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Série Análise Criminal | VOLUME 1 ISBN 978-85-60502-32-5 D is tr ib ui çã o G ra tu ita A ANÁLISE CRIMINAL E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL Sé rie A ná lis e Cr im in al Série Análise Criminal | VOLUME 1 ISBN 978-85-60502-32-5 D is tr ib ui çã o G ra tu ita A ANÁLISE CRIMINAL E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL Sé rie A ná lis e Cr im in al PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DA SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS Paulo de Tarso Vannuchi GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Sérgio Cabral Filho SECRETÁRIO DE ESTADO DE SEGURANÇA DO RIO DE JANEIRO José Mariano Beltrame INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA DIRETOR-PRESIDENTE Mário Sérgio de Brito Duarte VICE-PRESIDENTE Robson Rodrigues da Silva COORDENADOR DOS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA Paulo Augusto Teixeira A ANÁLISE CRIMINAL E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL Este livro foi produzido por meio de convênio firmado entre o Instituto de Segurança Pública e o Programa de Apoio Institucional às Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, financiado pela União Européia. O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva dos autores e do Instituto de Segurança Pública. A ANÁLISE CRIMINAL E O PLANEJAMENTO OPERACIONAL Projeto Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal Volume 1 2008 RIO DE JANEIRO 1ª EDIÇÃO Coleção Instituto de Segurança Pública Coordenador– Mário Sérgio de Brito Duarte Série Análise Criminal Organizadores – Andréia Soares Pinto e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Volume 1 A Análise Criminal e o Planejamento Operacional Autores Ana Paula Mendes de Miranda – IPP / Simoni Lahud Guedes – UFF / Doriam Borges – IUPERJ / Cláudio Beato – UFMG Elenice de Souza – UFMG / Paulo Augusto Souza Teixeira – ISP © 2006 by Instituto de Segurança Pública Tiragem: 150 exemplares Impresso no Brasil É permitida a reprodução, total ou parcial, e por qualquer meio, desde que citada a fonte. Revisão Frederico César Girauta Maria Cláudia Ajuz Goulart Carmem Lúcia Teixeira Jochen Iara Cruz Fróes da Silva Projeto Gráfico Alexandre Lage da Gama Lima Thiago Venturotti Nunes Carneiro Diagramação Francisco Kelson Moreira de Sousa Organizadoras do volume Andréia Soares Pinto Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Ficha Catalográfica Johenir Viégas Elenice Glória Martins Pinheiro Coordenação Técnica Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Equipe técnica Lucas Botino do Amaral Daniel Keidel Bou Haya Coordenação Administrativa José Motta de Souza Apoio Administrativo Alexandre Corval Florisvaldo Moro José Renato Biral Belarmino A532a A Análise Criminal e o Planejamento Operacional / Organizadoras Andréia Soares Pinto e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro; Coordenador Mário Sérgio de Brito Duarte; [autores] Ana Paula Mendes de Miranda ...[et al.]. – Rio de Janeiro: Riosegurança, 2008. 116 p. – (Série Análise Criminal, v. 1) ISBN 978-85-60502-32-5 1. Análise Criminal – manuais, guias, etc. I.Pinto, Andréia Soares (Org.) II Ribeiro, Ludmila Mendonça Lopes (Org.) III. Duarte, Mário Sérgio de Brito (Coord.) II. Título. III. Série. CDD: 362.12 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO (Mário Sérgio de Brito Duarte e Robson Rodrigues da Silva) ....................................... 7 INTRODUÇÃO (Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro e Andréia Soares Pinto) .......................................... 10 INFORMAÇÃO, ANÁLISE CRIMINAL E SENTIMENTO DE (IN) SEGURANÇA: CONSIDERAÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA (Ana Paula Mendes de Miranda) ............................................................................................... 14 COLETANDO E EXTRAINDO INFORMAÇÕES DOS BANCOS DE DADOS CRIMINAIS: A LÓGICA DAS ESTATÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES POLICIAIS (Doriam Borges) ................................................................................................................................ 42 O SISTEMA CLASSIFICATÓRIO DAS OCORRÊNCIAS NA POLÍCIA MILITAR DO RIO DE JANEIRO E A ORGANIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA POLICIAL: UMA ANÁLISE PRELIMINAR (Simoni Lahud Guedes) ................................................................................................................. 53 PRODUÇÃO, USO DE INFORMAÇÕES E DIAGNÓSTICOS EM SEGURANÇA URBANA (Cláudio Beato) ................................................................................................................................. 63 EXPLORANDO NOVOS DESAFIOS NA POLÍCIA: O PAPEL DO ANALISTA, O POLICIAMENTO ORIENTADO PARA O PROBLEMA E A METODOLOGIA IARA (Elenice de Souza) ........................................................................................................................... 92 OS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA E OS DADOS OFICIAIS (Paulo Augusto Souza Teixeira) .................................................................................................. 105 PERFIL DOS ORGANIZADORES E AUTORES ........................................................................... 116 SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 7 Foi por uma postura racional que, segundo Max Weber, a civilização ocidental se distinguiu no cenário mundial sustentada pelos pilares da ciência, do capitalismo e da democracia1. Nesse sentido, a otimização de recursos na busca de um “lucro sempre renovável”, a organização racional do trabalho e a ciência moderna, menos contemplativa e cada vez mais compromissada com o progresso tecnológico, foram fatores decisivos para o surgimento do atual conceito de cidadão e da moderna sociedade industrial. Em termos de Administração Pública, o conceito weberiano de “lucro renovável” pode ser traduzido por uma gestão eficiente, eficaz e efetiva que utiliza a ciência para a alocação racional dos recursos públicos, definindo objetivos, traçando metas factíveis e construindo indicadores adequados de avaliação e de produtividade. O chamado planejamento estratégico deve contemplar, portanto, um diagnóstico adequado da realidade, dos recursos disponíveis e dos óbices que eventualmente dificultem a consecução desses objetivos. No campo da segurança pública, mais precisamente no que diz respeito ao controle da criminalidade e das violências, função que entendemos ser uma das premissas do Estado-nação, uma gestão que se pretenda moderna não deve abrir mão da Análise Criminal como instrumento otimizador de suas ações, com todas as novidades que o progresso científico-tecnológico pode hoje nos proporcionar. Um de seus objetivos é o de habilitar profissionais na manipulação de softwares estatísticos e de geoprocessamento para a produção e análise de informações necessárias ao planejamento e à execução de políticas públicas de segurança eficazes. O livro que ora temos o prazer de apresentar trata exatamente da Análise Criminal e faz parte de um conjunto de estratégias desencadeadas pelo Instituto de Segurança Pública, com vistas à modernização da segurança pública estadual. Particularmente, objetiva familiarizar atores do chamado sistema de justiça criminal e segurança pública (polícia, Ministério Público, justiça e presídios) com o instrumental científico-tecnológico construído pelo Instituto para uma gestão racional da segurança pública, tanto no plano estratégico, como no tático-operacional. Ele foi elaborado por 1 WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 14 ed. São Paulo, Pioneira, 1999. APRESENTAÇÃO 8 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL ocasião do Curso de Capacitação em Técnica Quantitativas e Análise Criminal, um dos projetos2 do convênio firmado com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) e realizado pelo ISP com o financiamento da União Européia. Mesmo entendendo que a Análise Criminal seja mais do que a coleta de dados quantitativos para a produção de uma estatística criminal confiável, esta é, sem dúvida, sua primeira etapa. Assim, torna-se importante primeiramente a construção de bases de dados abrangendo informações sobre as práticasdos atores do sistema de justiça criminal, juntamente com um ferramental analítico adequado; depois, a sensibilização desses próprios atores para que, por meio de uma postura moderna, possam de fato utilizar em toda sua plenitude o instrumental disponibilizado pelo ISP, quer na projeção de cenários, na elaboração de inferências, no estabelecimento de padrões ou no mapeamento de tendências criminais. Evidentemente que estamos falando de um processo de modernização que, como todo processo, apresenta uma ordem de etapas que precisa ser respeitada. Seguindo essa ordem, o ISP vem procurando cumprir sua vocação institucional de subsidiar a Secretaria de Estado de Segurança na elaboração de políticas públicas. Nesse sentido o estado do Rio de Janeiro já conta, desde 1999, com o Programa Delegacia Legal, dispondo de uma base de dados confiável das ocorrências registradas em todo o território fluminense. A partir deles, o ISP produz a estatística criminal do estado que é divulgada mensalmente na página eletrônica do Instituto3 e no Diário Oficial do estado. Por meio do mesmo convênio com a SEDH e a União Européia, o ISP também desenvolveu o projeto SIAD4 (Sistema de Integração de Análise de Dados), com o objetivo de integrar dados da Polícia Civil, da Polícia Militar e das Guardas Municipais5; e desenvolveu, ainda, uma metodologia própria para a realização de pesquisas de vitimização que visam compreender o fenômeno da sub-notificação criminal, mais comumente conhecida como “cifra negra”. Seu primeiro resultado foi a Pesquisa de 2 Tanto esse quanto outros projetos ou programas aqui citados serão, de alguma maneira, abordados nos artigos que compõem o presente livro. 3 www.isp.rj.gov.br 4 Cf. nota 2. 