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CARACTERÍSTICAS CINEMÁTICAS E DINAMOMÉTRICAS DA MARCHA DE CRIANÇAS EM AMBIENTE AQUÁTICO título Kinematics and dynamometrics characteristic of children’s gait in the aquatic environment Letícia Calado Carneiro[a], Alessandro Haupenthal[b], Gustavo Ricardo Schütz[c], Patrícia Vieira de Souza[d], Graziela Morgana Silva Tavares[e], Helio Roesler[f] [a]Fisioterapeuta e Mestre em Ciências do Movimento Humano, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: leticiacarneiro@yahoo.com.br [b]Fisioterapeuta, Mestre e Doutorando em Ciências do Movimento Humano, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: dedsnet@yahoo.com.br [c]Educador Físico e Mestre em Ciências do Movimento Humano, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: gugaschutz@hotmail.com [d]Fisioterapeuta e Mestre em Ciências do Movimento Humano, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: pativs@hotmail.com [e]Fisioterapeuta e Mestranda em Ciências do Movimento Humano, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: grazinatal@yahoo.com.br [f]Engenheiro Mecânico e Doutor em Engenharia Mecânica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Coordenador do Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: d2hr@udesc.br Resumo INTRODUÇÃO: O ambiente aquático é utilizado como recurso terapêutico, embora pouco se saiba sobre as alterações que a água causa nas características biomecânicas da marcha de crianças. OBJETIVO: Este estudo objetivou analisar as características cinemáticas e dinamométricas da marcha de crianças no ambiente aquático. METODOLOGIA: Após aprovação do comitê de ética, foram selecionadas aleatoriamente três crianças que não apresentassem comprometimento na marcha. As crianças caminharam dentro da piscina do CEFID/UDESC com nível de imersão na altura do osso esterno. Os dados cinemáticos foram obtidos através de uma câmera filmadora, que estava dentro de uma caixa estanque. Os dados dinamométricos foram coletados através de plataformas subaquáticas posicionadas numa passarela com 5 metros de comprimento. As crianças realizaram 12 passagens válidas em velocidade autosselecionada. Para a análise dos dados foi utilizada estatística descritiva. RESULTADOS: A amplitude de movimento média do tornozelo foi 17 graus e do joelho 60 graus. Os valores das variáveis foram (média±desvio-padrão): 0,47±0,10(m/ s) para velocidade; 0,88±0,27(m) para comprimento do passo; 1,23±0,05(s) para tempo de apoio; 0,16±0,03(s) para tempo de apoio duplo; 0,31±0,05(N/PC) para primeiro pico de força vertical; 0,19±0,04(N/PC) para pico mínimo de força vertical; 0,29±0,05(N/PC) para segundo pico de ISSN 0103-5150 Fisioter. Mov., Curitiba, v. 22, n. 3, p. 427-438, jul./set. 2009 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 428 Carneiro LC, Haupenthal A, Schütz GR, Souza PV, Tavares GMS, Roesler H. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 força vertical; 0,10±0,02(N/PC) para pico positivo de força ântero-posterior. CONCLUSÃO: Verificou-se que as maiores alterações aconteceram durante a fase de contato inicial. A velocidade e o duplo apoio diminuíram no ambiente aquático e o comprimento do passo aumentou. As componentes da força de reação do solo diminuíram e a componente ântero-posterior não apresentou o pico negativo. Palavras-chave: Cinemática. Dinamometria. Crianças. Marcha subaquática. Abstract INTRODUCTION: The aquatic environment is used for treatment however, little is known about the changes caused by water on the biomechanical characteristics of children walking. OBJECTIVE: This study is aimed to analyze kinematics and kinetics characteristics of children’s gait in aquatic environment. METHODS: Following approval of ethics committee, three children were randomly selected, who had not compromised in the gait. Children walked at sternum immersion level. The kinematic data were obtained through a video camera closed to a waterproof box. The kinetic data were collected through the dynamometer underwater platforms that were placed in the middle of a footbridge with a length of 5.0 meters. The children performed 12 passes valid in a self-selected speed. Descriptive statistics was used for data