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Livro Questão Social

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Prévia do material em texto

Questão
Social
Questão
Social
Sandra da Silva Silveira
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora)
Mara Lúcia Machado
José Édil de Lima Alves
Astomiro Romais
Andrea Eick
Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.
Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Editora da ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na
Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas
ISBN: 978-85-5639-155-1
Dados técnicos do livro
Fontes: Verdana, Arial
Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 15x22cm
Impressão: Gráfica da ULBRA
Fevereiro/2010
S587q Silveira, Sandra da Silva
Questão social. / Sandra da Silva Silveira. - Canoas: Ed. ULBRA, 2010.
112p.
1. Serviço social. I. Título.
 CDU 364.442.2
Apresentação
Prezado Aluno,
Desde o início de seu processo de formação até
aqui, você, impreterivelmente, já foram apresentadas
às principais peculiaridades do Serviço Social. Entre
essas peculiaridades, tem destaque o objeto de trabalho
profissional, por se tratar daquilo que nos legitima e
particulariza socialmente. Na qualidade de fenômeno
próprio das sociedades capitalistas, a Questão Social
tem natureza complexa e contraditória, o que não
permite a sua compreensão de forma imediata, mas
somente sob rigorosos fundamentos teóricos e suportes
metodológicos.
O desafio que ora se impõe, nesta disciplina, é o
de tornarmos próximo e identificável, a você, esse
objeto de trabalho, a partir dos processos que o
produzem, e como forma de capacitá-lo para um
exercício profissional coerente com os princípios ético-
políticos da profissão e com as diretrizes do projeto de
formação em Serviço Social. Daí por que este livro foi
organizado de forma a oferecer, além dos subsídios
teóricos, atividades descritivas e avaliações
quantitativas. Ao final de cada capítulo, estão listadas
indicações de leituras complementares, contribuições
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valiosas que integralizam a produção restrita desse
livro.
Do ponto de vista pedagógico, estruturamos os
conteúdos segundo alguns princípios da teoria
materialista histórica, ou seja, iniciamos o primeiro
capítulo conceituando e diferenciando, semântica e
sociologicamente, o termo “objeto”. Isso porque,
conforme a teoria citada, um estudo deve ter como
ponto de partida a particularidade ou a totalidade do
fenômeno. Nossa opção recaiu, como já demarcado,
sobre a primeira possibilidade, a particularidade.
Em seguida, perfazemos um breve circuito na
história do Serviço Social e nos diversos fundamentos
teóricos que o “iluminaram e iluminam” ao longo de sua
trajetória, tendo como eixo norteador as concepções
de objeto daí imanente. Neste sentido, são percorridos,
ao longo de quatro capítulos, os princípios fundamentais
do positivismo, da fenomenologia, do funcionalismo e
do materialista histórico, assim como suas influências
na “formatação” do objeto de trabalho profissional.
Feitas essas digressões históricas e sociológicas,
o esforço vai no sentido de oportunizar a você
fundamentos para análise da Questão Social, no que
se refere a sua natureza, historicidade e conceituação,
considerando para tanto as contribuições da sociologia
contemporânea e da produção teórica do Serviço Social.
Os dois últimos capítulos têm a pretensão de
fornecer subsídios metodológicos que permitam o
desvelamento da Questão Social, a partir de suas
expressões, tendo como mediações os processos
sociais, institucionais e particulares que as produzem
e reproduzem. E como recurso didático propomos, no
último capítulo, um Estudo de Caso baseado em uma
situação real.
Desejamos a você um profícuo processo de
aprendizagem, pois dele dependerá a qualidade de sua
futura prática como assistente social. Para além disso,
a intenção é também favorecer e fortalecer o seu
compromisso com a promoção da justiça social e com
o desenvolvimento humano integral.
Apresentação
Sumário
Capítulo I
Objeto: primeiras aproximações conceituais, 13
Variações sobre o mesmo termo I: objeto de conhecimento, 13
Variações sobre o mesmo termo II: objeto de trabalho, 20
Atividades, 25
Referência comentada, 26
Referências, 26
Autoavaliação, 27
Capítulo II
As diferentes configurações do objeto de trabalho do
Serviço Social: influência do positivismo, 29
Aportes sociológicos para compreensão do positivismo, 30
Contextualização histórica e configuração do objeto do Serviço Social
na perspectiva positivista, 36
Atividades, 40
Referência comentada, 40
Referências, 41
Autoavaliação, 41
Capítulo III
As diferentes configurações do objeto de trabalho do
Serviço Social: influência da fenomenologia, 43
Aportes sociológicos para compreensão da fenomenologia, 43
As configurações do objeto do Serviço Social na perspectiva
fenomenológica, 48
Atividade, 50
Referência comentada, 51
Referências, 51
Autoavaliação, 52
Capítulo IV
As diferentes configurações do objeto de trabalho do
Serviço Social: influência do funcionalismo, 53
Aportes sociológicos para compreensão do funcionalismo, 53
As configurações do objeto do Serviço Social na perspectiva
funcionalista e sistêmica, 56
Atividades, 59
Referência comentada, 60
Referências, 60
Autoavaliação, 62
Capítulo V
As diferentes configurações do objeto de trabalho do
Serviço Social: influência do materialismo histórico, 63
Aportes sociológicos para compreensão do materialismo histórico, 64
Contextualização histórica e configuração do objeto do Serviço Social
na perspectiva do materialismo histórico, 68
Atividades, 71
Referência comentada, 73
Referências, 73
Autoavaliação, 74
Capítulo VI
Fundamentos para compreensão da Questão Social, 75
Conceitos, presente e passado da Questão Social, 77
Breve mosaico da produção teórica e metodológica sobre a Questão
Social pelo Serviço Social, 83
Atividades, 88
Referência comentada, 89
Referências, 89
Autoavaliação, 90
Capítulo VII
Processo de conhecimento das expressões da Questão
Social: os processos sociais, 91
Processos sociais no contexto mundial, 92
Processos sociais no contexto latino-americano e brasileiro, 94
Atividades, 98
Referência comentada, 99
Referências, 99
Autoavaliação, 100
Capítulo VIII
Processo de conhecimento das expressões da Questão
Social: processos constitucionais e particulares, 101
Dos dispositivos legais às políticas sociais e realidades
socioinstitucionais, 102
Rebatimentos da Questão Social nos processos particulares, 105
Atividades, 110
Referência comentada, 110
Referências, 110
Autoavaliação, 111
Cap. I
Objeto: primeiras
aproximações conceituais
Neste momento de sua formação profissional, você, sem
dúvida, já foi apresentado àquilo que, no Serviço Social,
designamos como nosso objeto de trabalho: a Questão Social.
Isso porque não há como discorrer acerca da profissão sem
abordar, mesmo que sucintamente, aquilo que justifica a
existência e a pertinência da profissão e, portanto, lhe dá
legitimidade e especificidade: o seu objeto de intervenção.
Mas, antes de adentrarmos no que vem a ser, como surgiu e
como se constitui, atualmente, a Questão Social, vamos definir,
neste capítulo, o que é, afinal, um objeto; conhecer a diferença
entre objeto de conhecimento e objeto de trabalho e, por
último, compreender como esse objeto de trabalho se
particulariza na realidade de diversas profissões.
Variações sobre o
mesmo termo I: objeto
de conhecimento
Uma das conceituações possíveis para a palavra objeto,
segundo o dicionário Luft da Língua Portuguesa, é aquela que
o compreende como “[...] coisa material, peça, artigo de compra
ou de venda”.
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Mas denominá-los de objeto, somente, não é suficiente
para expressar o significado de cada um deles, visto que
apresentamdiversas qualidades e funcionalidades, que ora os
diferencia e ora os aproxima. Isso porque, todos eles podem
ser categorizados de várias formas, como por exemplo:
a. Do ponto de vista da semelhança, podemos categorizá-
los como objetos de decoração;
b. Do ponto de vista da funcionalidade, podemos
catalogar todos como estéticos e apenas um (abajur)
como utilitário, pois tem função de iluminar o ambiente;
c. Do ponto de vista da natureza (isto é, da matéria-
prima que os compõe), subdividem-se em: natural (madeira,
cerâmica) e artificial (vidro, derivados plásticos).
No cotidiano da sociedade moderna os objetos produzidos
pela ação humana compõem, em larga escala, a realidade
objetiva, e de tal forma que se tornaram imprescindíveis à
nossa sobrevivência. O ser humano cria o seu ambiente, através
de objetos que passam a ter significado, utilidade e, algumas
vezes, vida própria, como no caso da manipulação genética de
seres vivos. Com um simples e rápido olhar no ambiente em que
estamos é possível identificar uma série de objetos, muitos
essenciais e outros nem tanto, ao momento ou à atividade que
estamos realizando.
A convivência e a relação de dependência com os objetos
são uma constante na história da humanidade. Segundo a
Paleontologia, ainda no alvorecer da espécie humana
(aproximadamente 4 a 2 milhões de anos atrás), quando o
nomadismo garantia a sobrevivência, alguns aspectos
intelectuais já delimitavam diferenças entre os hominídeos e os
restantes das espécies. Dentre esses aspectos diferenciados
do Australopithecus (denominação dada aos primeiros homicídios
conhecidos), tinham destaque: (a) uma inteligência superior,
que lhe permitia comunicar-se através de uma linguagem
articulada; (b) uma vida social complexa, baseada no esforço
cooperativo; (c) e a manufatura e o manuseio de instrumentos
rudimentares, a partir de pedras, peles de animais e madeira.
