depressão preparatória, podese dizer que a pessoa se aproxima do processo de aceitação, no qual há mais reflexão e introspecção; • Aceitação: nesta fase, a pessoa consegue expressar melhor seus sentimentos, e a pessoa que sofreu a perda renova o interesse pelas atividades cotidianas. A maneira como cada indivíduo passará por esse processo é única e subjetiva. A perda de um ente querido ou qualquer perda que consideramos significativa podem levar a misturas de sentimentos e sensações, desde negar tais emoções até a manifestação intensa delas: “Sabese que a expressão de sentimentos nessas oca siões é fundamental para o desenvolvimento do processo de luto. No entanto, as manifestações diante da perda e do luto sofreram alterações no decorrer dos tempos” (KOVÁCS, 1992, p. 150): sabese que muitas doenças psíquicas podem estar rela cionadas a um processo de luto mal elaborado. Quando nos deparamos com a perda e morte, o luto pode ser considerado um pro cesso natural, desde que seja encarado como uma transição existencial, ou seja, que 22 23 esse processo seja reconhecido, que haja alguma reação ou manifestação referente à perda ou à separação, bem como possibilidade de se reajustar a uma nova situação. No entanto, alguns processos de luto podem vir a ter um desfecho não muito saudável, o que consideramos um luto complicado. Segundo Kovács (2008), existem diversas situações que podem dificultar a elabo ração desse processo, como, por exemplo: • Negação e repressão ligadas à perda e à dor; • Distorções na expressão do luto como o adiamento, inibição ou cronificação; • Sobrecarga de luto; • Mudanças sociais: desvalorização dos ritos funerários.Ao viverem perdas significativas, as pessoas sentemse sozinhas, sem saber o que fazer; • Aumento de mortes violentas e traumáticas; • Perdas múltiplas: mais de uma morte ao mesmo tempo; • Perdas invertidas: pais enterrarem filhos; • Mutilamento; • Desaparecimento de corpos; • Cenas de violência; • Tipo de morte; • Suicídios e acidentes são os mais graves, pelos aspectos da violência e culpa que promovem; • Mortes de longa duração com muito sofrimento; • Mortes em situações de emergências e desastres. O processo de luto pode apresentar dois desfechos, o que chamamos de luto nor mal e o luto complicado. No luto normal, a pessoal apresenta uma reação saudável diante um fator estres sante. Nesse caso, a perda de alguém querido. Tal reação, muitas vezes, implica a capacidade de expressar e sentir a dor dessa perda. No luto patológico, a reação pode ser um pouco distinta, com a presença e a manifestação de sintomas físicos e mentais. As pessoas “Encontramse incapazes, pressionados pela sociedade a se controlar, não manifestar suas tristezas e, por consequência, sentemse solitários, frágeis e depressivos” (PARKES, 1998 apud BASSO; WAINER 2011). Dessa forma, muitos não recebem apoio adequado ou suficiente para amenizar o sofrimento, ou não são orientados procurar algum tipo de auxílio (CREPALDI; LISBOA, 2003 apud BASSO; WAINER 2011). A morte em situações de desastres e catástrofes traz em seu contexto inúmeros aspectos complicadores para a elaboração do luto. 23 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento Primeiro, o fato de ser uma morte repentina, segundo o tipo e o motivo de morte, o número de mortes, bem como mudança nos rituais/funerais, sendo esses coletivos, com corpos danificados ou carbonizados e, muitas vezes, sem a presença deles. Um dos transtornos relacionados ao Luto é citado pelo DSM V como Transtornos de Adaptação. Esse Transtorno pode ser diagnosticado após a morte de um ente querido quando a resposta ao luto vem acompanhada de intensidade, qualidade e a persistência não corresponde ao esperado para essa condição: “Um conjunto mais específico de sin tomas relacionados ao luto foi designado como transtorno de luto complexo persis tente. Os transtornos de adaptação estão associados a um risco