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Indaial – 2020 Mediação de Leitura Prof. João Olinto Trindade Junior Prof.ª Rosangela Silveira Garcia 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. João Olinto Trindade Junior Prof.ª Rosangela Silveira Garcia Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: J95m Junior, João Olinto Trindade Mediação de leitura. / João Olinto Trindade Junior; Rosangela Silveira Garcia. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 280 p.; il. ISBN 978-65-5663-083-0 1. Leitura. - Brasil. 2. Mediação. – Brasil. I. Garcia, Rosangela Silveira. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 370 apresentação A leitura é um ato de abrir uma janela de si para o mundo e do mundo para si. É espaço do qual o conhecimento emerge e onde a reflexão e a imaginação encontram pouso. A leitura abre possibilidades múltiplas. Para refletirmos sobre a correlação entre leitura e mediação, no contexto de ensino, devemos compreender como tais concepções se correlacionam, e as intersecções entre linguagem, práticas sociais, leitura e práticas de mediação. No desenvolvimento de práticas de mediação de leitura o educador deve perceber-se no papel de mediador, não somente da leitura, mas da aprendizagem do aluno. Visando refletir sobre a construção deste papel, ao longo de seus estudos você desenvolverá as competências necessárias ao estabelecimento do ensino de práticas mediadoras em sua prática pedagógica. Neste percurso discutiremos os efeitos das políticas educacionais nas práticas de ensino da leitura, refletiremos sobre a leitura e sua integração em práticas interdisciplinares, sobre o desenvolvimento da mediação da leitura em espaços escolares e não escolares; assim como a composição do texto e da leitura em contextos digitais. Prontos para o desafio? Prof. João Olinto Trindade Junior Prof.ª Rosangela Silveira Garcia Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE suMário UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA ................................................ 1 TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA ............................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 A LEITURA CONSTITUÍDA HISTÓRICO-SOCIALMENTE .................................................. 3 2.1 A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL .................................................................................. 11 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 11 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 24 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 25 TÓPICO 2 - LEITURA E MEDIAÇÃO .............................................................................................. 27 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 27 2 CONCEPÇÕES DE LEITURA E MEDIAÇÃO ............................................................................. 27 2.1 A LEITURA E A LINGUAGEM: PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO ............................................ 36 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 45 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 49 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 50 TÓPICO 3 - A LEITURA E O LEITOR .............................................................................................. 53 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 53 2 LEITURA & LEITOR: O QUE LER? PARA QUE LER?............................................................... 54 2.1 A MEDIAÇÃO LITERÁRIA NA FORMAÇÃO DO LEITOR ................................................. 63 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 72 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 73 TÓPICO 4 - RELAÇÃO DA LEITURA COM A ORALIDADE E COM A ESCRITA .............. 75 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 75 2 CULTURA ORAL E LEITURA ........................................................................................................ 76 2.1 CULTURA ORAL E ESCRITA .................................................................................................... 78 2.2 CULTURA ORAL E ESCRITA ................................................................................................... 84 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 91 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 92 UNIDADE 2 - LEITURA: POLÍTICAS E PRÁTICAS .................................................................... 93 TÓPICO 1 - A LEITURA NO CONTEXTO BRASILEIRO: DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS ..............................................................................................................................................95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 95 2 PRÁTICAS DE LEITURA ................................................................................................................. 95 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO ..................................................................................... 100 4 MOVIMENTOS DE INCENTIVO À LEITURA ........................................................................ 105 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 113 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 114 TÓPICO 2 - A LEITURA NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR ............................... 115 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 115 2 A LEITURA E SUA INTEGRAÇÃO EM PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES ................ 115 2.1 LEITOR INFORMACIONAL .................................................................................................... 124 2.2 LEITOR ESTUDIOSO ................................................................................................................. 124 2.3 LEITOR DILETANTE ................................................................................................................. 125 3 A MEDIAÇÃO DA LEITURA EM ESPAÇOS ESCOLARES ................................................... 126 3.1 A NATUREZA DA LEITURA EM AMBIENTES ESCOLARES ........................................... 130 3.2 PLANEJAMENTO DIDÁTICO-LITERÁRIO .......................................................................... 133 3.3 O GOSTO PELA LEITURA ....................................................................................................... 135 4 A MEDIAÇÃO DA LEITURA EM ESPAÇOS NÃO ESCOLARES ........................................ 140 4.1 LINGUAGEM E TRAPAÇA ...................................................................................................... 144 4.2 A FUNÇÃO DO ESCRITOR ...................................................................................................... 145 4.3 A PROEMINÊNCIA DO SIGNO LITERÁRIO ....................................................................... 146 4.4 A LITERARIEDADE ................................................................................................................... 149 4.5 A PLURISSIGNIFICAÇÃO LITERÁRIA ................................................................................. 151 5 LEITURA: COMO AVALIAR? HABILIDADES E COMPETÊNCIAS LEITORAS ............. 153 5.1 APROPRIANDO-SE DO TEXTO .............................................................................................. 154 5.2 LITERATURA E NICHO ........................................................................................................... 155 5.3 CAMINHOS DA LEITURA COMPETENTE .......................................................................... 156 5.4 A LEITURA REINVENTADA ................................................................................................... 162 5.4.1 Fichamento ......................................................................................................................... 164 5.4.2 Ficha de citações ................................................................................................................. 164 5.4.3 Resumo ................................................................................................................................ 165 5.4.4 Comentário ......................................................................................................................... 166 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 168 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 171 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 172 UNIDADE 3 - RECURSOS DIDÁTICO-TECNOLÓGICOS A SERVIÇO DA LEITURA .... 173 TÓPICO 1 - LEITURA NO CONTEXTO DIGITAL: PROCESSOS E ESTRATÉGIAS ......... 175 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 175 2 PROCESSOS DE MEDIAÇÃO DE LEITURA NO CONTEXTO DIGITAL ....................... 