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Questão Social Questão Social Sandra da Silva Silveira Conselho Editorial EAD Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Mara Lúcia Machado José Édil de Lima Alves Astomiro Romais Andrea Eick Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas ISBN: 978-85-5639-155-1 Dados técnicos do livro Fontes: Verdana, Arial Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa) Medidas: 15x22cm Impressão: Gráfica da ULBRA Fevereiro/2010 S587q Silveira, Sandra da Silva Questão social. / Sandra da Silva Silveira. - Canoas: Ed. ULBRA, 2010. 112p. 1. Serviço social. I. Título. CDU 364.442.2 Apresentação Prezado Aluno, Desde o início de seu processo de formação até aqui, você, impreterivelmente, já foram apresentadas às principais peculiaridades do Serviço Social. Entre essas peculiaridades, tem destaque o objeto de trabalho profissional, por se tratar daquilo que nos legitima e particulariza socialmente. Na qualidade de fenômeno próprio das sociedades capitalistas, a Questão Social tem natureza complexa e contraditória, o que não permite a sua compreensão de forma imediata, mas somente sob rigorosos fundamentos teóricos e suportes metodológicos. O desafio que ora se impõe, nesta disciplina, é o de tornarmos próximo e identificável, a você, esse objeto de trabalho, a partir dos processos que o produzem, e como forma de capacitá-lo para um exercício profissional coerente com os princípios ético- políticos da profissão e com as diretrizes do projeto de formação em Serviço Social. Daí por que este livro foi organizado de forma a oferecer, além dos subsídios teóricos, atividades descritivas e avaliações quantitativas. Ao final de cada capítulo, estão listadas indicações de leituras complementares, contribuições A p re se n ta çã o 8 valiosas que integralizam a produção restrita desse livro. Do ponto de vista pedagógico, estruturamos os conteúdos segundo alguns princípios da teoria materialista histórica, ou seja, iniciamos o primeiro capítulo conceituando e diferenciando, semântica e sociologicamente, o termo “objeto”. Isso porque, conforme a teoria citada, um estudo deve ter como ponto de partida a particularidade ou a totalidade do fenômeno. Nossa opção recaiu, como já demarcado, sobre a primeira possibilidade, a particularidade. Em seguida, perfazemos um breve circuito na história do Serviço Social e nos diversos fundamentos teóricos que o “iluminaram e iluminam” ao longo de sua trajetória, tendo como eixo norteador as concepções de objeto daí imanente. Neste sentido, são percorridos, ao longo de quatro capítulos, os princípios fundamentais do positivismo, da fenomenologia, do funcionalismo e do materialista histórico, assim como suas influências na “formatação” do objeto de trabalho profissional. Feitas essas digressões históricas e sociológicas, o esforço vai no sentido de oportunizar a você fundamentos para análise da Questão Social, no que se refere a sua natureza, historicidade e conceituação, considerando para tanto as contribuições da sociologia contemporânea e da produção teórica do Serviço Social. Os dois últimos capítulos têm a pretensão de fornecer subsídios metodológicos que permitam o desvelamento da Questão Social, a partir de suas expressões, tendo como mediações os processos sociais, institucionais e particulares que as produzem e reproduzem. E como recurso didático propomos, no último capítulo, um Estudo de Caso baseado em uma situação real. Desejamos a você um profícuo processo de aprendizagem, pois dele dependerá a qualidade de sua futura prática como assistente social. Para além disso, a intenção é também favorecer e fortalecer o seu compromisso com a promoção da justiça social e com o desenvolvimento humano integral. Apresentação Sumário Capítulo I Objeto: primeiras aproximações conceituais, 13 Variações sobre o mesmo termo I: objeto de conhecimento, 13 Variações sobre o mesmo termo II: objeto de trabalho, 20 Atividades, 25 Referência comentada, 26 Referências, 26 Autoavaliação, 27 Capítulo II As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência do positivismo, 29 Aportes sociológicos para compreensão do positivismo, 30 Contextualização histórica e configuração do objeto do Serviço Social na perspectiva positivista, 36 Atividades, 40 Referência comentada, 40 Referências, 41 Autoavaliação, 41 Capítulo III As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência da fenomenologia, 43 Aportes sociológicos para compreensão da fenomenologia, 43 As configurações do objeto do Serviço Social na perspectiva fenomenológica, 48 Atividade, 50 Referência comentada, 51 Referências, 51 Autoavaliação, 52 Capítulo IV As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência do funcionalismo, 53 Aportes sociológicos para compreensão do funcionalismo, 53 As configurações do objeto do Serviço Social na perspectiva funcionalista e sistêmica, 56 Atividades, 59 Referência comentada, 60 Referências, 60 Autoavaliação, 62 Capítulo V As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência do materialismo histórico, 63 Aportes sociológicos para compreensão do materialismo histórico, 64 Contextualização histórica e configuração do objeto do Serviço Social na perspectiva do materialismo histórico, 68 Atividades, 71 Referência comentada, 73 Referências, 73 Autoavaliação, 74 Capítulo VI Fundamentos para compreensão da Questão Social, 75 Conceitos, presente e passado da Questão Social, 77 Breve mosaico da produção teórica e metodológica sobre a Questão Social pelo Serviço Social, 83 Atividades, 88 Referência comentada, 89 Referências, 89 Autoavaliação, 90 Capítulo VII Processo de conhecimento das expressões da Questão Social: os processos sociais, 91 Processos sociais no contexto mundial, 92 Processos sociais no contexto latino-americano e brasileiro, 94 Atividades, 98 Referência comentada, 99 Referências, 99 Autoavaliação, 100 Capítulo VIII Processo de conhecimento das expressões da Questão Social: processos constitucionais e particulares, 101 Dos dispositivos legais às políticas sociais e realidades socioinstitucionais, 102 Rebatimentos da Questão Social nos processos particulares, 105 Atividades, 110 Referência comentada, 110 Referências, 110 Autoavaliação, 111 Cap. I Objeto: primeiras aproximações conceituais Neste momento de sua formação profissional, você, sem dúvida, já foi apresentado àquilo que, no Serviço Social, designamos como nosso objeto de trabalho: a Questão Social. Isso porque não há como discorrer acerca da profissão sem abordar, mesmo que sucintamente, aquilo que justifica a existência e a pertinência da profissão e, portanto, lhe dá legitimidade e especificidade: o seu objeto de intervenção. Mas, antes de adentrarmos no que vem a ser, como surgiu e como se constitui, atualmente, a Questão Social, vamos definir, neste capítulo, o que é, afinal, um objeto; conhecer a diferença entre objeto de conhecimento e objeto de trabalho e, por último, compreender como esse objeto de trabalho se particulariza na realidade de diversas profissões. Variações sobre o mesmo termo I: objeto de conhecimento Uma das conceituações possíveis para a palavra objeto, segundo o dicionário Luft da Língua Portuguesa, é aquela que o compreende como “[...] coisa material, peça, artigo de compra ou de venda”. O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 14 Mas denominá-los de objeto, somente, não é suficiente para expressar o significado de cada um deles, visto que apresentamdiversas qualidades e funcionalidades, que ora os diferencia e ora os aproxima. Isso porque, todos eles podem ser categorizados de várias formas, como por exemplo: a. Do ponto de vista da semelhança, podemos categorizá- los como objetos de decoração; b. Do ponto de vista da funcionalidade, podemos catalogar todos como estéticos e apenas um (abajur) como utilitário, pois tem função de iluminar o ambiente; c. Do ponto de vista da natureza (isto é, da matéria- prima que os compõe), subdividem-se em: natural (madeira, cerâmica) e artificial (vidro, derivados plásticos). No cotidiano da sociedade moderna os objetos produzidos pela ação humana compõem, em larga escala, a realidade objetiva, e de tal forma que se tornaram imprescindíveis à nossa sobrevivência. O ser humano cria o seu ambiente, através de objetos que passam a ter significado, utilidade e, algumas vezes, vida própria, como no caso da manipulação genética de seres vivos. Com um simples e rápido olhar no ambiente em que estamos é possível identificar uma série de objetos, muitos essenciais e outros nem tanto, ao momento ou à atividade que estamos realizando. A convivência e a relação de dependência com os objetos são uma constante na história da humanidade. Segundo a Paleontologia, ainda no alvorecer da espécie humana (aproximadamente 4 a 2 milhões de anos atrás), quando o nomadismo garantia a sobrevivência, alguns aspectos intelectuais já delimitavam diferenças entre os hominídeos e os restantes das espécies. Dentre esses aspectos diferenciados do Australopithecus (denominação dada aos primeiros homicídios conhecidos), tinham destaque: (a) uma inteligência superior, que lhe permitia comunicar-se através de uma linguagem articulada; (b) uma vida social complexa, baseada no esforço cooperativo; (c) e a manufatura e o manuseio de instrumentos rudimentares, a partir de pedras, peles de animais e madeira. 