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A convalidação do ato administrativo
01/11/2013
Resumo: Este artigo tem como objetivo o estudo da convalidação, como modalidade de extinção do ato administrativo e ao mesmo tempo de sua correção. Trata-se de estudo que visa a demonstrar, também, que a administração, em determinadas hipóteses, tem o dever e não apenas a faculdade de convalidar. Para tanto, se estudará o conceito de ato administrativo, seus elementos e a sua invalidação. O foco do estudo se dará no conceito de convalidação e a sua importância para a administração.
Palavras-chave: ato administrativo; elementos; invalidação; convalidação; dever; faculdade.
Sumário. Introdução. 1. Ato Administrativo. 1.1. Elementos do Ato Administrativo. 1.2.Invalidade do Ato Administrativo. 2. A Convalidação. 2.1. A Convalidação e os Princípios do Direito Administrativo. 2.2. Convalidação: Dever ou Faculdade. 3. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A atuação da administração é muito ampla, de modo que o direito administrativo está presente de forma muito incisiva no nosso dia a dia, ainda que disso não nos apercebamos de forma muito clara.
Diante da grande presença do Estado no nosso cotidiano, realidade esta que se mostra cada vez mais patente, parece importante estudar a forma como a administração age e quais os efeitos de seus atos na realidade.
De fato, a administração age sempre através do que se denomina ato administrativo em sentido amplo. Tais atos administrativos, para que possam produzir os efeitos devidos, devem estar conforme o ordenamento jurídico, eis que a administração apenas age dentro daquilo que a lei autoriza.
Havendo desatendimentos aos comandos legais para a prática do ato, este apresentará vícios, sanáveis ou não.
O presente trabalho terá como foco, assim, o estudo de um dos institutos que permite recuperar a legalidade do ato administrativo violada em determinado momento. Trata-se da convalidação.
Portanto, estudaremos o conceito e os requisitos do ato administrativo, bem como o conceito de invalidação, decorrentes de vícios do ato.
Nesse sentido, nos debruçaremos sobre a possibilidade de correção de tais vícios, através de uma análise pormenorizada da convalidação.
1. ATO ADMINISTRATIVO
Qualquer fato ocorrido na seara da administração pública a que o direito atribua consequências jurídicas pode ser caracterizado como fato administrativo.
O ato administrativo, por sua vez, comporta um universo menor dentro dos fatos jurídicos administrativos. Dele se diferencia, pois é um comando jurídico, uma fala prescritiva, e não apenas um evento jurídico a que o direito atribuiu efeitos: ele mesmo prevê seus efeitos.
Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos conceituar os atos administrativos da seguinte forma.
“Isto posto, cabe indagar: como, a final, haver-se-á de proceder à distinção entre ato jurídico e outras espécies de fatos jurídicos?
A nosso ver a solução é a seguinte. Atos jurídicos são declarações, vale dizer, são enunciados; são falas prescritivas. O ato jurídico é uma pronúncia sobre certa coisa ou situação, dizendo como ela deverá ser. Fatos jurídicos não são declarações; portanto, não são prescrições. Não são falas, não pronunciam coisa alguma. O fato não diz nada. Apenas ocorre. A lei é que fala sobre ele”[1].
É importante distinguir atos de fatos administrativos, uma vez que apenas os primeiros podem ser anulados, apenas àqueles importa a vontade do administrador e apenas aqueles gozam dos atributos do ato administrativo[2].
Com efeito, toda a construção doutrinária acerca da invalidade dos atos administrativos apenas pode ter aplicação quanto aos atos administrativos e não quanto aos fatos, pois os fatos apenas são acontecimentos a que o direito atribui consequências.
1.1. ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO
A doutrina se divide quanto aos elementos do ato administrativo.
A doutrina mais clássica aponta que os requisitos para que um ato administrativo seja praticado validamente estão no art. 2º da Lei nº 4.717/65 ( Lei de Ação Popular).