5 O piloto desse projeto foi iniciado no Município de São Gonçalo e a expectativa é de que, muito em breve, ele possa ser expandido para todo o estado. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 9 Condições de Vida e de Vitimização6, realizada em 2006/2007 na Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro e recentemente divulgada pelo ISP. Aliás, foi após a divulgação dos dados dessa pesquisa, que o próprio Secretário de Estado de Segurança, Dr. José Mariano Beltrame, aventou a possibilidade de se iniciar uma série histórica para a avaliação das “cifras negras” no estado, o que já foi incluído no Planejamento Orçamentário para o próximo ano. Outro grande passo do ISP nesse processo foi a criação de um Observatório de Análise Criminal no Núcleo de Pesquisas em Segurança Pública e Justiça Criminal - NUPESP/ISP, que possibilita o monitoramento espacializado das incidências criminais no estado, com o georeferenciamento dos dados das ocorrências policiais obtidas no Centro de Comando e Controle7 da Secretaria de Estado de Segurança - SESEG. Sabemos que ainda há muito caminho ainda para percorrer e, nesse aspecto, seria interessante contarmos também com dados sistematizados de outros atores do sistema de justiça criminal, além das polícias estaduais, problema que será discutido ao longo do presente trabalho. No entanto, é bom ressaltar que o sucesso do primeiro curso de análise criminal já nos aponta alguns avanços nesse sentido. Dessa forma, o ISP resolveu oferecer uma versão mais curta do mesmo curso para policiais, jornalistas, pesquisadores e gestores de segurança pública em geral, como uma capacitação a ser continuada neste e no próximo ano. E ainda no intuito da sensibilização, foi estabelecido um diálogo com a Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro para que o mesmo programa também seja oferecido na Academia de Polícia Militar D. João VI para Aspirantes recém-formados no Curso de Formação de Oficiais, o que atenderá à Matriz Curricular proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Percebe-se, com isso, a imensa potencialidade que representa este trabalho que, inclusive, deverá ser acrescido de outros artigos ou volumes, num futuro muito próximo. MÁRIO SÉRGIO DE BRITO DUARTE Diretor-Presidente do Instituto de Segurança Pública ROBSON RODRIGUES DA SILVA Vice-Presidente do Instituto de Segurança Pública 6 Cf. Nota 2. 7 Órgão que administra o recebimento das chamadas emergenciais 190. 10 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL INTRODUÇÃO Existe hoje amplo reconhecimento de que nenhuma organização pública ou particular funciona bem sem recursos humanos capazes de desenvolver com eficácia, eficiência e efetividade as atividades que lhe são destinadas. No âmbito das instituições que compõem o sistema de justiça criminal, esta afirmação também é válida, razão pela qual muito se tem discutido sobre quais habilidades devem ser consideradas indispensáveis ao agente de segurança pública, para que esteja de fato capacitado a traçar ações de prevenção da criminalidade, principalmente a violenta. Entre as habilidades requeridas para o agente de segurança pública, encontra- se a de empreender uma boa análise criminal nos momentos que antecedem o planejamento das políticas públicas e, em especial, após a implementação dessas. Isto porque uma política pública eficaz, eficiente e efetiva é aquela que consegue não apenas prevenir o crime, mas, sobretudo, elevar a qualidade de vida dos cidadãos. As ações que antecedem a elaboração da política e apontam suas virtudes e vicissitudes têm como sustentáculo as informações produzidas em sua implementação. Em boa medida, estas se encontram armazenadas nas organizações que compõem o sistema de justiça criminal na forma de dados quantitativos, os quais podem ter sua natureza e dinâmica, compreendidas através das técnicas de análise estatística. Daí porque a estatística criminal tem se revelado como um dos principais instrumentos no planejamento e avaliação das ações de segurança pública. A análise criminal é entendida como um conjunto de processos sistemáticos direcionados para o provimento de informação oportuna e pertinente sobre os padrões do crime e suas correlações de tendências, de modo a apoiar as áreas operacional e administrativa no planejamento e distribuição de recursos para prevenção e supressão de atividades criminais. Contudo, este instrumento parece ainda não integrar o cotidiano das organizações encarregadas da promoção da segurança pública na realidade brasileira. Consciente deste fenômeno e pressionado pela demanda contínua de diversos policiais no que diz respeito à capacitação em técnicas quantitativas e análise criminal, SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 11 o Instituto de Segurança Pública - ISP1 propôs a realização do Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal para os agentes de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. A proposta de realização do curso teve como sustentáculo o fato de que vários agentes de segurança pública argumentavam que a não utilização dos dados criminais produzidos pela delegacia legal e tratados pelo ISP se devia ao desconhecimento das ferramentas de análise criminal. A partir do convênio entre a Secretaria Estadual de Segurança Pública e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal, com financiamento da União Européia, o ISP capacitou, entre os dias 7 de agosto e 11 de outubro de 2006, cinqüenta e três agentes de segurança pública, através de um curso estruturado em três módulos. O primeiro ministrou disciplinas capazes de dar suporte teórico à compreensão dos métodos quantitativos. Nesta etapa, portanto, foram abordados conteúdos relativos à introdução à estatística e à análise de dados, bem como programas mais utilizados neste sentido, quais sejam EXCEL e SPSS. A segunda parte visou dar suporte aos alunos na utilização dos dados de natureza criminal produzidos por cada uma das organizações que compõem o sistema de justiça criminal quais sejam: Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Judiciário e Sistema Penitenciário. Este módulo teve como finalidade familiarizá-los com a utilização desses dados durante o exercício de sua atividade cotidiana. Por fim, o terceiromódulo consistiu no compartilhamento de experiências de organizações policiais militares de outros estados da federação brasileira no uso de dados quantitativos enquanto ferramenta auxiliar na consecução do planejamento tático e operacional da unidade policial. O Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal foi, portanto, um projeto de aperfeiçoamento dos agentes de segurança pública através da introdução, na realidade prática destes agentes, de ferramentas de análise estatística enquanto instrumento auxiliar na mensuração dos resultados das políticas públicas implementadas e instrumento principal na elaboração de ações policiais preventivas eficazes. Alguns dos textos que integram o primeiro volume da série análise criminal foram produzidos pelos professores do curso ao longo das aulas. Ou seja, trata-se de 1 O Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma autarquia ligada à Secretaria de Segurança Pública, que produz mensalmente estatísticas relativas à ocorrência de crimes no estado. Esses dados constituem uma gama de informações que poderiam servir como ferramentas no planejamento e avaliação de políticas públicas da área de segurança 12 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL trabalho construído não apenas a partir dos princípios teóricos e metodológicos que orientam a análise criminal, mas, sobretudo, a partir do diálogo com os principais usuários das ferramentas de informação e gestão que foram ensinadas no Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal. Assim, os estudos publicados neste volume representam uma tentativa de reunir as principais reflexões sobre análise criminal e, desta forma, mudar o quadro de não uso das ferramentas estatísticas enquanto instrumento e avaliação das políticas de segurança em razão do desconhecimento destas. A estrutura da obra em cinco capítulos reflete este propósito. O primeiro capítulo analisa conceitualmente o papel da informação, em especial a estatística, na seara da segurança pública, e a forma como os dados criminais têm sido produzidos e utilizados no estado do Rio de Janeiro. Nele é desenvolvido o instrumental teórico acerca da importância da informação no planejamento e avaliação das políticas de segurança pública, utilizado nos capítulos subseqüentes. O segundo capítulo apresenta uma discussão sobre os pressupostos da estatística criminal, principalmente no que diz respeito às possibilidades de aplicação dessa metodologia a diversas bases de dados criminais (ou não) disponíveis no Brasil. Já o terceiro capítulo parte de uma dessas bases de dados, com ênfase na base construída pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, para desenvolver a discussão sobre como foi montado e como hoje é operado o sistema classificatório das ocorrências policiais. Os capítulos 3 e 4 discutem a produção e o uso das informações criminais na elaboração de ações e diagnósticos em segurança pública. O primeiro deles parte do estudo de caso de Belo Horizonte e salienta que as diversas ferramentas estatísticas ensinadas no Curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal, quando empregadas com o devido rigor metodológico, viabilizam a redução da incidência criminal e, por conseguinte, a melhoria da qualidade de vida urbana. O outro capítulo enfatiza as capacidades requeridas para o moderno policial na produção e no uso das informações estatísticas e de como estas competências são ativadas e dinamizadas através da metodologia IARA (metodologia orientada para a solução de problemas composta por quatro etapas: Identificação, Análise, Resposta e Avaliação - IARA). O último capítulo discute a transparência dos dados na seara da segurança pública a partir da análise das ações desenvolvidas de forma integrada pelas polícias SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 13 e pelas comunidades, e das informações produzidas pelos Conselhos Comunitários de Segurança do Rio de Janeiro. Com o primeiro volume da série análise criminal, desejamos suprimir uma lacuna na segurança pública, propiciando ao leitor um instrumento de apoio e reflexão que possa contribuir efetivamente para a melhor aplicação dos conteúdos apreendidos durante o curso. Esperamos que a interação entre os diversos campos de conhecimento possibilite a percepção de que o trabalho policial não se esgota no atendimento e registro de ocorrências, mas, é uma atividade voltada para a identificação e resolução de conflitos. Andréia Soares Pinto Coordenadora responsável pelo projeto Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Coordenadora Técnica 14 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL INFORMAÇÃO, ANÁLISE CRIMINAL E SENTIMENTO DE (IN) SEGURANÇA: CONSIDERAÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA1 Ana Paula Mendes de Miranda A informação e a construção do conhecimento A informação é considerada usualmente como um conjunto de fatos (acontecimentos) e/ou dados a respeito de algo, que constituiriam o ato de informar, entendido como um processo de interação do sujeito com o mundo exterior. De acordo com a teoria da informação, enunciar uma mensagem permite a redução da incerteza sobre uma dada realidade. Nesse sentido, informar significa comunicar os fatos, tornando-os públicos, e privilegiando uma visão dos fatos como “coisas”, cujo relato isento propiciaria a percepção da realidade como ela é. Mas o que são “dados”? São elementos de informações ou representações de fatos que servem de base para a formação de uma análise, cujo resultado será influenciado por diversos fatores. O uso mais comum dos “dados” está relacionado à estatística. A criação da palavra Estatística é atribuída ao pesquisador alemão Gottfried Aschenwall (1719-1772) com o sentido de ciência do Estado, que permitiria aos governantes ter um diagnóstico mais objetivo dos fatos concernentes aos seus domínios. Acreditava-se, então, que as cifras trariam mais credibilidade e legitimidade do que as descrições textuais. Tratou-se, portanto, de uma forma de conhecimento que surge como um dos elementos da teoria da arte de governar, relacionada ao desenvolvimento dos aparelhos administrativos do Estado, nos séculos XVII e XVIII. 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no Painel Políticas Públicas, Violências e Discursos, durante o Simpósio da Rede Interdisciplinar de Estudos Comparativos (RIEC): Direito, Justiça e Segurança Pública - Isaac Joseph, o espaço público e as políticas públicas, no VIII Congresso Luso- Afro Brasileiro de Ciências Sociais, em Coimbra, 2004. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 15 A busca pela objetividade e neutralidade é algo já amplamente discutido na teoria do conhecimento2, tendo sido bem demonstrada por Foucault (1990), que analisou a complexa relação entre os saberes e o poder, ao afirmar que todo saber é político, não apenas porque foi produzido pelo Estado, mas porque todo saber tem em sua origem relações de poder. A estatística entendida como ciência do Estado se constitui em um exemplo privilegiado dessa relação entre saberes e poderes, que vai desde a escolha dos temas a serem investigados até os conceitos, bem como outros aspectos metodológicos da produção de estatísticas públicas, tudo é produto de escolhas feitas pelos “analistas”. Assim, as estatísticas não podem ser compreendidas como uma cópia da realidade, mas sim como sínteses construídas a partir da observação das realidades. Conseqüentemente, todo recorte estatístico é constituído por diferentes interpretações de um mesmo fato, o que explica a existência de um grau aceitável e conhecido de erro, muito embora haja um discurso de que os números sejam sempre exatos. A inexatidão da informação estatística tem sido comumente interpretada como uma forma de manipulação intencional, com o objetivo de obter os resultados que interessam aos governos. Esta prática é tradicionalmente chamada de “maquiagem”, como referência ao hábito de utilização de produtos de beleza para disfarçar imperfeições e realçar pontos positivos,bem como para produzir máscaras e fantasias. Não há como negar que a metáfora se aplica bem a diversas formas de governos, nacionais ou internacionais, mais ou menos democráticos, que ao longo da história procuraram dissimular alguns fatos e exibir outros tantos. Porém, há que se problematizar mais a inexatidão estatística sob o risco de perdermos um instrumento de análise necessário para a construção de políticas públicas. Primeiro, é preciso se pensar para que servem os dados na segurança pública? Servem para, principalmente, orientar a administração quanto aos caminhos que deve seguir no planejamento, execução e redirecionamento das ações do sistema policial. Servem, também, para a população conhecer o que está acontecendo ao seu redor; e, depois, para que, conhecendo os dados e áreas de incidência, a população e os diferentes setores da sociedade civil possam objetivar as demandas por providências do Poder Público e contribuir para o esforço comunitário contra a insegurança. O uso da informação estatística possui um caráter estratégico porque permite dar significado a infinidade de dados que inundam a administração pública. A sua 2 Ver Kuhn (1974) e Morin (2005) 16 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL importância não está apenas na divulgação da informação, mas na transformação da informação bruta em algo que possa servir para orientar ações futuras. Portanto, é o contexto que vai determinar o sentido dos dados. O processo de quantificação para que seja útil à interpretação da realidade deve ser complementado pelas informações qualitativas, que fornecem mais detalhes sobre o fenômeno que se pretende estudar. A propósito da insegurança, cumpre sublinhar que os dados estatísticos das polícias dão conta apenas do que se pode chamar de (in) segurança objetiva, o que tem a ver pura e simplesmente com a quantidade das ocorrências criminais. Não dão conta da (in) segurança subjetiva, também conhecida como sentimento de insegurança (Roché, 1990 e 1998), que, independentemente dos dados objetivos, pode ser ampliada por inúmeros fatores, mas principalmente pelo impacto emocional destas ou daquelas ocorrências em função de quem seja a vítima ou o local onde tenham ocorrido. A informação como instrumento de políticas públicas O Brasil é uma república federativa, formada por 26 Estados, mais de 5.500 Municípios e um Distrito Federal, cuja Constituição em vigor estabelece as competências relativas à segurança pública, no título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), em seu art. 144, como sendo um dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, sendo exercida “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (Brasil, 2004) pelos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiros militares3. O Estado do Rio de Janeiro é o único do Brasil que publica mensalmente em Diário Oficial os registros de ocorrência em delegacias, de crimes ou outros eventos ocorridos em todo o seu território4. Enquanto a cobertura de registros é de 100% no Rio de Janeiro, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a média nacional é de 86%. 3 Embora as Guardas Municipais sejam citadas nesse artigo no §8, não estão listadas entre os órgãos responsáveis pela gestão da segurança pública. Por outro lado, a polícia ferroviária federal é citada, mas sua função é apenas proteger o que sobrou do patrimônio da Rede Ferroviária Federal, em processo de liquidação. 4 Essas informações estão disponíveis na internet, no site www.institutodeseguranca.rj.gov.br. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 17 Este trabalho teve início em 1999, como parte do Programa de Qualificação Estatística e Relação com a Mídia. Participaram deste projeto diversos setores da sociedade, em especial, pesquisadores que estudam a temática da violência, criminalidade e segurança pública (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2000). Os objetivos principais foram dar transparência aos dados; incorporar conhecimento especializado no tratamento das estatísticas, proveniente ou não de fontes policiais; e desagregar os dados por Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP)5, a fim de produzir mapas de risco com indicação de pontos de concentração de ocorrências de crimes. Em 2000, foi criado o Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública (NUPESP), vinculado ao Instituto de Segurança Pública6, tendo como finalidades principais produzir os relatórios estatísticos sobre o sistema de segurança pública estadual, além de desenvolver e coordenar estudos sobre a justiça criminal e segurança pública, que possam contribuir para o aprimoramento profissional dos policiais. Trata-se de um órgão que pretende promover a integração entre a metodologia acadêmica de pesquisa e a avaliação institucional do trabalho policial. Tradicionalmente, a gestão dos recursos policiais e o planejamento das ações têm sido orientados apenas pela “experiência” e “bom senso” dos agentes (investigadores, inspetores e oficiais de cartório) e autoridades policiais (delegados). Nesse sentido, considera-se que a realização de diagnósticos, a definição de metas, critérios de avaliação e a elaboração de medidas de desempenho consistentes é um trabalho que pode auxiliar tanto para avaliação da qualidade desse trabalho, quanto possibilitar o gerenciamento profissional da polícia, de forma a constituir-se numa política pública de segurança. Juntamente com a divulgação no Diário Oficial dos dados estatísticos sobre a criminalidade no Estado, o Instituto de Segurança Pública (ISP) passou a publicar 5 Trata-se da correspondência geográfica entre a área de um batalhão da Polícia Militar (responsável pelo policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública) e uma ou mais circunscrições de delegacias da Polícia Civil (exercendo as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais) 6 O Instituto de Segurança Pública é uma autarquia, criada em dezembro de 1999, para assegurar, gerenciar e executar a política de segurança do Estado do Rio de Janeiro, elaborando o planejamento da força policial que mais atenda às necessidades da sociedade. O ISP está vinculado à Secretaria de Estado de Segurança Pública, mas tem receita própria e gestão descentralizada. 