15 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s A Paleontologia (do grego palaiós, antigo; óntos, ser; lógos, conhecimento) é a ciência natural que tem por objeto de estudo o passado da vida da Terra, bem como o seu desenvolvimento ao longo do tempo geológico, e a formação dos fósseis, isto é, os processos de integração da informação biológica no registro geológico. Ainda segundo o dicionário Luft, por objeto também se designa tudo aquilo que pode ser percebido pelos sentidos externos (olfato, tato, audição, visão, paladar) ou pela inteligência. E é no campo do significado de objeto como aquilo que pode ser percebido pela inteligência (razão) que se justifica o conceito acima descrito. Nesse sentido, a Palenteologia tem por objeto de estudo e conhecimento os fósseis, que segundo os pesquisadores dessa ciência guardam o registro do passado. Objeto, então, é aquilo que se estuda, isto é, aquilo que se quer conhecer e que, portanto, será submetido à investigação segundo normas do método científico. Mas para se consolidar como uma área do conhecimento científico uma disciplina (ramo do conhecimento) precisa ter delimitado claramente o objeto sobre o qual tem domínio e pelo qual será autorizado a produzir conhecimentos. Por ciência, segundo Russ (1994, p. 35), compreende-se todos os “[...] conhecimentos discursivos que estabelecem relações ou leis necessárias entre os fenômenos estudados e reúnem nas teorias essas relações ou leis [...]”, a exemplo da Física, da Química, da Matemática, das Ciências Sociais, entre tantos outros ramos do conhecimento. A produção desse tipo de conhecimento – científico – se dá através da pesquisa, que é uma forma de indagar a realidade e os fenômenos (sociais, biológicos, políticos, econômicos). A pesquisa se estrutura a partir do método científico, que se caracteriza por apresentar uma estrutura lógica, formada por um conjunto de etapas a serem cumpridas para a solução de determinado problema. As etapas do método científico são: delimitação e enunciação de um problema; formulação de hipóteses; testes das hipóteses; conclusões. Hoje (século XXI) a validade do resultado de uma pesquisa O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 16 científica implica, especialmente, a capacidade de comunicar, de forma clara e objetiva, as condições, isto é, a forma como se alcançou/chegou a determinado resultado. Isso inclui informar tanto os princípios que nortearam o cientista (seus valores, hipóteses, conhecimentos, modelos cognitivos) quanto os procedimentos que permitiram construir, de modo ordenado e seguro, determinados saberes e conclusões. Cabe ainda lembrar que a ciência divide-se em ciências da natureza e ciências sociais, conforme a natureza de seu objeto. As primeiras surgiram com o objetivo de explicar e prever toda sorte de fenômeno, seres e coisas, orgânicas e inorgânicas, que compõem a natureza, naquilo que ele tem de objetivo e verificável. Já as segundas nascem com o objetivo de explicar, conhecer e prever os problemas teóricos ou práticos do ser humano na sua relação com o outro, consigo próprio, com a sociedade e com a natureza. Hoje, as sociedades modernas são, em larga medida, reflexo de proposições que surgiram das pesquisas empreendidas por especialistas das ciências sociais e da natureza. Grande parte das decisões governamentais, por exemplo, são provenientes de princípios da economia política e/ou da política econômica, duas ramificações das ciências econômicas. Da mesma forma, as instituições públicas (Executivo, Judiciário e Legislativo) têm na sua base conhecimentos produzidos no âmbito das ciências políticas, que além de ofertarem, também justificam os modelos de gestão da coisa pública de uma determinada comunidade e/ ou país, como a democracia participativa, a democracia representativa, a social-democracia. Assim também as escolhas, em nível dos indivíduos e dos Estados, consideram, em alguma medida, aquilo que os historiadores têm demonstrado em suas análises do passado, tanto do cotidiano quanto dos grandes eventos econômicos, políticos e sociais. A História, inicialmente, teve como objeto de estudo, basicamente, documentos oficiais, nos quais procurava identificar e explicar as causas que, no passado, produziram determinado fato econômico, social ou político. Neste primeiro momento, sob influência dos princípios positivistas, o que pretendiam esses historiadores era relatar, o mais fidedignamente possível, os grandes fatos e personalidades do passado. Com o 17 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s passar do tempo, e já no século XX, a história passa a ter como objeto não só os registros documentais, mas toda e quaisquer fontes que contenham informações sobre o passado, como a arte, a iconografia, os diários, as correspondências pessoais, entre outros. Já para as Ciências Políticas o objeto são as diversas formas de poder que emergem na e da organização política, através do estudo das regras, normas e toda a sorte de organismos e instituições que têm por objetivo assegurar o funcionamento da sociedade. Assim como a História, também vai alterar o objeto de conhecimento a partir do século XX: além do estudo do Estado e do Governo, passa a incluir os diferentes organismos, instituições e espaços da sociedade, que produzem e detêm níveis de poder, como os movimentos sociais, as instituições de saúde, educação e assistência social, por exemplo. Para a Economia, o objeto de conhecimento são todos os comportamentos humanos, as regras, os recursos e as necessidades que interferem, direta ou indiretamente, na produção e locação de bens e serviços, com foco na adequação entre os limitados recursos (materiais, financeiros) e as ilimitadas necessidades humanas. No âmbito das ciências da natureza temos, dentre muitas, a Biologia cujo objeto de conhecimento é a vida, nas suas mais diversas formas e expressões. A Física, por seu turno, elege como objeto os inúmeros componentes fundamentais do Universo, as forças que eles exercem e os resultados dessas forças, isto é, os fenômenosfísicos. Já a Química tem por objeto de estudo as substâncias da natureza, os elementos que a constituem, suas características, propriedades combinatórias, processos de obtenção, suas aplicações e sua identificação. A figura 2, o Alquimista, de Pietro Longhi representa a “aurora” dos experimentos científicos. Tradição que data do período Medieval, a Alquimia abrange elementos hoje reconhecidos da química, da física, da astronomia, da arte, da metalurgia, da medicina, do misticismo e da religião. Tinha três objetivos centrais: (a) a transmutação dos metais inferiores em ouro, (b) a produção do Elixir da Longa Vida, um remédio que curaria todas as doenças e daria vida O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 18 eterna àqueles que o ingerissem, e (c) criar vida humana artificial, os homunculus. Mesmo não atendendo aos critérios modernos do método científico, a Alquimia foi uma fase fundamental no desenvolvimento de procedimentos e conhecimentos que mais tarde foram utilizados pela química e em outras áreas das ciências naturais. Figura 2 O Alquimista Fonte: Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Quimica# Acesso:04/07/08-05h50min. Os produtos (resultados) das ciências da natureza e sociais interferem diretamente nas profissões, em termos de resolutividade e de reconhecimento, como no caso da medicina, que usufrui dos avanços produzidos por pesquisas da biologia, da genética, da física nuclear, da química, entre outras. Também o Serviço Social usufrui dos conhecimentos gerados por áreas das ciências sociais, em especial pela economia, sociologia e história. São os estudos da economia política, por exemplo, que nos permitem reconhecer a importância do modo de produção capitalista na geração das desigualdades e injustiças sociais. Da mesma forma, as ciências políticas contribuem com os fundamentos para compreensão e ênfase da democracia e da liberdade como valores centrais da prática profissional. Mas o legado das ciências ao Serviço Social não se restringe ao 19 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s campo das ciências sociais, uma vez que as ciências da natureza, em especial aquelas ligadas à saúde pública – como a epidemiologia e a psicanálise –, também incidiram sobre e na prática dos assistentes sociais, como oportunamente será abordado. Contudo, até boa parte do século XVIII, as diversas ciências não tinham como preocupação central a aplicabilidade dos seus conhecimentos na realidade. Isso começou a mudar a partir do século XIX, quando a degradação das condições de vida de extensas e significativas parcelas das populações rurais e urbanas (em especial desta última) se ampliava, em igual medida em que se consolidava e se aprofundava a concentração de riqueza nas mãos da burguesia. Neste cenário, em que explodiam revoluções, revoltas e repressões, a ciência vai ser convocada a dar respostas concretas, pois A questão de que se cabe ao pensamento humano atingir uma verdade objetiva não é teórica, mas prática. Em outras palavras, não basta interpretar o mundo – é necessário transformá-lo. (MARX, 1975). Mas é somente no século XX que as ciências sociais alcançam a maioridade e o reconhecimento, em função dos problemas, necessidades e inquietações que marcam esse período, em especial aqueles causados pelas mudanças econômicas e políticas, provocados pelas duas grandes guerras mundiais, pela expansão mundial da industrialização e urbanização dela decorrente e pelo aprofundamento das relações sociais capitalistas. À medida que as ciências sociais se tornam influentes, emergem questões de cunho moral