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1 APRENDIZAGEM, AUTISMO E TÉCNICAS 1 Sumário Aprendizagem, Autismo e Técnicas ................................................................ 3 Conceitos importantes para a aquisição da aprendizagem .......................... 5 Autismo ........................................................................................................ 9 Histórico do Conceito de Autismo ........................................................... 11 Características ........................................................................................ 13 Causas ................................................................................................... 16 Tratamento ............................................................................................. 17 O processo da Educação em relação ao autista ........................................ 17 Algumas técnicas com crianças com autismo ............................................ 22 FC *- Comunicação Facilitada ................................................................ 23 O computador ......................................................................................... 24 AIT * - Integração Auditiva ...................................................................... 24 SI* - Integração Sensorial ....................................................................... 25 Movimentos Sherborne - “Relation Play” ................................................ 26 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 28 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 Aprendizagem, Autismo e Técnicas Do ponto de vista do construtivismo, aprendizagem é construção, ação e tomada de consciência da coordenação das ações. O aluno irá construir seu conhecimento através de uma história individual já percorrida, tendo uma estrutura, ou com base em condições prévias de todo o aprender, além de ser exposto ao conteúdo necessário para seu aprendizado. Em relação ao aprendizado específico da leitura e da escrita, este está vinculado a um conjunto de fatores que adota como princípios o domínio da linguagem e a capacidade de simbolização, devendo haver condições internas e externas necessárias ao seu desenvolvimento. Desenvolvimento normal A habilidade de leitura é verificada através da capacidade de decodificação, fluência e compreensão da escrita. O processo normal de leitura ocorre em duas etapas. Inicialmente, é realizada a análise visual, através do processamento vísuo- perceptivo do estímulo gráfico. Em seguida, ocorre o processamento linguístico da leitura, onde, através da via não-lexical, é feita a conversão grafema-fonema e, pela via lexical, é feita a leitura global da palavra com acesso ao significado. A criança tem que descobrir que há letras que não representam o som da fala, visto que a leitura alfabética associa um componente auditivo fonêmico a um componente visual gráfico, o que é denominado de correspondência grafofonêmica. É necessária a conscientização da estrutura fonêmica da linguagem (decomposição das palavras) e das unidades auditivas que são representadas por diferentes grafemas. O processo de aquisição da linguagem escrita, assim como o da linguagem oral, envolve diversas regiões cerebrais, entre elas a área parieto-occipital. Na região occipital, o córtex visual primário é o responsável pelo processamento dos símbolos 4 gráficos, e as áreas do lobo parietal são responsáveis pelas questões vísuo-espaciais da grafia. Essas informações processadas são reconhecidas e decodificadas na área de Wernicke, responsável pela compreensão da linguagem, e a expressão da linguagem escrita necessita da ativação do córtex motor primário e da área de Broca. Para todo este processo ocorrer, é importante que as fibras de associação intra-hemisféricas estejam intactas. Em uma pesquisa, observou-se ativação cerebral de pessoas normais durante a leitura de pseudopalavras nas seguintes regiões: região frontal inferior esquerda; região parietotemporal, envolvendo os giros angular, supramarginal e a porção posterior de giro temporal superior; e regiões occipitotemporais, envolvendo porções mesiais e inferiores do giro temporal e giro occipital. O mesmo estudo foi realizado em disléxicos, sendo constatado um aumento de ativação no giro frontal inferior e pouca ativação em regiões posteriores. Pesquisadores relatam que, em relação aos mecanismos neurológicos das dificuldades de leitura, alterações referentes à assimetria hemisférica geram uma organização atípica do hemisfério direito em crianças e adolescentes com dislexia. Disléxicos apresentam uma desconexão temporo-parieto-occipital e uma desconexão com o córtex frontal esquerdo, assim como anormalidades do córtex têmporo-parietal e do cerebelo em relação a outras regiões do cérebro. Dificuldades de aprendizagem da linguagem escrita na infância Dificuldades de aprendizagem referem-se a alterações no processo de desenvolvimento do aprendizado da leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático, podendo estar associadas a comprometimento da linguagem oral. Ao se estudar alterações no processo de aprendizagem da linguagem oral, frequentemente verifica-se a ocorrência de posteriores dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita. Da mesma forma, ao se investigar os fatores que antecedem as dificuldades de leitura e escrita, surgem questionamentos a respeito das dificuldades 5 de aprendizado da linguagem. Ressalta-se que, entre as alterações de linguagem oral existentes na infância, são as dificuldades fonológicas, e não as articulatórias, que podem ocasionar prejuízos no aprendizado posterior da leitura e da escrita. Conceitos importantes para a aquisição da aprendizagem Com base em análises feitas sobre os comportamentos envolvidos nos processos da leitura e da escrita, é possível verificar a classificação das várias habilidades básicas ou pré-requisitos necessários à alfabetização. É possível definir estes pré-requisitos como certos “conceitos”, que a criança deve adquirir ao longo do seu período pré-escolar, e que facilitam a aprendizagem da leitura e da escrita. A aquisição dessas habilidades não acontece de forma aleatória ou espontânea, é um processo ao qual a criança é submetida e que exige um treinamento programado e específico, de acordo com a fase de desenvolvimento em que se encontra. a) Imagem corporal – Esta habilidade implica no conhecimento adequado do corpo, das funções dos seus órgãos, seus membros, suas 20 sensações, e por fim a impressão que a criança tem de seu corpo, proveniente das experiências desta com o meio ambiente que a rodeia.