175 3 O PAPEL DO PROFESSOR FORMADOR DO ALUNO LEITOR E O DESENVOLVIMENTO DE ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO DA LEITURA ..................... 185 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 194 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 195 TÓPICO 2 - TECNOLOGIAS DIGITAIS E O LETRAMENTO LITERÁRIO ......................... 197 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 197 2 LETRAMENTO LITERÁRIO......................................................................................................... 197 3 A LEITURA E O TEXTO, LEITURA E NOVAS TECNOLOGIAS ........................................ 205 3.1 UM OLHAR AO TEXTO LITERÁRIO EM INTERFACES DIGITAIS ................................. 210 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 215 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 216 TÓPICO 3 - COMPOSIÇÕES DO TEXTO NO CIBERESPAÇO E OS PROCESSOS DE LEITURA DESENVOLVIDOS ......................................................................................................... 217 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 217 2 LENDO O HIPERTEXTO ............................................................................................................... 217 3 TEXTO SINCRÉTICO E MULTIMODALIDADE .................................................................... 222 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 228 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 230 TÓPICO 4 - RECURSOS EDUCACIONAIS DIGITAIS PARA ENSINO DA LEITURA ..... 233 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 233 2 RECURSOS EDUCACIONAIS DIGITAIS: TIPOS, CLASSIFICAÇÕES, USOS ............... 233 3 RECURSOS EDUCACIONAIS DIGITAIS EXEMPLOS DE PRÁTICAS DE LEITURA ... 240 RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 251 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 252 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 255 1 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar um panorama amplo dos conceitos de mediação e leitura; • desenvolver a capacidade de reconhecimento da leitura como prática so- cial; • possibilitar a compreensão da correlação entre leitura, oralidade e escrita; • identificar os efeitos da mediação literáriana formação do leitor. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA TÓPICO 2 – LEITURA E MEDIAÇÃO TÓPICO 3 – A LEITURA E O LEITOR TÓPICO 4 – RELAÇÕES DA LEITURA COM A ORALIDADE E COM A ESCRITA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 - UNIDADE 1 A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 1 INTRODUÇÃO Da leitura do conhecimento histórico no desenrolar dos papiros da antiguidade à leitura do hipertexto que se manifesta nas telas digitais muita coisa mudou. O livro assumiu os mais diferentes formatos e o processo de autoria se ressignificou na criação de blogs e postagens em sites de redes sociais. Desta forma, para refletirmos sobre as práticas de leitura devemos compreendê-la nos diferentes contextos e momentos históricos em que ela se fez presente; assim como seu entrelaçamento às práticas sociais. Nesse contexto, este tópico tem como meta apresentar um panorama da evolução histórica da leitura, sua inserção na prática social e como tal dinâmica se entrelaça com os atos de leitura do sujeito. 2 A LEITURA CONSTITUÍDA HISTÓRICO-SOCIALMENTE Você já pensou sobre a relação que estabelecemos com a leitura ao longo de nossa vida? Já refletiu de que forma a leitura faz parte do cotidiano? E como a leitura, historicamente, se formou? Todos esses questionamentos são válidos e comporão parte de nossos estudos. De fato, é “ponto aceito sem contestação que a leitura do texto escrito constitui uma das conquistas da humanidade. Pela leitura, o ser humano não só absorve o conhecimento, como pode transformá-lo em um processo de aperfeiçoamento contínuo” (CALDIN, 2003, p. 52). Se formos analisar, de forma mais abrangente e profunda, o papel da leitura em nossa vida ultrapassa práticas escolares de ensino. Devemos ter a ciência de que nossa relação com a leitura não se estabelece no contexto escolar, ela precede nossa história — a própria história da humanidade — a qual está entrelaçada de forma intrínseca. A leitura faz parte de nossas vivências, atravessa nossas relações com o mundo por meio dos sentidos que produz; sendo nosso meio de comunicação com o mundo, de apreendê-lo em todas as suas facetas. UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 4 Além disso, a leitura pode ser compreendida sob diferentes enfoques, entre eles: como fator de desenvolvimento cognitivo; como acesso ao conhecimento historicamente produzido pelo pensamento humano; como modo de socialização da informação; como manifestação da história social; como manifestação discursiva; como modo de interação entre o sujeito-autor e o sujeito-leitor; como fator de expressão de cidadania; como acesso a memória social; como inserção social do sujeito nas práticas do cotidiano. Portanto, pensar a leitura constituída histórico-socialmente é pensá-la sobre todos esses ângulos. Destarte pensar na leitura nas práticas escolares, a leitura do saber ou do lazer, no âmbito do desenvolvimento cognitivo e do encontro com as letras – e mesmo o texto imagético – há a leitura do mundo como aponta Freire (1988), ou seja, a leitura como prática social, como forma de comunicação do sujeito com seus pares e com o mundo. Outro ponto de refl exão é sobre a relação binária leitura-livro. Contra toda representação, elaborada pela própria literatura, do texto ideal, abstrato, estável porque desligado de qualquer materialidade, é necessário recordar vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor (CHARTIER, 2002, p. 126). A modernidade atualizou os suportes que dão materialidade ao texto de leitura; o que, se pensarmos considerando aspectos históricos, sejam eles, atuais ou não, identifi camos que o livro físico não é o cerne da instituição da leitura, de interação com o texto – literário ou não. Se na pré-história o contato da leitura ocorria através de registros rupestres ou de pergaminhos, na atualidade navegamos pelo hipertexto e pela linguagem multimodal. FIGURA 1 – EVOLUÇÃO DOS SUPORTES DE LEITURA FONTE: <https://www.ultrapassandolimites.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/08/a-impor- tancia-da-leitura-542x341.png>. Acesso em: 24 jan. 2020. TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 5 A leitura pode ser mediada por diferentes suportes que emergem do contexto em que as práticas de leitura se produzem (Figura 1). Um bom exemplo é o formato navegacional em um texto impresso em um livro e um texto digital (ebook) em um smartphone, ou outro aparelho digital; no livro a leitura ocorrerá de modo linear, do início ao fim de uma página, no folhear de página a página, respeitando a materialidade do livro físico (impresso); em um suporte digital a leitura pode ser alinear, ocorre por meio de links estabelecendo conexões intertextuais com novos textos. Para refletirmos sobre as práticas de leitura devemos compreendê-la nos diferentes contextos e momentos históricos em que ela se fez presente, pois eles são distintos e irão afetar a interação com o texto e os suportes se apresentam. É por meio da interação com o texto, que a leitura dotada de intencionalidade promove e sofre efeitos de fatores sociais e culturais, da produção de sentido que se estabelece entre o leitor e o texto; dela emerge a negociação de valores, ideais e aspectos subjetivos entre o leitor, a obra e o autor do texto. A leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido — seja escrito, sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento. Esse diálogo é referenciado por um tempo um espaço, uma situação; desenvolvido de acordo com os desafios e as respostas que o objeto apresenta, em função de expectativas e necessidades, do prazer das descobertas e do reconhecimento de vivências do leitor (MARTINS, 1994 apud OLIVEIRA, 2015, p. 14). De fato, as interações com a leitura sofrem efeitos do contexto sócio- histórico no qual ela se produz e se manifesta (Figura 2). UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 6 Quando pensamos nossa relação com a leitura, identifi camos quanto ela está integrada em nossa história, nosso cotidiano e emerge do nosso contato com o mundo da informação e conhecimento. Historicamente, a leitura sofreu efeito nos seus modos de produção; ou seja, as formas de interação entre o leitor e o texto nem sempre foram do modo como hoje se confi gura. Na perspectiva histórica, desde a Antiguidade até nossos dias, início do século XXI, aconteceu e acontece uma divisão entre letrados e não letrados, contrastes entre leitores com maior grau de habilidade e leitores com baixo grau de letramento. Cada grupo ou indivíduo faz uso de um tipo de leitura e de formas variadas