e ético, que dizem respeito ao uso dos conhecimentos científicos como forma de justificar e subsidiar ações políticas, culturais e econômicas, do Estado, do Capital e dos trabalhadores. Um exemplo disso é a utilização das teses do sociólogo Lévy-Brulh (1900), que atribuíam às sociedades primitivas o status de inferioridade, por não partilharem da lógica ocidental – racionalismo burguês. Justificou-se, com essas teses, uma nova fase de ocupação e colonização, pelas nações de centro (Inglaterra, França, O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 20 Alemanha, Bélgica, Itália e Estados Unidos), de territórios e populações (na África, Ásia e Oceania), com base no argumento da necessidade de se “expandir” o progresso da ciência e da tecnologia a todo o mundo. Esses e outros tantos fatos deixaram claro que o processo de escolha e delimitação de um objeto de conhecimento, por uma determinada área ou ramo científico, não é de interesse único de uma classe ou categoria profissional, uma vez que os produtos desses saberes influenciam, direta e indiretamente, na dinâmica da sociedade. Por outro lado, esses conhecimentos só se justificam, hoje, quando socializados, isto é, quando aplicados na resolutividade de problemas presentes ou potenciais (como é o caso do meio ambiente), demandas sociais, políticas, econômicas. De igual forma, a escolha e delimitação de um objeto de trabalho por uma profissão só se justifica por sua possível contribuição à dinâmica da sociedade e por sua capacidade de atender a necessidades sociais e políticas da mesma. Por outro lado, só é possível compreender o significado e o papel de uma profissão a partir da sua inserção na divisão social do trabalho, como veremos no próximo item. Variações sobre o mesmo termo II: objeto de trabalho De início, cabe conceituar, genericamente, o que é um objeto de trabalho: a matéria-prima de um trabalho, sobre a qual incide a ação transformadora do ser humano. Sim, porque todo trabalho tem como finalidade uma transformação ou alteração, seja em um objeto concreto; seja em um objeto imaterial. Vejamos alguns exemplos: - Objetos concretos: o marceneiro é um especialista que tem como objeto, ou matéria-prima, a madeira, pois é sobre ela que irá imprimir esforços (físicos e intelectuais) para chegar a um resultado: um móvel. Também o artesão ceramista tem claro o seu objeto: o barro, que irá manipular até chegar à peça projetada (um vaso, um conjunto de pratos, 21 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s uma escultura). Um arquiteto urbanista, por sua vez, tem como objeto de trabalho tudo aquilo que compõe os espaços urbanos, incluindo aí as ruas, os viadutos, as avenidas, as praças, etc. Com isso, objetiva transformar o ambiente das cidades, tornando-as mais agradáveis à convivência; mais bonitas, com fácil circulação – de pessoas, de automóveis, de transportes coletivos. O médico tem como objeto de trabalho a doença ou a potencialidade de se adoecer ou de morrer; a ação desse profissional se direciona sobre aquele órgão ou componente físico que está doente ou que pode, potencialmente, adoecer, o que exige especialização, tendo em vista a complexidade do corpo humano, bem como das condições que causam o adoecimento (meio ambiente, alimentação, exposição a riscos, hereditariedade, entre tantos outros). - Objetos imateriais: seguindo o último exemplo, da medicina, é possível destacar uma especialidade dessa área que tem um objeto de natureza imaterial: a Psiquiatria, cuja matéria-prima é “[...] o sofrimento dos pacientes e a sua relação com o corpo social”1 . Já para o administrador o seu objeto de trabalho são as organizações, mais especificamente aqueles elementos que interferem no seu funcionamento: os processos de produção, os métodos de trabalho e de controle e as relações sociais. Também o Serviço Social se inscreve entre as profissões cuja natureza de seu objeto é imaterial, isto é, não é palpável, pois se refere a determinadas relações e processos sociais, que aprofundaremos ao longo desse livro. Enfim, é possível delimitar um objeto de trabalho para todas as profissões e em especial para aquelas que têm o caráter técnico-científico, isto é, que se utilizam de conhecimentos e métodos científicos para produzir transformação no seu objeto. Mas com isso não estamos afirmandoque o objeto de uma determinada profissão é imutável, que é conhecido desde o início por seus profissionais e que tampouco é reconhecido clara e imediatamente pela sociedade. Ao contrário: se é certo afirmar que toda profissão tem sim um objeto de trabalho, não o é afirmar que esse objeto é eterno, inalterável. Com isso, 1 Disponível em http://aspro02.npd.ufsc.br/arquivos/180000/183200/18_183234. Acessado em 08/07/08, às 23h18min. O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 22 estamos reafirmando um dos princípios básicos da concepção materialista-histórica: a de que qualquer fenômeno social (como uma profissão) precisa ser compreendido a partir de sua inserção, desenvolvimento e consolidação em um determinado contexto histórico. Mas antes de exploramos mais o elemento histórico na compreensão do objeto de trabalho, se faz necessário abordar alguns elementos conceituais referidos a sua concepção. Nesse sentido, compreender o objeto de trabalho de uma profissão exige reconhecer que toda e qualquer atividade humana de labor, isto é, de trabalho, se constitui a partir de um processo de trabalho e que esse só tem sentido e interesse social quando contribui, com sua especificidade, para a produção e reprodução social. Isso significa dizer que as profissões se inserem no que se denomina de divisão social e técnica do trabalho, na qual são, ao mesmo tempo, interdependentes e diferentes. De forma geral, por divisão social do trabalho se entende todas as formas de “[...] diferenciação de tarefas implícitas na produção de bens e serviços e à alocação de indivíduos e de grupos para realizá-las” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 218). Dito de outra forma, a divisão social do trabalho expressa as diversas e diferentes atividades necessárias para a produção de bens e serviços, e a forma como essas são distribuídas entre todos aqueles que integram uma sociedade. Nessa perspectiva, ela é tributária de inúmeras formas de desigualdades sociais, uma vez que os papéis e as condições de um indivíduo (etnia, gênero, geracional) afetam, em larga medida, a forma, a qualidade e a quantidade de retorno e recompensa pelo trabalho realizado (financeiro, prestígio, poder). Já a divisão técnica do trabalho refere-se ao aprofundamento das diferenças entre os trabalhadores, produzidas pela crescente complexificação dos processos produtivos (de bens e serviços), que exigem cada vez mais especialização. O caráter de interdependência deriva dessa complexidade do processo de produção, pois quanto mais complexo esse for, mais necessidade de especialização (e especialistas) tem. Quanto mais especializados são os trabalhadores, menos conhecimentos e domínio têm da totalidade 23 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s do processo de produção do qual participam e mais dependência têm do trabalho também especializado (e fragmentado) do outro. Na base dessa interdependência repousam as diferenças, expressas pela especificidade de cada profissão no conjunto do trabalho coletivo, incluindo aí o seu objeto de domínio, sobre o qual intervêm através da mobilização de conhecimentos, técnicas, habilidades e intencionalidades específicas. No modo de produção capitalista essa especialização é um processo central, visto que gera condições de: (a) ampliar a produtividade e, consequentemente, a produção de excedentes a serem apropriados pela classe que possui e domina os meios de produção, (b) reduzir a capacidade dos trabalhadores de exercerem controle sobre o seu próprio processo de trabalho, devido à fragmentação desse, que conduz à incapacidade de compreender, planejar e decidir sobre suas atividades. A charge2 a seguir apresenta com propriedade a transformação que o capitalismo operou na divisão social do trabalho. Bem, de posse de alguns esclarecimentos essenciais para a compreensão do que seja objeto de trabalho, seu significado, sua especificidade e sua produção na sociedade capitalista, vamos nos deter, no próximo capítulo, em conhecer como ele (objeto) historicamente vem se contextualizando no Serviço Social. Isso será abordado a partir das principais fases de desenvolvimento, crise e consolidação da profissão, tendo como pano de fundo o modelo econômico e os paradigmas filosóficos vigentes em cada fase. Após breves considerações acerca do que seja o objeto de trabalho profissional, convém destacar que esse se insere em um Processo de Trabalho, no qual se configura como um de seus elementos. A concepção do que seja Processo de Trabalho, bem como sua especificidade no Serviço Social, será abordado ao longo deste livro. Por ora, interessa aqui reter que a definição e a escolha 2 NOVAES, C. E. Capitalismo para Principiantes: a história dos privilégios econômicos. São Paulo: Atica, 2005. O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 24 de um objeto de trabalho é um processo social, uma vez que a legitimidade e a justificativa da existência de uma profissão são conferidas pela sociedade, considerando, especialmente, sua adequação ao modelo produtivo – econômico vigente. Entretanto, não há, também, como negar a influência dos sujeitos que a compõem, pois ao vivenciarem, no