É através do corpo que a criança interage com o mundo. Dessa maneira, o conceito de imagem corporal é relevante no que tange à aprendizagem, pois uma boa formação deste pré-requisito faz com que a criança torne seu corpo um ponto de referência. Assim, poderá assimilar conceitos indispensáveis à alfabetização, tais como: em cima, embaixo; na frente, atrás; esquerdo, direito; alto, baixo; b) Lateralidade – Segundo o seu conceito é o uso preferencial de um lado do corpo para a realização das atividades, referindo-se aos olhos, mão e pé. Dessa forma, existem pessoas destras que usam a parte direita do corpo para realizar as atividades. E, existem pessoas canhotas, que são aqueles que utilizam da parte esquerda do corpo. Além destas classificações mais conhecidas, também, se podem encontrar indivíduos com lateralidade contrariada, cruzada, indefinida e ambidestros. A lateralidade contrariada refere-se às pessoas, na grande maioria canhotos, que foram obrigadas a mudar a preferência manual devido às exigências sociais e/ou 6 familiares. Já na lateralidade cruzada não ocorreu à pressão ambiental, não existindo homogeneidade na preferência de um dos lados do corpo. Lateralidade indefinida é um termo utilizado para caracterizar crianças que ainda não se decidiram pelo uso preferencial de um lado do corpo – é esperado que a dominância lateral esteja estabelecida por volta dos 4 ou 5 anos de idade. E por último, o termo ambidestria que vêm a ser aplicado às pessoas que se utilizam de ambos os lados do corpo com mesma habilidade e destreza. No que diz respeito ao processo de aprendizagem, verifica-se que as dificuldades que surgem nas crianças com lateralidade contrariada, cruzada e indefinida referem-se: ao tipo de grafia; às dificuldades de orientação espacial quando utilizam a folha de papel; e, às posturas inadequadas para escrever. c) Conhecimento de direita e esquerda - O conceito de direita e esquerda é de suma importância para o processo de alfabetização. Este conceito, ligado ao conceito de imagem corporal e de lateralidade, permite à criança distinguir o lado direito e o lado esquerdo em si, nas outras pessoas e nos objetos. É esperado que por volta dos 6 ou 7 anos, a criança consiga reconhecer em si mesma estas noções. Iniciar aprendizagem da leitura e da escrita sem aquisição destes conceitos pode implicar em confusões na orientação espacial. A criança poderá apresentar dificuldades para diferenciar letras que distinguem quanto à posição espacial, por exemplo: b-d, p-q. Em nossa sociedade, a leitura e a escrita, realizam-se no sentido da esquerda para a direita. A criança que não possui estas noções tende a não respeitar esse sentido, por não precisar corretamente o lado esquerdo e direito. Todavia, essas dificuldades deverão ser motivo de preocupação, caso estejam presentes no momento em que se inicia a alfabetização, pois interferirão de forma negativa na associação entre letras e sons. d) Orientação espacial – Ao se falar em orientação espacial, é necessário fazer a diferenciação entre posição no espaço e relação espaciais. Considerando que a posição espacial é a relação existente entre um objeto e seu observador. A criança que possui uma boa imagem corporal é capaz de perceber a posição que os objetos ocupam, usando como ponto de referência o seu próprio corpo. 7 Desta maneira, ela consegue discriminar as diferentes posições espaciais que os objetos ocupam e, compreender e assimilar os diferentes conceitos relacionados com a posição espacial, tais como: atrás, à frente; esquerdo, direito; em cima, embaixo, etc. Assim, as crianças que iniciam o processo de alfabetização sem possuírem as noções de posição e orientação espacial, acabam por confundir letras que diferem quanto à orientação espacial e têm dificuldades em respeitar a ordem de sucessão das letras nas palavras e das palavras na frase. e) Orientação temporal – Conquanto, a orientação espacial está sempre relacionada às atividades visuais, a orientação temporal relaciona-se à audição. A criança precisa captar e discriminar a duração e a sucessão dos sons, e ainda, dominar determinados conceitos temporais, como exemplo: ontem, hoje, amanhã, dias da semana, meses, anos, horas, etc. A noção destes conceitos vai permitir que a criança se oriente no tempo durante a realização das tarefas. A ausência deste pré-requisito pode causar dificuldades na pronúncia e na escrita de palavras, trocando a ordem das letras ou invertendo-as; dificuldades na retenção de uma série de palavras dentro da sentença e, de uma série de ideias dentro de uma história; má utilização dos tempos verbais; e problemas nas correspondências dos sons com as respectivas letras que o representam. f) Constância de percepção de forma e tamanho – É a capacidade de perceber que um determinado objeto permanece inalterado apesar da posição que ocupa no espaço – se está perto, longe – ou independente do ângulo que é percebido. A constância de tamanho permite à criança perceber o tamanho como constante, mesmo que a imagem desse objeto tenha se tornado menor na retina. A constância de forma é a habilidade que permite o reconhecimento de que as formas são as mesmas, apesar de olhadas por diferentes ângulos. Crianças com dificuldades em perceber a constância de tamanho e de forma poderão apresentar dificuldades no reconhecimento de figuras geométricas, e no 8 reconhecimento de palavras ou letras aprendidas, mas inseridas em contextos diferentes e desconhecidos, ou quando escritas tipos diferentes de grafia – manuscrita, impressa. g) Percepção de figura-fundo - No que se refere à escrita, a criança poderá ter dificuldades em dirigir sua atenção para uma palavra ou grupo de palavras dentro