de ler, o que lhes confere apropriações e representações diferenciadas (KNUPPEL, 2006, p. 4). Knuppel (2016), em seus estudos, traça uma linha do tempo dos modos e formas de ler que destaca as distintas relações construídas ao longo do tempo entre o leitor e o texto (Figura 3). FIGURA 2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEITURA FONTE: Brodbeck (2012, p. 16-21) TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 7 FIGURA 3 – LINHA DO TEMPO MODOS DE LEITURA FONTE: Adaptado de Knuppel (2016) UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 8 Na visão da autora “pode se observar que estas diferenças, nos modos e formas de ler, defi nia claramente um tipo de comunidade leitora, pois cada segmento social atribuía um signifi cado diferente ao ato de ler” (KNUPPEL, 2016, p. 5). Observamos na cronologia da leitura esua correlação com a cognição, temáticas frequentes em estudos que se voltam ao contexto de ensino e contexto social – de apropriação de conhecimento. IMPORTANT E Jou (2001, p. 144) destaca que “no ato de ler, cria-se a cognição específi ca da leitura, desenvolvendo-se, progressivamente, tanto os conhecimentos formais quanto os procedimentos de realização”. Considerando a cognição como ação sobre determinado conhecimento, a autora defende que “a própria atividade de leitura permite a utilização de estratégias específi cas [...] facilitam a recuperação e o desenvolvimento do conhecimento específi co da leitura, criando novas associações e aumentando, consequentemente, a capacidade de leitura” (JOU, 2001, p. 53). Berninger et al. (2002 apud FERNANDES; MURAROLLI, 2016, p. 156) apresentam uma arquitetura representativa do sistema de leitura (Figura 4). FIGURA 4 – ARQUITETURA DO SISTEMA DE LEITURA FONTE: Berninger et al. (2002 apud FERNANDES; MURAROLLI, 2016, p. 156) TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 9 Observa-se, na perspectiva apresentada pelas autoras, a correlação direta entre o sistema de escrita e a leitura sistematizado em níveis interdependentes; entretanto, aliados ao contexto de produção – a situação em que o discurso é produzido – ou seja, potencialmente entrelaçado ao contexto histórico e social onde a leitura se produz. Tomemos em primeiro lugar a leitura. Está ela sendo praticada como passatempo ou como algo que passa além do seu tempo de realização? É a segunda modalidade que mais me interessa. O leitor leva rastros do vivido no momento da leitura para depois ou para fora do momento imediato – isso torna a leitura uma experiência. Sendo mediata ou mediadora, a leitura levada pelo sujeito para além do dado imediato permite pensar, ser crítico da situação, relacionar o antes e o depois, entender a história, ser parte dela, continuá-la, modificá-la (KRAMER 2000, p. 20). A interação do leitor com a perspectiva histórica – temporal – trazida pela leitura, como destaca Kramer (2000), vai ao encontro da assertiva de Santos (2015, p. 31) quando ressalta que o leitor “confere ao texto os sentidos que a sua época e o seu mundo lhe permitem”. Para compreender melhor a necessidade de alinhamento do conhecimento do contexto histórico entre o texto e o leitor observe o excerto de música de Chico Buarque e Milton Nascimento: Cálice (1973) Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue [...] Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento FONTE: <https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45121/>. Acesso em: 24 jan. 2020. (grifo nosso) Você considera que os sentidos produzidos pela leitura desse excerto na atualidade seria o mesmo que os produzidos em 1973? UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 10 Gilberto Gil, cantor e compositor brasileiro, explica a música Cálice e discute a censura nas artes durante o período da ditadura. Assista ao vídeo disponível em: https:// youtu.be/8CnSiaP-jL4. DICAS No contexto contemporâneo o termo cálice pode ser compreendido simplesmente como um copo com formato diferenciado dos demais. Agora, vamos pensar no contexto sócio-histórico da produção desse texto – período compreendido entre 1964 e 1985 (Figura 5) – que no Brasil corresponde ao governo militar, denominado também como ditadura, época de censura a determinadas formas de produção artística (Figura 5) e intelectual. FIGURA 5 – ARQUITETURA DO SISTEMA DE LEITURA FONTE: <http://twixar.me/jw0m>. Acesso em: 24 jan. 2020. TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 11 A censura nesse período se apoiou no Decreto-Lei nº 1.077, de 26 de janeiro de 1970. NOTA O sentido registrado pelos censores potencialmente se referia ao ato de “calar-se”, o que levou a letra da música a ser censurada e proibida de divulgação durante cinco anos. Tal ação, segundo Bicicgo (2013, p. 62), tem o objetivo de “controlar o discurso do autor, mas, também, regular os sentidos produzidos pelo leitor”. Essa acepção vai ao encontro do que defende Santos (2015, p. 31) para quem os sentidos emergentes de uma leitura “são resultado do confronto entre as histórias de leitura do sujeito-leitor e as condições sócio-históricas de realização da leitura de determinado texto. Esse confronto impede a existência de um único sentido, como também o exagero da pluralidade infinita de leituras”. Faça uma pesquisa de outros tipos de artes, além da música, que foram censuradas no Brasil durante o regime militar. AUTOATIVIDADE 2.1 A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL A leitura, enquanto prática social, remonta à antiguidade, segundo Fernández e Kanashiro (2011, p. 134): [...] a atividade física de ler também passou por transformações. A leitura oral representada pelos pintores e iluminadores como um esforço intenso que mobilizava o corpo inteiro, cedeu espaço para a leitura dos livros folheados no qual o leitor manuseia suas páginas. Atualmente também convivemos com a leitura digital, cuja mediação se dá pela tela do computador. Obras e suportes de leitura são, na atualidade, escolhas do leitor. Entretanto, ler nem sempre esteve associado à liberdade, a escolhas democráticas. Ao mergulharmos na obra de Umberto Eco, O nome da Rosa, fazemos uma viagem ao contexto medieval. É possível perceber os perigos que a leitura trazia para aqueles que queriam controlar as pessoas, mesmo num UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 12 período de poucos letrados. Por isso, alguns manuscritos confiscados pela Igreja, a detentora do poder na época, ficaram escondidos até mesmo dos monges copistas. As escrituras que escaparam da fogueira, se encontram nos recônditos de uma secreta biblioteca de mosteiro, acorrentadas às prateleiras cheirando a ranço e mofo, pois abrigavam em suas páginas as descobertas e os devaneios daqueles que se permitiram ir além dos ensinamentos religiosos. Escritos que para a época podiam corromper as mentes das pessoas, fazendo-as pensar, imaginar e devanear. A censura angariou séculos e apesar dos avanços ocorridos com a renascença, a modernidade e a pós-modernidade, ela é instrumento daqueles que novamente querem controlar as pessoas. O medo de que a leitura corrompa, transgrida, se rebele pode ser percebido no decorrer da história. Temos aqui no Brasil um grande exemplo, se adentrarmos na história da Inconfidência Mineira, seus líderes eram leitores assíduos, críticos, inconformados com sua situação. Tais fatos levantam questões que empoderam a leitura e ressalta a importância do ato de ler e suas influências sobre o sujeito leitor. Desta forma podemos dizer que: A leitura surge em nosso dia-a-dia como uma ação básica do homem no universo. De tudo que vislumbramos, que olhamos naturalmente e, às vezes, involuntariamente, fazemos uma leitura. Quando abrimos um jornal, quando vimos uma briga de rua, quando olhamos um desenho, uma obra de arte, ao ouvirmos uma música, de todos esses exemplos, cada ser humano, além de uma leitura metódica e didática, fazemos uma leitura — interpretação — crítica. Essa leitura é que nos caracteriza como ser pensante. Modificante e crítico da sociedade vigente (VITORIO, 2017, s.p.). No tópico anterior vimos que os modos e formas de ler vão se compondo a partir de distintos suportes, e que as formas de interação entre o leitor e o texto nem sempre foram do modo como na atualidade se constrói; assim como, que a leitura sofre, e promove efeitos, do contexto histórico e social em que se produz. O que é prática social e como tal dinâmica se entrelaça com os atos de leitura do sujeito? Para respondera esse questionamento devemos pensar a relação do homem – sujeito leitor – com o mundo social por meio da linguagem, compreender como esse mundo se constitui e o papel da leitura nessa relação. Indissociável pensar leitura como prática social – aqui considerada enquanto situações de interação e comunicação na qual os sujeitos se inserem – e não pensar na