cotidiano, as requisições postas à profissão, ao sistematizarem suas práticas, acumulam saberes que contribuem para a criação de uma cultura profissional, que produz, entre seus agentes, modos de atuar e de entender a profissão. E é exatamente a capacidade de análise das demandas que lhes são postas, dos princípios que a norteiam, das forças sociais que a pressionam, que permitem a uma profissão construir (e reconstruir), autônoma e coerentemente, seu objeto de trabalho. Esse exercício crítico, que tem mobilizado o Serviço Social, nos autoriza a afirmar, hoje, que o seu objeto de trabalho é a Questão Social. Mas, afinal, para que nos serve compreender, e até mesmo delimitar, o nosso objeto de intervenção? A essa questão nos responde Iamamoto (1999, p. 28): [...] decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a Questão Social, hoje, é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: tanto para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades sociais – sua produção e reprodução ampliada – quanto para projetar e forjar formas de resistência e defesa da vida. Portanto, para forjarmos formas de resistências eficientes para enfrentar às desigualdades e opressões a que é submetida a população com a qual trabalhamos, precisamos ter a capacidade de reconstruir conhecimento com as nossas “próprias mãos”, a partir da mobilização de saberes específicos (produzidos pela e na prática profissional cotidiana) e conhecimentos de outras áreas. Entre esses conhecimentos têm especial importância aqueles que visam a desvelar o papel, o significado e o lugar do Serviço Social na sociedade, em outros termos, o nosso objeto de trabalho. Essa é a condição sine qua non 25 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s para profissões que pretendem a transformação, como o Serviço Social, que tem no seu projeto ético-político o compromisso com a superação de todas as formas de opressão, discriminação e injustiça social. Atividades 1. Pesquise duas áreas das ciências sociais, não-citadas neste capítulo, e preencha a tabela abaixo: 2. Liste as principais diferenças entre objeto de conhecimento (científico) e objeto de intervenção. 3. Liste duas profissões, não-citadas neste capítulo, e enumere possíveis objetos de trabalho para cada uma. Após, identifique quais áreas das ciências (sociais e da natureza) contribuem com a mesma. Área da Ciência Objeto Profissões com as quais contribui Profissão Objeto Áreas da ciência que a fundamenta O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s 26 Referência comentada IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1999.Autora de referência no Serviço Social, Iamamoto apresenta, nesta obra, uma contribuição para pensarmos o lugar da profissão na contemporaneidade, a partir da análise de questões que se colocam no âmbito do trabalho e da formação do assistente social. Entre estas questões, tem destaque a que define a Questão Social como objeto de trabalho do Serviço Social, e a que define a prática profissional como um Processo de Trabalho. Referências COTRIN, C. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. São Paulo: Saraiva, 1999. DEMO, P. Conhecimento Moderno. São Paulo: Cortez, 1997. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Conteporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1999. LAVILLE, C.; DIONNE, J. A Construção do Saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artes Médicas; Belo Horizonte: UFMG, 1999. MARX, K. Textos. São Paulo: Edições Sociais, 1975. OUTHWAITE, W. & BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do séc. XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 27 O b je to : p ri m ei ra s ap ro xi m aç õ es c o n ce it u ai s NOVAES, C. N. & RODRIGUES, V. Capitalismo para Principiantes: a história dos privilégios econômicos. São Paulo: Ática, 2005. RUSS, J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994. Autoavaliação Marque (V) verdadeiro ou (F) falso: 1. ( ) Segundo a Paleontologia, a criação e o uso de objetos é um fenômeno recente na história da humanidade, tendo iniciado somente com a Revolução Industrial. 2. ( ) Do ponto de vista das ciências, objeto é aquilo que confere legitimidade a uma determinada área/ramo do conhecimento, sobre o que ela detém de um determinado nível de domínio. 3. ( ) As ciências da natureza e as ciências sociais sempre se preocuparam em aplicar, na realidade, os conhecimentos que produzem, o que evidência o alinhamento das mesmas com a justiça e a igualdade social. 4. ( ) O objeto de trabalho é a matéria-prima de uma profissão. Como tal, é também a finalidade da mesma, isto é, o objeto é aquilo que um profissional quer alcançar. 5. ( ) O fato de uma profissão ter um objeto de trabalho significa que não está autorizada a produzir conhecimento. Gabarito: 1 ( F ); 2 ( V ); 3 ( F ); 4 ( F ); 5 ( F ). Cap. II As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência do positivismo No Capítulo 1 vimos a diferença entre objeto de conhecimento e objeto de trabalho, bem como o significado desse (objeto) para uma profissão ou área de conhecimento– ciência. Da mesma forma, buscamos evidenciar que o fato de uma profissão ter como objetivo principal intervir na realidade – a exemplo da Medicina, da Administração, do Serviço Social – não significa que não possa produzir conhecimento. Tampouco é vedado às ciências, cujo principal objetivo é produzir conhecimento e tecnologias, intervir na realidade, modificando aspectos dessa ou das relações das pessoas com outras ou consigo mesmo. A questão não é de exclusividade, mas sim de prioridade, uma vez que a sociedade cobrará, sempre mais, resultados práticos e imediatos das profissões interventivas do que daquelas que têm por foco a produção de conhecimentos e tecnologias. Sem dúvida nenhuma, se espera que o médico, e não o físico ou o biólogo, faça o diagnóstico, resolva ou amenize uma determinada doença. Contudo, é do cientista que A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 30 se espera a fórmula que evitará essa mesma doença: a vacina. Essa especialização se deve, como já vimos, a cada vez mais complexa divisão social e técnica do trabalho, que, por sua vez, conduz a uma delimitação também cada vez mais restrita do objeto de trabalho ou de conhecimento de cada área profissional. Neste e nos dois próximos capítulos serão apresentadas as diferentes concepções de “objeto” assumidas pelo Serviço Social, expondo os fundamentos filosóficos que orientaram essas concepções, bem como os contextos sócio-históricos em que emergiram. Aportes sociológicos para compreensão do positivismo A definição de um objeto de trabalho profissional não é tarefa simples, exige muito estudo e senso crítico, bem como disposição para enfrentar disputas ideológicas e de poder que se estruturam no entorno de uma profissão e que, importante ressalvar, não se limitam aos atores dessa. Isso porque aqueles que, em uma dada sociedade, detêm maior poder (político e/ou econômico) tentam sempre conduzir e influenciar as profissões para que fiquem a seu serviço. Isso não é exclusivo das sociedades capitalistas, pois desde que se tem notícias da existência de um poder central, que se organiza e legitima do ponto de vista econômico, político, social e cultural, este tem necessidade de cooptar o maior número de segmentos sociais possíveis para sua causa e, em especial, aqueles segmentos que têm o poder, pelo convencimento, de influenciar as massas, como filósofos, dramaturgos, artistas, intelectuais, profissionais liberais, etc. Assim foi, por exemplo, na Idade Média, quando a Igreja tratou de se cercar dos grandes pintores, filósofos, escultores – como Michelangelo e Tomás de Aquino – que traduziam e fundamentavam, através de suas obras, a centralidade da fé na vida terrena. Também os reis e a nobreza da época buscavam 31 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o o apoio em teóricos – como Maquiavel, Thomas Hobbes e Loock –, que defendiam o Absolutismo, doutrina segundo a qual a autoridade do governante emana diretamente de Deus. Então chegamos a uma questão que não quer e não se pode calar: até que ponto uma profissão ou área de conhecimento tem liberdade de escolha e de produção sobre seu objeto, ou mesmo até onde atende aos genuínos e legítimos direitos e interesses da maioria? Netto nos responde que, na sociedade capitalista, a emergência (surgimento) e a consolidação de uma profissão dependem da existência de um espaço e um objeto na divisão social (e técnica) do trabalho, uma vez que o mercado de trabalho capitalista não se estrutura para acolher, simplesmente, um “[...] agente profissional mediante as transformações ocorrentes no interior do seu referencial ou no marco de sua prática [...] mas é a existência deste espaço que leva à constituição profissional” (2005, p. 73). Portanto, as profissões que se constituíram ao longo do período de desenvolvimento do capitalismo3 debitam seu surgimento e sua legitimidade à funcionalidade que têm para este sistema, isto é, ao papel que cumprem no contexto da produção e reprodução social. No caso do Serviço Social, este não cria um espaço sócio-ocupacional por força de seus saberes e práticas acumuladas4, mas sim ocupa um lugar gerado pela necessidade de um profissional que, através de um arsenal técnico-operativo, formule e implemente políticas sociais. Essas são, em última instância, modalidades de intervenção que o Estado burguês vai mobilizar para enfrentar a Questão Social5. 