maior de tentativas e consumação de suicídio” (DSM V, 2014, p. 287). Podem ocorrer sentimentos ambivalentes, tristeza pela perda e raiva pelo aban dono, desejo da morte para alívio do sofrimento, que pode provocar culpa, podendo ser este um fator de risco para o luto complicado (KOVÁCS, 2008). Torlai (2010) ressalta que, para estudar a relação de luto em situações de desas tres, adotou o modelo dual como o mais indicado para explicar tal relação. Segundo a autora, esse modelo tem como princípio que a elaboração do luto é uma adaptação a um modelo operativo interno e que se dá por meio da oscilação entre o enfretamento orientado pela perda e o enfrentamento orientado pela rees truturação, sendo essa oscilação considerada um processo natural de elaboração do luto, pois permite o enfrentamento adaptativo por meio de um processo regulatórios e dinâmico. Como mencionado, os rituais de luto e despedidas e os funerais são aspectos que permitem uma melhor elaboração desse processo. A oportunidade de despedida, o fechamento de ciclo e a certeza da morte são elementos fundamentais que, muitas vezes, em situações de desastres e catástrofes, não é possível. Dessa forma, o luto vivenciado nesse contexto de desastres tem consequências específicas, a partir da sua natureza: “Dentre elas, cabe destacar a dificuldade em localizar, identificar corpos, para que os rituais da cultura sejam realizados e per mitam uma finalização, não do processo do luto, mas da ambiguidade da perda” (PAKES, 2008; BOSS, 2006 apud FRANCO, 2012). Recomendase que o psicólogo que atue em emergências permita espaço para escuta e acolhimento dessa angústia, bem como possibilite a realização de rituais simbólicos e significativos na tentativa de promover a ressignificação da perda. 24 25 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Crises e desastres: a resposta psicológica diante do luto FRANCO, M. H. P. Crises e desastres: a resposta psicológica diante do luto. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 5458, 2012. https://bit.ly/3cufNC0 Diretrizes do IASC sobre saúde mental e apoio psicossocial em emergências humanitárias Inter-Agency Standing Committee (IASC, Comitê Permanente Interagências). Diretrizes do IASC sobre saúde mental e apoio psicossocial em emergências humanitárias. Tradução de Márcio Gagliato. Genebra: IASC, 2007. https://bit.ly/3kMobzW Primeiros Cuidados Psicológicos: guia para trabalhadores de campo Organização Mundial da Saúde. War Trauma Foundation e Visão Global internacional. Primeiros Cuidados Psicológicos: guia para trabalhadores de campo. OMS: Genebra, 2005. https://bit.ly/3kLyMuR Folha informativa – Transtornos mentais https://bit.ly/3kMPWYT 25 UNIDADE Manejo Psicológico e as Alterações Emocionais Pós Evento Referências BASSO, L. A.; WAINER, R. Luto e perdas repentinas: contribuições da Terapia CognitivoComportamental. Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 35 43, jun. 2011. BATISTA, É. R.; CAVALCANTE, A. C. S. Desastres naturais: perdas e reações psi cológicas de vítimas de enchente em TeresinaPI. Psicologia & Sociedade, Minas Gerais, v. 24, n. 3, p. 720728, 2012 CIPRIANI, K. S.; D’AGOSTINI, C. L. F. Quando os filhos dizem adeus: a percepção sobre a morte e o processo de luto dos pais que perderam seus filhos em situação de Tragédia. Pesquisa em Psicologia-anais eletrônicos, Santa Catarina, 2015. DSM V – Manual diagnóstico e estatístico de transtorno5 DSM-5. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento et al.; Porto Alegre: Artmed, 2014. ERRAZURIZ, P. et al. Orientaciones Prácticas para Psicoterapeutas que Atienden a Pacientes con TEPT Después de un Desastre Natural. Psykhe, Santiago, v. 28, n. 1, p. 113, maio 2019. FIGUEROA, R. A.; MARÍN, H.; GONZÁLEZ, M. Apoyo psicológico en desastres: Propuesta de un modelo de atención basado en revisiones sistemáticas y metaanálisis. 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