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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 - U n iT o le d o 1) CONCEITO O Direito Processual Civil é um ramo do Direito Público1 interno, consistente no conjunto de regras e princípios que regulamentam o exercício da jurisdição, a ação e o processo, com o objetivo de eliminar os conflitos de interesses de natureza não penal ou não especial (v.g., o conflito trabalhista, que é resolvido na Justiça do Trabalho). • Ramo do Direito Público: considera-se ramo de Direito Público porque: (i) regulamenta função normalmente exercida pelo Poder Público e (ii) tem a finalidade pública de aplicação do Direito e obtenção da paz (pacificação social). • Conjunto de regras e princípios: tem-se por regras, aquelas normas jurídicas dotadas de maior concretude e um menor grau de abstração; e, por princípios, aquelas normas dotadas de menor concretude e um maior grau de abstração (vagueza, abertura). Há autores que sustentam que entre essas duas espécies de normas existe uma diferença de grau. Para alguns, os princípios seriam as normas mais importantes de um ordenamento jurídico, enquanto as regras seriam aquelas normas que concretizariam esses princípios (José Afonso da Silva, Celso Antônio Bandeira de Mello, Luís Roberto Barroso, J. J. Gomes Canotilho, Joseph Raz). Outros fazem a distinção de ambas as espécies a partir do grau de abstração e generalidade: princípios seriam mais abstratos e mais gerais que as regras (Luís Roberto Barroso e Joseph Raz). O autor não leva em conta ou utiliza estas espécies de classificação em sua obra. • Jurisdição2: é a função-poder do Estado (Estado-juiz) de, quando provocado, dar uma solução impositiva e definitiva aos conflitos que lhe são submetidos, aplicando o direito material ao caso concreto. É poder de dizer o direito, de dizer quem tem razão, substituindo, assim, a vontade das partes. 1 A lado do Direito Constitucional, do Direito Administrativo, do Direito Penal, do Direito Processual Penal, do Direito Processual Trabalhista etc. 2 Jurisdição é o conceito central de toda teoria geral do processo, consistente na função do Estado em dar solução aos conflitos (jurisdição é função do Estado consistente na solução de litígios). Para que o Estado possa cumprir essa função, a sociedade confere ao Estado um poder para que sempre que provocado, possa dar uma solução impositiva e definitiva aos conflitos (jurisdição é expressão de poder do Estado). Diz-se então que a jurisdição é uma atividade substitutiva da vontade das partes, porque o Estado, quando provocado, impõe a solução do conflito. DIREITO PROCESSUAL CIVIL DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 - U n iT o le d o • Ação: é o direito público subjetivo do indivíduo, exercido contra o Estado (rompendo assim a sua inércia – inércia da jurisdição), na busca de uma tutela ou provimento jurisdicional. • Processo: é o instrumento de exercício da jurisdição, um instrumento de aplicação do direito material. Para que o Estado exerça a função-poder de, sempre que provocado, dar uma solução impositiva e definitiva ao conflito que lhe foi submetido, precisa de um instrumento que vai disciplinar essa atividade estatal. Esse instrumento é o processo. 2) FONTES DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL As principais fontes formais do Direito Processual Civil são: • A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988; • O Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) – o CPC é o Direito Constitucional aplicado ao processo; • O conjunto de leis esparsas existente (v.g., Lei n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais; Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública; Lei n. 11.419/06 – Informatização do Processo Judicial; • As normas internacionais aplicáveis (tratados internacionais); • Jurisprudência, súmulas, súmula vinculantes; • Regimento interno dos Tribunais (TJ, TRF, STF, STF etc.); • Códigos de Organização Judiciária presente em cada Estado da federação; • Costumes e doutrina*. No estudo do Processo Civil, o CPC será o mais importante instrumento a ser analisado na disciplina. A sua estrutura básica, que se encontra presente também em outros diplomas normativos, conforme dispõe a Lei Complementar 95/1998 é a seguinte: • Partes (Geral e Especial); • Livros (Parte Geral: 5 livros; Parte Especial: 3 Livros; Livro Complementar); • Títulos; • Capítulos; e; • Seções (podendo haver subseções, conforme a necessidade). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp95.htm DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 - U n iT o le d o Essas subdivisões estarão compostas pelos chamados artigos, que devem estar numerados de forma sequencial em algarismos arábicos (1, 2, 3, 4 etc.). Entre o primeiro e o nono artigo, a numeração costuma ser ordinal (1°, 2°, 3°, 4° etc.). Do artigo 10 em diante a numeração é cardinal (dez, onze, doze, treze...quinze etc.). Os artigos podem ter uma forma simples ou podem, também, conter subdivisões. Quando há subdivisões, chamamos a parte inicial do artigo (aquela que acompanha o número) de caput, que significa cabeça em latim. É, portanto, a cabeça do artigo. Ela é considerada sua parte mais importante e serve para a interpretação das demais subdivisões do artigo. A princípio, todas as partes do artigo devem ser interpretadas de modo que sejam compatíveis com o caput. Além do caput, as outras partes dos artigos são parágrafos, incisos e alíneas. Se o artigo dispuser de apenas um parágrafo ele será denominado “Parágrafo único”. Se existirem múltiplos parágrafos, eles serão designados pelo símbolo “§” seguido da respectiva numeração em algarismos arábicos (1, 2, 3, 4, etc.), valendo a regra dos números ordinais e cardinais, como nos artigos (apesar de que dificilmente um artigo terá mais do que nove parágrafos). Então, quando vir numa lei ou num texto “§ 1°”, deve-se ler “parágrafo primeiro” e já se sabe que existirão outros (senão ele seria um “Parágrafo único”). Normalmente, os parágrafos destacam aspectos importantes de um artigo que não estão diretamente explicitados em sua cabeça. Também podem trazer alguma exceção à aplicação da regra do artigo. Os incisos, por outro lado, estão simbolizados por algarismos romanos (I, II, III, IV, V, VI etc.) e podem constar logo após o caput do artigo ou após o texto principal do parágrafo. Eles costumam ser utilizados para descrever as hipóteses em que a regra que está na cabeça deve ser aplicada. A cabeça do artigo ou o parágrafo descrevem a regra e termina com o sinal “:”, ou “nos casos de:”, ou “nas seguintes formas:”. Essa descrição feita nos incisos pode ser exaustiva (contendo todas as hipóteses possíveis) ou pode simplesmente dar exemplos de hipóteses em que a regra é aplicável. As alíneas, por sua vez, estão simbolizadas por letras minúsculas (“a”, “b”, “c”, “d” etc.) e são subdivisões dos incisos. Normalmente cumprem a mesma função dos incisos, detalhando hipóteses de aplicação de uma regra prevista logo anteriormente. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 4 - U n iT o le d o 3) CONCEITO DE PROCESSO De acordo com Piero Calamandrei, o processo se apresenta como a “série de atos regulados pelo direito processual, através dos quais se leva a cabo o exercício da jurisdição”. Para Humberto Theodoro Jr., “esses múltiplos e sucessivosatos se intervinculam e se mantêm coesos graças à relação jurídico-processual que os justifica e lhes dá coerência pela meta final única visada: a prestação jurisdicional”. Para Misael Montenegro Filho, “processo é o instrumento utilizado pela pessoa que exercitou o direito de ação para obter resposta jurisdicional que ponha fim ao conflito de interesses instaurado ou em vias de sê-lo”. De acordo com a doutrina, o processo tem dois aspectos: um objetivo e um subjetivo: 1) Aspecto subjetivo: o processo estabelece uma relação (jurídica-processual) entre o juiz (Estado) e as partes (autor e réu), que se prolonga no tempo, implicando deveres, ônus, faculdades e direitos de cada um. Essa relação jurídica-processual é (características): • autônoma: existe independentemente da relação jurídica de direito material; • triangular: composta por juiz, autor e réu. Diferente da relação jurídica de direito material (linear), que envolve, por exemplo, o credor e o devedor; • pública: o processo é público e, portanto, a relação jurídica-processual também é. • complexa: pois prevê uma série de direitos, deveres, ônus e faculdades; • dinâmica: já que pode ser alterada ao longo do processo (ex.: sucessão das partes). Autor Juiz Réu DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 5 - U n iT o le d o 2) Aspecto objetivo: O processo é constituído por um conjunto de atos ordenadamente encadeados e previamente previstos em lei, que se destinam a um fim determinado: a prestação jurisdicional. Para que ela seja alcançada, há um procedimento a ser seguido. 