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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ CURSO: Direito DISCIPLINA: Fundamentos Antropológicos e Sociológicos (ARA0100) PERÍODO: 2022.1 PROFESSOR: Danilo Mariano Pereira UNIDADE I: Fundamentos Sociológicos AULA 4: A sociologia de Émile Durkheim II: a divisão do trabalho social Temas de aprendizagem - “Da divisão do trabalho social”: a função das relações de trabalho segundo Durkheim - A diferença entre função e objetivo - O conceito de solidariedade social: a construção dos laços sociais na visão de Durkheim Situação-problema A obra de Émile Durkheim (1858-1917) é tão tensa e ambivalente quanto a própria história da sociologia. Duramente criticado por sua inspiração positivista e seus posicionamentos conservadores, Durkheim é também aclamado como um dos mais brilhantes pensadores da Modernidade. Ao longo de sua carreira, muito ligada à educação, inspirou-se na biologia para fundar a sociologia, a qual, segundo ele, deveria ser estudada por meio do direito. Ao mesmo tempo em que transitou por todas essas áreas de conhecimento, defendeu reiteradamente a autonomia da sociologia em relação qualquer outra ciência. Entre idas e vindas, Durkheim segue indispensável às ciências sociais na atualidade. - Pergunta-se: Qual é a contribuição de Durkheim para a fundação da sociologia? Quais são seus fundamentos e seus principais conceitos? Como podem ser úteis para pensar a sociedade atual? Referências DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Atividade Verificadora da Aprendizagem Se a função divisão do trabalho é produzir laços sociais, isto é, sentimento de solidariedade e união entre os indivíduos, como explicar os conflitos, a desordem, a violência, a exploração desumana do trabalho, as disputas entre os grupos sociais? Como explicar as situações de desunião social? “Da divisão do trabalho social”: a construção dos laços sociais Durante o século XIX, a chamada divisão do trabalho era um dos temas mais discutidos na filosofia, nas ciências humanas e também nas ciências naturais. Por “divisão do trabalho”, entenda-se a progressiva e intensa especialização das funções e dos saberes técnicos e científicos. Conquanto a divisão do trabalho não date de ontem, foi só no fim do século passado que as sociedades começaram a tomar consciência dessa lei, que, até então, elas suportavam quase sem saber. (...). Hoje, esse fenômeno generalizou-se a tal ponto que salta aos olhos de todos. Não há mais ilusão quanto às tendências de nossa indústria moderna (...). Não só no interior das fábricas, as ocupações são separadas e especializadas ad infinitum, como cada manufatura é, ela mesma, uma especialidade que supõe outras. (...). Embora em semelhante matéria seja necessário evitar a generalização excessiva, parece difícil, porém, contestar hoje em dia que os principais ramos da indústria agrícola são cada vez mais arrastados pelo movimento geral. Enfim, o próprio comércio esforça-se por seguir e refletir, com todas as suas nuances, a infinita diversidade das empresas industriais (...). Os economistas que escrutam suas causas e apreciam seus resultados, longe de condená- la e combatê-la, proclamam sua necessidade. Nela vêem a lei superior das sociedades humanas e a condição do progresso. (Durkheim, 1999, p. 1-2). Não apenas na atividade econômica, mas também nas artes, na filosofia, nas ciências, na medicina, na administração pública e em praticamente todas as atividades humanas, observava-se na época – e observa-se ainda hoje – a crescente divisão do trabalho, isto é, a multiplicação de áreas de especialização cada vez mais específicas. Mas a divisão do trabalho não é específica do mundo econômico: podemos observar sua influência crescente nas regiões mais diferentes da sociedade. As funções políticas, administrativas, judiciárias especializam-se cada vez mais. O mesmo ocorre com as funções artísticas e científicas. Estamos longe do tempo em que a filosofia era a ciência única; ela fragmentou-se numa multidão de disciplinas especiais, cada uma das quais tem seu objeto, seu método, seu espírito. “A cada meio século, os homens que se destacaram nas ciências tornaram-se mais especiais.” (Durkheim, 1999, p. 2). Ao analisar o tema da divisão do trabalho, Durkheim se pergunta pela função social desse fenômeno, o que significa perguntar-se por sua função na sociedade. Antes de responder à pergunta, ele explica a diferença entre função e objetivo (ou finalidade). Função significa suprimento de uma necessidade vital. Quando exercemos uma função, estamos garantindo que alguma necessidade básica esteja sendo suprida. Isso vale tanto para um organismo vivo quanto para uma sociedade (um corpo social). A função da alimentação é prover os nutrientes necessários para o organismo. A função de um gerente em uma empresa é coordenar as ações de um grupo de funcionários. Objetivo (ou finalidade) é o propósito consciente que atribuímos ao que fazemos. Quando atingimos nossos objetivos, estamos satisfazendo um desejo pessoal nosso, que pode não ter qualquer função em nossas vidas, ou seja, pode não representar o suprimento de qualquer necessidade vital. O objetivo de um jantar pode ser o prazer, o cortejo, a conquista de status etc. A palavra função (...) designa um sistema de movimentos vitais [e] exprime a relação de correspondência que existe entre esses movimentos e algumas necessidades do organismo. Assim, fala-se da função de digestão, de