de um texto ou para letras dentro das palavras. Neste caso, as palavras ou letras serão percebidas de forma confusa o que dificultará bastante a compreensão do que é lido ou escrito. Numa realidade mais específica, as crianças poderão ter dificuldades em perceber com exatidão as letras e as palavras impressas numa folha, pois a sua atenção perceptiva pode alterar-se entre as palavras impressas e o branco da folha. h) Habilidades auditivas específicas - Assim como na visão, o sistema auditivo em seu perfeito funcionamento é de suma importância no processo de aprendizagem. É por meio destes dois sistemas (visual e auditivo), que as informações gráficas são recebidas e conduzidas ao cérebro para serem analisadas, comparadas com outras informações e armazenadas na memória. Especificamente no caso da audição, além do bom funcionamento deste sistema, há a necessidade que exista uma estimulação a nível de discriminação de sons, de figura-fundo e memória auditiva, para que o processo de aprendizagem ocorra com facilidade. i) Discriminação de sons - Refere-se à capacidade de se perceber e discriminar auditivamente e, sem duplo sentido, todos os sons existentes na língua falada. As crianças com dificuldades em discriminar auditivamente sons diferentes, não terão possibilidade de reproduzi-los com exatidão na leitura e na escrita, pois será muito difícil associarem um som percebido de forma errada com a grafia correta. j) Memória auditiva - A memória auditiva permite a retenção e a recordação das informações captadas auditivamente. Este acontecimento faz com que a criança seja capaz de fixar e reproduzir, oralmente ou por escrito, as informações recebidas auditivamente e lembrar qual o som correspondente a um símbolo gráfico visualizado. As dificuldades mais frequentes ligadas a esta habilidade são as falhas na retenção de palavras ou séries de palavras percebidas auditivamente, e as falhas em 9 associar os símbolos gráficos discriminados visualmente aos correspondentes sonoros. k) Linguagem oral – A linguagem oral é uma etapa anteriorà linguagem escrita, então a linguagem oral, constitui um pré-requisito que serve de alicerce à aprendizagem gráfica. Entre as modalidades inseridas na linguagem falada podem-se destacar três, sendo a prolação ou pronúncia, que seria a forma correta de pronunciar as palavras ou frases e, deve ser avaliada de acordo com a idade cronológica da criança e de estágio de desenvolvimento, o vocabulário, que seria a capacidade de falar palavras conhecendo seu significado baseado na própria experiência, e por fim a sintaxe oral que vêm a ser a habilidade de formular frases oralmente ou sintaxe oral correta, que implica na perfeita elaboração mental das unidades básicas do pensamento, que são as frases. Autismo O autismo refere-se a um grupo de transtornos caracterizados por uma tríade de prejuízos qualitativos, quanto à interação social, à comunicação e a comportamentos, que poderão variar em menor ou maior agravo para a criança que apresente comportamentos restritivos, repetitivos e estereotipados. É um transtorno com perturbações significativas no desenvolvimento do sujeito e começa a manifestar-se antes dos três anos de idade. Kanner (1943) definiu o autismo como um distúrbio infantil caracterizado por uma inabilidade inata de relacionar- se afetivamente com outras pessoas, apresentando uma minuciosa descrição desse transtorno. O desejo obsessivo de isolamento e de manutenção da uniformidade explicava uma série de comportamentos do autista. Em um estudo Kanner percebeu através dos relatos dos pais das crianças observadas nessa pesquisa, que os filhos ficavam mais satisfeitos quando deixados sozinhos do que quando em companhia de outras pessoas, não interagiam e permaneciam completamente absortos em si 10 mesmos, não tinham desenvolvido uma consciência social e agiam como se estivessem hipnotizados. Eles ignoravam contato físico direto, movimento ou barulho que ameaçasse interromper seu isolamento, ou demonstravam aflição ao sofrerem interferência externa (KANNER, 1943). É importante saber que o campo científico demonstrou um interesse crescente pelo autismo nos anos de 1970 e 1980, já que esse interesse viabilizou o desenvolvimento de pesquisas tanto nos campos neurobiológico e cognitivo quanto psicanalítico. O empenho de encontrar um quadro nosográfico (descritivo) adequado ao autismo e aos espectros correlatos mostrava-se tanto na França quanto em outros países, ensejando grandes debates acerca da natureza e da definição indiscutível de cada um deles. As pesquisas realizadas sobre o autismo até a década de 1970 não conseguiram explicar os sintomas do transtorno, principalmente as dificuldades de relacionamento social. Quanto maior for o aprofundamento de uma pesquisa, mais próximos estamos de constatar uma forma de tratamento específico. O diagnóstico realizado por especialistas é alicerçado em critérios comportamentais, ou seja, distúrbios na interação social, comunicação e padrões restritos de comportamento e interesse. Ainda, para um completo diagnóstico, é necessário que haja desenvolvimento anormal nos três primeiros anos de vida, em pelo menos um dos seguintes aspectos: social, linguagem, comunicação ou brincadeiras simbólicas. Gustavo Teixeira (2016) define o autismo como uma síndrome de início precoce caracterizada por alterações marcantes no desenvolvimento da linguagem e 11 da interação social. Esse autor aponta para o fato de haver a presença de comportamentos estereotipados e repetitivos, rituais, alterações sensoriais e interesses restritos. Ainda que todos os diagnosticados apresentem esses sintomas, o quadro clínico apresenta níveis de severidade muito distintos. Teixeira (2006) salienta que, com relação aos bebês com autismo, esses apresentam grande déficit no comportamento social, tendem a evitar contato visual, mostram-se pouco interessados na voz humana e não assumem a postura antecipatória – como colocar seus braços à frente para serem levantados pelos pais. Quando crianças, não brincam com outras, tampouco demonstram interesse por jogos e atividades em grupo; podem ter tendências como cheirar e lamber objetos ou ainda bater