relação do sujeito com a linguagem. Como a linguagem se insere nas práticas sociais? A partir da ótica de Vygotsky (1998) e Bakhtin (1995), concebe-se linguagem como forma de manifestação do pensamento e mediadora da relação do sujeito com a realidade; compreendida como “o lugar da interação, da negociação de TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 13 sentidos, da representação de papeis, constituição de identidades” (SOUZA; MOTA, 2007, p. 506), portanto, base de toda prática social ou práticas de uso da língua. As marcas individuais e as determinadas pelo lugar social de onde provém o sujeito estarão presentes tanto na produção do texto quanto na leitura. A interação sujeito/linguagem na leitura é caracterizada por uma situação de intersubjetividade do leitor/texto que se relacionam durante a enunciação, ambos com identidades sociais próprias (DELL’ISOLA, 1993, p. 167). A leitura como prática social se concretiza através do uso da língua “diretamente vinculado com as relações estabelecidas entre os indivíduos que vivem em sociedade e com a história da civilização humana” (SALDANHA, 2016, p. 31). Se considerarmos o sujeito e sua relação com o mundo social, ou seja, o sujeito como ser social constituído pela linguagem, como defende Bakhtin (2003), o conceito de língua como unicamente sistema de signos é ultrapassado e não dá conta das necessidades de estudo sobre a leitura como prática social. IMPORTANT E Para Grotta (2000) a leitura é uma atividade de linguagem mediadora da relação sujeito-cultura-mundo social; sendo por meio dela que o sujeito social acessa o conhecimento e conquista elementos que lhe possibilitam “compreender, participar e intervir em sua realidade” (GROTTA, 2000, p. 25). Soares (2000, p. 18) complementa dizendo que a leitura é “interação verbal entre indivíduos, e indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os outros”. UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 14 FIGURA 6 – FUNÇÃO SOCIAL DA LEITURA FONTE: Os autores A leitura não tem uma função una (Figura 6), é modo de acesso ao mundo social, se constitui socialmente enquanto “processo que além de mediar a aquisição de conhecimentos, apresenta uma natureza política e ideológica, que tem a possibilidade de moldar os sujeitos a agir conforme determinados princípios” (VITORIO, 2017, s.p.). A ideologia se faz presente na leitura, seja na visão de mundo de seu autor quanto no sentido que ao leitor produz e que esse internaliza. A ideologia “está presente no sentido das palavras, na estrutura/ organização de um texto, nas metáforas, na própria coerência do discurso e nas convenções discursivas de que faz uso [...] As ideologias são, portanto, ideias e crenças veiculadas no discurso” (SILVA; GONÇALVES, 2017, p. 12). Ler é uma prática social que se interliga a outros textos e outras leituras, ou seja, a leitura de um texto pressupõe em ações conjuntas de valores, crenças e atitudes que refl etem o grupo social em que as pessoas estão inseridas. A leitura não é apenas o entendimento de um leitor inserido na cultura letrada, mas uma relação de aspectos sociais e culturais que perpassam pela atividade intelectual em que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas em seu conhecimento linguístico, sociocultural e enciclopédico ( KLEIMAN, 2013 apud EVANGELISTA; JERÔNIMO, 2014, p. 6-7). TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 15 Assista ao fi lme O Nome da Rosa, ou leia o livro homônimo de Umberto Eco. Esta obra refl ete aspectos da autoria (muitos textos ao longo da história não tiveram seu autor nomeado por risco de perseguição. Neste enredo que remete a era medieval, você vai transitar numa época de poucos letrados, de domínio religioso. Estranhas mortes começam a ocorrer num mosteiro beneditino localizado na Itália durante a baixa Idade Média, onde as vítimas aparecem sempre com os dedos e a língua roxos. O mosteiro guarda uma imensa biblioteca, onde poucos monges têm acesso às publicações sacras e profanas. A chegada de um monge franciscano, incumbido de investigar os casos, irá mostrar o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribunal da santa inquisição. DICAS Para Brandão (1994 apud PEREIRA; FREITAS; ARAÚJO, 2016 p. 5) “a leitura como atividade de linguagem é uma “prática social de alcance político. Ao promover a interação entre indivíduos, a leitura, não só como leitura da palavra, mas também como leitura de mundo, deve ser atividade constitutiva de sujeitos capazes de interligar o mundo e nele atuar como cidadãos” (Figura 7). FIGURA 7 - IMAGEM REPRESENTATIVA DA RELAÇÃO LEITURA-AUTONOMIA DO SUJEITO FONTE: <http://twixar.me/Bw0m>. Acesso em: 24 jan. 2020. A leitura — enquanto prática social — possibilita ao sujeito a inserção em todos os campos sociais, o diálogo com o mundo e acesso ao espaço do conhecimento. A leitura, como ato social, promove a autonomia do sujeito e sua inserção em distintos âmbitos da sociedade; organiza-se como “um instrumento de poder, porque dá ao sujeito a capacidade de ampliar seus conhecimentos e as suas possibilidades comunicativas, [...] enriquecendo-o e permitindo transformar para transformar a realidade em que está inserido” (VITORIO, 2007, s.p.). UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 16 Na perspectiva defendida por Pereira, Freitas e Araújo (2016, p. 4), a leitura como prática social “exige um leitor reflexivo, atento e que seja capaz de empregar seus conhecimentos prévios, sejam linguísticos, textuais e de mundo, a fim de que possa construir novos enunciados”. Sobre a leitura de mundo, para Freire (1989 apud SILVA, 2013, p. 3) “precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. A leitura é associada à forma de ver o mundo”. Ler sempre representou uma das ligações mais significativas do ser humano com o mundo. Lendo, reflete-se e presentifica-se na história. O homem, permanentemente, realizou uma leitura de mundo. Em paredes de cavernas ou em aparelhos de computação, lá está ele reproduzindo seu “estar-no-mundo” e reconhecendo-se como capaz de representação. Certamente, ler é engajamento existencial. Quando dizemos ler, nos referimos a todas formas de leitura. Lendo, nos tornamos mais humanos e sensíveis (CAVALCANTI, 2002, p. 13). Leitura como prática social também é leitura do mundo e de si neste mundo; leitura do mundo, que precede a leitura das letras, o mundo da linguagem, constrói-se no mundo dos sentidos possíveis e infinitos; “precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto” (FREIRE, 1995 apud CARDOSO, 2011, p. 43). O educador Paulo Freire dizia que o homem lê o mundo antes de ler a palavra. Esta é uma das ideias presentes no documentário Paulo Freire Contemporâneo, que resgata o método de alfabetização criado pelo educador. Assista ao documentário disponível no endereço: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm. do?select_action=&co_obra=99980. DICAS O contexto a que Freire se refere é o da interlocução do espaço temporal no qual a escrita dotexto se fez até o momento de seu encontro com o leitor. Esse é o espaço da significância, da produção de sentidos. TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 17 Ler é, pois, um ato de primeira instância no esboço da consciência de si mesmo e do outro e sua inscrição no mundo se dá como uma escrita, devida. Do ato de ler decorre ao ato de escrever, de escrever a própria história e dos outros, de marcar a própria existência social com traços que podem, no entanto, guardar-se sob a forma das oralidades, tanto quanto ganhar volumes, cores e sinais. [...] Ler é inscrever- se no mundo como signo, entrar na cadeia significante, elaborar continuamente interpretações que dão sentido ao mundo, registrá- la com palavras, gestos, traços. Ler é significar e ao mesmo tempo tornar-se significante. A leitura é uma escrita de si mesmo, na relação interativa que dá sentido ao mundo (YUNES, 1995, p. 195). De fato, a leitura não se prende ao texto escrito — apesar de com ele estabelecer uma relação próxima e indissociável —, vai além dele e age na oralidade — que tem como base a leitura da memória. A transmissão de contos orais, que se fez presente em grande parte da nossa história, não seria uma leitura da memória? Como afirma Silva (1985 apud CALDIN, 2003, p. 52), “a leitura, se levada a efeito crítica e reflexivamente, levanta-se como um trabalho de combate à alienação (não-racionalidade). Dessa forma, a leitura se caracteriza como sendo uma atividade de questionamento, conscientização e libertação”; é uma prática social que conduz “o leitor, enquanto sujeito histórico, a inscrever-se em uma disputa de interpretações” (CAZARIN, 2006, p. 307). A prática social não se faz sem a prática discursiva, “essa articulação é realizada pelos sujeitos sociais (reflexividade presente na prática