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A Paleontologia (do grego palaiós, antigo; óntos, ser;
lógos, conhecimento) é a ciência natural que tem por objeto
de estudo o passado da vida da Terra, bem como o seu
desenvolvimento ao longo do tempo geológico, e a formação
dos fósseis, isto é, os processos de integração da informação
biológica no registro geológico.
Ainda segundo o dicionário Luft, por objeto também se
designa tudo aquilo que pode ser percebido pelos sentidos
externos (olfato, tato, audição, visão, paladar) ou pela
inteligência. E é no campo do significado de objeto como
aquilo que pode ser percebido pela inteligência (razão) que se
justifica o conceito acima descrito. Nesse sentido, a
Palenteologia tem por objeto de estudo e conhecimento os
fósseis, que segundo os pesquisadores dessa ciência guardam
o registro do passado.
Objeto, então, é aquilo que se estuda, isto é, aquilo que
se quer conhecer e que, portanto, será submetido à
investigação segundo normas do método científico. Mas para
se consolidar como uma área do conhecimento científico uma
disciplina (ramo do conhecimento) precisa ter delimitado
claramente o objeto sobre o qual tem domínio e pelo qual será
autorizado a produzir conhecimentos.
Por ciência, segundo Russ (1994, p. 35), compreende-se
todos os “[...] conhecimentos discursivos que estabelecem
relações ou leis necessárias entre os fenômenos estudados e
reúnem nas teorias essas relações ou leis [...]”, a exemplo da
Física, da Química, da Matemática, das Ciências Sociais, entre
tantos outros ramos do conhecimento.
A produção desse tipo de conhecimento – científico – se
dá através da pesquisa, que é uma forma de indagar a realidade
e os fenômenos (sociais, biológicos, políticos, econômicos). A
pesquisa se estrutura a partir do método científico, que se
caracteriza por apresentar uma estrutura lógica, formada por
um conjunto de etapas a serem cumpridas para a solução de
determinado problema. As etapas do método científico são:
delimitação e enunciação de um problema; formulação de
hipóteses; testes das hipóteses; conclusões.
Hoje (século XXI) a validade do resultado de uma pesquisa
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científica implica, especialmente, a capacidade de comunicar,
de forma clara e objetiva, as condições, isto é, a forma
como se alcançou/chegou a determinado resultado. Isso
inclui informar tanto os princípios que nortearam o cientista
(seus valores, hipóteses, conhecimentos, modelos cognitivos)
quanto os procedimentos que permitiram construir, de modo
ordenado e seguro, determinados saberes e conclusões.
Cabe ainda lembrar que a ciência divide-se em ciências
da natureza e ciências sociais, conforme a natureza de seu
objeto. As primeiras surgiram com o objetivo de explicar e prever
toda sorte de fenômeno, seres e coisas, orgânicas e inorgânicas,
que compõem a natureza, naquilo que ele tem de objetivo e
verificável. Já as segundas nascem com o objetivo de explicar,
conhecer e prever os problemas teóricos ou práticos do ser
humano na sua relação com o outro, consigo próprio, com a
sociedade e com a natureza.
Hoje, as sociedades modernas são, em larga medida, reflexo
de proposições que surgiram das pesquisas empreendidas por
especialistas das ciências sociais e da natureza. Grande parte
das decisões governamentais, por exemplo, são provenientes
de princípios da economia política e/ou da política econômica,
duas ramificações das ciências econômicas. Da mesma forma,
as instituições públicas (Executivo, Judiciário e Legislativo) têm
na sua base conhecimentos produzidos no âmbito das ciências
políticas, que além de ofertarem, também justificam os modelos
de gestão da coisa pública de uma determinada comunidade e/
ou país, como a democracia participativa, a democracia
representativa, a social-democracia. Assim também as escolhas,
em nível dos indivíduos e dos Estados, consideram, em alguma
medida, aquilo que os historiadores têm demonstrado em suas
análises do passado, tanto do cotidiano quanto dos grandes
eventos econômicos, políticos e sociais.
A História, inicialmente, teve como objeto de estudo,
basicamente, documentos oficiais, nos quais procurava
identificar e explicar as causas que, no passado, produziram
determinado fato econômico, social ou político. Neste primeiro
momento, sob influência dos princípios positivistas, o que
pretendiam esses historiadores era relatar, o mais fidedignamente
possível, os grandes fatos e personalidades do passado. Com o
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passar do tempo, e já no século XX, a história passa a ter
como objeto não só os registros documentais, mas toda e
quaisquer fontes que contenham informações sobre o passado,
como a arte, a iconografia, os diários, as correspondências
pessoais, entre outros.
Já para as Ciências Políticas o objeto são as diversas
formas de poder que emergem na e da organização política,
através do estudo das regras, normas e toda a sorte de
organismos e instituições que têm por objetivo assegurar o
funcionamento da sociedade. Assim como a História, também
vai alterar o objeto de conhecimento a partir do século XX:
além do estudo do Estado e do Governo, passa a incluir os
diferentes organismos, instituições e espaços da sociedade,
que produzem e detêm níveis de poder, como os movimentos
sociais, as instituições de saúde, educação e assistência social,
por exemplo.
Para a Economia, o objeto de conhecimento são todos
os comportamentos humanos, as regras, os recursos e as
necessidades que interferem, direta ou indiretamente, na
produção e locação de bens e serviços, com foco na adequação
entre os limitados recursos (materiais, financeiros) e as ilimitadas
necessidades humanas.
No âmbito das ciências da natureza temos, dentre muitas,
a Biologia cujo objeto de conhecimento é a vida, nas suas
mais diversas formas e expressões. A Física, por seu turno,
elege como objeto os inúmeros componentes fundamentais do
Universo, as forças que eles exercem e os resultados dessas
forças, isto é, os fenômenosfísicos. Já a Química tem por
objeto de estudo as substâncias da natureza, os elementos
que a constituem, suas características, propriedades
combinatórias, processos de obtenção, suas aplicações e sua
identificação. A figura 2, o Alquimista, de Pietro Longhi representa
a “aurora” dos experimentos científicos.
Tradição que data do período Medieval, a Alquimia abrange
elementos hoje reconhecidos da química, da física, da
astronomia, da arte, da metalurgia, da medicina, do misticismo
e da religião. Tinha três objetivos centrais: (a) a transmutação
dos metais inferiores em ouro, (b) a produção do Elixir da Longa
Vida, um remédio que curaria todas as doenças e daria vida
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eterna àqueles que o ingerissem, e (c) criar vida humana artificial,
os homunculus. Mesmo não atendendo aos critérios modernos
do método científico, a Alquimia foi uma fase fundamental no
desenvolvimento de procedimentos e conhecimentos que mais
tarde foram utilizados pela química e em outras áreas das
ciências naturais.
Figura 2
O Alquimista
Fonte: Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Quimica#
Acesso:04/07/08-05h50min.
Os produtos (resultados) das ciências da natureza e
sociais interferem diretamente nas profissões, em termos de
resolutividade e de reconhecimento, como no caso da medicina,
que usufrui dos avanços produzidos por pesquisas da biologia,
da genética, da física nuclear, da química, entre outras. Também
o Serviço Social usufrui dos conhecimentos gerados por áreas
das ciências sociais, em especial pela economia, sociologia e
história. São os estudos da economia política, por exemplo,
que nos permitem reconhecer a importância do modo de
produção capitalista na geração das desigualdades e injustiças
sociais. Da mesma forma, as ciências políticas contribuem com
os fundamentos para compreensão e ênfase da democracia e
da liberdade como valores centrais da prática profissional. Mas
o legado das ciências ao Serviço Social não se restringe ao
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campo das ciências sociais, uma vez que as ciências da
natureza, em especial aquelas ligadas à saúde pública – como
a epidemiologia e a psicanálise –, também incidiram sobre e na
prática dos assistentes sociais, como oportunamente será
abordado.
Contudo, até boa parte do século XVIII, as diversas ciências
não tinham como preocupação central a aplicabilidade dos seus
conhecimentos na realidade. Isso começou a mudar a partir do
século XIX, quando a degradação das condições de vida de
extensas e significativas parcelas das populações rurais e
urbanas (em especial desta última) se ampliava, em igual medida
em que se consolidava e se aprofundava a concentração de
riqueza nas mãos da burguesia. Neste cenário, em que explodiam
revoluções, revoltas e repressões, a ciência vai ser convocada
a dar respostas concretas, pois
A questão de que se cabe ao pensamento humano atingir
uma verdade objetiva não é teórica, mas prática. Em outras
palavras, não basta interpretar o mundo – é necessário
transformá-lo. (MARX, 1975).
Mas é somente no século XX que as ciências sociais
alcançam a maioridade e o reconhecimento, em função dos
problemas, necessidades e inquietações que marcam esse
período, em especial aqueles causados pelas mudanças
econômicas e políticas, provocados pelas duas grandes guerras
mundiais, pela expansão mundial da industrialização e
urbanização dela decorrente e pelo aprofundamento das
relações sociais capitalistas.