“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”
Portando, de acordo com essa doutrina, os requisitos dos atos administrativos são:
(i) Competência: é o poder, resultante da lei, que dá ao agente administrativo a capacidade de praticar o ato administrativo. Há que se averiguar, portanto, para saber se determinado sujeito que praticou o ato é competente, em primeiro lugar, se há previsão no ordenamento para que aquele agente pratique tal ato. Ou seja, se suas atribuições, inerentes ao cargo que ocupa, permitem que pratique tal ato. Claro que essa pressuposição implica que a pessoa jurídica a qual este agente pertence possua atribuições legais para tanto. Necessário, por fim, que o ato seja praticado no exercício das atribuições do cargo, ou seja, enquanto agente administrativo.
(ii) Finalidade: é o objetivo, o bem jurídico tutelado pela norma, o qual se pretende alcançar com a prática do ato. Note-se que o ato administrativo praticado sempre visará a um objetivo específico – finalidade imediata. Mas, também, a prática do ato administrativo, qualquer que seja a sua finalidade imediata, sempre visará à finalidade mediata que é em última instância sempre o interesse público.
(iii) Forma: é a maneira pela qual o ato deve ser praticado. É o revestimento externo do ato. A princípio, exige-se a forma escrita para a prática do ato. Excepcionalmente, admitem-se as ordens através de sinais ou de voz, como são feitas no trânsito.
(iv) Motivo: o motivo, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello “é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. É, pois, a situação do mundo empírico que deve ser tomada em conta para a prática do ato.”[3]. É importante ressaltar que quando o motivo estiver expressamente previsto em lei, o agente somente poderá praticar o ato se houver ocorrido a situação. Há, contudo, hipóteses em que a situação não estará prevista em lei, nesse caso o agente tem liberdade de escolha do motivo (situação), em virtude do qual praticará o ato. Nesse último caso, é importante notar que inexiste liberdade absoluta para a motivação. Esta há de ser razoável, de acordo com os ditames da lei, adequada ao caso concreto; de outra forma o motivo enaltecido não terá validade e o ato será nulo. Há, ainda, que mencionar que o motivo enunciado como tal, a justificar a prática de determinado ato, deve existir, de modo que a validade do ato praticado dependerá da real existência do motivo enunciado.
· Em outras palavras, o ato está vinculado àquele motivo. O motivo do qual falamos até aqui é o motivo de fato. Por fim, há, ainda, o motivo legal (previsão abstrata) que deve sempre corresponder à realidade material (motivo de fato), pena de o ato ser inválido.
(v) Objeto: é o conteúdo do ato; é a própria alteração na ordem jurídica; é aquilo que o ato dispõe, prescreve, ordena, emana, fala.
Cabem, ainda, algumas considerações acerca da classificação que se trouxe. Como dito acima, esta classificação não é aceita por todos os doutrinadores. Celso Antônio Bandeira de Mello possui classificação diferente,pois entende que há que se fazer a devida distinção entre os elementos internos ao ato e aqueles que lhe são externos.
De fato, entende o Professor que os elementos do ato, ou seja, aqueles inerentes ao próprio ato são apenas dois: o conteúdo e a forma. Quanto à forma já vimos o seu conceito, que é o mesmo adotado por este autor. Entretanto, o conteúdo para Bandeira de Mello é o objeto que acima vimos, ou seja, é aquilo que o ato dispõe, decide, enuncia, certifica na ordem jurídica.
Entende, ainda, que existem pressupostos externos ao ato. São eles os pressupostos de existência do ato: o objeto – aquilo sobre o que o ato recai, pois inexistindo aquilo sobre o que o ato dispõe, não poderia haver ato; bem como a pertinência à função administrativa, pois segundo o autor, muitos atos jurídicos podem ser praticados, apenas sendo atos administrativos aqueles imputáveis ao Estado, no exercício da função administrativa.
Já os pressupostos de validade são o sujeito; o motivo; os requisitos procedimentais; a finalidade, a causa e a formalização. Apenas diferem da classificação clássica antes apresentada os requisitos procedimentais, a causa e a formalização.