discursiva), que, a seu modo, internalizam as práticas sociais e constroem uma prática discursiva própria” (SILVA; GONÇALVES, 2017, p. 7). Para Fairclough (1995; 2001; 2005 apud SILVA; GONÇALVES, 2017, p. 8), que conceitua discurso como “prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado”, ocorrem implicações em pensar a própria linguagem, em uma perspectiva discursiva, como prática social (Figura 8). UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 18 FIGURA 8 – PRÁTICA SOCIAL E PRÁTICA DISCURSIVA FONTE: Adaptado de Fairclough (1995; 2001; 2005 apud SILVA; GONÇALVES, 2017, p. 6) O linguista, em uma concepção tridimensional do discurso, situa a prática social agregadora da prática discursiva e do texto (Figura 9). FIGURA 9 – CONCEPÇÃO TRIDIMENSIONAL DO DISCURSO FONTE: Fairclough (2001 apud SILVA; GONÇALVES, 2017, p. 9) TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 19 As práticas sociais nessa perspectiva são compostas de quatro momentos de articulação que, impactados pela estrutura e ações (eventos), instituem o momento discursivo das práticas através da mobilização de gêneros, discursos e estilos (Figura 10). FIGURA 10 - MEDIAÇÃO DE ESTRUTURA E AÇÃO PELA PRÁTICA SOCIAL FONTE: Chouliaraki e Fairclough (1999 apud ACOSTA; RESENDE, 2014, p. 131) A prática social em interlocução ao ato de ler, “na medida em que vem apelar ao receptor por sua participação, acaba provocando suas memórias e nelas, suas posturas, seus sonhos, suas opiniões antes tão encobertas ou desconhecidas por ele próprio; crenças, valores materializados em discursos” (YUNES,1995, p. 191, grifo nosso); mobilizando a constituição do sujeito-cidadão. Como vimos (Figura 6), uma das funções sociais da leitura é o desenvolvimento da cidadania. Mas ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e dependentes de contexto, cada um deles exigindo certas capacidades leitoras e não outras (ROJO, 2002, p. 2). Antes de nos aprofundarmos na relação entre leitura e cidadania, vamos nos deter no conceito do que significa(ou) o termo ao longo da história. UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 20 Rezende Filho e Câmara Neto (2001) discorrem sobre a evolução histórica do conceito de cidadania (Figura 11); os autores destacam que mesmo ao longo da evolução do termo a cidadania “de fato só pode se constituir por meio de acirrada luta quotidiana por direitos e pela garantia daqueles que já existem” (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2001, p. 5); dessa forma vemos o importante papel da leitura como modo de inserção do sujeito na sociedade na busca de atuar de forma crítica e defensora de seus direitos — e cumpridor de seus deveres — no papel de cidadão. FIGURA 11 – EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA FONTE: Adaptado de Rezende Filho e Câmara Neto (2001) TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 21 De acordo com os autores “apesar da existência de profundas desigualdades sociais, esse termo evoluiu com o passar dos anos. Ampliou a abrangência abraçando todas as classes sociais. Deixou de restringir-se apenas à participação política para relacionar uma série de deveres da sociedade para com o cidadão” (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2001, p. 6). Martins e Sá (2008, p. 239) defendem que a leitura é essencial na formação do cidadão “perfeitamente integrado nas sociedades”; para as autoras: a capacidade de usar a informação escrita (através da leitura) é uma questão de sobrevivência na vida do cidadão, um fator de facilidade no acesso à cultura comum e na sua partilha, na mobilidade social. A incapacidade de o fazer constitui um fator de redução do nível e da qualidade da participação social, logo, de exclusão social (MARTINS; SÁ, 2008, p. 240, grifo nosso). A partir dessa premissa “as práticas discursivas de leitura e de escrita devem ser encaradas como fenômenos sociais que ultrapassam os limites da escola” (MARTINS; SÁ, 2008, p. 245). Marinho (1983, p. 92) destaca que a leitura é o “elo das coletividades e suas relações para a unidade social; é a nascente da consciência e o desvelar do mundo”; para a autora “o exercício da cidadania e a conquista das condições humanas de vida passa por três princípios básicos: o direito civil, o direito social e o direito político” (MARINHO, 1983, p. 92). A LEITURA PARA CRÍTICA SOCIAL Gabriela Fagundes Padilha Fernanda Souza Ler é ferramenta primordial para que o Ser Humano saiba posicionar- se, ter opiniões próprias e ser crítico. Uma vez que: Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é (FOUCAMBERT, 1994, p. 5). Segundo Kuenzer (2002, p. 101), “ler significa em primeiro lugar, ler criticamente, o que quer dizer perder a ingenuidade diante do texto dos outros, percebendo que atrás de cada texto há um sujeito, com uma prática histórica, uma visão de mundo (um universo de valores), uma intenção”. A leitura crítica é geradora de significados, em que ao ler, o leitor concorda ou discorda da ideia principal. Isto faz com que seja diferenciada da decodificação de sinais, reprodução mecânica de informações que por muito tempo foi considerada como interpretação textual. “[…] como atividade constitutiva de sujeitos capazes de interligar o mundo e nele atuar como cidadãos” (BRANDÃO; MICHELITTI, 1998, p. 22). UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃODA LEITURA 22 Segundo Freire (1989, p. 13) “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através da nossa prática consciente”. Entendemos, então, que a leitura crítica desestabiliza o mundo interior do indivíduo; gera-lhe dúvidas e anseios por mudanças. Em um primeiro momento, ocorre a inquietação; depois, alguns ajustes são feitos no mundo interior do leitor por meio da reflexão para, finalmente, ocorrer a prática consciente, que consiste no resultado do novo sujeito transformado, porém não concluído. Afinal, outras leituras de mundo serão lidas e relidas. Para formar um leitor crítico, é importante que, desde o processo de aquisição da linguagem escrita e no ato de ler, haja a compreensão por parte daqueles que ensinam, que o processo de alfabetização se dará na medida em que a leitura da palavra esteja inserida na leitura do mundo e estimule a continuidade da leitura dele (FREIRE, 1989). Silva (2002) define a criticidade na leitura dizendo que é pela leitura crítica o sujeito abala o mundo das certezas (principalmente as da classe dominante), elabora e dinamiza conflitos, organiza sínteses, enfim combate assiduamente qualquer tipo de conformismo, qualquer tipo de escravização às ideias referidas pelos textos. No ato de ler prevalece, portanto, a liberdade por parte do leitor em fazer as suas escolhas. Sua prática permite ainda articular os conteúdos culturais; expandir a memória; estimular a produção de textos e determinar processos de pensamento. Possibilita ainda a formação de pessoas abertas ao mundo, cuja visão está voltada para o futuro (ALLIENDE; CONDEMARÍN, 2005). Pode-se, então, concluir que a prática da leitura crítica caminha de mãos dadas com a autonomia. Afinal, um sujeito autônomo e crítico não se contentará com leituras que não lhe forneçam novas relações, associações ou combinações de ideias. De acordo com Silva “todas essas ações subjacentes ao trabalho de interlocução do leitor crítico podem ser amalgamadas num único conceito, qual seja o de POSICIONAMENTO” (SILVA, 2002, p. 29). Enfim, ler liberta, impulsiona as possibilidades de conhecimento a níveis inimagináveis, transforma a consciência do Ser Humano perante o mundo em que vive, dota o leitor a ser capaz de abrir inúmeras portas do desconhecido, instiga ao infinito. FONTE: <http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Gabriela-Fagundes- -Padilha.