respiração, etc.; mas também se diz que a digestão tem por função presidir à incorporação no organismo das substâncias líquidas ou sólidas destinadas a reparar suas perdas; que a respiração tem por função introduzir nos tecidos do animal os gases necessários à manutenção da vida etc. É nessa segunda acepção que entendemos a palavra. Perguntar-se qual é a função da divisão do trabalho é, portanto, procurar a que necessidade ela corresponde. (Durkheim, 1999, p. 13). Nesse sentido, perguntar-se pela função social da divisão do trabalho significa perguntar-se: qual é a necessidade vital da sociedade suprida por esse fenômeno? Por que a sociedade precisa dela? Filósofos e cientistas afirmavam que a função da divisão do trabalho era aumentar nosso estoque de conhecimentos, tornando-os mais especializados e, consequentemente, mais abrangentes e profundos. Economistas respondiam que a função da divisão do trabalho era tornar a atividade econômica mais eficiente, levando ao aumento da produção de riquezas. Para os moralistas, a divisão do trabalho levaria ao progresso e à evolução social. E assim por diante. Para Durkheim, todas essas respostas apontam para possíveis objetivos da divisão do trabalho, mas não para sua função, pois o aumento do estoque de conhecimento ou de riquezas, assim como o próprio progresso ou evolução, não são necessidades vitais da sociedade. Muitas sociedades existem sem essas características e encontram-se perfeitamente saudáveis. A função da divisão do trabalho, segundo Durkheim, é produzir solidariedade social. Esse termo designa os laços sociais que existem entre as pessoas em uma sociedade. A divisão do trabalho serve para exatamente para gerar nas pessoas um sentimento de solidariedade, isto é, um senso de pertencimento, de vínculo, de união em relação aos demais membros da sociedade em que está inserido. Na visão de Durkheim, por meio de nossas diferenças, que derivam dos diferentes trabalhos que realizamos na sociedade, tornamo-nos complementares, codependentes uns dos outros. É isso que nos torna unidos e coesos como grupo. Somos levados, assim, a considerar a divisão do trabalho sob um novo aspecto. Nesse caso, de fato, os serviços econômicos que ela pode prestar são pouca coisa em comparação com o efeito moral que ela produz, e sua verdadeira função é criar entre duasou várias pessoas um sentimento de solidariedade. (Durkheim, 1999, p. 21). Durkheim prossegue com sua tese, explicando que ela se baseia na visão de Auguste Comte. De todos os sociólogos, [Comte] foi o primeiro a assinalar na divisão do trabalho algo mais que um fenômeno puramente econômico. Viu nela “a condição mais essencial da vida social” (...). Se essa hipótese fosse demonstrada, a divisão do trabalho teria um papel muito mais importante do que aquele que de ordinário lhe atribuímos. Ela não serviria apenas a dotar nossas sociedades de um luxo, invejável talvez, mas supérfluo; ela seria uma condição de sua existência. Por ela, ou, pelo menos, sobretudo por ela, é que seria garantida sua coesão; ela é que determinaria as características essenciais da sua constituição. (Durkheim, 1999, p. 29-30). É preciso fazer duas observações sobre essa visão de Durkheim. 1. A divisão do trabalho desempenha essa função em nossa sociedade porque somos uma sociedade moderna, isto é, complexa, heterogênea, com um grande contingente populacional, repleta de indivíduos e grupos muito distintos, cada qual desempenhando tarefas (trabalhos) muito diferentes. Portanto, nas sociedades modernas, a solidariedade social deriva das diferenças entre os indivíduos e os grupos, isto é, da intensa divisão do trabalho. O mesmo não acontece nas sociedades mais simples, isto é, nas sociedades tribais, indígenas, nas pequenas comunidades agrícolas etc. Nessas sociedades, é a semelhança entre os indivíduos, a homogeneidade, a simplicidade que faz com que haja solidariedade. Nesse caso, não há uma divisão do trabalho tão intensa. Ao contrário, todos realizam praticamente as mesmas tarefas. E é exatamente isso que gera solidariedade social entre os indivíduos. A solidariedade social derivada das diferenças, da heterogeneidade, da divisão do trabalho, própria das sociedades complexas, é chamada por Durkheim de solidariedade orgânica. A solidariedade social derivada das semelhanças, da homogeneidade, da realização das mesmas tarefas, própria das sociedades simples, é chamada por Durkheim de solidariedade mecânica. 2. A solidariedade social deve ser estudada por meio do direito, isto é, por meio das normas instituídas em uma sociedade. A solidariedade social, porém, é um fenômeno totalmente moral, que, por si, não se presta à observação exata, nem, sobretudo, à medida. (...) é necessário, portanto, substituir o fato interno que nos escapa por um fato externo que o simbolize e estudar o primeiro através do segundo. Esse símbolo visível é o direito. (...). De fato, a vida social, onde quer que exista de maneira duradoura, tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a se organizar, e o direito nada mais é que essa mesma organização no que ela tem de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não pode se estender num ponto sem que a vida jurídica nele se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Portanto, podemos estar certos de encontrar refletidas no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social. (Durkheim, 1999, p. 31-32).
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