18 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL o Boletim Mensal de Monitoramento e Análise7, a fim de dar conta à população não só do significado dos números em relação às metas estabelecidas para o setor, como também do que eles representam em relação às séries históricas sobre os crimes que mais preocupam a população. Os crimes analisados mais profundamente são: homicídio doloso, extorsão mediante seqüestro, roubo de carga, roubo e furto de veículos, roubo a banco, roubo a transeuntes, roubo a residência, roubo em coletivo e latrocínio. Estes itens foram selecionados, pela Secretaria de Segurança Pública, por atender aos seguintes critérios: • “Crimes violentos, assim considerados internacionalmente, principalmente o homicídio e o latrocínio; • Crimes contra o patrimônio com o uso de violência - popularmente chamadas de assaltos, tais como roubo a transeuntes, roubo em coletivos, roubo e furto de veículos; • Crimes passíveis de intervenção mais direta do Poder Público, razão pela qual, por exemplo, o estupro, embora mereça atenção especial, não esteja incluído entre estes crimes”8. Paralelamente, outras formas de análise são realizadas e encaminhadas às polícias, de modo a mapear as áreas e horários com maior concentração de ocorrências registradas. Essas informações não são divulgadas para não prejudicar as atividades policiais, já que são utilizadas para planejar as ações operacionais das polícias. Dando continuidade ao Programa de Qualificação Estatística foi lançada a Série Estudos, em 2005, voltada para a análise de delitos relacionados a manifestações de violências interpessoais. No primeiro número, Dossiê Mulher,abordou-se os problemas das violências sexuais e agressões físicas no Rio de Janeiro e no mundo. Os profissionais que atuam no sistema de segurança pública, tradicionalmente, trabalham apenas com dados relativos aos crimes que estão sob sua responsabilidade direta. Embora, não haja nada de errado nisso, essa postura não permite perceber a regularidade com que determinados delitos ocorrem, o que dificulta o trabalho de planejamento. 7 Também disponível no site www.institutodeseguranca.rj.gov.br 8 Ver Boletim Mensal, op.cit SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 19 A identificação de padrões, a partir do cruzamento das informações existentes nos bancos de dados das polícias, constitui-se em uma forma de sistematização mais independente do que a memória individual dos agentes. Os policiais consideram fundamental esta forma de trabalho, para que se possa falar no emprego de estratégias preventivas. Esta estratégia, no entanto, apresenta duas grandes dificuldades: romper com a tradição policial de reter as informações e não compartilhá-las, e enfatizar o aperfeiçoamento da qualidade das informações recebidas e processadas pela polícia. Ressalta-se que a organização e análise dos dados são importantes por dois aspectos: permite que as instituições policiais possuam insumos de qualidade para realizar seu trabalho, visando reduzir a vitimização de cidadãos e policiais, além de permitir que a administração pública conheça os principais problemas do ponto de vista da população, já que se sabe que somente é registrado aquilo que é considerado mais importante, como por exemplo, para fazer jus a direitos, como no caso do recebimento de seguro de automóveis, ou nos casos de crimes contra a vida, onde o Estado tem a obrigação de atuar. A padronização da informação faz parte de um esforço de estruturação e organização das instituições policiais, como forma de centralizar o acesso aos dados na administração central e com o objetivo de reduzir o arbítrio policial. Trata-se de buscar formas de controle institucionais, que assegurem a qualidade e a padronização da informação e do trabalho policial. Do caos às ordens: a disputa entre a “política do sigilo” e a transparência política O Registro de Ocorrência é o documento produzido pela Polícia Civil que poderá iniciar um inquérito policial, quando houver indício da existência de algum crime. Conforme já descreveu Roberto Kant de Lima (1995), ainda hoje o registro de ocorrência só é efetivado quando a polícia assim o deseja, o que contraria a legislação e as orientações governamentais atuais. Os policiais argumentam que estariam poupando tempo do cidadão. No entanto, já foi verificado que, muitas vezes, o policial leva algumas horas convencendo a vítima a não registrar o crime, gastando provavelmente tempo equivalente ao necessário para se realizar o registro. 20 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL É comum criticar-se este tipo de prática, classificando-a como um indício do despreparo policial, assim como do interesse em manter um número baixo de registros, para não contabilizar um número alto de casos não resolvidos9. Embora essas hipóteses não mereçam ser descartadas, acredito, contudo, que esse aparente descaso faz parte de uma forma tradicional de organização e controle de informações, na qual a desordem e a particularização do conhecimento são mecanismos fundamentais para a distribuição e manutenção do poder10. O registro de ocorrência, na prática, não se restringe às classificações penais. Ao contrário, sua análise explicita mais o modo pelo qual a polícia entende os conflitos sociais, nos quais se incluem os crimes tipificados na legislação brasileira. Observa-se que há uma maior ênfase ao que se denomina modus operandi dos delitos, o que explica, do ponto de vista policial, a existência de um número maior de títulos de ocorrência do que as classificações de crimes na legislação. Há que se considerar, ainda, que a classificação dos eventos é distinta também entre as duas instituições policiais. Enquanto as categorias utilizadas pela Polícia Civil são quase totalmente relacionadas à legislação vigente no país, que trata dos crimes e contravenções, a classificação adotada pela Polícia Militar trata os eventos de forma mais genérica, incluindo além dos crimes, eventos que são denominados de “assistenciais” e os procedimentos considerados administrativos. As classificações existentes na Polícia Civil totalizam cerca de 1200 títulos, que abrangem a legislação relativa a crimes, contravenções, assim como títulos genéricos que permitem a inclusão de eventos, que não se encaixam nas demais. As classificações de ocorrências na Polícia Militar são agregadas em cinco grandes conjuntos (001 – crimes; 002 – contravenções; 003 – trânsito; 004 – assistenciais; 005 – diversas), que incluem um número variável de itens para detalhamento11. 9 No Boletim de Monitoramento nº. 02, de julho de 2003 (base junho), foi apresentado um levantamento que indicava a média percentual de 2,7% de elucidação para os casos de homicídio. No Relatório Final do Projeto Avaliação do Trabalho Policial nos Registros de Ocorrências e Inquéritos Referentes a Homicídios Consumados em Áreas de Delegacias Legais (2005), a média de elucidação de cinco delegacias analisadas foi de 4%. 10 Tal prática foi observada por mim em outras instituições públicas, tais como Cartórios de Registros Públicos e Arquivos Públicos (MIRANDA 2000 e 2005). 11 Ver RAMOS (2002) e GUEDES (2003). SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 21 Um outro ponto importante, diz respeito à transitoriedade do título da ocorrência na Polícia Civil, que pode ser modificado ao longo da investigação. Trata- se de uma classificação inicial e provisória que atende ao relato feito no “calor dos acontecimentos”, podendo ser alterado a qualquer momento pela autoridade policial, em face a novos fatos e/ou outras informações obtidas durante o inquérito policial. Neste sentido, a classificação de um fato do ponto de vista policial pode se diferenciar da classificação do mesmo fato por parte do Ministério Público, podendo ter, ainda, uma outra classificação quando do julgamento pelo juiz. Assim, uma análise aprofundada deste ciclo pressupõe que todas as instâncias do sistema de justiça criminal divulguem periodicamente seus dados, com a possibilidade do acompanhamento de um fato desde o registro da ocorrência até o seu julgamento. Infelizmente, esse processo ainda está longe de ser realidade no país. A rigor, a classificação dos títulos dos registros de ocorrência deveria ser realizada pelo delegado, mas a prática tem revelado que esta tarefa é feita pelos agentes e, muitas vezes, estes títulos não são conferidos pela autoridade policial. Outra situação ainda comum no cotidiano das delegacias é a classificação de um fato em um título diferente para não contabilizá-lo na classificação correta. Isso ocorre quando há a predominância de um problema numa região e os policiais decidem não registrá-lo mais. Ressalta-se que tal prática pode acontecer independentemente de uma ordem superior, o que caracterizaria uma situação de “maquiagem das estatísticas”. Ao fazê-lo autonomamente, os policiais podem, apenas, estar tentando evitar que sejam cobrados a melhorar a sua produtividade na investigação de tais delitos; podem também demonstrar, ainda que inconscientemente, a discricionariedade do trabalho policial. Desde 2004, em função de um maior rigor na análise dos dados e, conseqüentemente, da observação de um maior número de erros, a Polícia Civil do Rio de Janeiro adotou como procedimento regular, o encaminhamento dos registros em que há divergência entre o título e o fato descrito para a Corregedoria, que por sua vez fica encarregada de conferir e cobrar as alterações necessárias. Além do caráter correcional, pretende-se com isso