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2020. TÓPICO 1 - A CONSTITUIÇÃO DA LEITURA 23 Agora que você já conhece a importante função da leitura como prática social, pesquise uma experiência desta prática que comprove sua potência. Para aprofundar a reflexão sobre esta atividade sugerimos a leitura do Capítulo 1 da obra de Michèle Petit, A arte de ler ou como resistir a adversidade. Nesta obra a autora mostra, por meio de diversos discursos de jovens, a potência da leitura como afetamento e prática social. Disponível em: https://www.academia.edu/33104273/A_arte_de_ler_ou_como_resistir_a_adversidade_ Michele_Petit. DICAS 24 Neste tópico você aprendeu que: • A leitura faz parte de nossas vivências, atravessa nossas relações com o mundo por meio dos sentidos que produz; sendo nosso meio de comunicação com o mundo. • A modernidade atualizou os suportes que dão materialidade ao texto de leitura; hoje navegamos pelo hipertexto e pela linguagem multimodal. • Para refletirmos sobre as práticas de leitura devemos compreendê-la nos diferentes contextos e momentos históricos em que ela se fez presente. • É por meio da interação com o texto, que a leitura promove e sofre efeitos de fatores sociais e culturais, da produção de sentido que se estabelece entre o leitor e o texto. • Os sentidos emergentes de uma leitura são resultado do confronto entre as histórias de leitura do sujeito-leitor e as condições sócio-históricas de realização da leitura de determinado texto. • A leitura como prática social se concretiza através do uso da língua diretamente vinculado com as relações estabelecidas entre os indivíduos que vivem em sociedade e com a história da civilização humana. • A leitura não tem uma função una, é modo de acesso ao mundo social, se constitui socialmente enquanto processo que além de mediar a aquisição de conhecimentos, apresenta uma natureza política e ideológica. • A leitura – enquanto prática social – possibilita ao sujeito a inserção em todos os campos sociais, o diálogo com o mundo e acesso ao espaço do conhecimento. RESUMO DO TÓPICO 1 25 1 Sabe-se que o que está além do alcance dos olhos, o que se esconde por trás das linhas, os conhecimentos prévios, enfim, são elementos necessários para a compreensão do texto, o que ultrapassa em muito, os limites da simples decodificação. O leitor não é mais um receptor passivo orientado pela ordem do texto, mas é capaz de construir sentido a partir da direção e elaboração de seu pensamento e a sua imagem de mundo. Levando-se em consideração as quatro etapas do processo de leitura: decodificação, compreensão, interpretação e retenção (MENEGASSI, 1995, p. 86-89), e sabendo-se do valor de cada uma delas, verifica-se que, para que ocorra uma leitura eficiente, de acordo com os moldes atuais, a segunda etapa — compreensão — é indubitavelmente a de maior importância para que o leitor ultrapasse os limites do campo visual; ou seja, compreender um texto significa apreender sua temática e seus tópicos principais, utilizando-se, para isso, de todos os conhecimentos prévios que lhe dizem respeito. Até há algumas décadas, a leitura consistia no simples reconhecimento de letras, sílabas e palavras. As pessoas se preocupavam com uma boa pronúncia ao ler, bloqueando, muitas vezes, seu entendimento sobre o conteúdo adquirido, ou seja, não saindo da primeira etapa do processo de leitura, não iam muito além do domínio de pronúncia. FONTE: GREGHI, R. N.; CAMACHO, S.; FECCHIO, M. Afinal, por que tanta dificuldade em leitura? Akrópolis, Umuarama, v. 12, n. 3, jul./set., 2004. Segundo Santos (2015), os sentidos emergentes de uma leitura são resultado: a) ( ) Do processamento sintático/gramatical que promove a compreensão do discurso baseado em texto. b) ( ) Dos modos e formas de ler, definidos pela comunidade leitora, pois cada segmento social atribuí um significado diferente ao ato de ler. c) ( ) Do confronto entre as histórias de leitura do sujeito-leitor e as condições sócio históricas de realização da leitura de determinado texto. d) ( ) Do contraste entre leitores com maior grau de habilidade e leitores com baixo grau de letramento. e) ( ) Do ritmo acelerado das inovações tecnológicas que transformaram a maneira de ver o mundo. 2 Sobre as práticas de constituição da leitura, avalie as afirmações a seguir: I- Para refletirmos sobre as práticas de leitura devemos compreendê-la nos diferentes contextos e momentos históricos em que ela se fez presente, pois eles são distintos e irão afetar a interação com o texto e os suportes se apresentam. AUTOATIVIDADE 26 II- No século XIX começa a se consolidar o tipo de leitura como preocupação presente em muitos autores, surgem novas ideias e a necessidade de um lugar que seja destinado às crianças na sociedade, além de novos procedimentos nas áreas pedagógica e literária. III- O confronto entre as histórias de leitura do sujeito-leitor e as condições sócio ideológicas de realização da leitura de determinado texto impede a existência de um único sentido, como também o exagero da pluralidade infinita de leituras (SANTOS, 2015). Sobre as assertivas anteriores, é correto o que se afirma em: a) ( ) I, apenas. b) ( )II, apenas. c) ( ) I e II. d) ( ) II e III. e) ( ) I, II e III. 27 TÓPICO 2 - UNIDADE 1 LEITURA E MEDIAÇÃO 1 INTRODUÇÃO Para refletirmos sobre a correlação entre leitura e mediação devemos compreender as diferentes concepções que esses termos podem assumir; assim como as relações estabelecidas entre eles. Nesse contexto, este tópico tem como meta apresentar as concepções de leitura e mediação sob diferentes perspectivas teóricas e as intersecções entre linguagem, leitura e práticas de mediação. A leitura abre um espaço íntimo no ser de introspecção, de reflexão, da imaginação. Ela nem sempre tem a capacidade de reparar as desigualdades, mas serve como impulso para mudanças de pensamento e até de contexto pessoal, como a história de Ben Carson, negro, filho de mãe solteira e simples empregada doméstica, que investe nos filhos, os sonhos que não pode realizar. Este, por sua vez, encontra nos livros os caminhos para a tão sonhada medicina, impulsionada pela grande mediadora sua mãe. A leitura e o mediador incansável como agentes contribuintes e encaminhadores do pensamento construtivo e não da violência. A leitura abriu um campo de possibilidades, onde não parecia existirem muitas margens de manobra. 2 CONCEPÇÕES DE LEITURA E MEDIAÇÃO Segundo Frizon e Grazioli (2018, p. 1): As memórias que um leitor tem em relação aos seus primeiros contatos com as narrativas, orais ou escritas, muitas vezes se tornam marcantes em sua trajetória. A mãe que entoava canções ou lia, ainda quando a criança estava em seu ventre ou já no colo. A avó que contava histórias ao pé da cama. A professora que criou o cantinho de leitura. O pai e a mãe, ou outro familiar qualquer, que presenteou com um primeiro livro. Há também o professor contador de histórias. O mediador de leitura. A bibliotecária que dispunha as obras da melhor forma possível, instigando os alunos a abrirem aqueles exemplares. O amigo que falou sobre determinado personagem e o enredo de uma narrativa, instigando para o ato de ler. A pessoa que fez com que, de algum modo, o livro chegasse as mãos de um futuro leitor. 28 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA Bakhtin (1981 apud SILVA 2012, p. 24) A leitura se constitui em um processo interativo entre autor, leitor e as várias vozes que eles representam propiciando, por conseguinte, construção e reconstrução de significados e gerando um processo ativo que constitui os sujeitos e confere vida à linguagem. Rangel (1990 apud SILVA 2013, p. 9) Ler é uma prática básica essencial para aprender. Trata-se de uma situação de aprendizagem em que leve o educando a pensar, fazer inferências, apropriar-se de sentidos a partir de contextos linguísticos, históricos e situacionais e que remeta ao conhecimento de mundo e por ser esta prática fundamental na formação de um educando letrado, e atuante no mundo globalizado que estamos inseridos. Smith (1991, p. 201) A leitura não é uma questão de identificar letras, a fim de reconhecer as palavras para que se obtenha o significado das sentenças. A identificação do significado não requer a identificação de palavras individuais, exatamente como a identificação de palavras não requer a identificação de letras. Na verdade, qualquer esforço por parte de um leitor, para identificar palavras uma de cada vez, sem aproveitar a vantagem de sentido como um todo, indica um fracasso para a compreensão e está provavelmente fadado ao fracasso. Neste contexto, a interação entre a leitura e o leitor através de um mediador – um familiar, um professor, um bibliotecário – se apresenta como uma interlocução do leitor não somente com o livro – enquanto objeto de leitura – mas com outros leitores que vão possibilitar ou potencializar o ato de ler, principalmente aos leitores iniciantes. Traçado o panorama histórico da leitura, e identificada sua interlocução com práticas sociais de linguagem, vamos nos debruçar sobre os dois principais conceitos que nortearão nossos estudos: leitura e mediação. No tópico anterior foi introduzido, brevemente, o conceito de leitura e já apontada a ausência de uma concepção única, mas sim a presença de distintos significados atrelados a campos de estudos e diferentes abordagens teóricas. O que nos apresenta um grande desafio: o de compreender os trajetos dos diferentes sentidos que o termo vai adquirindo. Como aponta Aebersold e Field (1997 apud CAMPOS, 2008, p. 58), “definir leitura não é uma tarefa fácil, mas poderíamos tentar explicá-la de uma forma bem simplista: leitura é o que acontece quando uma pessoa olha para um texto qualquer e atribui sentido aos símbolos gráficos nele inseridos”. Com a meta de ampliar sua visão sobre tal conceito, e visando compreender tal complexidade na definição do termo, elaboramos