Os requisitos procedimentais nada mais são do que os atos, que por imposição normativa, devem preceder a um determinado ato. São atos prévios, produzidos pela própria administração ou pelo particular, sem os quais a prática do ato não seria possível.
A causa, segundo informa o autor é a “correlação lógica entre o pressuposto (motivo) e o conteúdo do ato em função da finalidade tipológica do ato.”[4] De acordo com referido autor, é no âmbito da causa que se pode aferir a razoabilidade e a proporcionalidade do ato. É o requisito que permite analisar a adequação entre os meios e os fins.
Por fim, a formalização, ou pressuposto formalístico, é a específica maneira pela qual o ato deve ser externado, pois além de exteriorizado (mera forma), cumpre que seja de um dado modo. Ex., por meio de portaria, publicado em um número determinado de jornais, etc.
Independente da classificação que se adote, imperioso notar que o desatendimento do ato a qualquer dessas exigências elencadas acima pode acarretar a invalidade do ato.
Além dos vícios do ato, as invalidades podem existir quando a lei assim o prescreva expressamente.
1.2. INVALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
A invalidação, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello, é a supressão de um ato administrativo ou da relação jurídica dele nascida, por haverem sido produzidos em desconformidade com a ordem jurídica.
Importante ressaltar que a invalidação é um ato administrativo final, o qual sempre resultará de um procedimento prévio de invalidação, em respeito ao art. 5º, LV da CF, que estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Portanto, como muito bem asseverado por Monica Toscano Simões[5], na sua obra Limites à invalidação dos atos administrativos, não deve a administração proceder, de imediato, à invalidação do ato; com efeito, entre a constatação do vício e a invalidação do ato deve transcorrer o chamado procedimento administrativo invalidador, ao fim do qual poderá ser emitido o ato invalidador. Quer-se com isto dizer que a invalidação de atos administrativos, mesmo quando pronunciada pela própria administração pública, deve observar o devido processo legal, sob pena de ofensa frontal ao sistema constitucional brasileiro.
· Desse modo, vemos que a invalidação não pode ser vista como um ato único, mas como resultado de um procedimento cujos participantes devem ser aqueles diretamente atingidos por dada medida.
Voltemos à noção de invalidade. A noção de invalidade é oposta à ideia de conformidade com o direito. Logo, os atos administrativos praticados em desconformidade com as prescrições jurídicas são inválidos.
Pelo vício da invalidade, ou seja, pela desconformidade do ato praticado com as disposições legais, pode o ato ser retirado do mundo jurídico, após procedimento administrativo prévio.
A questão que se coloca quando falamos especificamente de convalidação é com relação à existência de graus de invalidade, já que a convalidação é a prática de um novo ato que sana as irregularidades que macularam determinado ato. Portanto, a convalidação admite o saneamento de irregularidades existentes.
Para alguns, a convalidação implicaria a aceitação da teoria das nulidades importada da teoria geral do direito civil. De fato, de acordo com a teoria do direito privado, os atos são nulos ou anuláveis; de modo que os primeiros, por violarem preceitos de ordem pública, não podem ser sanados; já os atos anuláveis, por infringirem apenas interesses particulares, seriam suscetíveis de correção.
· A convalidação obviamente estaria compreendida na segunda modalidade de atos, ou seja, aqueles anuláveis, uma vez que admitiriam correção posterior.
A questão, entretanto, não é de fácil aceitação pela doutrina, eis que não é unânime o entendimento de que a teoria das nulidades inerente ao direito civil poderia ser trazida para o direito público.