3 Didaticamente, e de forma reducionista, pode-se identificar três fases de desenvolvimento do capitalismo: (1) capitalismo comercial (século XV até XVIII), que compreende duas subfases: colonialismo e mercantilismo; (2) capitalismo industrial (séc. XIX ate 1a GG), fundada no capitalismo imperialista/monopolista; (3) capitalismo financeiro (com marco na 2a GG até hoje). 4 Não há como desconhecer a herança das práticas filantrópicas e assistenciais desenvolvidas desde a origem da sociedade capitalista, na identidade e nas ações do Serviço Social, que serão conservadas por um largo tempo. Contudo, daí não se depreende que o reconhecimento social da profissão deriva de um processo de evolução e racionalização das práticas de ajuda, como já explicitado pela citação de Netto. 5 A Questão Social será conceituada e contextualizada no capítulo 6. Por ora basta destacar queé a necessidade de manejo dessa um dos fenômenos propulsores das políticas sociais como ação programática do Estado. A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 32 A constituição do capitalismo monopolista impõe profundas modificações na dinâmica econômica da sociedade do final do século XIX, que incide diretamente na sua estrutura social e nas suas instâncias políticas. Do ponto de vista da estrutura social, essa forma de capitalismo conduz ao extremo a contradição elementar entre socialização ampliada da produção e apropriação privada dos resultados. Daí a necessidade de refuncionalização e redimensionamento de instâncias extraeconômicas, como o Estado. A partir desse momento histórico, este passa a ser o responsável por produzir e preservar algumas condições necessárias à produção capitalista, de forma sistemática, como: produção de energia, sistema viário, oferta de transporte, saúde, formação profissional, além de subsídios diretos e indiretos à produção, como investimentos em pesquisas, etc. Netto (2005, p. 17) credencia este Estado, capturado pela lógica capitalista, como Estado burguês, por conta da “[...] integração orgânica entre aparatos privados dos monopólios e as instituições estatais”. O cenário de reconhecimento do Serviço Social como uma profissão institucionalizada, socialmente legitimada e legalmente sancionada (nos termos de Netto, 2005) tem como pano de fundo filosófico os princípios do positivismo de Auguste Comte e de Émile Durkhein. Será no lastro dos fundamentos dessas contribuições que a profissão irá constituir seus primeiros fundamentos teóricos e, por consequência, a visão de ser humano e de mundo que norteará a sua intervenção, assim como a apreensão do seu objeto de trabalho. O positivismo expressa, no plano filosófico e sociológico, a confiança e o entusiasmo com o progresso capitalista, propiciado pelo desenvolvimento técnico-industrial. Com base nessa “fé” constituiu uma doutrina extremamente influente no plano prático, isto é, das práticas sociais e políticas. A doutrina positivista pretende desempenhar um papel reformador na sociedade, através da “[...] regeneração das opiniões (ideias) e dos costumes (ações) dos homens” (COUTRIM, 1999, p. 183). Portanto, delimita como foco a reforma do sujeito, e não das 33 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o instituições sociais, políticas e econômicas, uma vez que, para essa concepção, o sistema social é “perfeito”, e as pessoas que não se alinham a ele precisam ser “reformadas” e “readequadas”. Um dos esforços dos precursores dessa concepção foi o de traduzir para a linguagem da física e da matemática todos os conhecimentos produzidos pelas ciências sociais, no que consistia o princípio da física social, depois renomeada de sociologia. Nessa perspectiva, só tem status de conhecimento (isto é, de verdade) aquilo que pode ser quantificado, mensurado e demonstrado empiricamente, ou que esteja adequado aos fundamentos da lógica. Na concepção positivista de Auguste Comte a realidade deve ser estudada, manipulada e compreendida através de partes isoladas, uma vez que só se deve “[...] investigar sobre o que é possível conhecer, eliminado a busca das causas últimas ou primeiras das coisas” (TRIVIÑOS, 1987, p. 35). Isso justifica o foco em fatos sociais, que são isolados do contexto que os produzem para serem estudadas em profundidade. Assim, por exemplo, o desemprego de uma determinada população pode ser analisado e explicado pela inadequação dessa (população) às competências fundamentais para o trabalho industrial. Para tanto, ignora fatores como os processos de reestruturação produtiva, que gera redução e eliminação de postos de trabalho de baixa especialização; o investimento massivo nas tecnologias e na automação, a precariedade ou mesmo o não-acesso à educação formal, entre outros. Ao positivismo não interessa o porquê, isto é, as causas, mas sim o como se reproduzem as relações imediatas entres os fatos, com o intuito de identificar as leis gerais que regem os fenômenos naturais e sociais, no intuito de prever e controlar os mesmos. Equilíbrio e ordem social são a finalidade e o pressuposto do positivismo, respectivamente. Daí por que a filosofia positivista tem por fim guiar o ser humano para a certeza, enfim, para o equilíbrio, eliminando tudo aquilo que é imprevisível, vago. Para tanto, tem por máxima e método a ordem e, como postura, a neutralidade, pois o papel do cientista é o de conhecer e explicar a realidade, e não o de julgá-la. A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 34 Auguste Comte elaborou e propôs uma religião para a humanidade, pela qual a exploração capitalista seria abrandada, o que propiciaria o fim dos conflitos de classe. O pensamento comtiniano, no entanto, não previa e não pretendia eliminar a propriedade privada. Outro expoente do pensamento positivista em sincronia com o progresso capitalista foi Émile Durkeim, cujo pressuposto central é de que a “[...] humanidade avança no sentido de seu gradual aperfeiçoamento, governada por uma força inexorável: a lei do progresso” (QUINTANEIRO et al, 2002, p. 67-68). Para Durkeim a sociedade industrial apresentava tendência a um “frio moral”, caracterizado pelo individualismo e pela desregulamentação de regras morais de convivência, que rompem com o estado de equilíbrio dos indivíduos. Daí a necessidade de estabelecer uma nova ordem moral, na qual é creditado à solidariedade o papel de garantir a coesão social. O conceito de solidariedade social durkaniano está intimamente relacionado à divisão social do trabalho, pois “[...] a diferenciação social não diminui a coesão [...] Ao contrário, o equilíbrio e a solidariedade originam-se na própria diferenciação, constituindo fortes laços que unem às sociedades orgânicas os seus membros” (QUINTANEIRO et al, 2002, p. 78-79). O quadro 1 sintetiza, sem a pretensão de esgotar, as categorias e ideias centrais desses dois precursores do Positivismo, cujos legados influenciaram, em larga escala, as jovens profissões que emergiam no contexto de mutação do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, no final do século XIX e início do século XX, como a Administração e o Serviço Social. 35 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o Quadro 1 Síntese da perspectiva positivista Positivismo Filósofos Categorias Ideias Centrais Auguste Comte Émile Durkheim Física Social Equilíbrio Social Ordem Social Fatos Sociais Solidariedade Social Sociedade regida por Leis Naturais a serem estudadas cientificamente Só interessa a ciência aquilo que pode ser mensurável e quantificável Conhecer para prever e controlar Solidariedade social como estratégia para garantir a coesão social Preocupação central é a manutenção e a preservação da ordem e do progresso capitalista Ideologia de reforma moral dos sujeitos, com a finalidade de adequá-los à sociedade A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 36 No próximo item abordaremos a influência dos princípios positivistas na constituição do Serviço Social, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista metodológico e ético – visão de ser humano e de mundo. Para tanto, teremos o cuidado de situar, o máximo possível, o contexto histórico em que essas influências se estabelecem. Contextualização histórica e configuração do objeto do Serviço Social na perspectiva positivistaInteressa, neste item, contextualizar inicialmente o período sócio-histórico de profissionalização do Serviço Social no solo brasileiro para, em seguida, apresentar as principais influências do pensamento positivista na prática e na teorização profissional. Não excursionaremos pela história do Serviço Social no âmbito internacional, uma vez que esse não é o foco aqui, mas sim a delimitação das influências positivistas na constituição do saber e do fazer profissional, tendo como eixo central a concepção de objeto aí emergente. Do ponto de vista “local”, isto é, do Brasil, o reconhecimento do Serviço Social não se diferencia daquele que o promoveu em nível da Europa e dos EUA: é também descendente de uma iniciativa da burguesia, de se utilizar de práticas assistenciais como forma de manter a sujeição/subordinação dos trabalhadores e com isso perpetuar as formas de explorações particulares do modo de produção capitalista. Por outro lado, o recurso, pela burguesia, às práticas assistenciais precisava se revestir de legitimidade na mesma medida em que também precisava escamotear essa intencionalidade, o que conseguiu através de mecanismos que conferiam “[...] uma aura de legitimidade à ordem burguesa, tornando-a inquestionável e, em consequência, aceitável pelo proletariado” (MARTINELLI, 1995, p. 63). 