À medida que as ciências sociais se tornam influentes,
emergem questões de cunho moral e ético, que dizem respeito
ao uso dos conhecimentos científicos como forma de justificar
e subsidiar ações políticas, culturais e econômicas, do Estado,
do Capital e dos trabalhadores. Um exemplo disso é a utilização
das teses do sociólogo Lévy-Brulh (1900), que atribuíam às
sociedades primitivas o status de inferioridade, por não
partilharem da lógica ocidental – racionalismo burguês.
Justificou-se, com essas teses, uma nova fase de ocupação e
colonização, pelas nações de centro (Inglaterra, França,
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Alemanha, Bélgica, Itália e Estados Unidos), de territórios e
populações (na África, Ásia e Oceania), com base no argumento
da necessidade de se “expandir” o progresso da ciência e da
tecnologia a todo o mundo.
Esses e outros tantos fatos deixaram claro que o processo
de escolha e delimitação de um objeto de conhecimento, por
uma determinada área ou ramo científico, não é de interesse
único de uma classe ou categoria profissional, uma vez que os
produtos desses saberes influenciam, direta e indiretamente,
na dinâmica da sociedade. Por outro lado, esses conhecimentos
só se justificam, hoje, quando socializados, isto é, quando
aplicados na resolutividade de problemas presentes ou potenciais
(como é o caso do meio ambiente), demandas sociais, políticas,
econômicas.
De igual forma, a escolha e delimitação de um objeto de
trabalho por uma profissão só se justifica por sua possível
contribuição à dinâmica da sociedade e por sua capacidade de
atender a necessidades sociais e políticas da mesma. Por outro
lado, só é possível compreender o significado e o papel de uma
profissão a partir da sua inserção na divisão social do
trabalho, como veremos no próximo item.
Variações sobre o mesmo
termo II: objeto de
trabalho
De início, cabe conceituar, genericamente, o que é um
objeto de trabalho: a matéria-prima de um trabalho, sobre
a qual incide a ação transformadora do ser humano. Sim, porque
todo trabalho tem como finalidade uma transformação ou
alteração, seja em um objeto concreto; seja em um objeto
imaterial. Vejamos alguns exemplos:
- Objetos concretos: o marceneiro é um especialista
que tem como objeto, ou matéria-prima, a madeira, pois é
sobre ela que irá imprimir esforços (físicos e intelectuais) para
chegar a um resultado: um móvel. Também o artesão
ceramista tem claro o seu objeto: o barro, que irá manipular
até chegar à peça projetada (um vaso, um conjunto de pratos,
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uma escultura). Um arquiteto urbanista, por sua vez, tem
como objeto de trabalho tudo aquilo que compõe os espaços
urbanos, incluindo aí as ruas, os viadutos, as avenidas, as
praças, etc. Com isso, objetiva transformar o ambiente das
cidades, tornando-as mais agradáveis à convivência; mais
bonitas, com fácil circulação – de pessoas, de automóveis, de
transportes coletivos. O médico tem como objeto de trabalho
a doença ou a potencialidade de se adoecer ou de morrer; a
ação desse profissional se direciona sobre aquele órgão ou
componente físico que está doente ou que pode,
potencialmente, adoecer, o que exige especialização, tendo
em vista a complexidade do corpo humano, bem como das
condições que causam o adoecimento (meio ambiente,
alimentação, exposição a riscos, hereditariedade, entre tantos
outros).
- Objetos imateriais: seguindo o último exemplo, da
medicina, é possível destacar uma especialidade dessa área
que tem um objeto de natureza imaterial: a Psiquiatria, cuja
matéria-prima é “[...] o sofrimento dos pacientes e a sua relação
com o corpo social”1 . Já para o administrador o seu objeto
de trabalho são as organizações, mais especificamente aqueles
elementos que interferem no seu funcionamento: os processos
de produção, os métodos de trabalho e de controle e as relações
sociais. Também o Serviço Social se inscreve entre as profissões
cuja natureza de seu objeto é imaterial, isto é, não é palpável,
pois se refere a determinadas relações e processos sociais,
que aprofundaremos ao longo desse livro.
Enfim, é possível delimitar um objeto de trabalho para todas
as profissões e em especial para aquelas que têm o caráter
técnico-científico, isto é, que se utilizam de conhecimentos e
métodos científicos para produzir transformação no seu objeto.
Mas com isso não estamos afirmandoque o objeto de uma
determinada profissão é imutável, que é conhecido desde o
início por seus profissionais e que tampouco é reconhecido
clara e imediatamente pela sociedade. Ao contrário: se é certo
afirmar que toda profissão tem sim um objeto de trabalho, não
o é afirmar que esse objeto é eterno, inalterável. Com isso,
1 Disponível em http://aspro02.npd.ufsc.br/arquivos/180000/183200/18_183234.
Acessado em 08/07/08, às 23h18min.
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estamos reafirmando um dos princípios básicos da concepção
materialista-histórica: a de que qualquer fenômeno social
(como uma profissão) precisa ser compreendido a partir de sua
inserção, desenvolvimento e consolidação em um determinado
contexto histórico. Mas antes de exploramos mais o elemento
histórico na compreensão do objeto de trabalho, se faz
necessário abordar alguns elementos conceituais referidos a
sua concepção.
Nesse sentido, compreender o objeto de trabalho de uma
profissão exige reconhecer que toda e qualquer atividade humana
de labor, isto é, de trabalho, se constitui a partir de um processo
de trabalho e que esse só tem sentido e interesse social
quando contribui, com sua especificidade, para a produção e
reprodução social. Isso significa dizer que as profissões se
inserem no que se denomina de divisão social e técnica do
trabalho, na qual são, ao mesmo tempo, interdependentes
e diferentes.
De forma geral, por divisão social do trabalho se entende
todas as formas de “[...] diferenciação de tarefas implícitas na
produção de bens e serviços e à alocação de indivíduos e de
grupos para realizá-las” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.
218). Dito de outra forma, a divisão social do trabalho expressa
as diversas e diferentes atividades necessárias para a produção
de bens e serviços, e a forma como essas são distribuídas
entre todos aqueles que integram uma sociedade. Nessa
perspectiva, ela é tributária de inúmeras formas de
desigualdades sociais, uma vez que os papéis e as condições
de um indivíduo (etnia, gênero, geracional) afetam, em larga
medida, a forma, a qualidade e a quantidade de retorno e
recompensa pelo trabalho realizado (financeiro, prestígio, poder).
Já a divisão técnica do trabalho refere-se ao
aprofundamento das diferenças entre os trabalhadores,
produzidas pela crescente complexificação dos processos
produtivos (de bens e serviços), que exigem cada vez mais
especialização. O caráter de interdependência deriva dessa
complexidade do processo de produção, pois quanto mais
complexo esse for, mais necessidade de especialização (e
especialistas) tem. Quanto mais especializados são os
trabalhadores, menos conhecimentos e domínio têm da totalidade
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do processo de produção do qual participam e mais dependência
têm do trabalho também especializado (e fragmentado) do outro.
Na base dessa interdependência repousam as diferenças,
expressas pela especificidade de cada profissão no conjunto
do trabalho coletivo, incluindo aí o seu objeto de domínio,
sobre o qual intervêm através da mobilização de conhecimentos,
técnicas, habilidades e intencionalidades específicas.
No modo de produção capitalista essa especialização é um
processo central, visto que gera condições de: (a) ampliar a
produtividade e, consequentemente, a produção de excedentes
a serem apropriados pela classe que possui e domina os meios
de produção, (b) reduzir a capacidade dos trabalhadores de
exercerem controle sobre o seu próprio processo de trabalho,
devido à fragmentação desse, que conduz à incapacidade de
compreender, planejar e decidir sobre suas atividades. A charge2
a seguir apresenta com
propriedade a transformação
que o capitalismo operou na
divisão social do trabalho.
Bem, de posse de alguns
esclarecimentos essenciais para
a compreensão do que seja
objeto de trabalho, seu
significado, sua especificidade
e sua produção na sociedade capitalista, vamos nos deter, no
próximo capítulo, em conhecer como ele (objeto) historicamente
vem se contextualizando no Serviço Social. Isso será abordado
a partir das principais fases de desenvolvimento, crise e
consolidação da profissão, tendo como pano de fundo o modelo
econômico e os paradigmas filosóficos vigentes em cada fase.
Após breves considerações acerca do que seja o objeto
de trabalho profissional, convém destacar que esse se insere
em um Processo de Trabalho, no qual se configura como um de
seus elementos. A concepção do que seja Processo de Trabalho,
bem como sua especificidade no Serviço Social, será abordado
ao longo deste livro.
Por ora, interessa aqui reter que a definição e a escolha
2 NOVAES, C. E. Capitalismo para Principiantes: a história dos privilégios econômicos.
São Paulo: Atica, 2005.
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de um objeto de trabalho é um processo social, uma vez que a
legitimidade e a justificativa da existência de uma profissão
são conferidas pela sociedade, considerando, especialmente,
sua adequação ao modelo produtivo – econômico vigente.
Entretanto, não há, também, como negar a influência dos
sujeitos que a compõem, pois ao vivenciarem, no cotidiano, as
requisições postas à profissão, ao sistematizarem suas práticas,
acumulam saberes que contribuem para a criação de uma
cultura profissional, que produz, entre seus agentes, modos
de atuar e de entender a profissão.