analysis. RESULTS: The range of motion for the ankle was 17 degrees and for the knee was 60 degrees. The values for variables were (mean±standart deviation): 0,47±0,10(m/s) for speed; 0,88±0,27(m) for step length; 1,23±0,05 (s) for support time; 0,16±0,03(s) for double support; 0,31±0,05 (N/BW) for first peak vertical force; 0,19±0,04 (N/BW) for minimum peak vertical force; 0,29±0,05 (N/BW) for second peak vertical force; 0,10±0,02(N/BW) for positive peak anteroposterior force. CONCLUSION: Was verified that the highest alteration happened during the initial contact phase. Speed and double support decreased in the aquatic environment and step length increased. The components of ground reaction forces decreased and the anteroposterior component did not present negative peak. Keywords: Kinematic. Kinetics. Children. Underwater gait. INTRODUÇÃO Perry (1) define a marcha como uma sequência de repetições de movimento dos membros inferiores para mover o corpo para frente, enquanto, simultaneamente, mantém a postura estável. Conforme Sutherland et al. (2), mesmo este gesto sendo o mais descrito e analisado de todos os movimentos humanos, é necessário que se descreva como ele ocorre sob o ponto de vista biomecânico em diferentes populações e situações, para se buscar possíveis causas de anormalidades e a otimização do movimento. Sutherland et al. (3, 4) iniciaram, em 1988, o estudo da marcha de crianças e publicaram um dos estudos mais conhecidos sobre o desenvolvimento do andar investigando os processos de maturação da marcha desde o andar independente até a idade de 7 anos. Em algumas situações, para melhor entender o comportamento da marcha além de diversificar o tipo de população deve-se variar também o ambiente estudado. Foi constatado através de experiência profissional que o ambiente aquático está sendo amplamente indicado para a prática de exercícios físicos ou fisioterapia. Assim, torna-se fundamental o estudo das características da marcha de crianças nesse ambiente para que fisioterapeutas e educadores físicos possam realizar a prescrição de exercícios no ambiente aquático embasados em evidências científicas. Barela (5), em 2005, realizou um estudo com adultos e idosos no ambiente aquático, no qual observou as influências dos princípios físicos da água na marcha desses indivíduos. Foi constatado pela autora, que a força de compressão nas articulações diminuiu, pois, a força de empuxo se opõe à força da 429 Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 Características cinemáticas e dinamométricas da marcha de crianças em ambiente aquático gravidade e reduz o peso corporal aparente, proporcionando maior facilidade de movimentação no ambiente aquático. Já a força de arrasto oferece resistência ao movimento, dificultando-o e reduzindo sua velocidade, podendo gerar fortalecimento muscular. E ainda, quando alguém se movimenta na água, o ambiente aquático é alterado constantemente, o que possibilita aos indivíduos treinarem o equilíbrio (5). Carneiro et al. (6) realizaram um estudo comparando a marcha de crianças com mielomeningocele dentro e fora da água e concluíram que as crianças estudadas tiveram uma redução da carga corporal dentro da água. Com isso, os autores relataram que caminhar na água pode oferecer menor riscode lesões e maior facilidade de locomoção aos indivíduos estudados. Segundo Calvete (7), os exercícios físicos em crianças obesas devem ser de baixo impacto e de intensidade moderada na intenção de reduzir os microtraumas e macrotraumas aos quais esses jovens estão vulneráveis. Assim, os exercícios realizados dentro da água podem ser indicados para essa população por oferecerem às crianças alívio da carga sobre as articulações e melhora do equilíbrio (8). Apesar de todas as aplicações, até o presente momento, não foram encontrados estudos relacionados à marcha de crianças em relação às variáveis biomecânicas no ambiente aquático (1, 9). Dessa forma, torna-se necessário avaliar a marcha de crianças sem acometimento na água para estabelecimento de padrões normativos da cinemática e dinamometria que poderão ser comparados com a marcha de crianças que apresentam comprometimentos. David e Ávila (9) afirmaram que a descrição biomecânica das curvas do