palmas e mover a cabeça e tronco para frente e para trás. Os autistas adolescentes podem adquirir sintomas obsessivos (como ideias de contaminação) e apresentar, também, comportamentos ritualísticos como repetição de perguntas, entre outros. O professor precisa saber que, em relação ao aspecto comportamental, em geral, estudantes com esse diagnóstico apresentam intolerância frente às mudanças de rotina, expressando-se com reações de oposição. A dificuldade em lidar com sentimentos e expressá-los é observada nas mudanças de humor sem causa aparente e acessos de agressividade. Diferentemente da maioria das crianças, que diante de novidades demonstram interesse e necessidade de novos conhecimentos e em explorar o meio, com essas crianças são comuns os comportamentos estereotipados, com interesse limitado diante do novo, repetitivos em ações, gestos e falas (MERCADANTE, 2006). Histórico do Conceito de Autismo Qualquer abordagem sobre o tópico autismo infantil deve referenciar os pioneiros Leo Kanner e Hans Asperger que, separadamente, publicaram os primeiros trabalhos sobre esse transtorno. Kanner, em 1943, descreveu a condição de onze crianças consideradas especiais, com características diferentes de um conceito que estava muito em voga na época, a esquizofrenia infantil. A publicação de Kanner, 12 intitulada Autistic disturbance of affective contact, na revista “Nervous Child” e a tese de doutorado de Asperger em 1944 continham descrições detalhadas de casos de autismo, e também ofereciam os primeiros esforços para explicar teoricamente tal transtorno. Ambos acreditavam que desde o nascimento havia um transtorno básico que originava problemas altamente característicos. Parece uma coincidência notável o fato de que ambos escolheram a palavra ‘autista’ para caracterizar a natureza do transtorno em questão. Na verdade, não é uma coincidência, uma vez que esse termo já tinha sido apresentado pelo eminente psiquiatra Eugen Bleuler em 1911. Originalmente, esse termo se referia a um transtorno básico em esquizofrenia (outro termo lançado por Bleuler), mais especificamente, o estreitamento do relacionamento com as pessoas e com o mundo exterior, um estreitamento tão extremo que parecia excluir tudo, exceto a própria pessoa. Este estreitamento poderia ser descrito como um afastamento da estrutura de vida social para a individualidade. Daí as palavras ‘autista’ e ‘autismo’, originárias da palavra gregaautos, que significa ‘próprio’. Atualmente, elas são aplicadas quase que exclusivamente ao transtorno de desenvolvimento chamado de autismo. Tanto Kanner, trabalhando em Baltimore, quanto Asperger, trabalhando em Viena, notaram casos de crianças diferentes que tinham em comum algumas características fascinantes. Acima de tudo, as crianças pareciam incapazes de desenvolver um relacionamento afetivo normal com as pessoas. Em contraste ao conceito de esquizofrenia de Bleuler, o transtorno autista parecia existir desde o começo da vida do paciente. O artigo de Kanner tornou-se o mais citado em toda a literatura sobre autismo, enquanto que o artigo de Asperger, escrito em alemão e publicado durante a Segunda Guerra Mundial, foi largamente ignorado. Surgiu uma crença de que Asperger havia descrito um tipo diferente de criança, que não devia ser confundido com o descrito por Kanner. A definição de autismo feita por Asperger, ou como ele a chamava, “psicopatologia autista”, é bem mais ampla que a de Kanner. Asperger incluía casos que mostravam um dano orgânico severo e aqueles que transitavam para a normalidade. 13 Atualmente, o termo Síndrome de Asperger tende a ser reservado para as raras criançasautistas apenas ligeiramente afetadas (autismo de alto desempenho), que dão mostras mais claras de inteligência e altamente verbais. Já a síndrome de Kanner é frequentemente usada para indicar a criança com uma constelação de aspectos clássicos ou ‘nucleares’, assemelhando-se, em detalhes surpreendentes, às características que Kanner identificou em sua primeira descrição inspirada. Kanner viria a reconhecer, mais tarde, que o termo autismo não deveria se referir a um afastamento da realidade com predominância do mundo interior, como se dizia acontecer na esquizofrenia. Para Kanner – e esta pode ser considerada uma das melhores definições do conceito – não haveria no autismo um fechamento do indivíduo sobre si mesmo, mas um tipo particular e específico de contato do indivíduo com o mundo exterior. Nos anos 1950 e 1960, o psicólogo Bruno Bettelheim afirmou que a causa do autismo seria a indiferença da mãe, que denominou de “mãe-geladeira'”. Nos anos 1970 essa teoria foi posta por terra e passou-se a pesquisar as causas do autismo. Ainda assim, autores como Rutter, afirmavam que o autista possuía uma incapacidade inata para estabelecer qualquer relação afetiva bem como para responder aos estímulos do meio. Felizmente, essas teorias foram superadas e hoje acredita-se que o autismo esteja ligado a causas genéticas associadas a causas ambientais. Dentre as possíveis causas ambientais, a contaminação por mercúrio tem sido apontada por militantes da causa do autismo como forte candidata, assim como problemas na gestação. Características O autismo é definido como um transtorno invasivo do desenvolvimento, isto é, algo que faz parte da constituição do indivíduo e afeta sua evolução. Manifesta-se antes dos três anos de idade. O autista, em geral, apresenta comprometimentos em três importantes domínios do desenvolvimento humano: a comunicação, a sociabilização e a imaginação. A isto, denomina-se tríade. 14 1. Desvios qualitativos da comunicação São assim chamados pela dificuldade em utilizar com sentido todos os aspectos da comunicação verbal e não verbal. Isto inclui gestos, expressões faciais, linguagem corporal, ritmo e modulação na linguagem verbal. Portanto, dentro da grande variação possível na severidade do autismo, pode- se encontrar uma criança sem linguagem verbal e com dificuldades na comunicação por qualquer outra via – isto inclui ausência de uso de gestos ou um uso muito precário dos mesmos; ausência de expressão facial ou expressão facial incompreensível para os outros e assim por diante – como se pode, igualmente, encontrar crianças que apresentam linguagem verbal, porém esta é repetitiva e não comunicativa. Muitas das crianças que apresentam linguagem verbal repetem simplesmente o que lhes foi dito. Este fenômeno é conhecido com ecolalia imediata. Outras crianças repetem frases ouvidas há horas, ou até mesmo dias antes (ecolalia tardia). É comum que crianças com autismo e inteligência normal repitam frases ouvidas anteriormente e de forma perfeitamente adequada ao contexto, embora, geralmente nestes casos, o tom de voz soe estranho e pedante. 