E é exatamente a capacidade de análise das demandas
que lhes são postas, dos princípios que a norteiam, das forças
sociais que a pressionam, que permitem a uma profissão
construir (e reconstruir), autônoma e coerentemente, seu objeto
de trabalho. Esse exercício crítico, que tem mobilizado o Serviço
Social, nos autoriza a afirmar, hoje, que o seu objeto de trabalho
é a Questão Social.
Mas, afinal, para que nos serve compreender, e até mesmo
delimitar, o nosso objeto de intervenção? A essa questão nos
responde Iamamoto (1999, p. 28):
[...] decifrar as novas mediações por meio das quais se
expressa a Questão Social, hoje, é de fundamental
importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva:
tanto para que se possa tanto apreender as várias
expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades
sociais – sua produção e reprodução ampliada – quanto para
projetar e forjar formas de resistência e defesa da vida.
Portanto, para forjarmos formas de resistências eficientes
para enfrentar às desigualdades e opressões a que é submetida
a população com a qual trabalhamos, precisamos ter a
capacidade de reconstruir conhecimento com as nossas “próprias
mãos”, a partir da mobilização de saberes específicos (produzidos
pela e na prática profissional cotidiana) e conhecimentos de
outras áreas. Entre esses conhecimentos têm especial
importância aqueles que visam a desvelar o papel, o significado
e o lugar do Serviço Social na sociedade, em outros termos, o
nosso objeto de trabalho. Essa é a condição sine qua non
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para profissões que pretendem a transformação, como o Serviço
Social, que tem no seu projeto ético-político o compromisso
com a superação de todas as formas de opressão, discriminação
e injustiça social.
Atividades
1. Pesquise duas áreas das ciências sociais, não-citadas
neste capítulo, e preencha a tabela abaixo:
2. Liste as principais diferenças entre objeto de
conhecimento (científico) e objeto de intervenção.
3. Liste duas profissões, não-citadas neste capítulo, e
enumere possíveis objetos de trabalho para cada uma. Após,
identifique quais áreas das ciências (sociais e da natureza)
contribuem com a mesma.
Área da Ciência Objeto Profissões com
as quais contribui
Profissão Objeto
Áreas da ciência
que a
fundamenta
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Referência comentada
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo: Cortez, 1999.Autora de referência no Serviço Social,
Iamamoto apresenta, nesta obra, uma
contribuição para pensarmos o lugar da profissão
na contemporaneidade, a partir da análise de
questões que se colocam no âmbito do trabalho
e da formação do assistente social. Entre estas questões, tem
destaque a que define a Questão Social como objeto de trabalho
do Serviço Social, e a que define a prática profissional como
um Processo de Trabalho.
Referências
COTRIN, C. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e
fazer. São Paulo: Saraiva, 1999.
DEMO, P. Conhecimento Moderno. São Paulo: Cortez,
1997.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na
Conteporaneidade: trabalho e formação profissional.
São Paulo: Cortez, 1999.
LAVILLE, C.; DIONNE, J. A Construção do Saber: manual
de metodologia da pesquisa em ciências humanas.
Porto Alegre: Artes Médicas; Belo Horizonte: UFMG, 1999.
MARX, K. Textos. São Paulo: Edições Sociais, 1975.
OUTHWAITE, W. & BOTTOMORE, T. Dicionário do
Pensamento Social do séc. XX. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996.
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NOVAES, C. N. & RODRIGUES, V. Capitalismo para
Principiantes: a história dos privilégios econômicos.
São Paulo: Ática, 2005.
RUSS, J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione,
1994.
Autoavaliação
Marque (V) verdadeiro ou (F) falso:
1. ( ) Segundo a Paleontologia, a criação e o uso de objetos
é um fenômeno recente na história da humanidade, tendo
iniciado somente com a Revolução Industrial.
2. ( ) Do ponto de vista das ciências, objeto é aquilo que
confere legitimidade a uma determinada área/ramo do
conhecimento, sobre o que ela detém de um determinado
nível de domínio.
3. ( ) As ciências da natureza e as ciências sociais sempre
se preocuparam em aplicar, na realidade, os conhecimentos
que produzem, o que evidência o alinhamento das mesmas
com a justiça e a igualdade social.
4. ( ) O objeto de trabalho é a matéria-prima de uma
profissão. Como tal, é também a finalidade da mesma, isto
é, o objeto é aquilo que um profissional quer alcançar.
5. ( ) O fato de uma profissão ter um objeto de trabalho
significa que não está autorizada a produzir conhecimento.
Gabarito: 1 ( F ); 2 ( V ); 3 ( F ); 4 ( F ); 5 ( F ).
Cap. II
As diferentes
configurações do objeto
de trabalho do Serviço
Social: influência do
positivismo
No Capítulo 1 vimos a diferença entre objeto de
conhecimento e objeto de trabalho, bem como o significado
desse (objeto) para uma profissão ou área de conhecimento–
ciência. Da mesma forma, buscamos evidenciar que o fato de
uma profissão ter como objetivo principal intervir na realidade –
a exemplo da Medicina, da Administração, do Serviço Social –
não significa que não possa produzir conhecimento. Tampouco
é vedado às ciências, cujo principal objetivo é produzir
conhecimento e tecnologias, intervir na realidade, modificando
aspectos dessa ou das relações das pessoas com outras ou
consigo mesmo.
A questão não é de exclusividade, mas sim de
prioridade, uma vez que a sociedade cobrará, sempre mais,
resultados práticos e imediatos das profissões interventivas do
que daquelas que têm por foco a produção de conhecimentos
e tecnologias. Sem dúvida nenhuma, se espera que o médico,
e não o físico ou o biólogo, faça o diagnóstico, resolva ou
amenize uma determinada doença. Contudo, é do cientista que
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se espera a fórmula que evitará essa mesma doença: a vacina.
Essa especialização se deve, como já vimos, a cada vez mais
complexa divisão social e técnica do trabalho, que, por sua
vez, conduz a uma delimitação também cada vez mais restrita
do objeto de trabalho ou de conhecimento de cada área
profissional.
Neste e nos dois próximos capítulos serão apresentadas
as diferentes concepções de “objeto” assumidas pelo Serviço
Social, expondo os fundamentos filosóficos que orientaram essas
concepções, bem como os contextos sócio-históricos em que
emergiram.
Aportes sociológicos
para compreensão do
positivismo
A definição de um objeto de trabalho profissional não é
tarefa simples, exige muito estudo e senso crítico, bem como
disposição para enfrentar disputas ideológicas e de poder que
se estruturam no entorno de uma profissão e que, importante
ressalvar, não se limitam aos atores dessa. Isso porque aqueles
que, em uma dada sociedade, detêm maior poder (político e/ou
econômico) tentam sempre conduzir e influenciar as
profissões para que fiquem a seu serviço. Isso não é
exclusivo das sociedades capitalistas, pois desde que se tem
notícias da existência de um poder central, que se organiza e
legitima do ponto de vista econômico, político, social e cultural,
este tem necessidade de cooptar o maior número de segmentos
sociais possíveis para sua causa e, em especial, aqueles
segmentos que têm o poder, pelo convencimento, de influenciar
as massas, como filósofos, dramaturgos, artistas, intelectuais,
profissionais liberais, etc.
Assim foi, por exemplo, na Idade Média, quando a Igreja
tratou de se cercar dos grandes pintores, filósofos, escultores
– como Michelangelo e Tomás de Aquino – que traduziam e
fundamentavam, através de suas obras, a centralidade da fé
na vida terrena. Também os reis e a nobreza da época buscavam
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o apoio em teóricos – como Maquiavel, Thomas Hobbes e Loock
–, que defendiam o Absolutismo, doutrina segundo a qual a
autoridade do governante emana diretamente de Deus.
Então chegamos a uma questão que não quer e não se
pode calar: até que ponto uma profissão ou área de
conhecimento tem liberdade de escolha e de produção sobre
seu objeto, ou mesmo até onde atende aos genuínos e legítimos
direitos e interesses da maioria?
Netto nos responde que, na sociedade capitalista, a
emergência (surgimento) e a consolidação de uma profissão
dependem da existência de um espaço e um objeto na divisão
social (e técnica) do trabalho, uma vez que o mercado de
trabalho capitalista não se estrutura para acolher, simplesmente,
um “[...] agente profissional mediante as transformações
ocorrentes no interior do seu referencial ou no marco de sua
prática [...] mas é a existência deste espaço que leva à
constituição profissional” (2005, p. 73).
Portanto, as profissões que se constituíram ao longo do
período de desenvolvimento do capitalismo3 debitam seu
surgimento e sua legitimidade à funcionalidade que têm para
este sistema, isto é, ao papel que cumprem no contexto da
produção e reprodução social. No caso do Serviço Social, este
não cria um espaço sócio-ocupacional por força de seus saberes
e práticas acumuladas4, mas sim ocupa um lugar gerado pela
necessidade de um profissional que, através de um arsenal
técnico-operativo, formule e implemente políticas sociais.
Essas são, em última instância, modalidades de intervenção
que o Estado burguês vai mobilizar para enfrentar a Questão
Social5.