Com efeito, para alguns autores, como Gasparini, há tão somente uma espécie de ato administrativo inválido: o comumente chamado de nulo. Desse modo, não se têm no direito administrativo, como ocorre no direito privado, atos nulos e anuláveis, em razão do princípio da legalidade, incompatível com essa dicotomia. Ademais, os atos anuláveis ofendem direitos privados, disponíveis pelos interessados, enquanto os nulos agridem interesses públicos, indisponíveis pelas partes. Lá (no direito civil) são anuláveis, aqui (no âmbito do direito administrativo) são nulos. O ato administrativo sempre ofenderá, quando ilegal, um interesse público, sendo, portanto, nulo. Destarte, não há como ser aplicada no direito administrativo a teoria dos atos nulos e anuláveis do direito privado. Por isso, como para essa teoria há apenas os atos nulos e não os anuláveis, a convalidação não seria possível.
Por outro lado, há os que aceitam a aplicação da teoria do direito privado ao direito público, mormente em face das disposições da Lei Geral de Processo Administrativo (lei 9.784/98), a qual, em seu artigo 55, positiva a possibilidade de convalidação, conforme segue.
 “Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria administração”.
Portanto, por se tratar de regra positivada, não há como negar que a convalidação é possível, e que há sim uma gradação quanto aos vícios dos atos administrativos.
· A melhor posição, parece-me, está com Celso Antônio Bandeira de Mello. De acordo com referido autor, não há graus de invalidade, pois a invalidade é invalidade simplesmente, é desrespeito a comando legal, de forma que não há meia invalidade. O que há, notadamente, são graus de reação a essa invalidade, o que permite ou não, a depender do caso concreto, a convalidação.
Trocando em miúdos: a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma gradação no repúdio a eles.
Nas palavras do autor,
“É precisamente esta diferença quanto à intensidade da repulsa que o Direito estabeleça perante atos inválidos o que determina um discrímen entre atos nulos e atos anuláveis ou outras distinções que mencionam atos simplesmente irregulares ou que se referem os chamados atos inexistentes.”[6]
· Assim, podemos dizer que a convalidação se encontra na seara dos atos anuláveis, ou seja, aqueles atos que possuem um vício de ilegalidade, mas com relação aos quais o sistema reage de forma menos fervorosa, menos radical.
2. CONVALIDAÇÃO
A convalidação, assim, é modalidade de extinção do ato administrativo por meio de retirada pela administração, ou seja, é uma forma de extinção de um ato administrativo eivado de vícios, ocasionada pela prática de outro ato administrativoque retira do mundo jurídico o primeiro, sanando os vícios do ato anterior.
De acordo com as lições de Maria Sylvia Zanella de Pietro, a convalidação ou saneamento “é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi praticado”[7]
Para o professor Bandeira de Mello, a convalidação é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos.
De se notar que a convalidação pode resultar de comportamento do particular ou da própria administração, mas esta somente poderá ocorrer quando o ato possa ser praticado validamente no presente. Assim, o vício não pode ser tal a impedir a reprodução válida do ato, a convalidação somente terá lugar quando o ato possa ser novamente produzido de forma legítima, obedecendo aos preceitos legais.
Um outro requisito, além da possibilidade de o ato poder ser praticado de forma válida novamente, é a possibilidade de retroação dos efeitos. Em outras palavras, há a prática de um novo ato que convalida os defeitos do anterior e é necessário que este novo ato possa retroagir seus efeitos válidos.
A doutrina lista, além dos requisitos acima elencados (possibilidade de o ato ser praticado novamente sem os vícios que o macularam inicialmente e possibilidade de retroação dos efeitos produzidos), limites à convalidação, são eles a impugnação do ato administrativo viciado seja pela administração, seja pelo poder judiciário e a ausência de prejuízo a terceiros.
O primeiro limite encontra fundamento em dois argumentos. O ato suscetível de convalidação deixaria de sê-lo, caso tivesse sido impugnado, pois se ainda que impugnado a administração pudesse convalidá-lo, apenas prevaleceria a vontade da administração, independente de qualquer impugnação.
O segundo argumento é muito bem explicitado por Jacintho Arruda Câmara[8], conforme segue.