2. Desvios qualitativos na sociabilização São o ponto crucial no autismo e o mais fácil de gerar falsas interpretações. Significam a dificuldade em relacionar-se com os outros, a incapacidade de compartilhar sentimentos, gostos e emoções e a dificuldade na discriminação entre diferentes pessoas. Muitas vezes a criança que tem autismo aparenta ser muito afetiva, por aproximar-se das pessoas abraçando-as e mexendo, por exemplo, em seu cabelo ou mesmo beijando-as quando na verdade ela adota indiscriminadamente esta postura, sem diferenciar pessoas, lugares ou momentos. Segundo Mirenda, Donnellan & Yoder (1983), “os distúrbios na interação social dos autistas podem ser observados desde o início da vida. Com autistas típicos, o contato ‘olho a olho’ já se apresenta anormal antes do final do primeiro ano de vida”. 15 Muitas crianças olham de canto de olho ou muito brevemente. Um grande número de crianças não demonstra postura antecipatória ao serem pegos pelos seus pais, podendo resistir ao toque ou ao abraço. Dificuldades em se moldar ao corpo dos pais, quando no colo, são observadas precocemente. Crianças que, posteriormente, receberam o diagnóstico de autismo, demonstravam falta de iniciativa, de curiosidade ou comportamento exploratório, quando bebês. Frequentemente, os pais de autistas descrevem seus bebês como “felizes quando deixados sozinhos”, “como se estivessem dentro de uma concha”, “sempre em seu próprio mundo”. Os autistas têm um estilo “instrumental” de se relacionar, utilizando-se dos pais para conseguirem o que desejam. Um exemplo de modo instrumental de relacionamento ocorre quando a criança autista pega a mão da mãe e a utiliza para abrir uma porta em vez de abri- la com sua própria mão. 3. Desvios qualitativos na imaginação Caracterizam-se por rigidez e inflexibilidade e se estendem às várias áreas do pensamento, linguagem e comportamento da pessoa. Podem ser exemplificadas por comportamentos obsessivos e ritualísticos, compreensões literais da linguagem, falta de aceitação das mudanças e dificuldades em processos criativos. Esta dificuldade pode ser percebida por uma forma de brincar desprovida de criatividade e pela exploração peculiar de objetos e brinquedos. Usualmente, crianças autistas demonstram sérios problemas na compreensão e utilização da mímica, gestualidade e fala. Desde o início, os jogos de “faz-de-conta” e imitação social, amplamente observados nas crianças com desenvolvimento normal, são falhos ou inexistentes. Uma criança que tem autismo pode passar horas a fio explorando a textura de um brinquedo, e costumam ser fascinadas por objetos ou elementos inusitados para uma criança, como zíperes ou cabelos. Em crianças que têm autismo e têm inteligência preservada, pode-se perceber a fixação em determinados assuntos, na maioria dos 16 casos incomuns em crianças da mesma idade, como calendários ou animais pré- históricos, o que é confundido às vezes com nível de inteligência superior. As mudanças de rotina, como de casa, dos móveis, ou até mesmo de percurso, costumam perturbar bastante algumas dessas crianças. Apesar dessa resistência, os autistas mantêm rotinas e rituais próprios. É comum insistirem em determinados movimentos, como abanar as mãos e rodopiar (movimentos estereotipados). Algumas preferem brincadeiras de ordenamento, alinhando objetos, por exemplo. Podem apresentar preocupação exagerada com temas restritos, como horários fixos de determinadas atividades ou compromissos, sendo que se cogita que os movimentos estereotipados estejam muito ligados a esta última característica, pois costumam ocorrer em horários fixos do dia. Causas A medicina aponta como causas do autismo um conjunto razoavelmente bem demarcado de possibilidades. São elas: – Fenilcetonúria não tratada; – Viroses durante a gestação, principalmente durante os três primeiros meses; – Toxoplasmose; – Rubéola; – Anoxia e traumatismos no parto; – Patrimônio genético. Certamente, para a maioria das crianças autistas sem uma disfunção correlata, as causas ligadas a fatores genéticos são as mais prováveis. Estudos com gêmeos sugerem que a hereditariedade está intimamente ligada ao transtorno e que a origem esteja em uma combinação de genes, e não em um único gene isolado. Nos casos de autismo associado a retardo mental profundo e severo, as causas podem estar mais ligadas a danos cerebrais do que a fatores genéticos. Não há evidências de que problemas psicossociais ou eventos traumáticos na infância influenciem o surgimento do transtorno. Há duas teorias psicológicas acerca do surgimento. 17 A primeira sugere que o problema original está na incapacidadedo autista perceber que há diferenças entre seu estado mental e o dos outros. A outra hipótese diz respeito à função executiva do indivíduo, que geraria dificuldades de planejamento e organização. Tratamento O tratamento mais adequado para crianças autistas inclui escolas especializadas e apoio dos pais. Elas geralmente se desenvolvem melhor em instituições educacionais bem estruturadas, em que professores têm experiência com autismo. Programas comportamentais podem reduzir a irritabilidade, os acessos de agressividade, os medos e os rituais, assim como promover um desenvolvimento mais apropriado. Medicamentos que agem sobre o psiquismo não controlam os principais sintomas do autismo, mas podem atenuar os sintomas associados. Estimulantes são capazes de reduzir a hiperatividade, mas geralmente aumentam de forma intolerável os atos repetitivos. Doses baixas de neurolépticos costumam reduzir a agitação e as repetições e em dosagens mais altas podem reduzir a