3 Didaticamente, e de forma reducionista, pode-se identificar três fases de
desenvolvimento do capitalismo: (1) capitalismo comercial (século XV até XVIII),
que compreende duas subfases: colonialismo e mercantilismo; (2) capitalismo
industrial (séc. XIX ate 1a GG), fundada no capitalismo imperialista/monopolista;
(3) capitalismo financeiro (com marco na 2a GG até hoje).
4 Não há como desconhecer a herança das práticas filantrópicas e assistenciais
desenvolvidas desde a origem da sociedade capitalista, na identidade e nas ações
do Serviço Social, que serão conservadas por um largo tempo. Contudo, daí não se
depreende que o reconhecimento social da profissão deriva de um processo de
evolução e racionalização das práticas de ajuda, como já explicitado pela citação
de Netto.
5 A Questão Social será conceituada e contextualizada no capítulo 6. Por ora basta
destacar queé a necessidade de manejo dessa um dos fenômenos propulsores das
políticas sociais como ação programática do Estado.
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A constituição do capitalismo monopolista impõe
profundas modificações na dinâmica econômica da
sociedade do final do século XIX, que incide diretamente
na sua estrutura social e nas suas instâncias políticas. Do
ponto de vista da estrutura social, essa forma de
capitalismo conduz ao extremo a contradição elementar
entre socialização ampliada da produção e apropriação
privada dos resultados. Daí a necessidade de
refuncionalização e redimensionamento de instâncias
extraeconômicas, como o Estado. A partir desse momento
histórico, este passa a ser o responsável por produzir e
preservar algumas condições necessárias à produção
capitalista, de forma sistemática, como: produção de
energia, sistema viário, oferta de transporte, saúde,
formação profissional, além de subsídios diretos e indiretos
à produção, como investimentos em pesquisas, etc. Netto
(2005, p. 17) credencia este Estado, capturado pela lógica
capitalista, como Estado burguês, por conta da “[...]
integração orgânica entre aparatos privados dos monopólios
e as instituições estatais”.
O cenário de reconhecimento do Serviço Social como uma
profissão institucionalizada, socialmente legitimada e legalmente
sancionada (nos termos de Netto, 2005) tem como pano de
fundo filosófico os princípios do positivismo de Auguste Comte
e de Émile Durkhein. Será no lastro dos fundamentos dessas
contribuições que a profissão irá constituir seus primeiros
fundamentos teóricos e, por consequência, a visão de ser
humano e de mundo que norteará a sua intervenção, assim
como a apreensão do seu objeto de trabalho.
O positivismo expressa, no plano filosófico e sociológico, a
confiança e o entusiasmo com o progresso capitalista,
propiciado pelo desenvolvimento técnico-industrial. Com base
nessa “fé” constituiu uma doutrina extremamente influente no
plano prático, isto é, das práticas sociais e políticas. A doutrina
positivista pretende desempenhar um papel reformador na
sociedade, através da “[...] regeneração das opiniões (ideias)
e dos costumes (ações) dos homens” (COUTRIM, 1999, p. 183).
Portanto, delimita como foco a reforma do sujeito, e não das
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instituições sociais, políticas e econômicas, uma vez que, para
essa concepção, o sistema social é “perfeito”, e as pessoas
que não se alinham a ele precisam ser “reformadas” e
“readequadas”.
Um dos esforços dos precursores dessa concepção foi o
de traduzir para a linguagem da física e da matemática todos
os conhecimentos produzidos pelas ciências sociais, no que
consistia o princípio da física social, depois renomeada de
sociologia. Nessa perspectiva, só tem status de conhecimento
(isto é, de verdade) aquilo que pode ser quantificado, mensurado
e demonstrado empiricamente, ou que esteja adequado aos
fundamentos da lógica.
Na concepção positivista de Auguste Comte a realidade
deve ser estudada, manipulada e compreendida através de
partes isoladas, uma vez que só se deve “[...] investigar
sobre o que é possível conhecer, eliminado a busca das causas
últimas ou primeiras das coisas” (TRIVIÑOS, 1987, p. 35). Isso
justifica o foco em fatos sociais, que são isolados do contexto
que os produzem para serem estudadas em profundidade. Assim,
por exemplo, o desemprego de uma determinada população
pode ser analisado e explicado pela inadequação dessa
(população) às competências fundamentais para o trabalho
industrial. Para tanto, ignora fatores como os processos de
reestruturação produtiva, que gera redução e eliminação de
postos de trabalho de baixa especialização; o investimento
massivo nas tecnologias e na automação, a precariedade ou
mesmo o não-acesso à educação formal, entre outros. Ao
positivismo não interessa o porquê, isto é, as causas, mas sim
o como se reproduzem as relações imediatas entres os fatos,
com o intuito de identificar as leis gerais que regem os
fenômenos naturais e sociais, no intuito de prever e controlar
os mesmos.
Equilíbrio e ordem social são a finalidade e o pressuposto
do positivismo, respectivamente. Daí por que a filosofia positivista
tem por fim guiar o ser humano para a certeza, enfim, para o
equilíbrio, eliminando tudo aquilo que é imprevisível, vago. Para
tanto, tem por máxima e método a ordem e, como postura, a
neutralidade, pois o papel do cientista é o de conhecer e
explicar a realidade, e não o de julgá-la.
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Auguste Comte elaborou e propôs uma religião para a
humanidade, pela qual a exploração capitalista seria
abrandada, o que propiciaria o fim dos conflitos de classe. O
pensamento comtiniano, no entanto, não previa e não pretendia
eliminar a propriedade privada.
Outro expoente do pensamento positivista em sincronia
com o progresso capitalista foi Émile Durkeim, cujo
pressuposto central é de que a “[...] humanidade avança no
sentido de seu gradual aperfeiçoamento, governada por uma
força inexorável: a lei do progresso” (QUINTANEIRO et al, 2002,
p. 67-68).
Para Durkeim a sociedade industrial apresentava tendência
a um “frio moral”, caracterizado pelo individualismo e pela
desregulamentação de regras morais de convivência, que
rompem com o estado de equilíbrio dos indivíduos. Daí a
necessidade de estabelecer uma nova ordem moral, na qual é
creditado à solidariedade o papel de garantir a coesão social.
O conceito de solidariedade social durkaniano está intimamente
relacionado à divisão social do trabalho, pois “[...] a
diferenciação social não diminui a coesão [...] Ao contrário, o
equilíbrio e a solidariedade originam-se na própria diferenciação,
constituindo fortes laços que unem às sociedades orgânicas os
seus membros” (QUINTANEIRO et al, 2002, p. 78-79).
O quadro 1 sintetiza, sem a pretensão de esgotar, as
categorias e ideias centrais desses dois precursores do
Positivismo, cujos legados influenciaram, em larga escala, as
jovens profissões que emergiam no contexto de mutação do
capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, no
final do século XIX e início do século XX, como a Administração
e o Serviço Social.
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Quadro 1
Síntese da perspectiva positivista
Positivismo
Filósofos Categorias Ideias Centrais
Auguste Comte
Émile Durkheim
Física Social
Equilíbrio Social
Ordem Social
Fatos Sociais
Solidariedade
Social
Sociedade regida
por Leis Naturais a
serem estudadas
cientificamente
Só interessa a
ciência aquilo que
pode ser
mensurável e
quantificável
Conhecer para
prever e controlar
Solidariedade
social como
estratégia para
garantir a coesão
social
Preocupação
central é a
manutenção e a
preservação da
ordem e do
progresso
capitalista
Ideologia de
reforma moral dos
sujeitos, com a
finalidade de
adequá-los à
sociedade
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No próximo item abordaremos a influência dos princípios
positivistas na constituição do Serviço Social, tanto do ponto
de vista teórico quanto do ponto de vista metodológico e ético
– visão de ser humano e de mundo. Para tanto, teremos o
cuidado de situar, o máximo possível, o contexto histórico em
que essas influências se estabelecem.
Contextualização
histórica e configuração
do objeto do Serviço
Social na perspectiva
positivistaInteressa, neste item, contextualizar inicialmente o período
sócio-histórico de profissionalização do Serviço Social no solo
brasileiro para, em seguida, apresentar as principais influências
do pensamento positivista na prática e na teorização
profissional. Não excursionaremos pela história do Serviço Social
no âmbito internacional, uma vez que esse não é o foco aqui,
mas sim a delimitação das influências positivistas na constituição
do saber e do fazer profissional, tendo como eixo central a
concepção de objeto aí emergente.
Do ponto de vista “local”, isto é, do Brasil, o reconhecimento
do Serviço Social não se diferencia daquele que o promoveu
em nível da Europa e dos EUA: é também descendente de uma
iniciativa da burguesia, de se utilizar de práticas assistenciais
como forma de manter a sujeição/subordinação dos
trabalhadores e com isso perpetuar as formas de explorações
particulares do modo de produção capitalista. Por outro lado, o
recurso, pela burguesia, às práticas assistenciais precisava se
revestir de legitimidade na mesma medida em que também
precisava escamotear essa intencionalidade, o que conseguiu
através de mecanismos que conferiam “[...] uma aura de
legitimidade à ordem burguesa, tornando-a inquestionável e,
em consequência, aceitável pelo proletariado” (MARTINELLI,
1995, p. 63).