“A convalidação, além de atender ao princípio da legalidade – na medida em que corrige o vício do ato -, atende ao princípio da segurança jurídica. Pela convalidação, como foi dito, são preservadas situações de fato e de direito, já estabelecidas com base em um ato da administração portador de vício de legalidade. Preservando o ato, ou melhor, seus efeitos, está se dando segurança, na forma de estabilidade das relações.
 A partir do momento em que o ato viciado sofre a impugnação, o princípio da segurança jurídica muda de lado – não está mais a determinar a preservação dos efeitos do ato viciado, ao contrário, punga por desconstituí-los.”
2.1. A CONVALIDAÇÃO E OS PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
Aproveitamos o trecho citado para mencionar a importância dos princípios no instituto da convalidação.
De fato, ao contrário do que pode parecer, a convalidação vem a concretizar os princípios da segurança jurídica, da legalidade e da boa-fé.
É que ao contrário do que possamos, a priori, pensar, a manutenção de um ato, inicialmente produzido de forma ilegal, pode vir a atender melhor ao interesse público do que a sua expurgação do sistema.
Em primeiro lugar, em razão da segurança jurídica. O sistema jurídico prima pela segurança das relações dos indivíduos e desses com o Estado. Não é por outro motivo que os atos administrativos gozam de alguns atributos. Um deles é a presunção de legitimidade, conforme já mencionado nesse trabalho, a qual indica que a princípio os atos administrativos produzidos se encontram conforme o direito. Ora, a anulação de um ato por desconformidade com o direito abala essa presunção, daí porque a anulação deve ser a última consequência.
A convalidação permite que a segurança jurídica seja preservada, uma vez que possibilita a prática de um novo ato administrativo, sem os defeitos anteriores e com a preservação dos efeitos do ato anteriormente praticado.
Não é de se olvidar também que a convalidação atende ao princípio da legalidade, mero corolário da segurança jurídica, eis que permite a restauração da legalidade pela prática de um novo ato que atenda a todos os requisitos exigidos pela lei.
Por fim, o princípio da boa-fé esta atendido também, pois a sociedade confia que os atos praticados pela administração sejam válidos e neles deposita confiança. Violar tais expectativas com a anulação viola sem dúvida a boa-fé dos administrados.
No sentido acima narrado, parece-nos de suma importância transcrever as palavras do Professor Jacintho Arruda Câmara.[9]
“Embora exista a possibilidade de os atos administrativos sofrerem invalidação – requerida por terceiros ou promovida pela própria administração -, a tendência natural, previsível, de seu destino é a permanência no ordenamento jurídico. Sua retirada posterior, mesmo que promovida por motivo de ilegalidade, desaponta esta previsibilidade e com isso a segurança que se deposita em tais atos.
Disto deriva uma das razões para que os atos produzidos com vício devam ter seus efeitos preservados. As situações por eles geradas provocam o fundamentado anseio de perenidade; pois são geradas com a expectativa – não só dos administrados, mas expectativa do próprio sistema jurídico – que perdurem pelo prazo indicado em seu escopo (do ato administrativo).
Frustrar esta expectativa não é a primeira das alternativas dada pelo sistema no caso de constatação de vício no ato. A desconstituição de seus efeitos é remédio extremo, só adotado quando o ato não suportar convalidação, ou quando a situação gerada não estiver protegida por normas ou princípios que lhe garantam a existência (e o da segurança jurídica reclama, em determinados casos, esta providência).”
Em razão de a convalidação atender a todos esses princípios, muito caros ao direito administrativo, é que se começou a perceber que a convalidação é capaz de ensejar o atendimento do interesse público, no mais das vezes, de forma mais eficaz do que a anulação, que se baseava na estrita legalidade unicamente.
Daí, para alguns autores a administração ter o dever de convalidar quando a situação o permitir, não havendo margem de discricionariedade quanto à convalidação ou a anulação.
2.2. CONVALIDAÇÃO: DEVER OU FACULDADE
Muito se tem discutido na doutrina acerca da obrigatoriedade ou da discricionariedade de a administração convalidar seus atos, quando essa seja possível, atendidos os requisitos já mencionados acima.