influenciar indiretamente a qualidade dos registros de ocorrências. É importante lembrar que a organização dos dados na Polícia Civil teve início em julhode 1997, quando a Assessoria de Planejamento (ASPLAN) começou um trabalho de digitação e organização de banco de dados, trabalho que posteriormente foi adaptado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, com o objetivo de criar um sistema nacional e integrado de informações, atualmente em fase inicial de 22 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL implantação no Brasil12. Como ressalta Beato Filho (2000), são raras as secretarias de segurança no Brasil que dispõem de departamentos de estatística e coleta de dados, bem como da tecnologia necessária para tal. Em levantamento realizado pelo NUPESP em 2004, constatou-se que dos 26 estados apenas quatro informavam regularmente seus dados, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. No entanto, os diferentes formatos de classificação não permitem muitas vezes a comparação entre os mesmos. Uma outra mudança importante no processo de qualificação estatística do Rio de Janeiro foi a criação do Programa Delegacia Legal, em 1999. Seu objetivo foi modificar completamente a forma de operar de uma delegacia de polícia, a partir da organização das informações e também da prestação de um serviço público de qualidade à população, com a retirada das carceragens e a melhoria do trabalho investigativo. No que tange à organização das informações, há um esforço contínuo de padronizar as classificações, através da redação e divulgação de manuais. Este processo, no entanto, ainda encontra resistências por parte dos policiais, que mantém arquivos particulares, com informações sobre criminosos, informantes e até registros de ocorrências, não incluindo as informações no banco de dados da instituição. A resistência dos policiais às tentativas de padronização se soma à resistência com relação à publicidade dos dados, insumo necessário à proposição de políticas públicas. Entretanto, a resistência não deve ser encarada negativamente, ao contrário, deve ser considerada um indicador importante do impacto das políticas públicas em culturas institucionais. Quando não há nenhuma resistência é porque provavelmente as mudanças não estão surtindo os efeitos esperados. Só se pode falar de efetividade de uma política pública à medida que ela provoque impacto nas rotinas de uma instituição, e ao fazê-lo, essa política sofrerá conseqüentemente críticas dos que não desejam a mudança. A divulgação sistemática dos registros de ocorrência possibilita um diagnóstico preliminar, embora limitado, dos problemas que a população leva ao conhecimento da polícia. No entanto, ater-se apenas ao que foi registrado retifica a imagem da polícia como uma instituição destinada ao combate ao crime, em detrimento de uma outra imagem, também existente, da polícia mediadora de conflitos intracomunitários e de agência que articula a população a outras agências estatais. 12 Os dados referentes à economia, saúde ou educação já são há algum tempo regularmente coletados e analisados nacionalmente, porém apenas recentemente, os dados oriundos das polícias passaram a merecer tal tratamento, o mesmo não se pode falar sobre os dados do poder judiciário SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 23 É essa imagem da polícia que o projeto de integração das informações entre as duas corporações e as Guardas Municipais pretende apresentar. Atualmente, os dados dos atendimentos realizados pela Polícia Militar, seja através do serviço de emergência (190), seja mediante o Talão de Registro de Ocorrência, não são sistematizados e analisados. Destaca-se que esses dados são extremamente valiosos. Com eles, é possível observar diversas práticas relativas ao que se chama "feijoada", ou seja, o trabalho "assistêncial" que é considerado menos nobre, embora constitua 36% das atividades cotidianas, contabilizados juntamente com procedimentos administrativos que também não findam nas DP13. Atualmente, está em andamento um projeto de Integração de Bancos de Dados da Polícia Civil, da Polícia Militar e das Guardas Municipais do Estado do Rio de Janeiro, que está analisando a situação dos bancos de dados das Polícias Civil e Militar visando a sua integração. Numa segunda fase, pretende-se promover a integração com as Guardas Municipais e a Justiça Estadual, visando à ampliação do conhecimento relativo aos fatos relacionados à segurança pública, mediante o cruzamento das informações14. Simoni Lahud Guedes fez uma instigante análise sobre o sistema classificatório das ocorrências na Polícia Militar (2003), destacando que o sistema de registro trabalha conjugado a um sistema classificatório implícito, construído e transmitido pela ação e observação do trabalho dos “mais experientes”. Assim, “o sistema classificatório das ocorrências dirige o olhar para determinadas direções, hierarquiza e valoriza eventos, desvaloriza outros e obriga à construção de liames entre o vivido e o registrado” (2003:7). O principal problema em transformar o conjunto de ocorrências em estatística está exatamente na dificuldade de transformar a classificação policial, que toma por referência a experiência vivida em anos de trabalho policial em uma outra classificação, a estatística, cujos critérios lhe são exteriores, genéricos e pretendem alcançar uma universalidade. 13 Segundo FERREIRA (2004), 50% das ocorrências atendidas pela PMERJ classificam-se como condução à DP - obrigatória ou por opção das partes; 36% como fatos com procedimentos administrativos ou assistenciais (sem DP) e; 14% como atendimentos frustrados (não chegaram a se iniciar. 14 Este projeto é parte de um convênio com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Secretaria de Segurança Pública e o Instituto de Segurança Pública, com financiamento da União Européia. 24 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL Tal dificuldade se revela à medida que estamos tentando construir modelos de tradução que possibilitem a comparação entre os fatos registrados pela Polícia Civil, aonde o cidadão vai apresentar sua queixa, com os fatos registrados pela Polícia Militar, que atende a seus chamados. Numa análise preliminar dos eventos, já é possível observar que há algumas divergências de classificações entre as duas instituições, o que certamente revelará o que é valorizado e desvalorizado pelas duas polícias. A adoção da transparência como modelo de ação política tem sido apreciada como discurso no país, em especial, no que se refere à prestação de contas do uso de verbas públicas. Entretanto, este modelo contrasta com um outro, observável a partir das práticas rotineiras de funcionários públicos, chamada de “política do sigilo”. Sua característica principal é a expressão de um certo temor: os documentos públicos quando analisados podem significar censura a uma má administração. Segundo José Honório Rodrigues, a “política do sigilo” (1989: 13) corresponderia a uma velha tradição15 portuguesa que pretende esconder e sonegar os documentos, independentemente do tempo já decorrido. Esse desafio necessita ser enfrentado para que se possa efetivamente compreender que a relação entre informação e democracia é biunívoca, ou seja, uma não pode existir sem a outra (FERRARI, 2000). É preciso refletir também que esta relação deveria assegurar o direito-dever de informar, o que equivale à possibilidade de constituir e gerir fontes de informação, evitando-se os monopólios, bem como o direito de ser informado, o que corresponderia ao acesso a uma pluralidade de fontes informativas diferenciadas e de qualidade, evitando-se as informações manipuladas por má fé e/ou por ocultação de fatos. Publicidade dos dados e o sentimento de (in) segurança A descrição de como os dados têm sido produzidos e analisados é o ponto de partida para a discussão de como são construídas algumas representações a respeito da insegurança e o medo da violência e sua relação com a mídia no Rio de Janeiro. Foram selecionadas inicialmente 141 reportagens publicadas em jornais de circulação diária, das quais foram 38 selecionadas, abrangendo os meses de junho, julho, setembroe outubro de 2003; fevereiro, maio, junho e julho de 2004, relativos ao monitoramento 15 O conceito de tradição é entendido aqui como um determinado “padrão”, inconsciente, produzido e reproduzido por um grupo através de suas práticas. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 25 dos dados referentes aos registros de crimes no Estado16. A escolha deste recorte temporal está associada com a cobertura da imprensa durante a divulgação dos Boletins Mensais de Monitoramento e Análise, pelo Instituto de Segurança Pública. Foram incluídas ainda algumas análises dos dados levantados pela pesquisa “Avaliação do sentimento de insegurança nos bairros da cidade do Rio de Janeiro”, em fase de conclusão17. A seleção dos jornais ocorreu em função da participação de seus repórteres durante as entrevistas coletivas, quando foram apresentados os dados estatísticos, contando com a presença não só dos principais jornais fluminenses (O Globo, O Dia, O Fluminense, Extra, Jornal do Brasil e Jornal do Commercio), bem como de dois jornais paulistas (O Estado de São Paulo e A Folha de São Paulo). Uma primeira constatação diz respeito ao espaço dado pelos jornais ao tema. Com exceção do Jornal Extra, cujas matérias sobre as estatísticas aparecem no caderno denominado “Geral”, os demais apresentaram suas matérias em seções chamadas de “Dia a Dia” / “Nosso Rio” / “Polícia” (O Dia); “Cidade” (O Fluminense e Jornal do Brasil); “Rio” (O Globo); “Cotidiano” (Folha de São Paulo); “Cidades” (O Estado de São Paulo); “Rio de Janeiro” (Jornal do Commercio). Esta localização certamente não é casual e indica uma associação entre a representação do cotidiano da vida urbana ao aumento da violência e do crime, o que já foi amplamente analisado pela ciência social brasileira, conforme apontam Kant de Lima, Misse e Miranda (2000). Um