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E a “medida” dessa “nova” forma de conduzir a assistência
se dá nos marcos de influência da filosofia “oficial” do
capitalismo: o positivismo. Dito de outra forma, a assistência
é racionalizada a partir de parâmetros técnicos científicos, que
passam a exigir um profissional com competências para executar
uma das estratégias do Estado burguês para enfrentar a Questão
Social: as políticas sociais.
É nessa conjuntura, de instauração do capitalismo
monopolista (primeiras décadas do século XX), que se gestam
as condições sócio-históricas para a profissionalização do Serviço
Social, uma vez que surge, na divisão social e técnica do
trabalho, um espaço para práticas assistenciais.
Portanto, não cansa registrar que o reconhecimento do
Serviço Social como uma profissão participe da divisão social e
técnica do trabalho não é decorrente de uma evolução das
práticas de ajuda ou da reorganização da caridade, mas sim se
vincula, orgânica e umbilicalmente, à dinâmica da ordem
monopolista (NETTO, 2005).
Contudo, não há como negar a influência do acúmulo
metodológico, o background, das práticas assistências
historicamente incorporadas à sociedade capitalista, como
decisivo para a ascensão do Serviço Social, e não outra prática,
a um caráter profissional. É exatamente essa herança
conservadora que torna o Serviço Social funcional aos
interesses capitalistas, isto é, a capacidade e intencionalidade
da profissão em promover práticas que se fundam em “tratar”
ou mesmo “amenizar” as expressões da Questão Social, reais
ou virtualmente perigosas ao sistema.
Daí a origem das duas principais vertentes de formação
e intervenção profissional, fundadas no período de
profissionalização do Serviço Social: a escola diagnóstica e a
escola psicossocial. A primeira teve como principal influência
as produções de Mary Richemond, e a segunda reteve influxos
das obras de Gordon Hamilton e Florense Hill.
Em relação ao objetivo, o que se verifica, na primeira
escola (diagnóstica), é a preocupação em estender a ação
social (até então veiculada à população indigente) ao
operariado, como bem expresso em documento de maio/1933,
do Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS),
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considerado a instituição originária do Serviço Social brasileiro:
É que se até então a generosidade e o espírito cristão das
paulistas as impeliram a fundar obras de socorro e assistência
para acudir um sem-número de males, foi somente em 1932
que as moças de São Paulo se interessaram pelo estudo
metodológico da Questão Social, pela ação nos meios
operários nela abrangendo o problema do trabalho.
(IAMAMOTO; CARVALHO, 1995, p. 174).
A intenção de intervir diretamente na constituição da
consciência moral do operariado, através do trabalho com jovens
e mulheres, no sentido de afastá-lo das influências subversivas,
bem como de adaptá-los às exigências da fase de
desenvolvimento capitalista em curso, ganha corpo nesse
momento. Da mesma forma, essa intenção personifica a máxima
positivista de reforma moral, uma vez que o objeto
profissional é o sujeito, para quem se volta à ação, e não as
circunstâncias ou condições materiais desse.
A perspectiva psicossocial, por seu turno, instaura uma
prática profissional que tem por objeto a desintegração e a
desadaptação social e funcional dos indivíduos, derivados de
problemas relacionais a serem tratados através do diálogo.
Aqui também o sujeito é o responsável por “não aproveitar” as
oportunidades que a sociedade oferece, devido aos “seus”
problemas relacionais e afetivos, que exigem orientação
psicossocial. A perspectiva psicossocial tem na sua base a
psicologização das relações sociais, que “[...] permite
preservar o julgamento moral da clientela, agora encoberto por
uma aparência científica que tem por base rudimentos da
psicanálise” (MARTINELLI, 1995). Neste sentido, podemos afirmar
que essa proposta se credencia ao princípio de reforma moral,
tanto quanto à escola diagnóstica.
Em termos metodológicos, a primeira escola (diagnóstica)
busca fundamentos no método sociológico, através do estudo
das causas que geram, nos sujeitos, os “desajustamentos
sociais”, a fim de “curar” e “prevenir” as deficiências individuais
e coletivas (IAMAMOTO; CARVALHO, 1995).
Já a segunda escola (psicossocial) terá no método clínico
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o modelo de intervenção e, nesse sentido, também um
alargamento de seu público-alvo, não mais restrito ao operariado
e a “indigentes”, mas a todo aquele que apresentasse problemas
de ordem afetivo-relacional.
Entretanto, não podemos esquecer que para além da
intencionalidade dos primeiros agentes do Serviço Social, a
prática desses já estava delimitada pelos interesses capitalistas,
que demandavam a eles intervenções nas manifestações mais
urgentes da Questão Social, através das políticas sociais,
especialmente as de corte estatal. Urge destacar a qualidade
central das políticas sociais de espectro capitalista: a de
preservar e controlar tanto a força de trabalho ocupada
regularmente, quanto a ocupada irregularmente e a desocupada
por força das restrições de mercado (NETTO, 2005).
O Quadro 2 expressa, resumidamente, as principais inflexões
dos princípios positivistas na formação e na prática dos
assistentes sociais de primeira e segunda geração.
Quadro 2
Influência do Positivismo no Serviço Social
Expressão
Teórica Objeto Objetos Método
Princípios/
Ação
Postura
Profissional
Escola
Diagnóstica
(1930)
Ser humano
nas suas
relações
sociais
Adaptação
dos
indivíduos à
sociedade e
ao trabalho
Tratamento
social
individual
e familiar
NeutralidadeRacionalização
da ação,
através do
planejamento
Princípios de
eficiência e
efetividade
Educação como
ação principal
Diagnóstico da
situação, do
indivíduo e
Prescrição de
tratamento
Highlight
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Por último, mas não menos importante, é imprescindível
demarcar que, se é possível informar uma data de início da
influência positivista no Serviço Social, não é possível,
entretanto, informar a data em que deixa de ser suporte teórico,
tendo emvista que até hoje (século XXI) ainda se expressa na
prática de inúmeros profissionais, cujo foco é o de “amenizar”
a situação dos usuários, através de práticas de ajustamento,
fortemente controladoras.
Atividades
1. No último parágrafo desse capítulo foi destacada a
“atualidade” do Positivismo nas práticas profissionais.
Exemplifique como ela se evidência no cotidiano do assistente
social, fundamentando em um ou dois princípios da concepção
positivista.
2. Faça uma relação entre as duas tabelas e comente quais
os princípios do positivismo você mais identifica na prática do
assistente social.
Referência comentada
José Paulo Netto é uma das referências do
Serviço Social, na perspectiva materialista-histórica.
Neste livro o autor tematiza o surgimento do
Serviço Social, nos marcos do capitalismo
monopolista, e as inflexões do projeto burguês na
estruturação teórico e prática da profissão.
Expressão
Teórica Objeto Objetos Método
Princípios/
Ação
Postura
Profissional
Escola
Psicossocial
(1940)
Desintegração
e
desadaptação
social e
funcional dos
indivíduos
Tratamento
do
indivíduo
com
vistas ao
equilíbrio
emocional
Atendimento
clínico de
casos
individuais
com base
no diálogo
Orientação
psicossocial
Motivação
compreensão
Neutralidade
Highlight
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Referências
COTRIN, C. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e
fazer. São Paulo: Saraiva, 1999.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Sociais e
Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação
histórica-metodológica. São Paulo: Cortez; CELATS,
1995.
MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e
alienação. São Paulo: Cortez, 1995.
NETTO, J. P. Capitalismo Monopolista e Serviço Social.
São Paulo: Cortez, 2005.
QUINTANEIRO T; BARBOSA, M. L. de O.; OLIVEIRA, M. G.
M. de. Um Toque de Clássicos: Marx; Durkheim, Weber.
Belo Horizonte: UFMG, 2002.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências
Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São
Paulo: Atlas, 1987.
Autoavaliação
Marque (V) verdadeiro ou (F) falso:
1. ( ) O objeto de trabalho do Serviço Social tem se mantido
inalterado ao longo da sua história, sofrendo apenas algumas
influências do pensamento conservador.
2. ( ) Entre estas influências, a que mais tem destaque,
na origem do Serviço Social, é a do materialismo histórico,
seguida do positivismo, em pequena medida.
3. ( ) Por capitalismo monopolista se compreende o modelo
de produção baseado na concorrência perfeita, que se
inicia por volta do século XXI.
4. ( ) Comte e Durkeim pretendiam fundar uma nova
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Gabarito: 1 ( F ); 2 ( F ); 3 ( F ); 4 ( V ); 5 ( F ).
sociedade, com base na moral, na solidariedade social e
no progresso industrial.
5. ( ) A institucionalização do Serviço Social tem na sua
base e determinação central a racionalização da assistência
e a profissionalização da ajuda.
Cap. III
As diferentes
configurações do objeto
de trabalho do Serviço
Social: influência da
fenomenologia
Neste capítulo vamos estudar os rebatimentos da
fenomenologia na prática e na constituição do objeto do Serviço
Social, a partir dos princípios de Husserl em especial, e com o
suporte das análise de Netto (1996). Para efeito metodológico,
antes iremos destacar alguns dos princípios dessa perspectiva,
a exemplo do exposto no capítulo anterior.