movimento pode servir como referência em estudos desenvolvimentistas, auxiliar na identificação de doenças e no acompanhamento de tratamentos. Assim, este estudo teve como objetivo analisar as características preliminares da cinemática e dinamométricas da marcha de crianças no ambiente aquático. METODOLOGIA Participantes Com o estudo é do tipo exploratório, foram selecionadas aleatoriamente 3 crianças que apresentavam entre 11 e 12 anos de idade. As crianças escolhidas deveriam apresentar idade superior a 7 anos, pois, segundo Sutherland et al. (4), a marcha de crianças a partir dos 7 anos assemelha-se à marcha de adultos e está mais estável. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina, protocolo 63/06. Após os pais dos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as crianças andaram em um corredor de 10m onde a marcha foi avaliada subjetivamente, a fim de verificar presença de queixas álgicas, disfunção neurológica e/ou músculo esquelética. Os dados antropométricos estão expostos na Tabela 1. TABELA 1 - Dados antropométricos das crianças Legenda:* Kg: Kilograma; m: metro; X : média; s: desvio padrão e CV%:coeficiente de variação. Criança Idade Sexo Massa Estatura (Kg)* (m)* 1 11 Feminino 43,2 1,54 2 12 Masculino 51,4 1,61 3 12 Feminino 56,6 1,54 X 12 — 50,4 1,56 S 0,6 — 6,76 0,04 CV% 4,9 — 13,4 2,59 430 FIGURA 1 - Esquema da coleta de dados Legenda: (1) Sistema de aquisição; (2) Passarela com plataformas de força; (3) Filmadora (4 e 5) Sensores de velocidade com cronômetro. Instrumentos Os dados antropométricos foram obtidos por uma balança eletrônica com escala de 0,1 kg e uma fita métrica. Os dados cinemáticos foram adquiridos através de imagens do plano sagital (lado esquerdo) obtida por uma filmadora digital com frequência de 30Hz, que estava disposta dentro de uma caixa estanque sobre um tripé, posicionada a 3,6 metros das plataformas de força na altura de 0,57 m. O calibrador possuía dimensões 2,0 m x 1,5 m com marcações a cada 0,5 m. Os dados de força foram coletados através de plataformas subaquáticas (10), posicionadas no meio de uma passarela de 5 metros de comprimento. As plataformas são extensiométricas e possuem dimensões 500 x 500 mm, com sensibilidade de 2 N, erro inferior a 1% e frequência natural de 60 Hz. A taxa de aquisição foi de 600 Hz. As plataformas foram conectadas a uma placa CIO - EXPBRIDGE de 16 canais para condicionamento de sinais a um conversor A/D CIODAS-16-Jr com capacidade para 16 canais e limite máximo de aquisição de 60 kHz, ambos da empresa Computer Boards. Para a aquisição dos dados foi utilizado o sistema de aquisição e tratamento de dados SAD 32 (11). Coleta de dados A pesquisa foi realizada na piscina do Laboratório de Pesquisa em Biomecânica Aquática do CEFID – UDESC. Os pesquisadores preencheram uma ficha de acompanhamento individual que continha: nome, idade, massa corporal, estatura, gênero e altura do processo xifoide. Para a realização da análise angular as crianças foram marcadas nos pontos anatômicos: no trocânter maior do fêmur, platô tibial, maléolo lateral e quinto metatarso do membro inferior esquerdo com uma caneta tipo marcador permanente (1). Após as marcações, as crianças caminharam 8 vezes na passarela para familiarização e adaptação com o ambiente aquático. O nível de imersão foi na altura do osso esterno. As crianças foram filmadas e cada uma realizou 12 passagens válidas a uma velocidade autosselecionada (criança 1=0,36±0,04 m/s; criança 2= 0,54±0,03m/s; criança 3= 0,52±0,02m/s). As passagens foram consideradas válidas quando as plataformas eram tocadas somente por um dos pés. Carneiro LC, Haupenthal A, Schütz GR, Souza PV, Tavares GMS, Roesler H. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 431 Análise dos dados a) Angulares Os vídeos de cada uma das 12 passagens válidas foram recortados para representar as 12 passadas de cada criança, totalizando 36 passadas para todas as crianças. Foi considerado como início da passada o instante do contato inicial da primeira plataforma e o fim, quando o mesmo pé toca o solo novamente. Após este processo as imagens foram digitalizadas através do programa DgeeMe (GeeWare Motion Analysis®). Foram remarcados manualmente neste programa os pontos anatômicos para reconstrução do modelo 2D do membro inferior esquerdo da criança. Para a análise dos valores dos ângulos articulares, maior amplitude de movimento (ADM) das articulações e os valores angulares durante o contato inicial, balanço e propulsão, foi adotada como referência a posição neutra de 90° para o tornozelo e de 180° de extensão para o joelho. O deslocamento angular do tornozelo foi formado pelos pontos do platô tibial, maléolo lateral e quinto metatarso e o deslocamento angular do joelho pelos pontos do trocânter maior do fêmur, platô tibial e maléolo lateral. b) Espaço – Temporal As variáveis espaço – temporais foram determinadas a partir da cinética e da cinemetria. Através das curvas de Força de Reação do Solo (FRS) foram obtidas: a) tempo de apoio do primeiro passo (TAPP), pela subtração do tempo final do tempo inicial do primeiro passo, b) tempo de apoio do segundo passo (TASP), pela subtração do tempo final do tempo inicial do segundo passo c) tempo de apoio duplo (TAD): pela subtração do tempo final do primeiro passo pelo tempo inicial do segundo passo. O comprimento do passo foi obtido através da cinemetria e a velocidade foi calculada dividindo o comprimento do passo pelo tempo do passo. c) Dinamometria Os dados dinamométricos totalizaram 96 curvas de FRS sendo, 48 para o passo com o pé direito e 48 para o passo com o pé esquerdo. Os arquivos foram filtrados através do filtro via transformada de Fourier tipo Butterworth com frequência de corte de 15Hz e ordem 3. Foi realizada offset após a colocação da plataforma na água. A normalização foi feita pelo peso da criança (N/PC). Após o processamento dos dados, os ensaios resultaram curvas de Força Vertical (Fy) e Força Ântero-posterior (Fx). Para Fy definiu-se as variáveis: a) primeiro pico de força (PPF): maior valor registrado da força aplicada pela criança na plataforma durante a primeira metade da execução do passo, b) pico mínimo de força (PM): menor valor registrado na deflexão da curva de força aplicada pela criança na plataforma durante a execução do passo, c) segundo pico de força (SPF): maior valor registrado da força aplicada pela criança na plataforma durante a segunda metade da execução do passo. Para Fx definiu-se a variável pico positivo de força (PP): maior valor registrado acima do zero da força ântero-posterior aplicada pela criança na plataforma durante a execução do passo. Os dados foram analisados através de estatística descritiva por meio de média (X), desvio- padrão (s), e coeficiente de variação (CV%). RESULTADOS Os resultados das variáveis cinemáticas são apresentados na Tabela2 (tempo de apoio do primeiro passo (TAPP), tempo de apoio do segundo passo (TASP), tempo de apoio duplo (TAD), comprimento e velocidade do passo) e nas Figuras 2, 3 e 4 (ângulos). Na Figura 5 são apresentadas fotos da câmera e da coleta de dados. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 Características cinemáticas e dinamométricas da marcha de crianças em ambiente aquático 432 FIGURA 2 - Média e desvio padrão da variação angular do tornozelo e joelho da criança 1 FIGURA 3 - Média e desvio padrão da variação angular do tornozelo e joelho da criança 2 FIGURA 4 - Média e desvio padrão da variação angular do tornozelo e joelho da criança 3 Carneiro LC, Haupenthal A, Schütz GR, Souza PV, Tavares GMS, Roesler H. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 433 FIGURA 5 - Foto do sistema de análise de marcha subaquática composto pela passarela com plataformas de força acopladas e filmadora em caixa estanque perpendicular ao plano sagital para filmagem da criança TABELA 2 - Resultados das variáveis espaço-temporais da marcha das crianças Legenda:* Kg: Kilograma; m: metro; X : média; s: desvio padrão e CV%: coeficiente de variação. CRIANÇA TAPP* TASP* TAD* COMPRIMENTO VELOCIDADE (s) (s) (s) (m) (m/s) Criança 1 1,14±0,29 1,19±0,17 0,15±0,08 0,61±0,06 0,36±0,04 Criança 2 1,29±0,14 1,21±0,17 0,13±0,06 0,88±0,06 0,54±0,03 Criança 3 1,38±0,12 1,20±0,18 0,19±0,06 1,15±0,05 0,52±0,02 X 1,27 1,2 0,16 0,88 0,47 S 0,12 0,01 0,03 0,27 0,10 CV% 9,55 0,83 19,50 30,68 20,84 Na Tabela 3 pode-se observar os valores médios da Força de Reação do Solo vertical e horizontal das crianças. PRIMEIRO