hiperatividade, a retração e a instabilidade emocional. No entanto, é preciso verificar se o benefício é superior aos problemas causados pelos efeitos colaterais dessas drogas. O processo da Educação em relação ao autista A educação do autista é dificultada pela dificuldade de sociabilização, que faz com que o autista tenha uma consciência pobre da outra pessoa e é responsável, em muitos casos, pela falta ou diminuição da capacidade de imitar, que uns dos pré- requisitos cruciais para o aprendizado, e também pela dificuldade de se colocar no lugar de outro e de compreender os fatos a partir da perspectiva do outro. Pesquisas mostraram que mesmo nos primeiros dias 18 de vida um bebê típico prefere olhar para rostos do que para objetos. Através das informações obtidas pela observação do rosto dos pais, o bebê aprende e encontra motivação para aprender. Já o bebê com autismo dirige sua atenção indistintamente para pessoas e para objetos, e sua falha em perceber pessoas faz com que perca oportunidades de aprendizado, refletindo em um atraso do desenvolvimento. Os pais e os profissionais estão bem cientes das dificuldades que as crianças com autismo têm em muitos ambientes educacionais. Em resposta têm desenvolvido programas alternativos e estratégias de intervenção. Embora alguns destes sejam úteis, a maioria enfatiza a correção das dificuldades comportamentais para melhorar o rendimento educacional. Entretanto, um outro aspecto do problema tem recebido menos atenção: as necessidades específicas de aprendizagem desta população especial. As necessidades envolvidas incluem dificuldades organizacionais, distração, problemas em sequenciar, falta de habilidade em generalizar, e padrões irregulares de pontos fortes e pontos fracos. Embora nenhum destes se aplique à população inteira dos alunos com autismo, estes problemas de aprendizagem são vistos em um grau significativo em uma porcentagem grande destes alunos. A organização é difícil para alunos com autismo. Requer uma compreensão do se quer fazer e um plano para a execução. Estas exigências são suficientemente complexas, inter- relacionadas e abstratas para apresentar obstáculos incríveis para alunos com autismo. Quando fica cara a cara com demandas organizacionais complexas, eles ficam frequentemente imobilizados e muitas vezes nunca não são capazes de executar as tarefas pedidas. O desenvolvimento de hábitos sistemáticos e rotinas de trabalho tem sido uma estratégia eficaz para minimizar estas dificuldades organizacionais. Os alunos com rotinas de trabalho estabelecidas da esquerda para a direita, de cima para baixo, não param de trabalhar para planejar onde começar e como prosseguir. As dificuldades organizacionais são minimizadas também com as listas de verificação, programações e instruções visuais mostrando concretamente aos alunos autistas o que foi completado, o que precisa ser terminado e como prosseguir. A distração é outro problema comum dos alunos com autismo. Ela toma diversas formas 19 na sala de aula: reagindo aos ruídos externos de carro, acompanhando visualmente os movimentos na sala de aula, ou “estudando” o lápis do professor na mesa ao invés de terminar o trabalho pedido. Embora a maioria de alunos autistas seja distraída por alguma coisa específica, as distrações divergem consideravelmente de uma criança para outra. A identificação do que distrai cada aluno é o primeiro passo para ajudá-los. Para alguns podem ser estímulos visuais, enquanto para outros podem ser auditivos. As distrações podem estar respondendo a ruídos externos ou a movimentos visuais como também podem não se concentrar em aspectos centrais de tarefas pedidas. As avaliações cuidadosas das distrações individuais são cruciais. Depois destas avaliações as modificações ambientais podem ser feitas: podem envolver a disposição física da área de trabalho do aluno, a apresentação de tarefas relacionadas ao trabalho, ou muitas outras possibilidades. A sequenciação é outra área de dificuldade. Estes alunos frequentemente não podem se lembram da ordem precisa das tarefas, porque se atém de forma concreta a detalhes específicos e nem sempre veem relação entre elas. Porque as sequências implicam nestas relações, são frequentemente desconsideradas. As rotinas consistentes de trabalho e as instruções visuais compensam essas dificuldades. As instruções visuais podem destacar sequências de eventos e fazer com que os alunos autistas se lembrem da ordem adequada a seguir. A figura visual permanece atual e concreta, ajudando o aluno seguir a sequência desejada. O estabelecimento de hábitos sistemáticos de trabalho é também útil; um aluno que trabalhe sempre da esquerda para a direita pode ter o trabalho apresentado na sequência correta. As dificuldades com generalização são bem conhecidas no autismo e têm implicações importantes para práticas educacionais. Os alunos com autismo frequentemente não podem aplicar o que aprenderam em uma situação específica a ambientes/contextos semelhantes. A generalização adequada requer uma compreensão dos princípios fundamentais nas sequências aprendidas e nas maneiras sutis pelas quais elas são aplicáveis a outras situações. 20 Atendo-se a detalhes específicos, os alunos com autismo frequentemente perdem esses princípios centrais e suas aplicações. A colaboração entre os pais e profissionais e a instrução de base comunitária são maneiras importantes para melhorar a generalização nos alunos com autismo. Quanto maior for o empenho pela coordenação entre a casa e a escola, maior a probabilidade dos alunos aplicarem o que aprenderam a situações/contextos/ambientes diferentes. O uso de abordagens semelhantes e a ênfase em habilidades semelhantes são as maneiras pelas quais os pais e os profissionais podem colaborar para melhorar as habilidades da generalização das habilidades de seus alunos. Um ensino de base comunitária é também importante para melhorar as habilidades de generalização. Porque o objetivo final é um treinamento bem sucedido de base comunitária, as atividades devem estar disponíveis em todos os programas educacionais. Isto deveria incluir passeios regulares ao campo real de atuação com uma frequência crescente