Aportes sociológicos
para compreensão da
fenomenologia
Inicialmente cumpre esclarecer que a perspectiva
fenomenológica é de difícil compreensão, dadas a sua
complexidade e também as controvérsias imanentes à própria
postura fenomenológica. Neste sentido, não é raro encontrar
produções teóricas distintas e mesmo contraditórias, como: as
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reducionistas–pessimistas; as construtivistas; as voluntaristas;
as ateístas; as cristãs. Portanto, o esforço, aqui, não será de
esgotar a análise dessa perspectiva (até porque é tarefa
impossível), mas sim de, minimamente, apresentar algumas das
categorias teóricas e metodológicas da fenomenologia que de
alguma forma foram capturadas pelo Serviço Social no seu
fazer, saber e ser cotidiano.
O ambiente político no qual emergiu o existencialismo, base
da fenomenologia, era atravessado pela incerteza derivada dos
conflitos entre classes, em especial aquele promovido pelo
movimento operário, na segunda metade do século XIX, e o
decorrente da expansão do pauperismo6 no mesmo período.
Entretanto outros eventos que sacudiam e tornavam sombrio
esse período, também tem destaque às crises cíclicas por que
passava o modo de produção capitalista, como aquelas
observadas no final da primeira década do século XX e no
período entre-guerras (1918-1939).
É possível demarcar, inclusive, dois grandes períodos no
processo de evolução da perspectiva fenomenológica: (a) o
que se inicia na metade do século XIX, com Kierkegaard,
Nietzsche, Husserl; (b) o que se consolida no período entre as
duas grandes guerras mundiais e no imediatamente após a
última, e que tem como referências Heidegger, Sartre, Merlo-
Ponty, entre outros. Em comum aos dois grupos, podemos
destacar: a exaltação e a redenção do humano, por um lado, e
por outro a denúncia de que o progresso e as ciências não só
aniquilaram a substância humana como também levaram a
humanidade ao caos (as guerras mundiais e a ampliação da
miséria seriam claras evidências disso).
Para efeito desse capítulo, que tem por objetivo
compreender as inflexões dessa perspectiva no Serviço Social,
vamos nos ater às contribuições de Edmund Husserl. Segundo
Husserl, a fenomenologia é a ciência das essências, que tem
por objeto o estudo dos fenômenos tal qual se apresentam à
consciência dos sujeitos, ou nas palavras do próprio mestre:
6 O fenômeno do pauperismo será aprofundado no capítulo que trata da conformação
da Questão Social na atualidade.
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A fenomenologia pura ou transcendental não será erigida em
ciência que versa sobre os fatos, mas que versa sobre a
essência (em ciências eidética); uma tal ciência (eidética) visa
estabelecer unicamente “conhecimentos da essência” e de
maneira nenhuma dos “fatos”. (In HUSS, 1995, p. 80)
Em decorrência disso, a fenomenologia é mais reconhecida
como um método de investigação filosófico do que uma ciência
propriamente, tendo surgido no ambiente em que a filosofia
existencialista se expandia, no final do século XIX e no primeiro
quartel do século XX (1850-1950). O existencialismo ocupou-
se, desde o início, com a existência humana, mas não nas
suas condições e necessidades objetivas, mas sim com os
problemas existenciais do ser humano no mundo, consigo
mesmo e com Deus.
O precursor dessas investigações foi o filósofo e teólogo
Soren Kierkegaard, fundador da perspectiva pessimista do
existencialismo. Segundo ele, as relações do ser humano são
dominadas pela angústia, devido à instabilidade de se viver em
um mundo no qual não há nenhuma garantia de se realizar
sonhos e expectativas. Já a relação do ser humano consigo
mesmo, segundo Kierkegaard, é marcada pela inquietação e
pelo desespero, por duas razões fundamentais: (1ª) porque
não está plenamente satisfeito com o que realizou, ou (2ª)
porque não conseguiu realizar o que pretendia. O filósofo via
na relação com Deus a única possibilidade de o ser humano
superar tanto a angústia quanto o desespero, porém alertava
que essa relação continha um paradoxo: o de compreendermos
pela fé o que é incompreensível pela ciência (COTRIN,1999, p.
279).
A filosofia existencialista-pessimista não se restringiu a
Kierkegaard; sofreu influências de Friedrich Nietzsche; de Martin
Heidegger, Jean-Paul Sartre, entre outros. Em comum, tinham
uma visão dramática da existência humana e algumas
concepções básicas: o ser humano é uma entidade aberta,
inacabada, desprotegida, lançada ao mundo; portanto, a vida
não é um caminho direto e linear para o êxito; o sofrimento, a
angústia e o desespero compõem esse “ser no mundo”.
Husserl, inicialmente, pretendia transformar a filosofia em
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uma ciência rigorosa, e para tanto formulou um método: a
fenomenologia. Este se constituía, basicamente, na observação
e na descrição rigorosa da consciência, a partir da redução
fenomenológica, que consistia em estudar um determinado
fenômeno na sua essência, livre de interferências da cultura,
dos elementos sociais e pessoais. Por exemplo, o fenômeno do
preconceito era estudado a partir da perspectiva do sujeito
por ele afetado, na busca de descrever como ele (sujeito)
vivenciava e compreendia esse fenômeno, sem levar em conta
as razões culturais, de gênero, econômicas, etc., que o
promoviam.
À fenomenologia cabe descrever e não analisar e tampouco
julgar, pois tudo o que se sabe do mundo, nesta perspectiva, é
apreendido a partir de uma visão pessoal, particular. Para
tanto, Husserl recorreu à máxima de Descartes: “Penso, logo
existo”. Com isso, quis ele comprovar que as “vivências” são os
dados primeiros e absolutos, portanto verdadeiros.
Outro princípio caro à fenomenologia é a intencionalidade,
que, para Husserl, é a particularidade fundamental e geral que
a consciência possui de ser consciência de algo e de
intencionalmente se dirigir para esse “algo”.
O fato de a fenomenologia partir do sujeito e desse produzir
conhecimento impôs questões de validade ao método enquanto
ciência. Dito de outra forma, toda filosofia ou ciência procura
elaborar verdades (teorias) válidas por seu caráter objetivo,
fato que, ao primeiro exame, não se identificava na
fenomenologia.
A objetividade é uma das características do procedimento
de racionalização científica, que recorre à observação, à
experimentação, à medida, etc., de maneira a ultrapassar a
sensibilidade subjetiva individual para ter um reconhecimento
universal.
Sensível às críticas de que a fenomenologia era incapaz
de produzir “verdades” científicas, Husserl argumentava que
através da redução fenomenológica se chega à essência dos
fenômenos, e que a essência, por sua vez, expressa verdades
universais, válidas para todos os sujeitos, uma vez que “o que
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eu vivencio é a vivência de todos, porque foi reduzida a sua
pureza íntima, a sua realidade absoluta” (TRIVIÑOS, 1987, p.
46).
De igual forma ao positivismo, a fenomenologia não tem
como princípio a historicidade dos fenômenos, uma vez que os
isola para proceder o conhecimento. Com isso elimina, também,
o mundo com seus valores, as determinações da base econômica
e política da sociedade. Essa omissão da história afasta a
fenomenologia e seus praticantes dos conflitos de classe, da
denúncia da exploração do ser humano e de sua “coisificação”.
Enfim, não a habilita para enfrentar os grandes problemas sociais,
políticos e econômicos por que passa a população, a exemplo
das imensas catástrofes políticas e militares do período em que
o existencialismo tomou corpo.
O quadro 3 tem por objetivo sintetizar o exposto até aqui,
sobre a fenomenologia, como contribuição para o próximo item,
que trata das influências dessa perspectiva no Serviço Social.
Quadro 3
Síntese da perspectiva fenomenológica
Fenomenologia
Filósofos Categorias
Centrais
Ideias Centrais
Filósofos
Descrição
Essência
Intencionalidade
Consciência
Consciência do
sujeito como
“medida” para
conhecer e
intervir no
fenômeno
Intencionalidade:
nenhum ato é
desconectado
ou sem uma
intenção
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Entre outros méritos da fenomenologia, vale ressaltar o
questionamento que impôs ao conhecimento positivista, em
especial a incapacidade desse em enxergar e valorizar o sujeito
no processo de construção do conhecimento. É essa proximidade
com o sujeito que será a “pedra angular” de identificação de
segmentos profissionais do Serviço Social com a perspectiva
fenomenológica.
As configurações do
objeto do Serviço Social
na perspectiva
fenomenológica
Se no ambiente europeu a fenomenologia emergiu na fase
das grandes guerras, no Brasil, e em especial no Serviço Social,
ela será capturada algumas décadas depois, mais
especificamente no período denominado por Netto (1996) de
reatualização do conservadorismo, que tem como marcos
históricos os seminários de Sumaré (1978) e Boa Vista (1984),
ambos no Rio de Janeiro. Neles são apresentadas elaborações
que se credenciam como “novas propostas” por autores como
Ana Augusta Almeida, Anésia Carvalho e Ana Maria Braz Pavão.
O contexto sociopolítico deste período já indicava fortes
traços de ruptura com o Estado ditatorial repressivo, que a
quase duas décadas capitaneava o país. Os movimentos sociais
se reorganizavam e tomavam a cena e, ao lado dos partidos
políticos e do movimento sindical, exigiam o retorno da
democracia. Neste ambiente o Serviço Social se dualizava: de
um lado tendia para a perspectiva fenomenológica, de outro
para a de tradição marxista. O embate político e teórico daí
proveniente se alastra, especialmente, no mundo acadêmico,
tendo expressão também nos seminários acima nomeados.