outro ponto importante diz respeito aos jornais paulistas que muitas vezes dão um maior destaque aos fatos ocorridos no Rio de Janeiro e pouco falam sobre os eventos ocorridos em São Paulo18. Esse silêncio não pode ser considerado casual. Muito menos se pode imaginar que a principal metrópole do país seja um paraíso na terra, 16 O levantamento foi realizado pelos estudantes de Comunicação Social, Bárbara Tiago Bono e Gabriel Souza, e de Ciências Sociais, Eliane dos Santos da Luz, estagiários do ISP. 17 A pesquisa foi financiada pela FAPERJ, tendo sido realizada em nove bairros (Bangu, Bonsucesso, Botafogo, Campo Grande, Copacabana, Lagoa, Méier, Pavuna, Santa Cruz), levando-se em conta o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada bairro, os critérios de renda, escolaridade, taxa anual de homicídios e população. Foram aplicados 400 questionários em cada bairro a partir de uma amostra por cotas de gênero e idade, totalizando 2.000 pessoas. Participaram desse projeto os pesquisadores do ISP: Ana Luísa Vieira de Azevedo, Andréia Soares Pinto, Renato Coelho Dirk. 18 Ver também RAMOS E PAIVA (2005) 26 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL já que é pública a posição da política de segurança pública do estado de São Paulo, contrária à divulgação de informações relativas aos problemas locais. Atualmente, os dados são divulgados pela internet de forma agrupada, tais como crimes contra o patrimônio, crimes contra a vida etc., o que impossibilita qualquer tipo de comparação com os demais estados. Este fato, no entanto, tem sido pouco analisado, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto jornalístico. A visibilidade dada à criminalidade do Rio de Janeiro em detrimento da existente em São Paulo é apontada por Michel Misse (1999) como a estratégia de construção de um “paradigma da violência carioca”, que se constitui em torno da representação de um perigo social que poderia contaminar o país, expresso pelo discurso do “aumento da violência” a partir da década de 1980. Isso coincide com o período de democratização do país e com a expansão do ‘banditismo”, que deixa de ser exclusividade das classes pobres e se estende às classes médias e elites da cidade. Como conseqüência os signos da violência passaram a ser os fatos que se apresentam sob a forma de desordem, caos urbano e falta de controle por parte do Estado, como se o passado recente tivesse sido diferente deste quadro. O espaço dado ao crime não é o único objeto interessante do ponto de vista analítico. Conforme nos assinala João Trajano Sento Sé, o mais relevante seria a forma de abordagem, ou seja, a compreensão do modo como essas modalidades discursivas são construídas. Questionando a qualidade das abordagens a respeito da segurança pública, João Trajano afirma: “despojada de maior consistência analítica, a imprensa, em geral, e a mídia escrita, em particular, se restringem a acionar os mecanismos afetivos de produção de notícia na veiculação de casos envolvendo a violência. É gritante a ausência da contrapartida mais ponderada de uma exposição ainda que eventual, consistente e informada do quadro em que os eventos relatados devem ser colocados.” (2003: 35). É certo que a mídia não cria a realidade, ela faz parte dela, mas a falta de consistência analítica a torna um instrumento forte para a divulgação e reprodução dos atos de violência. Ela constrói um discurso e/ou uma imagem do transgressor como um Outro que é estranho, que não pertence à sociedade, vivendo quase na animalidade, a quem se deve temer e, portanto, afastar do convívio social19. 19 Sobre o tema ver BENEVIDES, 1981; CARDIA, 1994; MINAYO, 1999; RONDELLI, 1997 e 2000. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 27 Essa visão conservadora predomina nas análises sobre a violência, tendo como uma rara exceção o trabalho organizado por PEREIRA et al (2000), que sustenta não ter a violência necessariamente uma conotação negativa. Esta pode ser uma forma de expressar o descontentamento diante da realidade e até de deflagrar processos de renovação social, constituindo-se, assim, em um fenômeno de caráter polissêmico, para o qual as análises normativas e morais não são apropriadas. Ou seja, trata-se de compreender o sentido que tem a violência, ou suas formas de manifestação, a partir do ponto de vista da dinâmica cultural de uma dada sociedade. Nesse sentido, a violência no Brasil pode ser pensada a partir de uma dupla perspectiva: “por um lado, surge como uma realidade alheia e hostil à realização mais plena das tentativas democratizantes da sociedade em todos os níveis, da marginalização do pequeno criminoso até a repressão militar de conflitos trabalhistas. Por outro, a violência aparece como expressão limite de articulações culturais dinâmicas, a opção para reivindicar exigências sociais justas, a forma de representar novas identidades culturais ou ressimbolizar a situação de marginalidade, dando, assim, início a uma tentativa de superação da exclusão social” (PEREIRA et al, 2000:14-15). A mídia é uma das instituições políticas, tal como a universidade e a polícia, que produzem e transmitem verdades, no sentido que Foucault definia como “um conjunto de procedimentos para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (1990: 14). Trata-se, portanto, de uma disputa não “em favor da verdade”, mas sim dos efeitos de poder que se obtém ao se classificar o que é falso ou verdadeiro. A credibilidade desfrutada pelos meios de comunicação é um dos dispositivos de sua influência na construção dos discursos, que se contrapõe à baixa credibilidade das instituições policiais, conforme podemos observar a partir dos dados levantados na pesquisa “Avaliação do sentimento de insegurança nos bairros da cidade do Rio de Janeiro”. Nos nove bairros da cidade do Rio de Janeiro pesquisados, 67,5% dos entrevistados afirmaram confiar nos meios de comunicação, enquanto 38,5% disseram confiar na Polícia Civil e apenas 29,3% confiam na Polícia Militar. Quando perguntados se o que sai na mídia sobre a criminalidade no bairro, 48,6% afirmaram que os meios de comunicação refletembem os fatos ocorridos; 30,1% disseram que exageram os fatos ocorridos; e 21,3% falaram que há uma diminuição dos fatos ocorridos. 28 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL Quando perguntados sobre o destaque dado às notícias sobre criminalidade no Rio, 77,1% dos entrevistados afirmaram que o destaque é grande, contra 22,9% que discordaram dessa idéia. Quanto às razões para esse fato, 35,3% das pessoas disseram que a atuação do crime organizado é responsável pelo destaque na mídia; 23,7% alegaram que a cidade tem fama de violenta; 19,1% responderam que isso se deve à importância da cidade no país; 18,5% apontaram que a cidade tem fama de ter uma polícia violenta; 3,4% apresentaram outros fatores. A credibilidade maior dos meios de comunicação do que das instituições policiais assegura uma maior influência no público, na medida em que transmite uma imagem de sinceridade e neutralidade, o que não ocorreria com as instituições policiais. A recepção de uma mensagem veiculada pela imprensa, cujo conteúdo seja proveniente de informações policiais, já provoca uma desconfiança a respeito de sua veracidade, não só nos leitores, mas também entre os próprios jornalistas, que geralmente partem do mesmo pressuposto. A isso se soma o fato de que os dados oriundos de fontes policiais são analisados por um órgão estatal, embora técnico, o que também o torna suspeito. Nesse caso, o fluxo de comunicação já tem seu início comprometido. A análise de algumas manchetes originadas a partir da apresentação pública de dados estatísticos permite fazer algumas considerações importantes a respeito da construção de narrativas sobre o crime (CALDEIRA, 2000), que teriam a função de (re) ordenar o mundo a partir da repetição de histórias que, por sua vez, só serviriam para reforçar as sensações de perigo e de insegurança. Considerando que a divulgação dos dados oficiais era feita mediante a apresentação de um resumo do Boletim Mensal, durante uma entrevista coletiva20, optou-se por selecionar apenas as matérias que apresentaram de formas distintas as estatísticas de um mesmo período, tomando como referência a manchete e o subtítulo da notícia. Estão em destaque as notícias relativas ao mesmo mês, no quadro a seguir. 20 Essa estratégia vigorou durante o período de junho 2003 até junho de 2005. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 29 Quadro 1: Cobertura jornalística das estatísticas policiais Data Jornal Manchete Subtítulo 08/07/2003 Jornal do Brasil Cresce o número de roubos no Estado Assaltos a pessoas comércio e residências são responsáveis pelo aumento da sensação de insegurança 08/07/2003 O Fluminense Nova metodologia para analisar índices Segundo dados do Estado, de 10 modalidades comparadas, apenas 3 tiveram alta em um ano 08/07/2003 O Dia Roubos a lojas crescem Três tipos de crime tiveram aumento e sete caíram em maio 22/07/2003 Jornal do Commercio Cai o número de assaltos, homicídios e latrocínios Junho teve menos crimes, em comparação com o do ano passado 22/07/2003 O Globo Estatística da violência em junho tem queda em 7 dos 10 índices principais Número de mortes em confrontos com a polícia aumenta quase 50% 29/08/2003 Extra A asfixia vai continuar Estado comemora queda no número de carros roubados e fim dos assaltos a bancos 29/08/2003 Jornal do Commercio Mais latrocínio e menos assaltos e roubo de carro Secretaria de Segurança divulga índices apurados em julho 29/08/2003 O Fluminense Aumenta número de roubos a lojas e residências no Estado Secretaria de Segurança Pública considera gravíssima a situação em Niterói 23/09/2003 Jornal do Commercio Só índices de homicídio doloso e assalto a residência sobem Violência: Em agosto houve queda em 8 dos 10 crimes monitorados 23/09/2003 Jornal do Brasil Roubos e assassinatos crescem Estatísticas de criminalidade no Rio indicam aumento de homicídios e ataques a residências no Estado 