um quadro que lhe possibilitará trajetar pelos distintos sentidos da expressão leitura com base em autores de diferentes áreas de estudo (Quadro 1). QUADRO 1 – LEITURA – DIFERENTES ACEPÇÕES SOBRE O TERMO TÓPICO 2 - LEITURA E MEDIAÇÃO 29 Lajolo et al. (1991, p. 59) Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. Yunes (1995, p. 193- 195) Ler é um ato de primeira instância no esboço da consciência de si mesmo e do outro e sua inscrição no mundo se dá como uma escrita, de vida. [...] A dimensão, pois, do ato que se crê centralizado depois da alfabetização, está longe de ser reduzida às letras combinadas em códigos fonéticos-fonológicos, morfológico e sintáticos. [...] Ler é inscrever-se no mundo do signo, entrar na cadeia significante, elaborar continuamente interpretações que dão sentido ao mundo, registrá-la com palavras, gestos, traços. Ler é significar e ao mesmo tempo tornar-se significante. A leitura é uma escrita de si mesmo, na relação interativa que dá sentido ao mundo. O ato de ler, assim, carrega para um encontro entre intersubjetividades e memórias várias que se interpenetram e resultam na interpretação. Goulemont (1996 apud CHARTIER 2000, p. 107). Ler é dar um sentido de conjunto, uma globalização e uma articulação aos sentidos produzidos pelas sequências. Não é encontrar o sentido desejado pelo autor [...] ler é, portanto, constituir e não reconstruir sentido. Leffa (1996, p. 10) A leitura é basicamente um processo de representação. Como esse processo envolve o sentido da visão, ler é, na sua essência, olhar para uma coisa e ver outra. A leitura não se dá por acesso direto à realidade. Nessa triangulação da leitura o elemento intermediário funciona como um espelho; mostra um segmento do mundo que normalmente nada tem a ver com sua própria consistência física. [...] Como esses espelhos oferecem imagens fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo. Solé (1998 apud Queirós, 2012, p.3-7) Leitura é um processo mediante o qual se compreende a linguagem escrita [...] para ler necessitamos simultaneamente manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias. Para uma pessoa se envolver em qualquer atividade de leitura, é necessário que ela sinta que é capaz de ler, de compreender o texto, tanto de forma autônoma, como apoiada em leitores mais experientes. Enfatiza-se a leitura de verdade, aquela que realizamos os leitores experientes e que nos motiva, é a leitura que naqual nós mesmos mandamos: relendo, parando para saboreá-la ou para refletir. Soares (2000, p. 18) Leitura não é esse ato solitário; é interação verbal entre indivíduos, e indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os outros. 30 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA Indursky (2001) Ler é mergulhar em uma teia discursiva invisível construída de já-ditos para desestruturar o texto e (re)construí-lo, segundo os saberes da posição-sujeito em que se inscreve o sujeito-leitor. Zapata e Vélez (2003 apud SILVA, 2012, p. 25) A leitura é uma atividade complexa que cumpre funções cognitivas, sociais, emocionais, afetivas, lúdicas e recreativas, que, como prática social e cultural, permite ao homem adquirir conhecimento, voltar no tempo, descansar e recriar. Também Contribui para o enriquecimento da conversação e da escrita, guia o leitor para a reflexão e molda algumas de suas habilidades. Fatores socioeconômicos, culturais, físicos, psicológicos, cognitivos e linguísticos interferem na leitura, o que mostra a necessidade de um leitor ativo, que tenha clareza no conhecimento prévio que ele possui e nos propósitos do que ele pretende alcançar. Kleiman (2004, p. 13) A leitura é um processo interativo, é mediante a interação de diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, como o conhecimento linguístico, o textual, o de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. Martins (2007, p. 31) A concepção de leitura pode ser sintetizada com base em duas características: • Como decodificação mecânica de signos linguísticos, por meio de aprendizado estabelecido a partir do condicionamento estímulo-resposta (perspectiva behaviorista-skinneriana); • Como processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicas, neurológicas, tanto quanto culturais, econômicos e políticos (perspectiva cognitivo-sociológica). Campos (2008, p. 58) A leitura é vista como uma atividade dialógica, um processo de interação que se realiza entre o leitor e o autor, mediado pelo texto, estando todos os elementos envolvidos situados em um determinado momento histórico-social. Koch e Elias (2008, p. 9-10) Os autores apresentam o conceito de leitura sob três perspectivas. Foco no autor: A leitura é a captação das ideias do autor, sem se levar em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, a interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos sócio- cognitivo-interacionalmente. Cabe ao leitor o reconhecimento das intenções do autor. Foco no texto: a leitura é uma atividade que exige do leitor o foco no texto, em sua linearidade, uma vez que “tudo está dito”. Cabe ao leitor o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto. Foco na interação autor-texto-leitor: a leitura é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos que se realiza com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. TÓPICO 2 - LEITURA E MEDIAÇÃO 31 Freire (2009 apud PINHEIRO et al. 2012, p. 2466) Ler compreende uma visão crítica que não se esgota na descodificação pura da escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. Ler implica a percepção crítica, interpretação e “reescrita” do objeto lido, procurando estabelecer relações entre texto e realidade vivida, em outras palavras, a leitura deve ir além da decodificação de vogais e consoantes, precisa fazer com que leitor transporte o conteúdo lido para seu convívio social. Fuza (2010, p. 12) A leitura centrada no texto pode ser denominada: leitura sob a perspectiva do texto; leitura como extração (processo ascendente/ bottom up); leitura como decodificação. A leitura centrada no leitor é denominada: leitura sob a perspectiva do leitor; leitura como atribuição (processo descendente/top down). O diálogo entre texto e leitor promove o surgimento do conceito de leitura como interação. FONTE: Os autores Segundo Vitorio (2017, s.p.): Diante de tantos conceitos, pareceres, propostas das mais diversas, sucintas e exploratórias que existam sobre “o que é leitura?”, todos nós chegaremos a uma resposta diferente e, nessa resposta, já estão nossas interpretações, nossa pessoalidade de leitura e nossa subjetividade sobre o tema. Isso porque estamos tratando de uma experiência individual, cujos limites não estão demarcados por qualquer barreira que seja, seja ela temporal, cultural, racial ou até mesmo intelectual. De fato, os conceitos apresentados não visam assumir uma ou outra abordagem teórica, mas explorar as múltiplas acepções sobre o termo, de forma a serem complementares a visão do profissional letras. “A leitura, ainda mais no universo dos cursos de Letras, é uma atividade tão intrínseca a tudo o que fazemos, que questionamentos sobre essa atividade às vezes são subestimados por se tratar, em princípio, de algo que acontece tão naturalmente que dispensaria uma explicação mais formal” (FINATTO et al., 2015, p. 6). Assim como, para compreender o que é leitura, necessitamos percebê-la como prática que vai além de um processo de decodificação de signos. Se pensarmos o contexto escolar, a leitura pode ser vista como “instrumento para acessar os conhecimentos de todos os componentes curriculares” (COSTA, 2012 apud BRODBECK; COSTA; CORREA, 2012, p. 30). NOTA 32 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA Se pensarmos no contexto escolar, outro aspecto se torna de importante reflexão: o papel da medicação nas práticas de leitura; definição o que não se configura tarefa fácil sendo que, para Williams (2007 apud RASTELI, 2013, p. 24), “indica que este conceito é dotado de relativa complexidade e que se tornara mais abrangente na medida em que fora utilizado como termo chave por vários sistemas do pensamento moderno”. Da mesma forma que encontramos diferentes acepções sobre o conceito de leitura também encontraremos na busca por um conceito sobre mediação. Preferimos, apresentá-lo em um quadro de conceito da mesma forma que o quadro anterior elaborado, a partir da pesquisa em textos de diferentes teóricos — da teoria cognitiva, da sociointeracionista e da sociológica-comunicacional — e com eles dialogando. Hennion (1993 apud Almeida 2008, p. 13) O termo mediação designa o lugar de interrogação, apontando como problemática a articulação entre essas duas maneiras duais de interrogar o mundo social. Lamizet (1999 apud DAVALLON, 2003) Propõe um entendimento da mediação cultural situando-a na ordem de representação do espaço social. Assim, de acordo com o autor, a mediação representa o imperativo social essencial da dialética entre o singular e o coletivo, e da sua representação em formas simbólicas. Andaló (2006, p. 21-22) Mediação é o processo, não é o ato, não está entre dois termos que estabelecem relação, ela é a relação. É um processo facilitador que possibilita ao indivíduo apreende o mundo que o cerca em seus significados. Tem um papel fundamental na constituição do sujeito humano, pois possibilita a internalização de categorias [...] permitem a apropriação de novos significados, com os quais os sujeitos reorganizam suas ações e vida. Barros (2006, p. 17), Mediar “[...] é fazer fluir a indicação ou o próprio material de leitura até o destinatário-alvo, eficiente e eficazmente [...]”