A professora Maria Sylvia Di Pietro é do entendimento de que a convalidação (exceto nos casos em que se trate de vício de competência na prática de ato vinculado, como veremos adiante) é mera faculdade da administração.
Seu entendimento está baseado na letra da própria lei, cuja redação usa o termo “poderão ser convalidados”. Em sua opinião, ao usar o verbo poder, a lei atribui à convalidação a possibilidade de sua efetivação e não a sua obrigatoriedade.
Daí ter expressado seu entendimento da seguinte forma,
“Vale dizer que a convalidação aparece como faculdade da administração, portanto, como ato discricionário, somente possível quando os atos inválidos não acarretem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros; em caso contrário, tem-se que entender que a administração está obrigada a anular o ato, ao invés de convalidá-lo.”[10] Grifos do original.
· Assim, percebe-se que para referida autora a regra é a anulação dos atos inválidos, apenas sendo possível a convalidação quando o defeito for passível de correção, com a retroação de seus efeitos, quando inexistir prejuízos a terceiros e ao interesse público. Preenchidos esses requisitos, a convalidação é possível, mas não obrigatória.
Portanto, podemos concluir que para aqueles que entendem que a convalidação é mera faculdade da administração, terão importância, na avaliação da conveniência ou não de sanear um ato viciado, a segurança das relações jurídicas, tão prestigiadas pelo direito, a boa-fé do administrado, em virtude do princípio da presunção de legitimidade de que desfruta o ato administrado e o atendimento ao interesse público.
Contudo, defendendo posicionamento contrário, Weida Zancaner[11] entende que a convalidação, quando presentes os seus requisitos, é uma obrigação da administração e nãomera faculdade.
Zancaner fixa com nitidez sua tese de que ou a Administração Pública está obrigada a invalidar ou, quando possível a convalidação do ato, esta será obrigatória.
Em sua opinião, é justamente pelo fato de o princípio da legalidade pregar a restauração da ordem jurídica e primar pelo respeito aos ditames da lei, que a convalidação se propõe obrigatória quando o ato comportá-la. É que o princípio da legalidade prima pela integridade do ordenamento jurídico, mas em momento nenhum estabelece que essa integralidade deve ser atingida pela invalidação; de modo que a legalidade pode ser eficazmente atingida pela convalidação, a qual é também forma de restauração da legalidade.
Celso Antônio Bandeira de Mello está com Zancaner, ao afirmar que não há lugar para a discricionariedade a optar pela convalidação ou anulação:
“Sendo certo, pois, que a invalidação ou a convalidação terão de ser obrigatoriamente pronunciadas, restaria apenas saber se é discricionária a opção por uma ou outra nos casos em que o ato comporta convalidação. A resposta é que não há, aí, opção livre entre tais alternativas.”[12]
No ensinamento de Zancaner, a observância ao princípio da legalidade não significa necessariamente que a Administração deva retirar do mundo jurídico todos os atos eivados de vícios, considerando que em alguns casos é possível saneá-los, restabelecendo-se a ordem jurídica.
Conclui, assim, a autora que se a convalidação (e a invalidação) tem obrigatoriamente que ser pronunciada, ela deve ser feita sempre que esse for o caminho que se apresenta, para que se restaure a legalidade – não existindo a opção discricionária entre convalidação ou invalidação – por ser predicada pelos princípios da segurança jurídica e o da boa-fé.
Acredito que a razão esteja com essa corrente, na medida em que os princípios que listamos e explicamos acima – legalidade, boa-fé, segurança jurídica e confiança -, parecem atender de forma mais adequada ao interesse público.
É que a concretização do interesse público, que é a pedra de toque do direito administrativo, ensejou, na prática, a necessidade de ponderação de princípios.
Esta ponderação revelou, no mundo empírico, a importância, no mais das vezes, para o atendimento do interesse público, da necessidade de manutenção de determinado ato eivado de ilegalidades sanáveis.