37 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o E a “medida” dessa “nova” forma de conduzir a assistência se dá nos marcos de influência da filosofia “oficial” do capitalismo: o positivismo. Dito de outra forma, a assistência é racionalizada a partir de parâmetros técnicos científicos, que passam a exigir um profissional com competências para executar uma das estratégias do Estado burguês para enfrentar a Questão Social: as políticas sociais. É nessa conjuntura, de instauração do capitalismo monopolista (primeiras décadas do século XX), que se gestam as condições sócio-históricas para a profissionalização do Serviço Social, uma vez que surge, na divisão social e técnica do trabalho, um espaço para práticas assistenciais. Portanto, não cansa registrar que o reconhecimento do Serviço Social como uma profissão participe da divisão social e técnica do trabalho não é decorrente de uma evolução das práticas de ajuda ou da reorganização da caridade, mas sim se vincula, orgânica e umbilicalmente, à dinâmica da ordem monopolista (NETTO, 2005). Contudo, não há como negar a influência do acúmulo metodológico, o background, das práticas assistências historicamente incorporadas à sociedade capitalista, como decisivo para a ascensão do Serviço Social, e não outra prática, a um caráter profissional. É exatamente essa herança conservadora que torna o Serviço Social funcional aos interesses capitalistas, isto é, a capacidade e intencionalidade da profissão em promover práticas que se fundam em “tratar” ou mesmo “amenizar” as expressões da Questão Social, reais ou virtualmente perigosas ao sistema. Daí a origem das duas principais vertentes de formação e intervenção profissional, fundadas no período de profissionalização do Serviço Social: a escola diagnóstica e a escola psicossocial. A primeira teve como principal influência as produções de Mary Richemond, e a segunda reteve influxos das obras de Gordon Hamilton e Florense Hill. Em relação ao objetivo, o que se verifica, na primeira escola (diagnóstica), é a preocupação em estender a ação social (até então veiculada à população indigente) ao operariado, como bem expresso em documento de maio/1933, do Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS), A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 38 considerado a instituição originária do Serviço Social brasileiro: É que se até então a generosidade e o espírito cristão das paulistas as impeliram a fundar obras de socorro e assistência para acudir um sem-número de males, foi somente em 1932 que as moças de São Paulo se interessaram pelo estudo metodológico da Questão Social, pela ação nos meios operários nela abrangendo o problema do trabalho. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1995, p. 174). A intenção de intervir diretamente na constituição da consciência moral do operariado, através do trabalho com jovens e mulheres, no sentido de afastá-lo das influências subversivas, bem como de adaptá-los às exigências da fase de desenvolvimento capitalista em curso, ganha corpo nesse momento. Da mesma forma, essa intenção personifica a máxima positivista de reforma moral, uma vez que o objeto profissional é o sujeito, para quem se volta à ação, e não as circunstâncias ou condições materiais desse. A perspectiva psicossocial, por seu turno, instaura uma prática profissional que tem por objeto a desintegração e a desadaptação social e funcional dos indivíduos, derivados de problemas relacionais a serem tratados através do diálogo. Aqui também o sujeito é o responsável por “não aproveitar” as oportunidades que a sociedade oferece, devido aos “seus” problemas relacionais e afetivos, que exigem orientação psicossocial. A perspectiva psicossocial tem na sua base a psicologização das relações sociais, que “[...] permite preservar o julgamento moral da clientela, agora encoberto por uma aparência científica que tem por base rudimentos da psicanálise” (MARTINELLI, 1995). Neste sentido, podemos afirmar que essa proposta se credencia ao princípio de reforma moral, tanto quanto à escola diagnóstica. Em termos metodológicos, a primeira escola (diagnóstica) busca fundamentos no método sociológico, através do estudo das causas que geram, nos sujeitos, os “desajustamentos sociais”, a fim de “curar” e “prevenir” as deficiências individuais e coletivas (IAMAMOTO; CARVALHO, 1995). Já a segunda escola (psicossocial) terá no método clínico 39 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o o modelo de intervenção e, nesse sentido, também um alargamento de seu público-alvo, não mais restrito ao operariado e a “indigentes”, mas a todo aquele que apresentasse problemas de ordem afetivo-relacional. Entretanto, não podemos esquecer que para além da intencionalidade dos primeiros agentes do Serviço Social, a prática desses já estava delimitada pelos interesses capitalistas, que demandavam a eles intervenções nas manifestações mais urgentes da Questão Social, através das políticas sociais, especialmente as de corte estatal. Urge destacar a qualidade central das políticas sociais de espectro capitalista: a de preservar e controlar tanto a força de trabalho ocupada regularmente, quanto a ocupada irregularmente e a desocupada por força das restrições de mercado (NETTO, 2005). O Quadro 2 expressa, resumidamente, as principais inflexões dos princípios positivistas na formação e na prática dos assistentes sociais de primeira e segunda geração. Quadro 2 Influência do Positivismo no Serviço Social Expressão Teórica Objeto Objetos Método Princípios/ Ação Postura Profissional Escola Diagnóstica (1930) Ser humano nas suas relações sociais Adaptação dos indivíduos à sociedade e ao trabalho Tratamento social individual e familiar NeutralidadeRacionalização da ação, através do planejamento Princípios de eficiência e efetividade Educação como ação principal Diagnóstico da situação, do indivíduo e Prescrição de tratamento Highlight A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 40 Por último, mas não menos importante, é imprescindível demarcar que, se é possível informar uma data de início da influência positivista no Serviço Social, não é possível, entretanto, informar a data em que deixa de ser suporte teórico, tendo emvista que até hoje (século XXI) ainda se expressa na prática de inúmeros profissionais, cujo foco é o de “amenizar” a situação dos usuários, através de práticas de ajustamento, fortemente controladoras. Atividades 1. No último parágrafo desse capítulo foi destacada a “atualidade” do Positivismo nas práticas profissionais. Exemplifique como ela se evidência no cotidiano do assistente social, fundamentando em um ou dois princípios da concepção positivista. 2. Faça uma relação entre as duas tabelas e comente quais os princípios do positivismo você mais identifica na prática do assistente social. Referência comentada José Paulo Netto é uma das referências do Serviço Social, na perspectiva materialista-histórica. Neste livro o autor tematiza o surgimento do Serviço Social, nos marcos do capitalismo monopolista, e as inflexões do projeto burguês na estruturação teórico e prática da profissão. Expressão Teórica Objeto Objetos Método Princípios/ Ação Postura Profissional Escola Psicossocial (1940) Desintegração e desadaptação social e funcional dos indivíduos Tratamento do indivíduo com vistas ao equilíbrio emocional Atendimento clínico de casos individuais com base no diálogo Orientação psicossocial Motivação compreensão Neutralidade Highlight 41 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o Referências COTRIN, C. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. São Paulo: Saraiva, 1999. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórica-metodológica. São Paulo: Cortez; CELATS, 1995. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 1995. NETTO, J. P. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2005. QUINTANEIRO T; BARBOSA, M. L. de O.; OLIVEIRA, M. G. M. de. Um Toque de Clássicos: Marx; Durkheim, Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2002. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. Autoavaliação Marque (V) verdadeiro ou (F) falso: 1. ( ) O objeto de trabalho do Serviço Social tem se mantido inalterado ao longo da sua história, sofrendo apenas algumas influências do pensamento conservador. 2. ( ) Entre estas influências, a que mais tem destaque, na origem do Serviço Social, é a do materialismo histórico, seguida do positivismo, em pequena medida. 3. ( ) Por capitalismo monopolista se compreende o modelo de produção baseado na concorrência perfeita, que se inicia por volta do século XXI. 4. ( ) Comte e Durkeim pretendiam fundar uma nova A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o p o si ti vi sm o 42 Gabarito: 1 ( F ); 2 ( F ); 3 ( F ); 4 ( V ); 5 ( F ). sociedade, com base na moral, na solidariedade social e no progresso industrial. 