PASSO SEGUNDO PASSO CRIANÇA PPF* PM* SPF* PP* PPF* PM* SPF* PP* Criança 1 0,41±0,06 0,27±0,03 0,38±0,05 0,12±0,04 0,32±0,05 0,20±0,04 0,31±0,03 0,11±0,03 Criança 2 0,31±0,06 0,15±0,05 0,30±0,05 0,13±0,02 0,26±0,05 0,15±0,01 0,24±0,02 — Criança 3 0,24±0,01 0,18±0,01 0,24±0,02 0,08±0,01 0,30±0,03 0,20±0,01 0,25±0,02 0,06±0,09 X 0,32 0,20 0,31 0,11 0,29 0,18 0,27 0,09 S 0,09 0,06 0,07 0,03 0,03 0,03 0,04 0,04 CV% 26,70 31,22 22,90 24,05 10,41 15,75 14,20 41,59 TABELA 3 - Resultados das forças de reação do solo das crianças normalizadas pelo peso corporal (PC) Legenda: * PPF: Primeiro Pico de Força; PM: Pico Mínimo; SPF: Segundo Pico de Força; PP: Pico Positivo; X : média; s: desvio padrão e CV%:coeficiente de variação. Na Figura 6 pode ser visualizado uma exemplo das curvas de força para a marcha na água. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 Características cinemáticas e dinamométricas da marcha de crianças em ambiente aquático 434 Na Figura 6 é possível observar a morfologia das curvas vertical e ântero-posterior de força de reação do solo. DISCUSSÃO a) Variáveis angulares Tornozelo Os resultados (Figuras 2, 3 e 4) mostraram a presença de 3 arcos de movimento para todas as crianças. De acordo com a literatura (1, 12), no ambiente terrestre, são encontrados 4 arcos de movimento para o tornozelo. A ausência de um arco de movimento verificado no deslocamento angular do tornozelo no ambiente aquático foi observada durante a fase de resposta à carga (12% do ciclo da marcha no ambiente terrestre) quando não ocorre a onda de flexão plantar comumente observada no ambiente terrestre. Acredita-se que essa onda de flexão plantar não aconteceu pelo fato de todas as crianças já tocarem o solo com o pé plano ou em plantiflexão sobre o chão. Outros pesquisadores (5, 13, 14, 15) estudaram a marcha de adultos e idosos no ambiente aquático e também constataram que a articulação do tornozelo estava na posição neutra ou em plantiflexão no ambiente aquático durante o contato inicial. A amplitude de movimento (ADM) do tornozelo durante a marcha no ambiente terrestre varia de 26º a 28° (1, 16). Na Figura 1 pode-se observar que a ADM do tornozelo diminuiu no ambiente aquático para a criança 1 (13º) e para a criança 3 (22°) e permaneceu a mesma que a encontrada no ambiente terrestre para a criança 2 (26º). A criança 1 pode ter apresentado uma menor ADM devido a falta de habituação com a tarefa. Miyoshi et al. (17), pesquisaram a marcha de adultos no ambiente aquático e verificaram que a ADM do tornozelo durante a fase de apoio no solo e na água foi a mesma nos dois ambientes. Diferentemente, Kaneda et al. (15) verificaram em adultos uma maior ADM (32±7,3°) durante o ciclo da marcha na água. FIGURA 6 - Exemplo da média das curvas de Força de Reação do Solo vertical e ântero- posterior das crianças no ambiente aquático Carneiro LC, Haupenthal A, Schütz GR, Souza PV, Tavares GMS, Roesler H. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 435 Joelho Pôde-se observar na Figuras 2, 3 e 4 que o contato inicial foi realizado com o joelho em flexão pelas crianças 1 (152º), 2 (145°) e 3 (160°) no ambiente aquático, o que difere do ambiente terrestre, pois segundo Perry (1), o joelho está mais estendido (175o). David e Ávila (9) estudaram a marcha de crianças no ambiente terrestre e verificaram que o joelho também estava mais estendido nessa fase do ciclo da marcha. Kaneda et al. (15) verificaram em sua pesquisa que no ambiente aquático indivíduos adultos realizaram o contato inicial com o joelho flexionado (164±7,7°) durante o contato inicial como as crianças do presente estudo. A flexão do joelho no contato inicial verificado na marcha em ambiente aquático deve- se possivelmente à força de empuxo que fez com que as crianças realizassem o contato inicial com o joelho mais fletido, fato observado por Skinner e Thonson (18), bem como por Brito et al. (19). Quando comparamos a ADM do joelho encontrada neste estudo com os valores observados com indivíduos adultos no ambiente terrestre (50º - 60º) (1, 12, 16) foi verificado que foi maior para a criança 2 (75°), diminuiu para a criança 1 (42°) e permaneceu a mesma para a criança 3 (58°). A grande variação entre as crianças