à medida que os alunos ficam mais velhos, oferecer oportunidades de trabalhos na comunidade em contextos “reais”, e atividades de lazer na comunidade. Dentre os modelos educacionais para o autista, um dos mais importantes é o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children, em português, Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação), desenvolvido pela Universidade da Carolina do Norte e que tem como postulados básicos de sua filosofia: propiciar o desenvolvimento adequado e compatível com as potencialidades e a faixa etária dopaciente; funcionalidade (aquisição de habilidades que tenham função prática); independência (desenvolvimento de capacidades que permitam maior autonomia possível); integração de prioridades entre família e programa, ou seja, objetivos a serem alcançados devem ser únicos e a estratégias adotadas devem ser uniformes. Dentro desse modelo, é estabelecido um plano terapêutico individual, onde é definida uma programação diária para a criança autista. 21 O aprendizado parte de objetos concretos e passa gradativamente para modelos representacionais e simbólicos, de acordo com as possibilidades do paciente. A escola oferece um ambiente propício para a avaliação emocional das crianças e adolescentes por ser um espaço social relativamente fechado, intermediário entre a família e a sociedade. É na escola onde a performance dos alunos pode ser avaliada e onde eles podem ser comparados estatisticamente com seus pares, com seu grupo etário e social. Dentro da sala de aula há situações psíquicas significativas, nas quais os professores podem atuar tanto beneficamente quanto, consciente ou inconscientemente, agravando condições emocionais problemáticas dos alunos. Por exemplo, as crianças autistas não compreendem como se estabelecem as relações de amizade. Algumas não têm amigos, enquanto outras pensam que todos em sua sala de aula são seus amigos. Os alunos podem trazer consigo um conjunto de situações emocionais intrínsecas ou extrínsecas, ou seja, podem trazer para escola alguns problemas de sua própria constituição emocional (ou personalidade) e, extrinsecamente, podem apresentar as consequências emocionais de suas vivências sociais e familiares. Os perfis irregulares das habilidades e dos déficits são características bem documentadas nos alunos com autismo. Também estão entre os mais difíceis para se desenvolver programas específicos. Um aluno autista pode ter a habilidade extraordinária de estabelecer relações espaciais ou de entender conceitos numéricos, mas ser incapaz de usar estes pontos fortes por causa das limitações organizacionais e de comunicação. São necessários professores com habilidade e com experiência, em ensinar na presença destes pontos fortes e fracos tão singulares. 22 Ensinar alunos com esta ampla gama de habilidades requer avaliações completas de todos os aspectos de seu funcionamento. Isto não pode se restringir às habilidades acadêmicas, mas deve também incluir os estilos de aprendizagem, distratibilidade, funcionamento em situações de grupo, em habilidades independentes, e em tudo mais que possa ter impacto sobre a situação de aprendizagem. Os estilos de aprendizagem são especialmente importantes para o processo da avaliação porque são essenciais para liberar o potencial de aprendizagem. Um professor hábil pode abrir a porta para várias oportunidades. Os adultos com o autismo que trabalham em bibliotecas, com computadores, em restaurantes, e muitos outros ambientes; são evidências de que, se tiverem instrução adequada, podem se tornar adultos produtivos. Porém, um número excessivo de programas de educação não reconhece os pontos fortes e déficits singulares deste grupo enigmático de aprendizes. A principal possibilidade para uma melhoria constante é uma maior consideração das suas singularidades e mais treinamento para profissionais para ajudá-los a entender seus estilos de aprendizagem. Algumas técnicas com crianças com autismo Citaremos algumas das técnicas mais conhecidas que têm sido aplicadas em crianças com autismo. Algumas foram especialmente desenvolvidas para elas, outras foram desenvolvidas inicialmente para tratar outras patologias. Todas elas já vêm sendo aplicadas há algum tempo, a maioria há mais de dez anos, e todas se iniciaram como grandes promessas para pais mais apressados. O tempo mostrou que elas não são milagrosas. Contudo, algumas delas, se aplicadas conscientemente, da forma como foram concebidas ou com adaptações a estilos e culturas, podem ser um excelente complemento ao tratamento educacional. Várias instituições em todo o mundo vêm combinando uma série de técnicas como complemento ao trabalho educacional de base, e vêm colhendo cada vez mais resultados na reabilitação de crianças com autismo - principalmente as que começaram cedo o tratamento -, 23 através do empenho na formação de seus técnicos, no envolvimento dos pais e na construção de uma atitude de trabalho positiva. A seguir, descrevemos resumidamente algumas delas. FC *- Comunicação Facilitada Comunicação Facilitada foi um meio facilitador da comunicação desenvolvido em Melbourne, Austrália, inicialmente para pessoas portadoras de paralisia cerebral, e mais tarde adotado também para pessoas com autismo. Podemos resumi-la ao uso de um teclado de máquina de escrever ou computador, no qual uma pessoa que tem autismo transmite seus pensamentos com a ajuda do facilitador, que lhe oferece o necessário suporte físico. Inicialmente, era a realização do sonho de muitos pais e profissionais, que acreditavam que crianças com autismo pensavam muito mais do que conseguiam transmitir por meios convencionais, e, com este novo recurso, passariam a manifestar o real conteúdo de seus pensamentos. Mais tarde começou-se a questionar seriamente se a opinião emitida era a do assistido ou a do facilitador, principalmente pela constância de graves denúncias feitas por pessoas com autismo através deste meio, cuja veracidade, na grande maioria dos casos, era de impossível constatação. Em 1995, o maior jornal da Associação Americana de Psicologia, The American Psychologist, na página 750 do número 50, publicou um artigo de John Jacobson de título História da Comunicação Facilitada: Ciência, Pseudociência e Anticiência. Neste artigo, Jacobson menciona pesquisas sérias e conclusivas que provaram que não só as pessoas que têm autismo não têm capacidade para expressar tudo aquilo que se supunha que expressavam através da FC, como também os facilitadores, ainda que inconscientemente, influenciavam o conteúdo da mensagem comunicada. 