5. ( ) A institucionalização do Serviço Social tem na sua base e determinação central a racionalização da assistência e a profissionalização da ajuda. Cap. III As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência da fenomenologia Neste capítulo vamos estudar os rebatimentos da fenomenologia na prática e na constituição do objeto do Serviço Social, a partir dos princípios de Husserl em especial, e com o suporte das análise de Netto (1996). Para efeito metodológico, antes iremos destacar alguns dos princípios dessa perspectiva, a exemplo do exposto no capítulo anterior. Aportes sociológicos para compreensão da fenomenologia Inicialmente cumpre esclarecer que a perspectiva fenomenológica é de difícil compreensão, dadas a sua complexidade e também as controvérsias imanentes à própria postura fenomenológica. Neste sentido, não é raro encontrar produções teóricas distintas e mesmo contraditórias, como: as A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia 44 reducionistas–pessimistas; as construtivistas; as voluntaristas; as ateístas; as cristãs. Portanto, o esforço, aqui, não será de esgotar a análise dessa perspectiva (até porque é tarefa impossível), mas sim de, minimamente, apresentar algumas das categorias teóricas e metodológicas da fenomenologia que de alguma forma foram capturadas pelo Serviço Social no seu fazer, saber e ser cotidiano. O ambiente político no qual emergiu o existencialismo, base da fenomenologia, era atravessado pela incerteza derivada dos conflitos entre classes, em especial aquele promovido pelo movimento operário, na segunda metade do século XIX, e o decorrente da expansão do pauperismo6 no mesmo período. Entretanto outros eventos que sacudiam e tornavam sombrio esse período, também tem destaque às crises cíclicas por que passava o modo de produção capitalista, como aquelas observadas no final da primeira década do século XX e no período entre-guerras (1918-1939). É possível demarcar, inclusive, dois grandes períodos no processo de evolução da perspectiva fenomenológica: (a) o que se inicia na metade do século XIX, com Kierkegaard, Nietzsche, Husserl; (b) o que se consolida no período entre as duas grandes guerras mundiais e no imediatamente após a última, e que tem como referências Heidegger, Sartre, Merlo- Ponty, entre outros. Em comum aos dois grupos, podemos destacar: a exaltação e a redenção do humano, por um lado, e por outro a denúncia de que o progresso e as ciências não só aniquilaram a substância humana como também levaram a humanidade ao caos (as guerras mundiais e a ampliação da miséria seriam claras evidências disso). Para efeito desse capítulo, que tem por objetivo compreender as inflexões dessa perspectiva no Serviço Social, vamos nos ater às contribuições de Edmund Husserl. Segundo Husserl, a fenomenologia é a ciência das essências, que tem por objeto o estudo dos fenômenos tal qual se apresentam à consciência dos sujeitos, ou nas palavras do próprio mestre: 6 O fenômeno do pauperismo será aprofundado no capítulo que trata da conformação da Questão Social na atualidade. 45 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia A fenomenologia pura ou transcendental não será erigida em ciência que versa sobre os fatos, mas que versa sobre a essência (em ciências eidética); uma tal ciência (eidética) visa estabelecer unicamente “conhecimentos da essência” e de maneira nenhuma dos “fatos”. (In HUSS, 1995, p. 80) Em decorrência disso, a fenomenologia é mais reconhecida como um método de investigação filosófico do que uma ciência propriamente, tendo surgido no ambiente em que a filosofia existencialista se expandia, no final do século XIX e no primeiro quartel do século XX (1850-1950). O existencialismo ocupou- se, desde o início, com a existência humana, mas não nas suas condições e necessidades objetivas, mas sim com os problemas existenciais do ser humano no mundo, consigo mesmo e com Deus. O precursor dessas investigações foi o filósofo e teólogo Soren Kierkegaard, fundador da perspectiva pessimista do existencialismo. Segundo ele, as relações do ser humano são dominadas pela angústia, devido à instabilidade de se viver em um mundo no qual não há nenhuma garantia de se realizar sonhos e expectativas. Já a relação do ser humano consigo mesmo, segundo Kierkegaard, é marcada pela inquietação e pelo desespero, por duas razões fundamentais: (1ª) porque não está plenamente satisfeito com o que realizou, ou (2ª) porque não conseguiu realizar o que pretendia. O filósofo via na relação com Deus a única possibilidade de o ser humano superar tanto a angústia quanto o desespero, porém alertava que essa relação continha um paradoxo: o de compreendermos pela fé o que é incompreensível pela ciência (COTRIN,1999, p. 279). A filosofia existencialista-pessimista não se restringiu a Kierkegaard; sofreu influências de Friedrich Nietzsche; de Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, entre outros. Em comum, tinham uma visão dramática da existência humana e algumas concepções básicas: o ser humano é uma entidade aberta, inacabada, desprotegida, lançada ao mundo; portanto, a vida não é um caminho direto e linear para o êxito; o sofrimento, a angústia e o desespero compõem esse “ser no mundo”. Husserl, inicialmente, pretendia transformar a filosofia em A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia 46 uma ciência rigorosa, e para tanto formulou um método: a fenomenologia. Este se constituía, basicamente, na observação e na descrição rigorosa da consciência, a partir da redução fenomenológica, que consistia em estudar um determinado fenômeno na sua essência, livre de interferências da cultura, dos elementos sociais e pessoais. Por exemplo, o fenômeno do preconceito era estudado a partir da perspectiva do sujeito por ele afetado, na busca de descrever como ele (sujeito) vivenciava e compreendia esse fenômeno, sem levar em conta as razões culturais, de gênero, econômicas, etc., que o promoviam. À fenomenologia cabe descrever e não analisar e tampouco julgar, pois tudo o que se sabe do mundo, nesta perspectiva, é apreendido a partir de uma visão pessoal, particular. Para tanto, Husserl recorreu à máxima de Descartes: “Penso, logo existo”. Com isso, quis ele comprovar que as “vivências” são os dados primeiros e absolutos, portanto verdadeiros. Outro princípio caro à fenomenologia é a intencionalidade, que, para Husserl, é a particularidade fundamental e geral que a consciência possui de ser consciência de algo e de intencionalmente se dirigir para esse “algo”. O fato de a fenomenologia partir do sujeito e desse produzir conhecimento impôs questões de validade ao método enquanto ciência. Dito de outra forma, toda filosofia ou ciência procura elaborar verdades (teorias) válidas por seu caráter objetivo, fato que, ao primeiro exame, não se identificava na fenomenologia. A objetividade é uma das características do procedimento de racionalização científica, que recorre à observação, à experimentação, à medida, etc., de maneira a ultrapassar a sensibilidade subjetiva individual para ter um reconhecimento universal. Sensível às críticas de que a fenomenologia era incapaz de produzir “verdades” científicas, Husserl argumentava que através da redução fenomenológica se chega à essência dos fenômenos, e que a essência, por sua vez, expressa verdades universais, válidas para todos os sujeitos, uma vez que “o que 47 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia eu vivencio é a vivência de todos, porque foi reduzida a sua pureza íntima, a sua realidade absoluta” (TRIVIÑOS, 1987, p. 46). De igual forma ao positivismo, a fenomenologia não tem como princípio a historicidade dos fenômenos, uma vez que os isola para proceder o conhecimento. Com isso elimina, também, o mundo com seus valores, as determinações da base econômica e política da sociedade. Essa omissão da história afasta a fenomenologia e seus praticantes dos conflitos de classe, da denúncia da exploração do ser humano e de sua “coisificação”. Enfim, não a habilita para enfrentar os grandes problemas sociais, políticos e econômicos por que passa a população, a exemplo das imensas catástrofes políticas e militares do período em que o existencialismo tomou corpo. O quadro 3 tem por objetivo sintetizar o exposto até aqui, sobre a fenomenologia, como contribuição para o próximo item, que trata das influências dessa perspectiva no Serviço Social. Quadro 3 Síntese da perspectiva fenomenológica Fenomenologia Filósofos Categorias Centrais Ideias Centrais Filósofos Descrição Essência Intencionalidade Consciência Consciência do sujeito como “medida” para conhecer e intervir no fenômeno Intencionalidade: nenhum ato é desconectado ou sem uma intenção A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia 48 Entre outros méritos da fenomenologia, vale ressaltar o questionamento que impôs ao conhecimento positivista, em especial a incapacidade desse em enxergar e valorizar o sujeito no processo de construção do conhecimento. É essa proximidade com o sujeito que será a “pedra angular” de identificação de segmentos profissionais do Serviço Social com a perspectiva fenomenológica. As configurações do objeto do Serviço Social na perspectiva fenomenológica Se no ambiente europeu a fenomenologia emergiu na fase das grandes guerras, no Brasil, e em especial no Serviço Social, ela será capturada algumas décadas depois, mais especificamente no período denominado por Netto (1996) de reatualização do conservadorismo, que tem como marcos históricos os seminários de Sumaré (1978) e Boa Vista (1984), ambos no Rio de Janeiro. Neles são apresentadas elaborações que se credenciam como “novas propostas” por autores como Ana Augusta Almeida, Anésia Carvalho e Ana Maria Braz Pavão. O contexto sociopolítico deste período já indicava fortes traços de ruptura com o Estado ditatorial repressivo, que a quase duas décadas capitaneava o país. Os movimentos sociais se reorganizavam e tomavam a cena e, ao lado dos partidos políticos e do movimento sindical, exigiam o retorno da democracia. Neste ambiente o Serviço Social se dualizava: de um lado tendia