pode ser explicada por causa da falta de habituação com a tarefa, principalmente da criança 1. A ADM da criança 3 foi semelhante à encontrada por Barela et al. e Kaneda et al. (14, 15) que verificaram valores entre 54° a 56o para os adultos no ambiente aquático. Miyoshi et al. (17) estudaram a marcha de adultos no solo e na água e observaram uma diminuição da ADM do joelho durante a fase média e final do apoio do ciclo da marcha na água. Assim, observando-se a ADM do joelho foi possível constatar que na água as crianças apresentaram ADM semelhante aos adultos no ambiente terrestre ou até maiores. Esse fato pode ser favorável no tratamento de pacientes que necessitam ganhar maior ADM. b) Variáveis espaço - temporais Na Tabela 2 pode-se observar que a velocidade das crianças (0,47±0,10 m/s) diminuiu no ambiente aquático quando comparada aos dados obtidos na literatura em ambiente terrestre. Chester et al. (16), Stansfield et al. (20), Thorpe et al. (21) e Leardini et al. (22) estudaram a marcha de crianças no solo e encontraram uma velocidade média que variou entre 1,10±0,21m/s a 1,20±0,1m/s para crianças acima de 7 anos. A diminuição da velocidade da marcha em ambiente aquático também ocorreu com adultos e idosos, Barela (5) encontrou 0,40±0,03 m/s com o nível de imersão no processo xifoide. Barela et al. (14) atribuem à redução da velocidade dos movimentos devido à resistência oferecida pelo meio aquático. Como Barela (5) expôs, a resistência da água pode possibilitar maior trabalho muscular quando se caminha dentro da água. Stansfield et al. (23) realizaram um estudo com 16 crianças com idades entre 7 e 12 anos e averiguaram que a modificação dos parâmetros da marcha devem-se a variação da velocidade e não somente á idade. Por essa razão, a mudança dos valores de deslocamentoangular, comprimento de passo e da FRS pode estar relacionado também com a mudança da velocidade da marcha entre os dois ambientes e não apenas pelas diferenças entre faixa etárias. O período de apoio duplo (0,16s) apresentado na Tabela 2 diminuiu ao comparar-se com os dados de um estudo realizado no ambiente terrestre (24), onde as crianças tiveram um TAD de 0,23±0,03 (s). Tal fato pode ter acontecido devido ao contato do pé no solo ser realizado com o pé plano ou com o antepé facilitando a propulsão e diminuindo o tempo de duplo apoio. As crianças do presente estudo apresentaram um aumento no valor médio de comprimento do passo para 1,00±0,23(m) quando comparado ao observado no ambiente terrestre. No solo, o comprimento do passo de crianças variou entre 0,50(m) a 0,57(m) (16, 20, 21, 24). Barela (5) encontrou na água maior comprimento do passo que foi de 1,20±0,1(m) para adultos e 1,0±0,2(m) para idosos. Novamente a criança 1 foi a que apresentou valores mais diferenciados que as outras crianças provavelmente pela falta de habituação em caminhar no ambiente aquático (Tabela 2). O maior comprimento de passo encontrado no ambiente aquático pode possibilitar trabalhar nos pacientes maiores amplitudes de movimento de membros inferiores. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 Características cinemáticas e dinamométricas da marcha de crianças em ambiente aquático 436 c) Variáveis dinamométricas O valor médio encontrado para as crianças deste estudo foi de 0,30 N/PC para o PPF e 0,29 N/PC para o SPF da componente vertical de FRS e assemelhou-se aos valores obtidos por Roesler et al. (25) e Harrison et al. (26). Esses valores foram menores quando comparados aos dados referentes à literatura no ambiente terrestre. No solo os valores encontrados para os picos de força da componente vertical da FRS para crianças variaram entre 1,00 N/PC e 1,20 N/PC. Van der Linden et al. (27) analisaram 36 crianças em diferentes velocidades e os picos máximos obtidos variaram entre 1,00 N/ PC e 1,20 N/PC; Viel et al. (28), relatam encontrar picos de 1,15 N/PC a 1,20 N/PC quando as crianças caminharam em velocidade habitual. Carneiro et al. (6) encontraram redução dos valores do PPF e SPF quando compararam os valores encontrados no solo com os valores encontrados na água em uma pesquisa realizada com crianças que possuíam sequela de mielomeningocele. Em média os valores no solo foram em torno de 