24 O computador O uso do computador como apoio a crianças portadoras de autismo é relativamente recente em comparação às outras intervenções citadas. Existem poucas informações disponíveis, mesmo na internet, sobre a utilização do computador como apoio ao desenvolvimento destas crianças. Algumas crianças ignoram o computador, enquanto outras se fixam em determinadas imagens ou sons, sendo muitas vezes difícil decifrar o que tanto as atrai. A AMA de São Paulo desenvolveu uma técnica que teve resultados muito interessantes. Consiste na utilização do computador como apoio ao aprendizado da escrita em crianças que já haviam adquirido a leitura e, por dificuldades na coordenação motora fina ou por desinteresse, não conseguiam adquirir a escrita através dos métodos tradicionais de ensino. O programa utilizado não era nenhum programa especialmente desenvolvido para isto, mas sim um programa de desenho comum, como o “Paint Brush”, ou “Paint”. A sistemática, muito simples, apresentou resultados positivos comprovados em pelo menos três crianças que apresentavam uma resistência muito grande ao aprendizado da escrita, e com as quais haviam sido tentadas diversas técnicas de ensino, sem sucesso durante pelo menos um ano. Inicia-se com traços simples e sessões muito curtas, com apoio sempre que necessário. O trabalho vai evoluindo em tempo e complexidade à medida em que a criança vai conseguindo movimentar o mouse da forma esperada e sem apoio. Depois de algum tempo é introduzido o quadro negro, e depois o lápis e papel. É muito importante limitar o espaço disponível para desenho ou escrita. No início esse espaço é maior, e vai diminuindo à medida em que a criança vai desenvolvendo a habilidade. AIT * - IntegraçãoAuditiva 25 A Integração Auditiva foi desenvolvida inicialmente nos anos sessenta pelo otorrinolaringologista francês Guy Berard. A ideias inicial é que algumas das características do autismo seriam resultado de uma disfunção sensorial e poderiam envolver uma sensibilidade anormal a determinadas frequências de som. Na AIT a criança ou adulto ouve música através de fones de ouvido, com algumas frequências de som eliminadas através de filtros, durante dois períodos de meia hora por noite, durante dez dias. Segundo Berard este tratamento ajudaria a pessoa a adaptar-se a sons intensos. Há muitos depoimentos de sucesso da AIT prestado por pais, mas um número ainda maior de pais diz não ter obtido nada deste tratamento. Um dos problemas para se avaliar o quanto a AIT pode ajudar uma criança com autismo é que raramente essa técnica é a única interferência a que a criança é exposta. Em geral, ela é aplicada acompanhada de outros tratamentos ou terapias, o que tem dificultado um estudo mais apurado sobre AIT, fazendo-se considerar a necessidade de estudos mais aprofundados. Atualmente, existem algumas linhas de pesquisa sendo desenvolvidas nesta área. Alguns autores acreditam na eficácia da AIT, embora outros não a considerem melhor que a aplicação de um programa estruturado de músicas não alteradas, abrangendo uma grande escala e variedade de frequências. SI* - Integração Sensorial A Integração Sensorial pode ser considerada como uma intervenção semelhante à Integração Auditiva, mas com atuação em outra área. Nos Estados Unidos é muito aplicada por terapeutas ocupacionais e por fonoaudiólogos, embora outros terapeutas também a apliquem. 26 Muito resumidamente, é uma técnica que visa integrar as informações que chegam ao corpo da criança, através de brincadeiras que envolvem movimentos, equilíbrio e sensações táteis - são utilizados toques, massagens, vibradores e alguns equipamentos como balanços, gangorras, trampolins, escorregadores, túneis, cadeiras que giram, bolas terapêuticas grandes, brinquedos, argila e outros. O terapeuta trabalha no sentido de ensinar à criança, através de brincadeiras, a compreender e organizar as sensações. Movimentos Sherborne - “Relation Play” Este é um método que vem sendo aplicado em alguns países, principalmente na Europa, tanto por fisioterapeutas como por professores de educação física. Este método foi idealizado por Veronica Sherborne, uma professora de educação física nascida na Inglaterra que acreditava que esta técnica poderia beneficiar qualquer tipo de criança, inclusive crianças com problemas de desenvolvimento. Verônica Sherborne tomou como base o trabalho do dançarino e coreógrafo húngaro Rudolf Laban, que acreditava que a utilização do movimento é uma ferramenta para todas as atividades humanas e que é através do movimento que o ser humano relaciona o seu eu interno com o mundo que o cerca. 27 O método visa desenvolver o autoconhecimento da criança através da consciência de seu corpo e do espaço que a cerca, pelo ensino do movimento consciente. Nem todas as crianças alcançam estes objetivos, mas podemos dizer, como fruto de nossa própria experiência, que a utilização desta técnica possibilita uma interação muito agradável entre os pais e familiares com as crianças que têm autismo, o que nem sempre é muito fácil de se conseguir, e faz desta técnica um valioso recurso. 28 REFERÊNCIAS AMA, Associação de Amigos do Autista, Internet Ballone, G. J. Autismo Infantil, in. PsiqWeb Goodman, R., Scott, S. Child Psychiatry. Blacwell Science, 1997 Catherine Maurice, Behavioral Intervention for Young Children with Autism: A Manual for Parents and Professionals (Austin, Texas: PRO-ED, 1996) HENRIQUES, S. Autismo, in Neurociências.Home, Lebovici, S., Kestemberg, E. A Evolução da Psicose Infantil. Porto Alegre. Artes Médicas, 1995. José Salomão Schwartzman, Autismo Infantil (Brasilia: CORDE, 1994. KANNER, L. Autistic disturbances of affective contact. The Nervous Child, New York, v. 2, p. 217-250, 1943. 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