17/10/2003 Folha de São Paulo Polícia do Rio mata mais do que em 2002 De janeiro a setembro de 2003, foram 917 civis mortos em confrontos; incidência de 8 tipos de crime sobre queda 17/10/2003 O Globo Violência: índices caem, mas assalto a casas sobe ____________ 30 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL 14/11/2003 O Globo Estatística oficial aponta redução na criminalidade Nove crimes caíram. Mortes em confronto aumentam 80% 14/11/2003 Jornal do Commercio Índice de violência cai, mas assalto ao comércio aumenta Nove itens analisados apresentam queda 18/02/2004 Extra Caem os índices de violência no estado ____________ 18/02/2004 O Fluminense Secretaria divulga nova queda na criminalidade Pelos números oficiais, nove dos 10 delitos considerados mais importantes sofreram redução em janeiro com relação ao mesmo período de 2003 18/02/2004 O Dia Perigo dentro de casa Número de assaltos a residência é o único a não cair entre os 10 tipos de delito 21/04/2004 O Globo Estatística aponta redução em oito índices de criminalidade no Estado Números são menores do que os de março de 2003, mas estão em alta 21/04/2004 Jornal do Commercio Em dez modalidades, apenas latrocínio cresceu Estatística mostra queda 18/05/2004 Extra Oito crimes registraram queda no mês de abril ____________ 18/05/2004 Jornal do Brasil Crescem roubos e latrocínio ____________ 18/05/2004 O Estado de São Paulo Sobe número de assaltos e latrocínios no Rio Apesar disso, invasão de casas é o crime tido como mais problemático na cidade 18/05/2004 O Dia Sobem índices de dois crimes Roubos a pedestres e seguidos de morte cresceram mês passado 18/05/2004 O Globo Caem números de oito tipos de crimes Latrocínio confirma tendência de aumento e assaltos a pedestre têm 361 casos a mais 18/05/2004 Folha de São Paulo Números de latrocínios e de roubos a pedestres aumentam no Rio ____________ Fonte: Jornal O Globo, Jornal do Brasil, Jornal O Dia, Jornal O Estado de São Paulo, Jornal Folha de São Paulo, Jornal Extra, Jornal O Fluminense e Jornal do Commercio SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 31 Pobre do leitor que se utilizar de diversas fontes para estar bem informado! Se considerasse as manchetes publicadas em julho de 2003, relativas aos dados divulgados sobre o mês de junho de 2003, não chegaria à conclusão alguma, já que duas se referem à queda e outras duas se referem ao aumento dos crimes. Afinal, o que teria acontecido com os registros de crime no estado? A primeira observação que podemos fazer é que, em primeiro lugar, há uma confusão entre as noções de criminalidade e violência utilizadas propositadamente como sinônimas. Essa associação provoca uma série de equívocos. É sabido que não se pode falar de violência e sim de violências, devendo ser entendidas como um conjunto de representações de uma idealidade negativa que se opõe às idéias de paz, consenso, segurança, integração e harmonia social (MISSE, op. cit.). Nota-se ainda que a criminalidade aparece nas notícias como um conjunto de práticas (roubos e homicídios) resultantes da ineficácia da ação repressiva da polícia, o que contradiz a proposta de Machado da Silva (1995 e 1999), de que a criminalidade não pode ser compreendida apenas pela perspectiva de referência ao Estado (ausência do Estado; Estado paralelo etc.), e sim pela sua organização social e suas redes de sustentação. O que está em jogo é principalmente o questionamento sobre os mecanismos formais e informais de controle social, e não apenas o papel do Estado. Violência e criminalidade são, portanto, questões distintas que só podem se tornar sinônimas quando se considera que na interpretação dada pela imprensa há uma mensagem oculta de que o Estado deve atuar para aniquilar os conflitos, restaurando a ordem, numa concepção unitária e homogeneizadora da vida social. A associação das noções de criminalidade e violência acaba também por obscurecer outras modalidades criminosas, em especial as que se referem aos crimes econômicos (lavagem de dinheiro, corrupção,sonegação)21. Uma segunda observação diz respeito à representação construída sobre as análises elaboradas pelo NUPESP, que enfatizam o fato de que estamos trabalhando com os registros de ocorrência, que não correspondem à totalidade de eventos ocorridos no mês anterior. De modo geral, os jornais possuem uma postura ambígua, ora se referem aos números como a realidade nua e crua, ora insinuam que os números não são reais porque seriam maquiados. 21 Sobre a relação entre os crimes econômicos e a mídia ver Miranda (1999) e (2002). 32 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL A terceira observação se refere ao uso constante dos verbos no tempo presente do modo indicativo, o que do ponto de vista gramatical, significa que o processo ocorre simultaneamente ao momento em que se fala. Embora seja possível, na Língua Portuguesa, o uso do presente significando um processo já ocorrido no passado, essa forma discursiva propicia ao leitor a impressão de que aquele fato continua contecendo na mesma intensidade. Uma última observação corresponde à abordagem dada pelos diferentes órgãos de imprensa aos números. Ao longo de nossa análise, observamos que o Jornal O Dia, em seus títulos, dá maior ênfase a dados negativos, o que faz com que o leitor tenha de imediato uma má interpretação dos dados. Já jornais como O Globo e Extra, do mesmo grupo editorial, valorizam os dados de delitos em queda, não deixando de divulgar, através do subtítulo, os dados relevantes em alta. O Jornal do Brasil destaca em suas manchetes somente dados de delitos em alta, revelando os números na íntegra apenas no decorrer do texto. O jornal O Fluminense, por sua vez, apresenta em suas matérias os dados positivos dos índices, valorizando- os. Por fim, o Jornal do Commercio foi o único que informou os dados de maneira íntegra, de forma a não gerar uma opinião ou interpretação direta sobre o assunto. Podemos concluir que há de modo geral, uma abordagem que privilegia a denúncia como forma discursiva, em detrimento da descrição, que seria a técnica mais adequada em face do conteúdo abordado. A denúncia funciona como uma espécie de acusação, onde os fatos relatados equivalem a uma imputação de erro ou culpa a outrem, mesmo que não se tenha provas da veracidade da mesma. Essa abordagem privilegia a construção de um discurso homogêneo, que não favorece a reflexão crítica. Ao contrário do que se pensa comumente, a leitura de um jornal pode conformar o leitor à condição de um sujeito receptor acrítico de informações, ao mesmo tempo em que o faz acreditar que está lidando com a realidade (SERRA, 1980). Assim, as narrativas que enfatizam o crime fazem o medo proliferar, já que tornam plausível a idéia de que o leitor será mais uma vítima; as narrativas denuncistas podem ainda reificar preconceitos e a definição de certos lugares e grupos como perigosos, como revelam os dados levantados pela pesquisa “Avaliação do sentimento de insegurança nos bairros do Rio de Janeiro”. SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 33 Tabela 1: Características de um Lugar Perigoso Absoluto % 1) Condições do local 1473 43% 2) Proximidade a outros lugares considerados perigosos 511 15% 3) Sem policiamento 335 10% 4) Lugares específicos 285 8% 5) Todo lugar 240 7% 6) Presença de elementos suspeitos 189 6% 7) Ocorrências de crimes e atos de violência 161 5% 8) Presença do tráfico de drogas 90 3% 9) Com policiamento 9 0% 10) Outros 135 4% Total 3428 100,00% Fonte: ISP, pesquisa “Analisando o sentimento de insegurança nos bairros do Município do Rio de Janeiro”, 2004. As categorias da tabela agrupam informações obtidas através da pergunta aberta “O senhor saberia reconhecer um lugar perigoso? Quais suas características?”, englobando termos e expressões espontâneas, de acordo com os seguintes critérios: 1. Condições do local: deserto, pouco movimentado, mal iluminado, escuro, com becos, matagais, lugares desocupados, trânsito parado ou parada em sinais, ambiente suspeito, hostil, agitado, pesado; 2. Proximidade a outros lugares considerados perigosos: favelas, comunidades carentes, pobres ou sem recursos; 3. Presença de elementos suspeitos: pivetes, mendigos, drogados, pessoas suspeitas, estranhas, de má índole, desocupadas, desempregadas, pessoas armadas, bandidos; 4. Ocorrência de crimes e atos de violência: tiroteio, assassinatos, assaltos constantes; 34 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL 5. Presença de tráfico de drogas; 6. Com policiamento; 7. Sem policiamento; 8. Lugares específicos: exemplos de nomes de locais considerados perigosos 9. Todo lugar: sem especificar condições; 10. Outros: termos e expressões muito específicos. A forma simplista, e até caricatural, como essas narrativas são construídas acabam por reforçar modelos segregacionistas, posto que tentam eliminar as ambigüidades e complexidades do processo de administração e controle de conflitos. Os discursos produzidos tentam também reorganizar o mundo como uma ordem social homogênea e estática, em contraposição às experiências vividas em crimes, que desorganizam o mundo. Configura-se, deste modo, que a segurança é, do ponto de vista individual, um sentimento que resulta da crença de que não há risco ou perigo iminente. O sentimento de insegurança é caracterizado, segundo Roché (1990 e 1998), pelo medo e a preocupação com a ordem. Embora seja difícil mensurá-lo, o sentimento de insegurança não é irreal ou imaginário. O sentimento de insegurança, no nível ideal- típico do medo, se associaria a uma sensação difusa de angústia ou de ansiedade que permaneceria para além dos acontecimentos e que não possuiria um objeto definido. O medo é uma construção social (DELUMEAU, 1990), onde se teme o que se considera ser um grande perigo, não se levando em conta os riscos mais freqüentes. A análise dos índices de criminalidade não serve para explicar o medo e o sentimento de insegurança22. Existem, portanto, outros fatores, muitos de ordem subjetiva, incidindo sobre o sentimento de insegurança, além do conhecimento sobre o número efetivo de ocorrências criminais. Então, se os dados da criminalidade não incidem diretamente sobre o sentimento de insegurança e se as estatísticas são reconhecidamente imprecisas, caberia perguntar por que elas seriam informações relevantes para a construção de políticas públicas de segurança? 