3.1) Processo e Procedimento Enquanto o processo é um instrumento de solução de conflitos, o procedimento consiste no conjunto de atos preordenados que os sujeitos do processo (partes, juiz, MP, auxiliares da justiça, etc.) seguem até a solução da lide. Vale dizer, portanto, que o procedimento é a forma pela qual o processo se desenvolve. O processo, entendido como o instrumento utilizado pelo Estado para solucionar os conflitos de interesses, desenvolve-se através da prática de atos, a maioria pelas partes (como a apresentação de petições), alguns pelo juiz (como a prolação das decisões interlocutórias, das sentenças e dos despachos, a designação das audiências, a determinação para que uma prova seja produzida de ofício etc.) e outros pelos auxiliares da Justiça (como o cumprimento de mandados pelo oficial de justiça; as certidões que são emitidas nos autos informando o decurso de prazos etc.). A essa sucessão de atos, que representa a forma como o processo se desenvolve, atribuímos a denominação procedimento (Misael Montenegro Filho). Quanto mais complexo for o procedimento, no sentido de admitir a prática de vários e vários atos, maior é o tempo de duração do processo, característica que é peculiar ao procedimento comum. Assim, podemos afirmar que a parte provoca o Estado através do exercício do direito de ação (direito de pleitear a solução do conflito de interesses), acarretando a formação do processo, que se desenvolve através de um procedimento (sucessão de atos processuais), até a prolação da sentença, que conclui a prestação da função jurisdicional, pondo fim ao conflito. Vale lembrar que o processo é apenas um dos instrumentos existentes no ordenamento jurídico brasileiro para a solução de conflitos. Outros instrumentos: mediação, conciliação, autocomposição, arbitragem, autotutela etc. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 6 - U n iT o le d o No CPC/73 existiam dois procedimentos: o ordinário e o sumário. Já o CPC/2015 unificou tais procedimentos em apenas um, o chamado “procedimento comum”. Paralelo a este, existem ainda o procedimento sumaríssimo (regulado pela Lei n. 9.099/95 – JEC) e os procedimentos especiais (relacionados às ações possessórias, à ação monitória e ao mandado de segurança, dentre outros). Configuração existente atualmente: Para lembrar: Ação = direito conferido a todas às pessoas, de requerer a eliminação do conflito de interesses. Jurisdição = poder conferido ao Estado, de resolver os conflitos de interesses. Lide = conflito de interesses, briga, divergência, como a invasão de um imóvel, a infidelidade conjugal, o não pagamento de aluguéis, o atropelamento de pessoa na via pública, a colisão entre dois veículos. Processo = instrumento utilizado pelo Estado para resolver os conflitos de interesses. Procedimento = forma como os atos são praticados no curso do processo. Como regra, o procedimento é aquele previsto em lei, como medida da garantia da segurança jurídica e tratamento igualitário às partes. Porém, excepcionalmente, sempre que autorizado por lei, é permitido aos sujeitos do processo alterar o procedimento previsto em lei (flexibilização do disposto em lei pelas partes e pelo juiz). Exemplos de flexibilização pelo juiz: a) Dilatação de prazos processuais e alteração da ordem de produção dos meios de prova (CPC, art. 139, VI); b) Distribuição dinâmica do ônus da prova (CPC, art. 373, § 1º). Exemplo de flexibilização pelas partes: negócios jurídicos processuais. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 7 - U n iT o le d o 3.2) O princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo Conforme a doutrina de Fredie Didier Jr., o CPC inovou ao contemplar o que ele chama de princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo, pelo qual admite-se que as partes formulem acordo sobre o procedimento no âmbito do processo (negócios jurídicos processuais). O princípio visa a obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de se autorregular possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas. De modo mais simples, esse princípio visa tornar o processo jurisdicional um espaço propício para o exercício da liberdade. Isso faz com que as partes possam, de certo modo, “escolher” o procedimento no âmbito do processo. O princípio do autorregramento é uma decorrência do direito fundamental à liberdade (CRFB, art. 5º, caput) que deve ser respeitado também no âmbito do processo, e também do devido processo legal (CRFB, art. 5º, LIV). O princípio é verificado pela redação do art. 190 do CPC: Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Assim, por força do art. 190, do CPC, versando a causa sobre direitos que admitam autocomposição (ex.: direito aos alimentos, direito coletivo, partilha de bens, visita e guarda dos filhos, pagamento de multa contratual etc.), é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________P ág in a 8 - U n iT o le d o Trata-se da consagração do princípio da autonomia privada (Direito Civil) também no âmbito do processo. A regra, agora, é a liberdade (autorregramento). Assim, as partes poderão escolher como o processo vai tramitar, prazos, ônus da prova, datas das audiências, escolha consensual de peritos etc. Contudo, a autonomia não é absoluta (dever de obediência aos demais princípios que norteiam o processo, tais como o da cooperação, da boa-fé, da igualdade, do contraditório etc.). De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar um calendário para a prática de atos processuais. Este calendário vinculará as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário. O juiz, de ofício ou a requerimento, poderá controlar a validade das convenções formuladas pelas partes, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. 4) PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS Enquanto o direito de ação depende de determinadas condições, sem as quais o autor é carecedor, o processo deve preencher certos requisitos para que possa ser constituído e ter um desenvolvimento regular e válido. Portanto, antes de decidir o mérito, é preciso que o juiz examine se foram preenchidas duas ordens de questões prévias: as condições da ação e os pressupostos processuais. Desse modo, é possível conceituar os pressupostos processuais como requisitos estabelecidos por lei para que o processo possa ser considerado juridicamente existente e, a partir de então, se desenvolver validamente, também de acordo com os requisitos previstos em lei. Os pressupostos processuais, que decorrem do princípio do devido processo legal, são classificados, doutrinariamente3, em duas categorias: a) pressupostos de constituição/existência; b) pressupostos de validade ou desenvolvimento válido. 3 Há na doutrina uma grande variação quanto ao tratamento dos pressupostos processuais e sua classificação. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 9 - U n iT o le d o Os “pressupostos processuais de existência do processo são os elementos mínimos sem os quais não é sequer possível dizer que existe uma relação jurídica processual”, como a “presença do órgão jurisdicional, presença do autor e presença do réu”. Os pressupostos (requisitos) de validade (positivos) “são aqueles a que alude o texto da lei como de desenvolvimento válido e regular do processo. São requisitos que precisam estar preenchidos para que o processo seja válido. Sem eles (mas desde que presentes os pressupostos de existência), até existe uma relação jurídica processual, mas ela não se desenvolve validamente: o processo não está autorizado a gerar seus normais resultados (sentença de mérito, no processo de conhecimento; satisfação do direito, na execução). Os pressupostos (requisitos) de validade (negativos) são aqueles “que se situam fora da relação jurídica processual que se esteja analisando, por isso que são também chamados de pressupostos extrínsecos ou exteriores. Diferentemente dos pressupostos positivos, que estão vinculados aos sujeitos do processo, os pressupostos negativos caracterizam-se por sua objetividade. A presença desses pressupostos impede a resolução do mérito - tanto quanto a ausência dos anteriores também a impede (Luiz Rodrigues Wambier; Eduardo Talamini). Existem várias classificações doutrinárias quanto aos pressupostos processuais, algumas bastante conhecidas, como a de Galeno de Lacerda4. O gráfico abaixo demonstra a classificação proposta por Fredie Didier Jr., com base nas lições de José Orlando Rocha de Carvalho, o qual deve ser adotado com a seguinte observação: o autor inclui a legitimidade ad causam e o interesse de agir como pressuposto processual (e não como condições da ação), uma postura que não é adotada por grande parte da doutrina e também por esse professor que subscreve. 