para a perspectiva fenomenológica, de outro para a de tradição marxista. O embate político e teórico daí proveniente se alastra, especialmente, no mundo acadêmico, tendo expressão também nos seminários acima nomeados. A perspectiva fenomenológica tinha a seu favor dois fatores: (1) de um lado os dilemas prático-operacionais que não encontravam respostas nas perspectivas até então operadas pelo Serviço Social; (b) de outro lado, um clima sociocultural em que dimensões individuais e psicológicas 49 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia ganhavam relevo no âmbito das relações sociais (NETTO, 1996). No âmbito da prática, os assistentes sociais veiculados e essa perspectiva tinham como objeto a situação existencial problematizada, SEP, isto é, aquilo que o sujeito (ou o cliente, nessa perspectiva) reconhecia como seu problema existencial e que, somente ele, cliente, intencionalmente, poderia identificar e superar, desde que contasse com o suporte profissional. Do ponto de vista metodológico, o assistente social se utilizava da redução fenomenológica, através da qual o profissional “suprimia” todo e qualquer juízo de valor, isto é, intencionalmente “apagava” seus próprios valores para entender a perspectiva do sujeito. Portanto, a atuação convergia em relatos densos e sobre os enunciados do cliente. O centro era o indivíduo e a verdade aquilo que ele chegava – essência do fenômeno – através da intencionalidade e da reflexão, tendo como objetivo profissional a capacitação social do indivíduo, como exposto no quadro a seguir (quadro 4). Quadro 4 Influência da Fenomenologia no Serviço Social Expressão Teórica Objeto Objetos Método Princípios/ Ação Postura Profissional Perspectiva Compreensiva -dialógica (1870 ) Situação Existencial Problematizada SEP Ir à essência das coisas, tal qual elas s e apresentam à consciência do sujeito Dar visibilidade ao fenômeno a partir da intencionali- dade Apreender o sentido da própria existência Redução Fenomeno- lógica Atendimento individual com base no diálogo Ir à essência do vivido, através reflexão Tornar o fenômeno visível via internacio- nalidadeNeutralidade A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia 50 O recurso à fenomenologia, como método e suporte teórico, foi alvo de inúmeras críticas e, entre elas, podemos destacar com base em Netto (1996): a) A utilização de fontes secundárias7 em detrimento dos originais, redundando em um procedimento seletivo, que incorreu em um outro problema; b) O desconhecimento ou negação das problematizações e contradições dessa perspectiva, que proporcionou a perda da dinâmica interna constitutiva do movimento fenomenológico, expresso pela interação, nem sempre pacífica, mas sempre assumida, pelas suas diferentes matrizes teóricas; c) Um processo de simplificação em relação aos procedimentos fenomenológicos, em contraponto às fontes originais, no qual são complexos e ambíguos. Enfim, convém destacar que esse movimento não teve grande expansão e representação no âmbito da categoria profissional, pois além de se constituir como uma alternativa às práticas de cariz modernizado, também em curso nesse período, e que abordaremos no próximo capítulo, sofreu influxos do movimento de ruptura, de inspiração marxista, que começava a ter capilaridade no Serviço Social, como alternativa capaz de romper, enfim, com a herança conservadora. Atividade 1. Estudo de caso: o método fenomenológico tem como um dos seus princípios a descrição de um determinado fenômeno conforme ele se apresenta à consciência de um sujeito. Faça o seguinte exercício: a. Pergunte a uma pessoa, de sua relação, o que é preconceito e se ela já sofreu alguma forma de discriminação. Deixe-a falar à vontade, incentive-a repetindo, em forma de 7 Aqui a crítica recai sobre uma prática ainda muito presente no Serviço Social: o estudo através de obras e autores que interpretam determinadas teorias, em detrimento do estudo direto nas obras originais (fontes primárias). Assim, por exemplo, ao invés de ler e estudar a obra de Hussel, se procedeu o estudo de autores que analisavam sua obra. 51 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia pergunta, aquilo que ela informa, mas com o cuidado de não expor a sua opinião ou julgamento. Tampouco conte algo semelhante ou use exemplos. b. Vá anotando o que a pessoa fala, mesmo que pareça desconexo. Após, descreva o que, afinal, é preconceito para o entrevistado, tendo por base exclusiva o depoimento dele. c. Apresente suas conclusões à pessoa, sem fazer qualquer tipo de análise, teorização, etc., e avalie se o entrevistado concorda com sua descrição. Referência comentada Em Ditadura e Serviço Social, Jose Paulo Netto nos convoca a refletir sobre os processos de renovação que a profissão passou no período das décadas de 70 e 80 do século XX. Por fim, nos oferece um panorama dos caminhos e descaminhos do Serviço Social brasileiro, na modernidade. Referências COTRIN, C. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. São Paulo: Saraiva, 1999. NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1996. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d a fe n o m en o lo g ia 52 Autoavaliação Marque (V) verdadeiro ou (F) falso: 1. ( ) O existencialismo é um método que se propõe a estudar os fenômenos naturais. 2. ( ) No Serviço Social a fenomenologia teve grande influência, em especial porque oferece fundamentos teóricos que explicam tanto o contexto produtivo (capitalismo) quanto o político (democracia). 3. ( ) O profissional que utiliza o método fenomenológico tem por princípio a conscientização do cliente, através da explicitação de fundamentos éticos e políticos. 4. ( ) Uma das características da fenomenologia é a sua clareza epistemológica, teórica e metodológica, garantida pelo rigor científico. 5. ( ) Entre as críticas ao recorrer-se à fenomenologia pelo Serviço Social, está aquela que denuncia a falta de domínio dos profissionais da área em relação a produção teórica primária dessa perspectiva. Gabarito: 1 (F);2 (F); 3(F); 4(F); 5(V). Cap. IV As diferentes configurações do objeto de trabalho do Serviço Social: influência do funcionalismo O Serviço Social brasileiro usufruiu, por quatro décadas (1930-1970), de alguns princípios do funcionalismo, em especial no período de 1940-70. Como principal produto desse pensamento temos a ampliação da base metodológica da profissão, que agregou ao atendimento individual a perspectiva do trabalho com grupos e com comunidades, como veremos a seguir. Aportes sociológicos para compreensão do funcionalismo O termo Funcionalismo, em latim, significa “desempenhar”, o que é pertinente ao objetivo que assume na área das Ciências Sociais: o de explicar aspectos da sociedade tendo por base as funções “desempenhadas” por indivíduos e suas consequências para a sociedade como um todo. Podemos afirmar A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o f u n ci o n al is m o 54 que o funcionalismo pertence à mesma raiz do positivismo, pois também tem uma visão romantizada e condescendente da sociedade e do modo de produção capitalista, como é exemplo a Teoria do Conflito, que sustenta que o conflito e a disputa pelo status quo8 são danosos à sociedade. Em termos de origem, o funcionalismo é associado à obra de Émile Durkheim, uma vez que esse entendia que a cada indivíduo cabia uma função determinada e específica na sociedade e sua má execução acarretava a disfunção da própria sociedade. Porém, este nunca formulou, em sua obra, tal termo. Até porque este ramo das ciências emergiu como tal e obteve significativa hegemonia na área da sociologia, no período das duas grandes guerras até os anos 60 (século XX). De modo geral, o funcionalismo tem por objeto de análise as funções e as consequências de um conjunto de fenômenos empíricos, em vez de suas causas. Neste sentido, a análise funcionalista não tem interesse no desenvolvimento histórico das regras e dos fenômenos, o que, como já demarcado, levou- o a tendência de presumir que “[...] qualquer instância que contribua para a manutenção de um todo mais amplo é, por si mesmo, positivo.” (Outhwaite; Bottomore 1996, p. 327). Da obra durkheniana seus discípulos capturaram dois princípios: o da exterioridade e o da coercitividade. Ao defender a exterioridade do objeto (isto é, do fato social) em relação ao sujeito (uma vez que nesta perspectiva o objeto existe antes do próprio indivíduo) justificavam, em última instância, o princípio coercitivo da sociedade, que a autorizava a impor funções ao indivíduo, sem o consentimento prévio deste. Para Talcott Parsons, antropólogo expoente dessa perspectiva, a sociedade e sua respectiva cultura formam um sistema integrado de funções, ou um sistema social, cuja sobrevivência depende de pré-requisitos funcionais, como normas, regras, valores comuns. Segundo ele, para sobreviver 8 Emprega-se esta expressão, geralmente, para definir o estado considerado “normal” de coisas ou situações. Na generalidade das vezes em que é utilizada a expressão aparece como “manter o status quo”, “defender o status quo” ou, ao contrário, “mudar o status quo”. Disponível em http://www.direitovirtual.com.br/dicionario.php. Acessado em 24/ 07/08, às 18h30min. 55 A s d if er en te s c o n fi g u ra çõ es d o o b je to d e tr ab al h o d o S er vi ço S o ci al : i n fl u ên ci a d o f u n ci o n al is m o ou para se manter em um equilíbrio respeitoso com o seu ambiente, um sistema deve se
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