A perspectiva fenomenológica tinha a seu favor dois
fatores: (1) de um lado os dilemas prático-operacionais que
não encontravam respostas nas perspectivas até então
operadas pelo Serviço Social; (b) de outro lado, um clima
sociocultural em que dimensões individuais e psicológicas
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ganhavam relevo no âmbito das relações sociais (NETTO, 1996).
No âmbito da prática, os assistentes sociais veiculados e
essa perspectiva tinham como objeto a situação existencial
problematizada, SEP, isto é, aquilo que o sujeito (ou o cliente,
nessa perspectiva) reconhecia como seu problema existencial
e que, somente ele, cliente, intencionalmente, poderia
identificar e superar, desde que contasse com o suporte
profissional.
Do ponto de vista metodológico, o assistente social se
utilizava da redução fenomenológica, através da qual o
profissional “suprimia” todo e qualquer juízo de valor, isto é,
intencionalmente “apagava” seus próprios valores para entender
a perspectiva do sujeito. Portanto, a atuação convergia em
relatos densos e sobre os enunciados do cliente.
O centro era o indivíduo e a verdade aquilo que ele chegava
– essência do fenômeno – através da intencionalidade e da
reflexão, tendo como objetivo profissional a capacitação social
do indivíduo, como exposto no quadro a seguir (quadro 4).
Quadro 4
Influência da Fenomenologia no Serviço Social
Expressão
Teórica Objeto Objetos Método
Princípios/
Ação
Postura
Profissional
Perspectiva
Compreensiva
-dialógica
(1870 )
Situação
Existencial
Problematizada
SEP
Ir à
essência
das coisas,
tal qual elas
s e
apresentam
à
consciência
do sujeito
Dar
visibilidade
ao
fenômeno a
partir da
intencionali-
dade
Apreender o
sentido da
própria
existência
Redução
Fenomeno-
lógica
Atendimento
individual
com base
no diálogo
Ir à
essência do
vivido,
através
reflexão
Tornar o
fenômeno
visível via
internacio-
nalidadeNeutralidade
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O recurso à fenomenologia, como método e suporte teórico,
foi alvo de inúmeras críticas e, entre elas, podemos destacar
com base em Netto (1996):
a) A utilização de fontes secundárias7 em detrimento dos
originais, redundando em um procedimento seletivo, que
incorreu em um outro problema;
b) O desconhecimento ou negação das problematizações
e contradições dessa perspectiva, que proporcionou a perda
da dinâmica interna constitutiva do movimento
fenomenológico, expresso pela interação, nem sempre
pacífica, mas sempre assumida, pelas suas diferentes
matrizes teóricas;
c) Um processo de simplificação em relação aos
procedimentos fenomenológicos, em contraponto às fontes
originais, no qual são complexos e ambíguos.
Enfim, convém destacar que esse movimento não teve
grande expansão e representação no âmbito da categoria
profissional, pois além de se constituir como uma alternativa às
práticas de cariz modernizado, também em curso nesse
período, e que abordaremos no próximo capítulo, sofreu
influxos do movimento de ruptura, de inspiração marxista, que
começava a ter capilaridade no Serviço Social, como alternativa
capaz de romper, enfim, com a herança conservadora.
Atividade
1. Estudo de caso: o método fenomenológico tem como
um dos seus princípios a descrição de um determinado fenômeno
conforme ele se apresenta à consciência de um sujeito. Faça o
seguinte exercício:
a. Pergunte a uma pessoa, de sua relação, o que é
preconceito e se ela já sofreu alguma forma de discriminação.
Deixe-a falar à vontade, incentive-a repetindo, em forma de
7 Aqui a crítica recai sobre uma prática ainda muito presente no Serviço Social: o
estudo através de obras e autores que interpretam determinadas teorias, em
detrimento do estudo direto nas obras originais (fontes primárias). Assim, por
exemplo, ao invés de ler e estudar a obra de Hussel, se procedeu o estudo de
autores que analisavam sua obra.
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pergunta, aquilo que ela informa, mas com o cuidado de não
expor a sua opinião ou julgamento. Tampouco conte algo
semelhante ou use exemplos.
b. Vá anotando o que a pessoa fala, mesmo que pareça
desconexo. Após, descreva o que, afinal, é preconceito para o
entrevistado, tendo por base exclusiva o depoimento dele.
c. Apresente suas conclusões à pessoa, sem fazer qualquer
tipo de análise, teorização, etc., e avalie se o entrevistado
concorda com sua descrição.
Referência comentada
Em Ditadura e Serviço Social, Jose Paulo Netto
nos convoca a refletir sobre os processos de
renovação que a profissão passou no período das
décadas de 70 e 80 do século XX. Por fim, nos
oferece um panorama dos caminhos e descaminhos
do Serviço Social brasileiro, na modernidade.
Referências
COTRIN, C. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e
fazer. São Paulo: Saraiva, 1999.
NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do
Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez,
1996.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências
Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São
Paulo: Atlas, 1987.
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Autoavaliação
Marque (V) verdadeiro ou (F) falso:
1. ( ) O existencialismo é um método que se propõe a
estudar os fenômenos naturais.
2. ( ) No Serviço Social a fenomenologia teve grande
influência, em especial porque oferece fundamentos teóricos
que explicam tanto o contexto produtivo (capitalismo)
quanto o político (democracia).
3. ( ) O profissional que utiliza o método fenomenológico
tem por princípio a conscientização do cliente, através da
explicitação de fundamentos éticos e políticos.
4. ( ) Uma das características da fenomenologia é a sua
clareza epistemológica, teórica e metodológica, garantida
pelo rigor científico.
5. ( ) Entre as críticas ao recorrer-se à fenomenologia
pelo Serviço Social, está aquela que denuncia a falta de
domínio dos profissionais da área em relação a produção
teórica primária dessa perspectiva.
Gabarito: 1 (F);2 (F); 3(F); 4(F); 5(V).
Cap. IV
As diferentes
configurações do objeto
de trabalho do Serviço
Social: influência do
funcionalismo
O Serviço Social brasileiro usufruiu, por quatro décadas
(1930-1970), de alguns princípios do funcionalismo, em especial
no período de 1940-70. Como principal produto desse
pensamento temos a ampliação da base metodológica da
profissão, que agregou ao atendimento individual a perspectiva
do trabalho com grupos e com comunidades, como veremos a
seguir.
Aportes sociológicos para
compreensão do
funcionalismo
O termo Funcionalismo, em latim, significa “desempenhar”,
o que é pertinente ao objetivo que assume na área das Ciências
Sociais: o de explicar aspectos da sociedade tendo por base
as funções “desempenhadas” por indivíduos e suas
consequências para a sociedade como um todo. Podemos afirmar
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que o funcionalismo pertence à mesma raiz do positivismo, pois
também tem uma visão romantizada e condescendente da
sociedade e do modo de produção capitalista, como é exemplo
a Teoria do Conflito, que sustenta que o conflito e a disputa
pelo status quo8 são danosos à sociedade.
Em termos de origem, o funcionalismo é associado à obra
de Émile Durkheim, uma vez que esse entendia que a cada
indivíduo cabia uma função determinada e específica na
sociedade e sua má execução acarretava a disfunção da própria
sociedade. Porém, este nunca formulou, em sua obra, tal termo.
Até porque este ramo das ciências emergiu como tal e obteve
significativa hegemonia na área da sociologia, no período das
duas grandes guerras até os anos 60 (século XX).
De modo geral, o funcionalismo tem por objeto de análise
as funções e as consequências de um conjunto de fenômenos
empíricos, em vez de suas causas. Neste sentido, a análise
funcionalista não tem interesse no desenvolvimento histórico
das regras e dos fenômenos, o que, como já demarcado, levou-
o a tendência de presumir que “[...] qualquer instância que
contribua para a manutenção de um todo mais amplo é, por si
mesmo, positivo.” (Outhwaite; Bottomore 1996, p. 327).
Da obra durkheniana seus discípulos capturaram dois
princípios: o da exterioridade e o da coercitividade. Ao
defender a exterioridade do objeto (isto é, do fato social) em
relação ao sujeito (uma vez que nesta perspectiva o objeto
existe antes do próprio indivíduo) justificavam, em última
instância, o princípio coercitivo da sociedade, que a autorizava
a impor funções ao indivíduo, sem o consentimento prévio
deste.
Para Talcott Parsons, antropólogo expoente dessa
perspectiva, a sociedade e sua respectiva cultura formam um
sistema integrado de funções, ou um sistema social, cuja
sobrevivência depende de pré-requisitos funcionais, como
normas, regras, valores comuns. Segundo ele, para sobreviver
8 Emprega-se esta expressão, geralmente, para definir o estado considerado “normal”
de coisas ou situações. Na generalidade das vezes em que é utilizada a expressão
aparece como “manter o status quo”, “defender o status quo” ou, ao contrário, “mudar
o status quo”.
Disponível em http://www.direitovirtual.com.br/dicionario.php. Acessado em 24/
07/08, às 18h30min.
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ou para se manter em um equilíbrio respeitoso com o seu
ambiente, um sistema deve se

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