4 Galeno Lacerda classifica os pressupostos processuais em subjetivos, objetivos, formais e extrínsecos à relação processual. São pressupostos subjetivos: a) concernentes ao juiz: ter jurisdição, ser competente para conhecer da ação e ser imparcial (inexistir causa de impedimento ou suspeição); b) concernentes às partes: personalidade judiciária (capacidade de ser parte), capacidade processual e representação por advogado. Já os pressupostos objetivos são a existência de um pedido, de uma causa de pedir, de nexo lógico entre ambos e a compatibilidade dos pedidos caso haja mais de um. Os pressupostos formais são aqueles que dizem respeito à forma dos atos processuais, e, por fim, entre os pressupostos extrínsecos temos o compromisso, a perempção, a caução, o depósito prévio das custas, a litispendência e a coisa julgada. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 0 - U n iT o le d o Pressupostos processuais5 4.1) Breves comentários acerca dos pressupostos processuais em sua especificidade: Comentários acerca dos pressupostos de existência: • Órgão investido de jurisdição (juiz): para que um processo possa se constituir, isto é, vir a existir em termos jurídicos processuais, imprescindível a presença de um órgão investido de jurisdição, do poder de dizer o direito, aplicando o direito material ao caso concreto e solucionando, assim, o conflito. Trata-se da figura do juiz togado; cuida-se aqui de um pressuposto subjetivo;6 • Capacidade de ser parte (parte): é “a personalidade judiciária: aptidão para, em tese, ser sujeito de uma relação jurídica processual (processo) ou assumir uma situação jurídica processual (autor, réu, assistente etc.). Dela são dotados todos aqueles que tenham personalidade civil - ou seja, aqueles que podem ser sujeitos de uma relação jurídica material”; trata-se de pressuposto subjetivo;7 5 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 19. ed. Belo Horizonte, JusPODIVM, 2017, p. 353 e ss. Com pequenas alterações feita pelo professor. 6 “Considerar-se-á inexistente o processo se a demanda for ajuizada perante não juiz e decisão prolatada por não juiz é uma não decisão, é apenas um simulacro a que não se pode emprestar qualquer eficácia jurídica”. 7 “...pessoas naturais e as jurídicas -, como também o nascituro, o condomínio, o nondum conceptus,a sociedade de fato, sociedade não personificada e sociedade irregular (...) os entes formais (como o espólio, DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 1 - U n iT o le d o • Existência de demanda: é ato de pedir, necessário para a instauração do processo. É o seu fato jurídico. Ao dirigir-se ao Poder Judiciário, o autor dá origem ao processo (CPC, art. 312). Note-se que “o processo existe sem réu; para ele, porém, só terá eficácia, somente poderá produzir alguma consequência jurídica, se for validamente citado”; trata-se de pressuposto objetivo. Art. 312. Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado. Fredie Didier Jr. explica que o “processo é um feixe de relações jurídicas,do ponto de vista da eficácia, e um procedimento, do ponto de vista da existência. Como em toda relação jurídica, impõe-se a coexistência de elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (fato jurídico e objeto). Os sujeitos principais do processo são as partes (autor e réu) e o Estado-juiz. Para que o processo exista, basta que alguém postule perante um órgão que esteja investido de jurisdição: a existência de um autor (sujeito que pratique o ato inaugural, que tenha personalidade judiciária) e de um órgão investido de jurisdição completa o elemento subjetivo do processo. O processo existe sem réu; para ele, porém, só terá eficácia, somente poderá produzir alguma consequência jurídica, se for validamente citado (art. 312 do CPC). Os elementos objetivos de uma relação jurídica são o fato jurídico e o objeto. O fato jurídico que instaura a relação jurídica processual é o ato inaugural (ato postulatório que introduz o objeto litigioso do processo) de alguém com personalidade judiciária perante órgão investido de jurisdição, conforme prevê o art. 312 do CPC. O objeto litigioso do processo é o objeto da prestação jurisdicional solicitada nesse ato, normalmente designado de demanda. Preenchidos esses elementos, o processo existe. massa falida, herança jacente etc.), as comunidades indígenas ou grupos tribais e os órgãos públicos (Ministério Público, PROCON, Tribunal de Contas etc.)”. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 2 - U n iT o le d o Comentários acerca dos pressupostos (ou requisitos) de validade: • Competência (juízo) e imparcialidade (juiz): a competência do órgão jurisdicional (juízo) é requisito de validade do procedimento que este órgão eventualmente vier a conduzir e, por consequência, da decisão que vier a proferir.8 Assim, o órgão jurisdicional deve ter competência para apreciar determinada demanda que lhe é submetida; já a imparcialidade, igualmente requisito processual de validade, consiste na necessidade de que o juiz da causa seja desinteressado, isto é, que não tenha interesse e nem seja tendente a beneficiar ou estabelecer privilégios gratuitos a apenas uma das partes envolvidas no litígio9; tratam-se de pressupostos subjetivos; • Capacidade processual e postulatória (parte): a capacidade processual, também chama de capacidade de estar em juízo, é “a aptidão para praticar atos processuais independentemente de assistência ou representação (pais, tutor, curador etc.), pessoalmente, ou por pessoas indicadas pela lei, tais como o síndico, administrador judicial, inventariante etc. (CPC, art. 75).10 Por sua vez, a capacidade postulatória (ius postulandi) é a capacidade de postular (pedir, solicitar, requerer) um provimento jurisdicional, isto é, alguma providência para o Estado-juiz. Trata-se de uma capacidade técnica, sem a qual não é possível a realização válida de determinados atos processuais. Essa capacidade é obtida no momento em que a pessoa se faz representar por meio de um profissional que tem o exercício da advocacia como ato privativo, ou seja, pelo advogado (art. 3º, da Lei n. 8.906/94). 8 A jurisdição é una e indivisível, sendo “exercida em todo o território nacional. Por questão de conveniência, especializam-se setores da função jurisdicional. Distribuem-se as causas pelos vários órgãos jurisdicionais, conforme as suas atribuições, que têm seus limites definidos em lei. Limites que lhes permitem o exercício da jurisdição. A jurisdição é una, porquanto manifestação do poder estatal. Entretanto, para que seja mais bem administrada, há de ser exercida por diversos órgãos distintos. A competência é exatamente o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição”. Falando de outro modo, a competência jurisdicional é uma técnica de distribuição de trabalho no âmbito do Poder Judiciário, bem como “o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei”. 9 O “ato do juiz parcial é ato que pode ser invalidado. Há dois graus de parcialidade: o impedimento e a suspeição”, que serão estudados mais adiante. “A parcialidade é vício que não gera a extinção do processo: verificado o impedimento ou a suspeição do magistrado, os autos do processo devem ser remetidos ao seu substituto legal. Os atos decisórios praticados devem ser invalidados”. 10 A capacidade processual “diz respeito à prática e a recepção eficazes de atos processuais, a começar pela petição e a citação, isto é, ao pedir e ao ser citado (...) pressupõe a capacidade de ser parte. É possível ter capacidade de ser parte e não ter capacidade processual; a recíproca, porém, não é verdadeira. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 3 - U n iT o le d o • Respeito ao formalismo processual: a formalidade processual está consubstanciada no conjunto de regras que disciplinam a atividade processual. “Considera-se formalismo processual a totalidade formal do processo, ‘compreendendo não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação da sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas as suas finalidades primordiais’”. A espinha dorsal do formalismo é o procedimento;11 trata-se de um pressuposto objetivo; Princípio da instrumentalidade das formas (CPC, arts. 188 e 277) O processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para o alcance de uma finalidade, que é a realização do direito material, por meio da prestação jurisdicional pleiteada. “A instrumentalidade do processo pauta-se na premissa de que o direito material coloca-se como o valor que deve presidir a criação, a interpretação e a aplicação das regras processuais. O processualista contemporâneo não pode ignorar isso”. Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. • Inexistência de perempção, litispendência, coisa julgada e convenção de arbitragem: aqui estão o que a doutrina costuma denominar pressupostos processuais negativos, em razão de não poderem estar presentes no processo, sob pena prejudicar o seu desenvolvimento válido, isto é, são considerados negativos aqueles fatos que não podem ocorrer para que o procedimento se instaure e desenvolva validamente. A perempção está prevista no § 3º, do art. 486, do CPC e consiste no fato de o autor dar causa, por três vezes, à extinção do processo sem o julgamento do mérito em razão do abandono, situação em que não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto; tratam-se de pressupostos objetivos; 11 Embora o desrespeito ao formalismo possa implicar na invalidade do ato jurídico processual ou do procedimento, isso não importa imediatamente a extinção do processo (CPC, art. 485, IV). Nesse sentido, vale um alerta importante: “sempre deverá buscar-se o aproveitamento dos atos processuais ou a sanação do vício; somente se impossível a correção ou o aproveitamento é que o ato não deve ser aceito e, se for o caso, o processo ser extinto”. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 4 - U n iT o le d o § 3º Se o autor der causa, por 3(três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando- lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. 4.2) Regime jurídico dos pressupostos processuais Os pressupostos de existência e de validade da relação processual caracterizam-se por um regime jurídico comum: • implicam a invalidade ou inexistência do processo como um todo, e não apenas de específicos atos processuais; • não sendo corrigido o defeito (há casos em que o defeito é corrigível, por exemplo, falta ou nulidade de citação, incapacidade de estar em juízo etc.; em outros, não, por exemplo litispendência, coisa julgada etc.), impõe-se a extinção do processo sem julgamento de seu mérito (CPC, art. 485, IV a VI); • trata-se de matéria a respeito da qual não ocorre preclusão, nem para as partes, nem para o juiz, podendo este se manifestar a respeito delas de ofício (ou seja, mesmo se provocação da parte interessada), a todo momento e em todo e qualquer grau de jurisdição (CPC, arts. 337, § 5º e 485, § 3º). A falta de pressuposto de existência implica a própria ausência do aperfeiçoamento da relação jurídica processual. Juridicamente não há processo (ao menos ele não existe em sua configuração plena, de relação trilateral, a única apta a produzir pronunciamentos eficazes contra qualquer das partes). A decisão que se proferir nesse processo, ao qual falta pressuposto de existência, será juridicamente inexistente, ou, conforme parte da doutrina, absolutamente ineficaz. Já a falta de pressuposto de validade (positivo ou negativo) implica nulidade do processo e da sentença nele proferida e, embora a sentença possa transitar em julgado e fazer coisa julgada, inclusive material, poderá ser desconstituída por meio da ação rescisória (CPC, art. 966 e ss.). DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 5 - U n iT o le d o 5) SUJEITOS DO PROCESSO Os principais sujeitos do processo são: o juiz (sujeito imparcial), autor e réu (sujeitos parciais). Há também diversos sujeitos secundários, como os auxiliares da justiça, as testemunhas, os peritos, os assistentes técnicos, os terceiros intervenientes, o Ministério Público e os advogados. 5.1) O juiz O juiz é o agente estatal investido de jurisdição. Conforme o modelo de processo adotado pelo sistema processual em determinado ordenamento jurídico, o juiz possui participação mais ou menos ativa, bem como maiores ou menores poderes. Existem 2 modelos dignos de nota: a) o sistema adversarial (Common Law) cujas características são as seguintes: (i) um modelo liberal de processo; (ii) em que a condução do processo é feita pelas partes; e, (iii) em razão do respeito aos direitos e garantias fundamentais das partes, dentre os quais, a liberdade, o juiz tem poderes restritos. Ex.: possibilidade de negócios jurídicos processuais prevista expressamente em lei. b) o sistema inquisitorial (Civil Law) cujas características são as seguintes: (i) modelo social de processo; (ii) em que o juiz tem maiores poderes na condução do processo; e, (iii) na busca de uma solução correta para a demanda, atribui-se poderes maiores ao juiz, sem, contudo, comprometer sua imparcialidade. Ex.: determinação de produção de prova de ofício pelo magistrado. A tendência mundial é a adoção de um modelo que apresenta características dos dois sistemas (adversarial e inquisitorial). O Novo CPC segue esta perspectiva: ao mesmo tempo em que prestigia a vontade das partes, inclusive quanto ao gerenciamento do processo (admite-se a realização de negócio jurídico processual; fixação de calendário processual), atribui grandes poderes ao juiz tanto no gerenciamento do processo quanto na produção de provas. Ex.: juiz pode, de ofício, determinar a produção de provas. Poderes/deveres do juiz De acordo com o art. 139, do CPC, o juiz dirigirá o processo conforme as disposições previstas no Código, incumbindo-lhe: DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 6 - U n iT o le d o I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela duração razoável do processo; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub- rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; A dilação de prazos somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular (ordinariamente previsto em lei). Ex.: pode acontecer do juiz, numa ação indenizatória, designar, em primeiro lugar, a audiência de instrução e julgamento, para apuração da culpa. E, numa autêntica inversão da sequência probatória, designar a perícia depois, a fim de quantificar os danos sofridos pela vítima, uma vez evidenciada a responsabilidade civil. Ou seja, o juiz, de uma só vez no exemplo dado, permitirá que a perícia seja designada apenas se imprescindível (prévio reconhecimento da culpa do agente) e que os valores sejam, desde já e independente de posterior liquidação, fixados na decisão final. VII - exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais; VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso; Trata-se do interrogatório da parte. É um meio de prova, de caráter complementar, no qual o juiz ouve as partes, para delas obter esclarecimentos a respeito de fatos que permaneçam confusos ou obscuros. Não se confunde com o depoimento pessoal (requerido pela parte contrária; prestado na audiência de instrução e julgamento, e sobre o qual pode incidir a pena de confissão). DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 7 - U n iT o le d o Interpretação da norma: A convocação das partes a qualquer tempo, para inquiri-las sobre os fatos da causa não se confunde com a convocação para prestar depoimento pessoal, na audiência de instrução e julgamento. Aquela providência serve para tentar retirar o magistrado do estado de perplexidade quanto a alguma questão controvertida, enquanto que esta se destina à obtenção da confissão. IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5ª da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), e o art. 82 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva. Existem outros poderes/deveres do juiz que estão espalhados ao longo do CPC e que serão estudados no momento oportuno. Ex.: poder do juiz de determinar, de ofício, a produção de uma determinada prova (CPC, art. 370). Vedação ao non liquet (dever