1,00 N/PC e na água 0,27 N/PC. Tal achado corrobora com os valores encontrados neste estudo. Os valores dos picos da componente vertical de FRS para as crianças 2 e 3 foram semelhantes, já a criança 1 apresentou maiores valores para todas as variáveis de força. Esse fato pode ter acontecido pela dificuldade de habituação com a tarefa. A força de reação ântero-posterior estão dentro dos valores encontrados por Roesler et al. (25) em estudo realizado com adultos no ambiente aquático. Na componente ântero-posterior verificou- se uma curva de força diferente para a marcha subaquática do que apresenta para a marcha em solo. No solo esta componente apresenta dois picos de força, um negativo e um positivo. Segundo Winter (29) e Perry (30), durante a fase negativa o pé está empurrando o solo anteriormente, e no solo causa uma reação na direção posterior (pico negativo) para desacelerar o movimento. Para os mesmos autores (29, 30), durante a fase positiva, o pé empurra o solo na direção posterior, e no solo causa uma força de reação na direção anterior (pico positivo) para acelerar o movimento. Podemos observar na Figura 6 que na água a forma da curva assemelha-se com um triângulo retângulo com o PP próximo ao final da curva, da mesma forma que Roesler et al. (25) observaram nas suas pesquisas. Neste estudo, o pico negativo não estava presente nas curvas de força horizontal de reação do solo. Assim pode-se supor que a marcha na água necessite de uma menor força de frenagem do movimento pela maior resistência do meio aquático decorrente da força de arrasto. A possibilidade de sustentação oferecida pela água fez com que os sujeitos modificassem a fase de apoio, inclinando seu corpo anteriormente, realizando o contato com o solo quando o membro inferior já está próximo ao centro de gravidade. Realizando assim, somente a fase positiva. Roesler et al. (25) notaram uma tendência ao pico negativo somente nas situações lentas e com diminuição do nível de imersão. Na reabilitação é importante ter o conhecimento das variáveis de FRS, pois a redução dos impactos oferecidos pela água favorece a hidroterapia como melhor opção terapêutica para treino de marcha de crianças obesas, com acometimento traumato-ortopedicos e/ou neurológicos. Não foi possível a comparação dos dados com outros estudos do mesmo tema devido à escassez de pesquisas de marcha subaquática com crianças. Por essa razão os dados foram comparados com estudos realizados com crianças no ambiente terrestre e com pesquisas realizadas com adultos e idosos no ambiente aquático. CONCLUSÃO A análise preliminar das variáveis cinemáticas e cinéticas mostrou diferenças entre a marcha de crianças no ambiente terrestre a aquático. Sendo que os valores da FRS, a velocidade e o TAD diminuíram e o comprimento do passo aumentou no ambiente aquático. Os valores de ADM de tornozelo e joelho foram semelhantes entre ambiente terrestre e aquático ou até maiores no caso do joelho, com exceção da criança 1. Foram verificadas nas curvas de deslocamento angular das duas articulações ausência de fases que são observadas nas curvas do ambiente terrestre. Esta pesquisa pode Carneiro LC, Haupenthal A, Schütz GR, Souza PV, Tavares GMS, Roesler H. Fisioter Mov. 2009 jul/set;22(3):427-438 437 possibilitar aos profissionais da saúde maior embasamento para prescrição de exercícios físicos e terapêuticos dentro da água, já que o comportamento da marcha das crianças foi diferente entre os ambientes. Sugere-se o desenvolvimento de novas pesquisas com um número maior de participantes para se estabelecer parâmetros normativos da marcha de crianças no ambiente aquático. REFERÊNCIAS 1. Perry J. Análise de marcha. São Paulo: Manole; 2005. 2. Sutherland DH. The development of mature gait. Gait and Posture. 1997;6:163-170. 3. Sutherland DH, Olshen RA, Les Cooper L, Woo SL. The development of mature gait. J Bone Joint Surg Am. 1980;62(3):336-53. 4. Sutherland DH, Olshen RA, Biden EN, Wyatt MP. Development of mature walking. Oxford: Mac Keith; 1988. 5. Barela AMF. Análise biomecânica do andar de adultos e idosos nos ambientes aquático e terrestre. [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2005. 6. 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