22 Ver Sento-Sé, 2003, 25 SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 35 Por que é preciso divulgar e analisar os números da criminalidade? É relevante a divulgação dos dados estatísticos por duas razões principais: dar visibilidade ao trabalho policial e, por conseqüência, aumentar a possibilidade de cobrança por resultados, pela população e pelo poder público; bem como possibilitar, mesmo que indiretamente, a utilização dos dados como base para a implementação de planejamento nas políticas de segurança de caráter universalista, e não particularista, como tem sido a tradição. Reforça-se, assim, a idéia de que a segurança pública é um serviço que deve ser oferecido pelo Estado a todos os cidadãos de modo racional, “em termos objetivos (diminuição de riscos e perigos reais) e subjetivos (diminuição do medo)” (SILVA, 2003:1). No entanto, não basta somente cobrar resultados das polícias e demais órgãos do sistema de justiça criminal. É preciso que se considere que a análise criminal não é uma novidade, e tampouco uma solução mágica para resolver o problema da criminalidade, da delinqüência e das violências. Outro aspecto a considerar é que, como qualquer análise científica, a análise criminal está diretamente relacionada com o enfoque teórico que orienta o recorte dos dados. Com essa afirmação, pretendo ressaltar que antes de se iniciar a escolha desta ou daquela tecnologia, é necessário se definir o que se pretende com ela. Tudo isso pode parecer obviedades, mas não o são. Na prática, é sabido que muitas vezes somos seduzidos por programas de computador que revolucionariam o mundo!, se soubéssemos o que fazer com eles...É claro que a tecnologia facilita em muito o trabalho do analista criminal, que pode manipular mais informações em menos tempo, mas ele tem que saber para que e como tratar as informações. Considero que a divulgação de dados é o primeiro passo deste processo, pois provoca, mesmo involuntariamente, o envolvimento dos agentes na busca pela qualidade da informação. Na medida em que são divulgados, provocam diversos questionamentos, que só podem ser respondidos se a informação estiver disponível no banco de dados. E não há banco de dados de informações policiais, ou qualquer outro, se as informações não forem coletadas – nos atendimentos e investigações – e informatizadas. É comum que policiais (civis ou militares) procurem por informações que sabidamente não são regularmente coletadas pelos próprios policiais. Como resolver essa contradição? 36 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL Devolver a pergunta é uma possibilidade concreta e imediata para a qualificação das informações contidas nos registros policiais. Outra possibilidade é a produção de relatórios analíticos, que originarão uma série de questionamentos sobre a validade das suas conclusões. Essas duas estratégias permitem indicar que jamais será possível a qualificação da informação policial, sem que os policiais se envolvam diretamente no processo. O resultado dessas ações pode ser constatado pela supressão e/ou redução de críticas dos pesquisadores aos dados do Rio de Janeiro23. Assim, a divulgação dos dados atende simultaneamente a dois propósitos: é uma prestação de contas à sociedade, e é também um instrumento poderoso de controle interno, já que permite identificar os gargalos da atuação policial. O segundo passo diz respeito à sensibilização dos policiais da importância e utilidade da análise criminal. Consideramos que antes de ensinar as técnicas de manipulação de softwares estatísticos e de geoprocessamento, é necessário que os policiais percebam o quanto essas ferramentas podem contribuir para a profissionalização das polícias. Nesse sentido, o ISP realizou I Encontro de Qualificação Estatística e Análise Criminal e a I Jornada de Qualificação Estatística e Análise Criminal, em 2004, voltado para os policiais militares e civis. Nos dois eventos, discutiu-se a necessidade do fortalecimento da integração entre as polícias; a necessidade de adequação das tecnologias à análise da dinâmica criminal; apresentação dos órgãos, produtos e serviços disponíveis; a importância do uso técnico das informações e recursos disponíveis atualmente na melhoria de qualidade dos serviços de polícia judiciária e dos serviços de polícia de preservação da ordem pública, tomando por base estudos de casos, onde delegados e oficiais apresentaram suas experiências concretas 23 Em abril de 2005, o ISP organizou o I Encontro Sistema Estadual de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal, que teve como objetivo apresentar a situação do sistema à época, bem como as mudanças então previstas, possibilitando assim sua avaliação e a discussão de um novo modelo de divulgação dos dados, tendo em vista a incorporação de sugestões para a sua melhoria. Como conseqüência, foi criado o Grupo de Trabalho Sistema Integrado de Informações Policiais, formado por representantes de importantes núcleos de pesquisa da área, de várias instituições, a saber: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes - CESeC; DataBrasil Ensino e Pesquisa/UCAM, Grupo de Estudos Estratégicos - GEE -Coppe - UFRJ, Laboratório de Análise da Violência - LAV/UERJ, Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana - NECVU/UFRJ, Núcleo de Pesquisa das Violências - NUPEVI- UERJ, Instituto de Pesquisa do Rio de Janeiro - IUPERJ Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro - SMS, Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas - NUFEP - UFF, Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli - CLAVES, além de contar com a presença de uma consultora da SENASP. Ver também SOARES et al (2005) SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 37 e os resultados alcançados no uso das informações e recursos técnicos atualmente colocados a sua disposição. A análise criminal que é desenvolvida atualmente pela equipe técnica multidisciplinar24 do Instituto de Segurança Pública, através do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Justiça Criminal (NUPESP), tem como objetivo realizar estudos analíticos e sistemáticos tomando por base as relações entre as ocorrências registradas e os padrões e tendências (aumento, estabilização, redução) dos delitos em diferentes regiões do Estado25. Outra linha de atuação está direcionada aos métodos analíticos de diagnóstico, monitoramento e avaliação da própria performance das polícias, em especial, ao acompanhamento da redução da letalidade policial e da vitimização policial. Com base nas discussões realizadas em 2004 e com as demandas e obstáculos encontrados pela equipe do NUPESP, que identificou um aumento de demanda por dados pelos oficiais superiores, a mídia e as instituições de pesquisa, observou-se também a sub-utilização dos dados criminais em uma dimensão micro, ou seja, pelas unidades de segurança através dos responsáveis pelo planejamento. Desta forma, foi elaborada uma proposta de capacitação dos policiais militares no uso de técnicas de análise quantitativa e fundamentos metodológicos para traçar metas e mensurar resultados, voltada para o aperfeiçoamento do planejamento estratégico26. Ainda não se pode prever os resultados do curso, que será desenvolvido ao longo de 2006, mas pode-se afirmar que a aproximação entre profissionais da segurança pública e da comunidade acadêmica27 será extremamente profícua para a construção efetiva de políticas públicas para a segurança, voltadas para a prevenção dos delitos e para a redução da violência. 24 A equipe é composta por policiais civis, militares e pesquisadores, cuja formação é variada (cientistas sociais, geógrafos, estatísticos), bem como a titulação (especialistas em políticas públicas, mestres e doutores). 25 As variáveis utilizadas geralmente são dia da semana, hora, local, perfil da vítima, perfil do autor, modus operandi 26 O curso de Capacitação em Técnicas Quantitativas e Análise Criminal foi desenvolvido com recursos da União Européia. 27 Outras parcerias já têm se mostrado exitosas no Rio de Janeiro: com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, no Curso de Extensão em Segurança Pública, que funciona desde 1999; com a Universidade Federal Fluminense, no Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, criado em 2000. 38 | SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL Não se pretende com a análise criminal medir qual é a quantidade de crimes que ocorrem, o que, aliás, é impossível, pode-se apenas estimar a subnotificação dos crimes que varia em função do seu tipo28. O que a análise criminal pode contribuir é no fornecimento de subsídios para ações do poder público, seja na dimensão tática, para que os policiais possam realizar melhor as investigações e o patrulhamento, seja na dimensão estratégica, de modo que os gestores e formuladores das políticas possam realizar projeção de cenários. Por último, urge salientar que a análise criminal não é um fim em si mesma, é apenas a primeira etapa para o desenvolvimento de políticas públicas e para a profissionalização das polícias, restando ainda muito trabalho a ser feito. 28 Crimes sexuais tendem a ser os menos registrados e informados, enquanto o roubo de veículos tem a menor subnotificação por causa do seguro SÉRIE ANÁLISE CRIMINAL | 39 BEATO FILHO, Claudio. Fontes de Dados Policiais em Estudos Criminológicos: Limites e Potenciais. In: Segurança Pública no Brasil: uma discussão sobre bases de dados e questões metodológicas. Rio de Janeiro: UCAM/IPEA, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 2004. BENEVIDES, Maria Victória de M. A Violência
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