Com efeito, percebeu-se que a obediência cega à legalidade estrita, na prática, acabava por desatender ao interesse público e ferir direitos e expectativas dos administrados de boa-fé. Daí a necessidade de se levar em conta, como já acima explicitado, os princípios da segurança jurídica, da confiança e da boa-fé.
Essa nova compreensão do instituto da convalidação se explica, portanto, muito bem, uma vez que são vários os princípios a indicarem que se deve tentar salvar o ato, se assim se pode dizer, sendo que do lado oposto, no sentido que o ato deve ser invalidado, encontramos apenas a legalidade estrita.
Em sua obra Princípios da Legalidade da administração pública e da segurança jurídica, Almiro do Couto e Silva, traz o seguinte esclarecimento do direito comparado, ao citar o exemplo da Alemanha.
“Esclarece Otto Bachof que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos últimos 50 anos, na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em homenagem à boa-fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a prevalência do princípio da legalidade sobre a da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do favorecido.”[13]
O princípio da segurança jurídica prima pela manutenção dos efeitos dos atos viciados, uma vez que sua desconstituição traria repercussões nas relações jurídicas estabelecidas sob a égide de um ato que até então possuía presunção de legitimidade e legalidade. Assim, a retirada de tais efeitos causaria uma frustração em tais presunções, e, consequentemente, um abalo a segurança que se deposita nos atos administrativos.
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello perfilha do mesmo entendimento:
 Isto porque, sendo cabível a convalidação, o Direito certamente a exigiria, pois, sobre ser uma dentre as duas formas de restauração da legalidade, é predicada, demais disso, pelos dois outros princípios referidos: o da segurança jurídica e o da boa-fé, se existente. Logo, em prol dela afluem mais razões jurídicas do que em favor da invalidação.”[14]
Não obstante o entendimento exposto nesse trabalho, segundo o qual a convalidação deve ser a medida tomada pela administração, quando cabível, posto que é a opção que melhor concretiza os princípios que regem o direito administrativo, importante atentar para algumas hipóteses em que a convalidação não se mostra obrigatória.
Trata-se dos casos de convalidação de atos praticados com vício no sujeito no exercício de competência discricionária. Nesse caso, tendo o subordinado praticado determinado ato, quando este competia à autoridade superior, e devendo o ato ser praticado no exercício de competência discricionária, não se pode obrigar a que a autoridade superior ratifique aquela prática, pois nesse caso se estaria tolhendo a sua competência.
Destarte, nestes casos pode a Administração Pública, segundo um juízo subjetivo, optar se quer convalidar ou invalidar o ato viciado.
Couto e Silva, em sua obra já precitada, cita ainda um limite mais amplo: o interesse público. Em sua opinião,
“É importante que se deixe bem claro que o dever (e não o poder) de anular os atos administrativos inválidos só existe quando no confronto entre o princípio da legalidade e o da segurança jurídica o interesse público recomende que aquele seja aplicado e não esse.”[15]
3. CONCLUSÃO
O presente trabalho visou a contribuir para um melhor conhecimento do instituto da convalidação.
Assim, após breve análise do conceito de ato administrativo, de seus requisitos e de sua invalidação, estudamos a convalidação que é modalidade de extinção de um ato eivado pela prática de um novo ato com efeitos retroativos, desde que presentes todos os requisitos necessários à prática regular do ato.
Listamos, além do conceito de convalidação, os seus requisitos e limites.
Por fim, enfrentou-se a questão quanto á obrigatoriedade ou não da administração de convalidar seus atos. Nesse sentido, expressei minha opinião, no sentido de que a convalidação é prática obrigatória da administração, não havendo espaço para a invalidação, quando aquela for possível. Isso porque, a convalidação realiza melhor o interesse público, na medida em que permite a concretização de um maior número de princípios e valores (segurança jurídica, legalidade, confiança e boa-fé) caros ao direito administrativo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-convalidacao-do-ato-administrativo/
sustentar a convalidação com base em Di pietro

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