de julgamento) O juiz não se exime de decidir sob alegação delacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Neste caso, deve-se aplicar o disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o qual determina que, na hipótese de omissão, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Impedimento e suspeição É justo ser julgado por um juiz parcial? Tendente a favorecer uma das partes? A imparcialidade do juiz é essencial à jurisdição, sendo, portanto, uma garantia do jurisdicionado em decorrência dos princípios do juiz natural e do devido processo legal (CRFB, art. 5º, XXXVII, LIII e LIV). DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 8 - U n iT o le d o Art. 5º, XXXVII - Não haverá juízo ou tribunal de exceção. Art. 5º, LIII - Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Art. 5º, LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Em reforço a essa garantia, o CPC enuncia hipóteses em que o juiz da causa será considerado impedido ou suspeito (arts. 144, hipóteses de impedimento; e 145, hipóteses de suspeição). Falando de outro modo, ordenamento jurídico “elenca um conjunto de hipóteses em que o juiz não deve atuar no processo, por haver um obstáculo ou ao menos uma dúvida quanto à sua neutralidade e isenção”. Jurisprudência (STJ- REsp. 731.766/RJ): os impedimentos e as suspeições têm índole pessoal, provocando o afastamento da pessoa física do juiz, mas não deslocam a competência para outro órgão jurisdicional. O afastamento do juiz, nesses casos, é uma medida preventiva, que visa assegurar que ele se mantenha equidistante dos litigantes. No impedimento, a participação do juiz é vedada, porque é mais intensa ou mais direta a sua ligação com o processo, havendo um risco maior de perda da imparcialidade. “O impedimento do magistrado para atuar em determinado processo não decorre da sua incompetência processual ou técnica, mas da sua estreita ligação com o próprio processo”, razão pela qual se afirma que as hipóteses de impedimento previstas pelo CPC são sempre circunstâncias objetivas. Diferentemente do que se observou em relação às hipóteses de impedimento, as que se referem à suspeição do magistrado são marcadas pela ligação indireta do juiz com pessoas que tomam assento no processo, exigindo a investigação dos aspectos subjetivos do relacionamento, criando dificuldades no campo da prova. Por isso se afirma que as situações de suspeição constituem circunstâncias de caráter subjetivo. Nos casos de suspeição, conquanto conveniente que o juiz se afaste, o risco é menor, razão pela qual, ainda que presentes as hipóteses, se nenhuma das partes reclamar e o juiz de ofício não pedir a sua substituição, o processo será por ele julgado, sem que, com isso, se verifiquem nulidades processuais. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 1 9 - U n iT o le d o Impedimento e suspeição podem ser vistos como graus de parcialidade diferentes: (i) situações de impedimento implicam um maior grau de parcialidade; (ii) situações de suspeição implicam um grau menor de parcialidade. O impedimento pode ser alegado a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (causa de nulidade absoluta). Admite-se, inclusive, o ajuizamento de ação rescisória quando a decisão for preferida por juiz impedido (CPC, art. 966, II). Impedimento Tratam-se de hipóteses em que há a presunção absoluta de parcialidade (vício processual mais grave). De acordo com o art. 144, do CPC, há impedimento do juiz, sendo- lhe vedado exercer suas funções no processo: I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha. II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão; (esta previsão evita ferir também o princípio do duplo grau de jurisdição). III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; TABELA DE PARENTESCO Fonte: Internet DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 0 - U n iT o le d o CPC, art. 144, § 1º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz. Marcus Vinicius Rios Gonçalves explica que, caso contrário, se o juiz estiver na condução do processo anteriormente, quem ficará impedido de participar dele será o advogado, o defensor público ou o membro do Ministério Público. Isso porque, sendo superveniente a atuação do cônjuge, companheiro ou parente, o caso pode redundar em “impedimento provocado”. CPC, art. 144, § 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo. A regra visa evitar a burla do impedimento: não se constitui expressamente o parente do juiz como advogado, mas contrata o escritório de que esse parente faz parte. IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; A regra também protege o juiz, que pode não concordar com a tese defendida pelo ente familiar, mas estará liberado (porque impedido) de expor essa conclusão. V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo; Fredie Didier Jr. explica que a regra não se aplica no caso de o juiz ser mero acionista de uma sociedade anônima, sem qualquer poder de gestão ou sem maior participação societária. VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; (herdeiro presuntivo é o possível herdeiro, aquele que é tido como herdeiro enquanto não se apresenta outro com melhor direito à herança). VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços; VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório; IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 1 - U n iT o le d o Se o juiz é parte, em outro processo, e tem como adversário a parte do processo que está sob sua condução ou o advogado dessa parte, está impedido. Ex.: se o juiz, como consumidor, processar o Banco X, ele estará impedido de julgar todas as demais ações que envolvam a referida instituição financeira. CPC, art. 147 (mais uma hipótese de impedimento) Quando 2 (dois) ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, o primeiro que conhecer do processo impedeque o outro nele atue, caso em que o segundo se escusará, remetendo os autos ao seu substituto legal. O art. 128 da LOMAN dispõe que: “Nos Tribunais, não poderão ter assento na mesma Turma, Câmara ou Seção, cônjuges e parentes consanguíneos ou afins em linha reta, bem como em linha colateral até o terceiro grau. Parágrafo único. Nas sessões do Tribunal Pleno ou órgão que o substituir, onde houver, o primeiro dos membros mutuamente impedidos, que votar, excluirá a participação do outro no julgamento.” Parcela da doutrina entende que o ditame legal em questão é imperativo e de aplicação ampla, de modo que deve ser respeitado mesmo em diferentes fases, em diferentes graus de jurisdição e até mesmo em processos de natureza administrativa, fixando-se a regra de que o primeiro juiz que atuar implicará o impedimento automático do segundo. Suspeição Tratam-se de hipóteses em que há uma presunção relativa de parcialidade (vício processual menos grave). Jurisprudência (STJ – Resp. 1.425.791/MT): o STJ tem optado por interpretar restritivamente as hipóteses de suspeição. De acordo com o art. 145, do CPC, há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; “A simples amizade ou animosidade do magistrado com uma das partes ou com o seu advogado não o torna suspeito, pelo fato de a norma se referir à amizade íntima e à inimizade, por exemplo, pelo fato de o magistrado ser padrinho de batismo do filho da parte ou do seu advogado, ou padrinho de casamento da parte; de frequentar a residência desta, bem assim de ser inimiga processual da parte ou do seu advogado em determinado DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 2 - U n iT o le d o processo; de ter se divorciado da parte ou do seu advogado através de processo litigioso, com imputações de adultério, de agressões físicas; de ter integrado sociedade comercial com a parte ou com o seu advogado, na condição de sócios, desfeita através de processo litigioso etc.” (Misael Montenegro Filho) II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; Fredie Didier Jr. explica que não se considera suspeito o juiz, com base nesse artigo, que, na qualidade de doutrinador ou professor, manifesta-se em tese sobre questão jurídica, sem referência a uma situação concreta. “Por aconselhamento, devemos entender o contato de qualquer natureza havido entre o magistrado e a parte, no qual aquele fez referências à possibilidade do ajuizamento da ação judicial e estimulou a parte a fazê-lo, estimando as probabilidades de êxito. O aconselhamento não ocorre quando o magistrado estimula o encerramento do processo na audiência de tentativa de conciliação, demonstrando às partes como o caso vem sendo julgado pelas instâncias superiores”. III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; “A relação de crédito e de débito retira a necessária isenção que se espera na atuação do magistrado, influenciando-o a pender em favor da parte com a qual mantém a relação, para que esta, beneficiada pela sentença, possa solver a obrigação, ou contemporizar o débito”. IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. CPC, art. 145, § 1º (suspeição por foro íntimo) Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões. Ex.: a autora é amante do juiz (hehe ). CNJ – Resolução 82/2009: no caso de suspeição por foro íntimo, o magistrado deve enviar as razões por ofício reservado à corregedoria, para fins de correição (tema polêmico). A Resolução 82/2009 foi cancelada pelo CNJ em 2016, em virtude da entrada em vigor do CPC, que, ao contrário do CPC/73, aduz expressamente que não há a necessidade de o magistrado declarar a suas razões quando declarar-se suspeito por razões de foro íntimo. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 3 - U n iT o le d o Impedimento ou suspeição provocados De acordo com o art. 144, § 1º, do CPC, é vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar o impedimento do juiz. Ex.: provocar o impedimento contratando advogado que é filho do magistrado. Ademais, preconiza o art. 145, § 2º, do CPC, que será ilegítima a alegação de suspeição quando: a) Houver sido provocada por quem a alega (ex.: atacar o juiz para cavar a suspeição; b) A parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido (ex.: a parte, que sabia da suspeição do magistrado durante todo o processo, mas deixa para alegá-la somente em caso de derrota). DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 4 - U n iT o le d o Procedimento (CPC, art. 146) No prazo de 15 dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas. Isso somente ocorrerá se o juiz não tiver reconhecido o impedimento/suspeição de ofício. Importante ressaltar que o impedimento, ao contrário da suspeição, não está sujeito à preclusão. Exceção de suspeição é poder especial do advogado? Fredie Didier Jr. aponta que há intensa controvérsia. Entende-se que não, pois o elenco de poderes especiais estaria estabelecido no art. 105, do CPC. Tem decisão do STJ para os dois lados (REsp. 173.390/MT e REsp. 1.233.727/SP). É aconselhável que o advogado peça procuração com poder específico de arguir a suspeição do magistrado, pois, além de consequências criminais que podem advir de tal conduta em desfavor da parte, quem julgará a causa, se a arguição for rejeitada, é o mesmo juiz anteriormente acusado de estar peitado. Recebida a petição, o juiz terá duas opções: (i) reconhecer o impedimento ou a suspeição e ordenar, imediatamente, a remessa dos autos ao seu substituto legal; (ii) caso contrário, determinar a autuação em apartado da petição e, no prazo de 15 dias, apresentar suas razões, acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa do incidente ao Tribunal. Humberto Theodoro Jr. afirma que se em vez de remeter o caso ao Tribunal, o juiz a quo resolve indeferir a impugnação liminarmente, caberá mandado de segurança “para a cassação tanto daquele indeferimento liminar como dos atos praticados no período da suspensão desencadeado pela oposição da exceção”, mesmo porque o CPC não prevê recurso para a espécie. No Tribunal, distribuído o incidente, o relator deverá declarar os efeitos em que o mesmo é recebido: (i) sem efeito suspensivo, o processo voltará a correr, enquanto o incidente não é julgado; (ii) com efeito suspensivo, o processo permanecerá suspenso até o julgamento do incidente. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 5 - U n iT o le d o A propósito, enquanto não for declarado o efeito em que é recebido o incidente ou quando este for recebido com efeito suspensivo, eventual tutela de urgência deverá ser requerida ao substitutolegal. O Tribunal, ao julgar o incidente, poderá: a) rejeitar a alegação, quando esta for improcedente. b) acolher a alegação. Neste caso, o tribunal deve ainda: (i) tratando-se de impedimento ou manifesta suspeição, condenar o juiz nas custas e remeter os autos ao seu substituto legal, podendo o juiz recorrer da decisão; (ii) fixar o momento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado; (iii) decretar a nulidade dos atos do juiz, se praticados quando já presente o motivo de impedimento ou de suspeição. Fredie Didier Jr. explica que do acórdão que julgar o incidente, somente são cabíveis os recursos extraordinários (especial para o STJ e extraordinário para o STF). Destaca ainda que o magistrado tem capacidade postulatória para fazer a sua defesa no incidente, não precisando de advogado. Para Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, essa capacidade postulatória o habilita, inclusive, a subscrever recursos para o STJ e STF, caso seja derrotado no julgamento da exceção, sem a necessidade de representação judicial por advogado. Não se encampa esse último posicionamento, pela falta de amparo legal, tendo em vista que a capacidade concedida ao magistrado foi apenas a de elaborar a sua defesa. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 6 - U n iT o le d o FLUXOGRAMA DO PROCEDIMENTO FONTE: THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. 59. ed. São Paulo: Forense, 2018, Vol. 1. Impedimento ou suspeição de outros sujeitos processuais De acordo com o art. 148, do CPC, aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição: (i) aos membros do Ministério Público; (ii) aos auxiliares da justiça (ex.: perito, escrivão, intérprete etc.); (iii) aos demais sujeitos imparciais do processo. Deixa em aberto, caso haja o surgimento de novos auxiliares da justiça. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 7 - U n iT o le d o Neste caso, quanto ao procedimento, a parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos. Logo em seguida, o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão do processo, ouvindo o arguido no prazo de 15 (quinze) dias e facultando a produção de prova, quando necessária. Ao final, o próprio magistrado deverá julgar o incidente. CPC, art. 148, § 3º. Nos tribunais, a arguição a que se refere o § 1º (impedimento ou suspeição) será disciplinada pelo regimento interno. CPC, art. 148, § 4º. Tal procedimento não se aplica à arguição de impedimento ou suspeição da testemunha (regulamento próprio para a contradita). 5.2) Partes Autor e réu são as partes principais da demanda. O autor é o sujeito que formula sua pretensão em juízo, requerendo a tutela jurisdicional; já o réu é aquele contra o qual tal providência é pedida. Wambier e Talamini explicam que “denominam-se partes os chamados sujeitos parciais do processo - autor e réu - que são, respectivamente, aquele que formula pedido em juízo, mediante o exercício da ação, e aquele em face de quem se pede a tutela jurisdicional”. Lembrando que para ser parte em um processo são necessárias duas espécies de capacidade, além da postulatória (adquirida com a representação por advogado): a) a capacidade de ser parte: o art. 1º do Código Civil prevê que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Isso quer dizer que todo ser humano é dotado de personalidade jurídica e pode ser titular de relação jurídica, como credor (em sentido amplo) ou como devedor de determinada obrigação. Nesse plano situa-se a capacidade de ser parte (ser autor ou ser réu); b) a capacidade de estar em juízo: é a capacidade para estar em juízo formulando pedido ou sendo demandado. Aqui não basta que a parte seja capaz de ter direitos e assumir obrigações. É preciso mais. É preciso que exista também a capacidade de fato, ou capacidade de exercício, que se consubstancia na aptidão para a prática dos atos decorrentes da capacidade de direito (CPC, art. 70). Neste sentido, têm capacidade de fato, ou de exercício, aqueles que podem, por si mesmos, praticar os atos da vida civil. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 8 - U n iT o le d o CPC, art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo. CPC, art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei. LITISCONSÓRCIO O litisconsórcio é a existência de duas ou mais pessoas na posição de demandantes e/ou demandados no âmbito de um determinado processo. Classificação O litisconsórcio pode ser classificado de acordo com vários critérios, a saber: (i) quanto ao polo, (ii) quanto ao momento, (iii) quanto ao regime e (iv) quanto a obrigatoriedade. Quanto ao polo o litisconsórcio pode ser ativo ou passivo. A pluralidade de partes no polo ativo é chamada litisconsórcio ativo, enquanto no polo passivo é denominada litisconsórcio passivo; em ambos os polos, será considerado misto. Ex.: litisconsórcio ativo – vários servidores contra o Estado. Ex.: litisconsórcio passivo – devedores solidários; usucapião; ação possessória (vários invasores) Ex.: litisconsórcio misto – ação reivindicatória movida por marido e mulher contra os atuais possuidores do imóvel (marido e mulher) Quanto ao momento o litisconsórcio pode ser inicial ou ulterior. Há litisconsórcio inicial quando formado já na propositura da ação, ao passo que haverá litisconsórcio ulterior quando formado durante o trâmite do processo. Ex.: litisconsórcio inicial – ação de servidores contra o Estado. Ex.: litisconsórcio ulterior – intervenção de terceiros (denunciação da lide); uma das partes morre e é sucedida por seus herdeiros. Observação importante: art. 118, do CPC. CPC, art. 118. Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo, e todos devem ser intimados dos respectivos atos. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 2 9 - U n iT o le d o Quanto ao regime de tratamento, o litisconsórcio pode ser simples ou unitário. No litisconsórcio simples, as relações jurídicas materiais com o adversário são autônomas entre si. A sentença pode tratar de forma diferente cada litisconsorte. Ex.: ação movida contra devedores solidários; ação de usucapião (aquele em cujo nome o imóvel está registrado, os vizinhos – confinantes e terceiros interessados). Como regra, a atuação de um litisconsorte não beneficia nem prejudica os demais (CPC, art. 117). Art. 117. Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar. Não beneficia e nem prejudica, pelo menos em regra. Segundo Marcus Vinícius Rios Gonçalves, é indispensável examinar o conteúdo do ato processual praticado. Imagine-se, por exemplo, que a vítima de um acidente de trânsito ajuíze uma demanda com pedido indenizatório, em face da pessoa que dirigia o veículo causador do fato e daquela que figura no departamento de trânsito comoproprietária. Haverá um litisconsórcio simples, pois a sentença pode ser diferente (ex.: se a pessoa tida por proprietária demonstra que, na data do acidente, já havia vendido o veículo, a sentença para ela será de improcedência, ao passo que, para a pessoa que dirigia o veículo, a sentença pode ser de procedência). Os réus são citados, e só a pessoa cujo nome figura no departamento de trânsito apresenta contestação, alegando que na data do acidente já tinha alienado o veículo e feito a entrega (o que transfere propriedade de bens móveis no Brasil é a tradição). Se tal alegação for acolhida, a pessoa que dirigia o veículo e permaneceu revel não será beneficiada, porque a defesa tem cunho pessoal, específico, particular: diz respeito tão somente a quem é atribuída a propriedade. Ainda que o motorista tivesse contestado, não poderia ter suscitado, em sua defesa, a mesma questão, porque esta não lhe diz respeito. Imaginemos a mesma situação, supondo, porém, que a pessoa tida por proprietária conteste alegando culpa exclusiva da vítima ou inexistência de dano. Se tal defesa for acolhida, acabará beneficiando também o corréu que dirigia. É que a defesa é comum, geral, poderia ter sido invocada também pelo corréu, se ele tivesse contestado. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 0 - U n iT o le d o Não é possível que o juiz, na mesma sentença, reconheça a culpa exclusiva da vítima ou a inexistência de dano e condene o corréu a indenizar, só porque ele não contestou. Se isso ocorresse, a sentença padeceria de grave incoerência. Portanto, se o litisconsórcio é simples, embora em princípio o regime seja o da autonomia, é indispensável verificar o que está sendo alegado: se for tema comum, o ato praticado por um dos litisconsortes acabará beneficiando os demais; se for específico, apenas aquele que o praticou. Já no litisconsórcio unitário, a natureza da relação jurídica (una e incindível) obriga o juiz a decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes (CPC, art. 116). Ex.: ação de anulação de casamento promovida pelo MP contra os cônjuges; ação de investigação de paternidade de pai falecido contra todos os filhos reconhecidos. Ex.: ação de dissolução e liquidação de sociedade comercial, em que o art. 601 determina a citação da pessoa jurídica e de todos os sócios. Tem que citar todos, pois a dissolução da sociedade afetará a todos, não podendo a empresa ser dissolvida para uns, sem que o seja para os outros. No litisconsórcio unitário, os atos e omissões de um litisconsorte poderão beneficiar dos demais, porém, jamais poderão prejudica-los (CPC, art. 117). Assim, por exemplo, a contestação de um aproveita os demais (CPC, art. 345, I); o recurso interposto por um aproveita aos demais (CPC, art. 1.005). Por outro lado, a renúncia, a confissão e o reconhecimento jurídico do pedido realizado por um dos litisconsortes não poderá prejudicar os demais. Na doutrina, Marcus Vinícius Rios Gonçalves afirma que é preciso levar em conta o tipo de ato que é praticado pelo litisconsorte. Há aqueles que são benéficos ou vantajosos para quem os pratica. A contestação ou recurso, por exemplo. Também há os que são praticados em detrimento dos próprios interesses, como a confissão, a renúncia, o reconhecimento jurídico do pedido, entre outros. Se o ato praticado por um litisconsorte unitário é vantajoso, todos os litisconsortes serão beneficiados: se só um contestou, e a tese apresentada na resposta foi acolhida, todos serão favorecidos; se apenas um recorrer, e o recurso for provido, haverá a reforma da decisão em favor de todos. Mas se o ato praticado pelo litisconsorte não for dessa natureza, mas desfavorável aos seus interesses, não é possível que os demais sejam prejudicados. Não seria justo nem razoável que o fossem por atos que não praticaram. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 1 - U n iT o le d o No litisconsórcio unitário, o processo versa sobre uma relação jurídica única e indivisível, com mais de um titular. Ora, se só um confessar algo, ou renunciar, isso não poderá afetar os demais. Se o resultado há de ser o mesmo para todos, porque a relação é una e incindível, aquilo que não pode prejudicar os demais não poderá prejudicar nem mesmo o autor do ato desvantajoso. Afinal, se prejudicasse uns e não outros, o resultado acabaria sendo diferente. Portanto, o ato desvantajoso que não seja praticado por todos será absolutamente ineficaz e deverá ser desconsiderado pelo juiz, na decisão. Em síntese, no litisconsórcio unitário, ou o ato praticado por um ou alguns se estenderá para todos ou não valerá para ninguém, nem mesmo para quem o praticou. Valerá para todos, se for benéfico, favorável aos interesses dos litisconsortes, e não valerá para ninguém, se for prejudicial. Esse é o regime da unitariedade. PARA MEMORIZAR LITISCONSÓRCIO SIMPLES UNITÁRIO REGRA Em princípio, como a sentença pode ser diferente para os litisconsortes, o regime é o da autonomia ou independência: os atos praticados por um não beneficiam os demais. Como no litisconsórcio unitário discute-se no processo uma relação jurídica una e incindível, tendo o resultado de ser o mesmo para todos, os atos praticados por um dos litisconsortes beneficiam a todos. PARTICULARIDADES Apesar da autonomia, é preciso verificar qual o teor do ato praticado, para verificar qual o tipo de alegação foi feita pelo litisconsorte, pois, se for comum, do interesse geral, acabará beneficiando também os demais, já que não se pode acolher matérias comuns em relação a uns e não a outros, sob pena de a sentença ficar incoerente. É preciso distinguir que tipo de ato foi realizado pelo litisconsorte unitário. Se foi vantajoso, perpetrado em defesa dos próprios interessados, como a apresentação de resposta ou recurso, todos serão beneficiados. Mas se praticado em detrimento dos próprios interesses, como a confissão, a renúncia ou o reconhecimento do pedido, o ato será ineficaz, não prejudicando nem mesmo quem o praticou. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 2 - U n iT o le d o Quanto a obrigatoriedade, o litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo. Litisconsórcio necessário é aquele cuja formação é obrigatória (CPC, art. 114). O litisconsórcio será necessário em duas hipóteses: 1) quando a relação jurídica discutida nos autos é una, incindível e com vários titulares (necessário e unitário); Ex.: ação de anulação de casamento por bigamia promovida pelo MP. 2) quando houver determinação legal expressa. Ex.: ação de usucapião: o autor deve citar, obrigatoriamente aquele em cujo nome o imóvel está registrado, todos os vizinhos (confinantes) do imóvel e terceiros interessados (CPC, art. 246, § 3º) (necessário por disposição legal e simples). Ex.: ação de dissolução e liquidação de sociedade comercial, em que o art. 601 determina a citação da pessoa jurídica e de todos os sócios. Tem que citar todos, pois a dissolução da sociedade afetará a todos, não podendo a empresa ser dissolvida para uns, sem que o seja para os outros (necessário por disposição legal e unitário). SIMPLES UNITÁRIO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO O litisconsórcio será necessário e simples quando for necessário exclusivamente por força de lei, sem que no processo se discutam relações jurídicas unas e indivisíveis. Exemplo: ação de usucapião. O litisconsórcioserá necessário e unitário quando o processo versar sobre relação una, incindível e com vários titulares, caso em que todos terão de participar, e o resultado terá de ser o mesmo para todos. Na doutrina, Marcus Vinícius Rios Gonçalves explica as consequências da ausência, no processo, de um litisconsorte necessário. Enquanto o processo está em curso, verificando o juiz que há um litisconsorte necessário ausente, mandará incluí-lo. Se o processo estiver em fase avançada, tal determinação implicará a nulidade de todos os atos processuais até então praticados, sem a participação do litisconsorte necessário. Pode ocorrer que seja proferida sentença ou decisão interlocutória de mérito, e que transite em julgado, embora algum deles tenha estado ausente. Nesse caso, a solução é dada pelo art. 115, I e II, do CPC: a decisão será nula, quando deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo, ou ineficaz, nos outros casos, apenas em relação a todos os que não foram citados. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 3 - U n iT o le d o Em síntese, será preciso verificar se o litisconsórcio necessário em que um dos litisconsortes faltou era unitário ou simples. Se unitário, a falta de um implicará a nulidade da decisão para todos, já que não pode haver desfechos diferentes para eles, pois a lide é única. Se o litisconsórcio necessário era simples, a sentença será ineficaz para os que não foram citados, mas válida para os que foram citados no processo. CPC, art. 115. Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo. Na doutrina, Marcus Vinícius Rios Gonçalves explica que há complicações maiores no caso do litisconsórcio necessário ativo. Para que ele se forme voluntariamente, é indispensável que todos estejam dispostos a demandar, a propor a ação, caso em que bastará que se agrupem e proponham a demanda em conjunto, com o que estará satisfeita a exigência do litisconsórcio necessário. O problema surgirá se um deles não estiver disposto a acompanhar os demais, seja porque não quer ingressar em juízo, seja porque não está disposto a arcar com as custas e despesas do processo, seja especialmente porque acha que os demais litisconsortes ativos não têm razão, e que a demanda a ser proposta está fadada ao insucesso. Ocorre que, sendo o litisconsórcio necessário, o juiz só pode receber a petição inicial se todos estiverem integrando o polo ativo. Surgem, então, importantes divergências doutrinárias a respeito do tema, que podem ser resumidas em duas correntes fundamentais: a) a dos que entendem que, como ninguém é obrigado a demandar contra a vontade, não existe mecanismo para forçar o que não deseja ir a juízo; se um dos litisconsortes necessários não quiser fazê-lo, a demanda estará inviabilizada, ainda que todos os demais estejam dispostos. Essa corrente prestigia o princípio da liberdade de demandar; b) a dos que entendem que se deve prestigiar o direito de acesso à justiça, ainda que em detrimento da liberdade de demandar. Para essa corrente, é possível compelir o autor a participar da demanda, ainda que contra a vontade. Mas apresenta-se de imediato um problema prático: como obrigar aquele que não quer a ingressar em juízo contra a vontade? Para os defensores dessa corrente, só haveria uma maneira: solicitar ao juiz que determine a citação do litisconsorte ativo renitente, para que passe a integrar o processo. Ele, comparecendo ou não, assumiria a condição de parte, satisfazendo-se com isso a exigência do litisconsórcio necessário. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 4 - U n iT o le d o A maioria dos defensores dessa corrente entende que citado, o litisconsorte ativo poderá optar entre figurar no polo ativo, partilhando dos interesses dos demais litisconsortes, ou no polo passivo, quando não estiver de acordo com o postulado por eles. Afinal, a exigência de participação estaria satisfeita tanto se o litisconsorte estiver no polo ativo quanto no passivo. Um exemplo prático ajuda a ilustrar as questões aqui suscitadas. Imagine-se que duas pessoas adquiram, conjuntamente, um bem indivisível, que tenha um defeito oculto. O direito material autoriza o adquirente da coisa defeituosa a postular a resolução do contrato (ação redibitória) ou o abatimento no preço (quanti minoris). Imagine-se que um dos adquirentes não queira mais a coisa, por causa do defeito, e decida resolver o contrato, ajuizando ação redibitória. Como são dois os compradores, seria necessário que a ação fosse proposta por ambos, em face do vendedor. Não é possível que seja proposta por um deles, sem o outro. Se ambos estiverem de acordo com a resolução, bastará que ajuízem juntos a demanda. Mais complicado será se um quiser propor a demanda e o outro não. Para os defensores da segunda corrente, o comprador que não queira mais a coisa ajuizará a ação e pedirá ao juízo que, antes de mandar citar o réu, mande citar o litisconsorte necessário, o outro comprador, cabendo a este assumir uma de duas posições possíveis. Poderá compor o polo ativo, uma vez que pode querer também a resolução do contrato (caso em que poderá aditar a inicial, de cuja elaboração não participou, para sanar algum vício ou afastar alguma deficiência que ela contenha), ou participar do polo passivo, se não quiser a resolução, seja porque entende que a coisa não tem vício nenhum, seja porque não quer resolver o contrato, mas postular, por exemplo, o abatimento no preço. Se optar pelo polo passivo, poderá apresentar contestação. A exigência do litisconsórcio necessário terá sido respeitada, porque todos os litisconsortes estarão no processo, ainda que não no mesmo polo. Pode, ainda, haver a possibilidade de o litisconsorte necessário citado não comparecer, nem para figurar no polo ativo, nem no passivo. Ainda assim a exigência estará satisfeita, porque basta a citação do ausente, não sendo indispensável que ele efetivamente compareça. Nesse caso, o ausente sofrerá os efeitos da sentença, mas não responderá pelas verbas de sucumbência, já que não participou. Para o autor, parece que a segunda corrente satisfaz melhor a garantia do acesso de todos à justiça, não sendo razoável que o daqueles que queiram demandar possa ficar obstado, às vezes, por mero capricho. DIREITO PROCESSUAL CIVIL I Prof. Luciano Meneguetti – fev. 2021 ________________________________________________________________________________ P ág in a 3 5 - U n iT o le d o Se o litisconsorte necessário ativo ausente não puder ser localizado, far-se-á a sua citação por edital. Não havendo comparecimento, será indispensável a nomeação de curador especial, que defenda os seus interesses. Ainda que se trate de litisconsórcio ativo, tal nomeação se faz necessária, pois a citação foi ficta e o citando sofrerá os efeitos do processo. Por sua vez, o litisconsórcio facultativo é aquele de formação não obrigatória e decorrente de opção do autor pela propositura da ação com pluralidade de partes ao invés de propor demandas isoladas. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando (CPC, art. 113): 1) entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; Ex.: solidariedade ativa/passiva. 2) entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir; Ex.: ação de cobrança de aluguéis contra inquilino e fiador
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