. A mediação de leitura busca, primordialmente, mediar o leitor a (re) descobrir o prazerpela leitura, promovendo um elo de aproximação entre o texto e o leitor. Para essa realização acreditamos ser necessária a presença de um mediador. Almeida Júnior (2007, p. 44) A leitura é realizada a partir do acervo de conhecimentos de cada pessoa. Cada leitura, dessa forma, é individual, diferente de outra leitura, pois não pode prescindir dos referenciais de quem a realiza. A exemplo da informação, a leitura não existe a priori, se concretizando no processo de mediação. No entanto, a mediação da leitura faz parte da mediação da informação Dantas (2008, p. 4) O ato de mediar significa fixar entre duas partes um ponto de referência comum, mas equidistante, que a uma e a outra faculte o estabelecimento de algum tipo de inter-relação, ou seja, as mediações seriam estratégias de comunicação em que, ao participar, o ser humano se representa a si próprio e o seu entorno, proporcionando uma significativa produção e troca de sentidos. QUADRO 2 – MEDIAÇÃO – DIFERENTES ACEPÇÕES SOBRE O TERMO TÓPICO 2 - LEITURA E MEDIAÇÃO 33 Marteleto (2009, p. 19) Mediação é uma construção teórica destinada a refletir sobre as práticas e os dispositivos que compõem os arranjos de sentidos e formas comunicacionais e informacionais nas sociedades atuais, sem perder de vista os elos que, tanto os conteúdos quanto os suportes e os acervos, mantêm com a tradição cultural. Gomes (2010, p. 88) A mediação relaciona-se com a comunicação e se caracteriza como um processo de intersubjetividades, resultante da negociação e da disputa de sentidos, que permite aos sujeitos ultrapassar e interpenetrar esses sentidos e gerar novas significações. A mediação se opõe ao imediatismo, porque demanda o jogo dialético, sem o qual inexiste. Feuerstein (2012, p. 1) Mediação é a interação de um adulto, cuja intenção pode ser a transmissão de um significado, de uma habilidade, incentivando a criança a se superar com vistas a expansão da capacidade cognitiva dela ou de outro mediado. Barbosa e Barbosa (2013, p. 11) A mediação se materializada como um acolhimento e permite que aqueles que buscam adentrar o mundo da leitura, façam uso dessa hospitalidade para apoiar-se e dar materialidade a suas buscas e desejos de compreensão da palavra, da vida. Principalmente, para elaborar, construir seu próprio lugar de leitor. Rasteli (2013, p. 25) A partir de Hegel e posteriormente por Marx, a mediação será relacionada à articulação entre as partes de uma totalidade complexa, sendo a ela atribuída a responsabilidade pela capacidade da passagem entre o imediato e o mediato. Está, portanto, vinculada à ideia de processo e movimento que fundam a dialética. FONTE: Os autores Podemos depreender dessas concepções que a mediação é o lugar onde o processo comunicacional de interação entre os sujeitos, na construção de múltiplos sentidos, se estabelece. De acordo com Feuerstein (2012), a mediação se centra na interlocução que se estabelece entre o mediador, o estímulo e o mediado (Figura 12). 34 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA FIGURA 12 – PARCEIROS DA MEDIAÇÃO (FEUERSTEIN (2012) FONTE: Os autores Em síntese, o mediado “é o foco, o centro da intervenção do mediador. A mediação envolve a cognição e a motivação. A motivação é o aspecto afetivo da cognição. E o estímulo colabora, juntamente com as intervenções do mediador, para desenvolver a motivação no mediado” (CUNHA, 2017, p. 5). IMPORTANT E TÓPICO 2 - LEITURA E MEDIAÇÃO 35 Tomemos novamente o exemplo de Ben Carson, este era o mediado em questão. A motivação vem do desejo de sua mãe tirá-lo de seu contexto difícil e miserável e a angústia para que não se debandasse para as gangues, comum em seu bairro. Foi o estímulo afetivo desta matriarca mediadora que desenvolveu a habilidade instigadora no mediado que se tornou um grande médico neurocirurgião. Em O perfi l do professor mediador: pedagogia da mediação (TÉBAR, 2011), “são descritos sete valores básicos [Figura 13], que ressaltam a importância da mediação na etapa infantil e básica como prevenção de subdesenvolvimento e disfunções nas crianças” (RASTELI, 2013, p. 30), de vital importância sendo que nosso objetivo é investigar a mediação da leitura em espaços escolares. FIGURA 13 – VALORES BÁSICOS DA MEDIAÇÃO FONTE: Adaptado de Rasteli (2013) 36 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA Tais premissas são importantes à prática do professor — não somente do profissional de letras ou da pedagogia, mas de todas as áreas do saber — sendo que são vitais ao desenvolvimento cognitivo em práticas de leitura. Daí vem outra questão, para incitar, iniciar ou motivar a leitura de forma mediadora, cabe àquele que a propõe também ser um esmero leitor. Pois, como incentivar uma prática que não se pratica? Como incitar algo que não se está impregnado por ela? Tradicionalmente associado à condição de "transmissor de conhecimentos", o papel do professor merece ser revisto à luz dos apelos educativos de nosso mundo e de novas configurações do projeto educativo. Assista à discussão apresentada pela Prof.ª Rosa Lavelberg (USP). Disponível em: http://eaulas.usp.br/portal/video. action;jsessionid=CA566AE57643A767D6ED2B5FED78915E?idPlaylist=6361. DICAS 2.1 A LEITURA E A LINGUAGEM: PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO Discutimos anteriormente conceitos importantes como de leitura e mediação, agora vamos explorar o conceito de linguagem e refletir sobre a correlação desses elementos nas práticas escolares. A relação entre o dueto concepção de linguagem e concepção de leitura é fundamental na formação e no desenvolvimento do leitor proficiente. Tal compreensão leva em observação a dependência do texto-leitor, ou seja, uma depende do texto (leitura foco no texto), outra do leitor (leitura foco no leitor) e uma terceira que compreende a interação entre autor/texto/leitor (leitura como interação) (CORACINI, 2002 apud BATISTA-SANTOS; FERREIRA 2017, p. 332). Geraldi (1997 apud BATISTA-SANTOS; FERREIRA 2017) destaca a importância de compreender as concepções de língua, sujeito e interações (Figura 14) para, de forma mais abrangente, conceber o que é linguagem. TÓPICO 2 - LEITURA E MEDIAÇÃO 37 FIGURA 14 – DISTINÇÕES ENTRE LÍNGUA, SUJEITO E INTERAÇÕES FONTE: Geraldi (1997 apud BATISTA-SANTOS; FERREIRA, 2017, p. 332-333) Batista-Santos e Ferreira (2017), com base em Travaglia (1996), Koch (2005) e Fuza, Ohuschi, Menegassi (2011), sistematiza o conceito de linguagem a partir de três enfoques (Figura 15): linguagem como expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como interação; tais concepções são de extrema importância quando pensamos a mediação da leitura, pois serão base da construção da metodologia de ensino que será usada e das competências leitoras serão mobilizadas. 38 UNIDADE 1 - PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA LEITURA FIGURA 15 – CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM FONTE: Batista-Santos e Ferreira (2017, p. 333) Em síntese, na perspectiva das autoras, a linguagem como expressão está relacionada a uma visão de linguagem como representação do pensamento, alinhada aos pressupostos da gramática normativa. O sujeito, neste contexto, é para Koch (2005), passivo; um sujeito psicológico, extraído das práticas sociais no sentido de indivíduo livre de infl uência do meio para construção do conhecimento, do agir e do pensar e de construir unilateralmente o sentido e exteriorizá-lo (Figura 16). Nesse sentido, “o modo como o texto, que se usa em cada situação de interação comunicativa, está constituído não depende em nada de quem se fala, em que situação se fala, como, quando e para quem se fala” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). FIGURA 16 – DESTITUIÇÃO DO CONTEXTO NO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO TEXTO FONTE: <https://player.slideplayer.com.br/89/14358664/slides/slide_21.jpg>.
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