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Análise crítica do Documentario Dilema das redes

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O Dilema das Redes (2020), documentário lançado pela Netflix, dirigido por Jeff 
Orlowski, conta com a participação de ex-funcionários e executivos de empresas como 
Google, Facebook e Twitter que expõem os perigos causados pelas redes sociais. Eles 
escancaram o domínio que essas mídias exercem no cotidiano da sociedade, 
influenciando na forma em que pensamos, agimos e vivemos. Jogando luz sobre os 
bastidores das grandes empresas de tecnologia, o documentário expõe a necessidade 
de se atentar para a gratuidade dos aplicativos de redes sociais, uma vez que, como 
disse o ex-designer do Google, Tristan Harris: “se você não está pagando pelo produto, 
então você é o produto”. 
Um dos muitos pontos levantados e discutidos no documentário é o monitoramento 
constante das redes sociais, pois sempre disponibilizamos as plataformas com dados 
pessoais. Com base em nosso comportamento na web, o algoritmo funciona para que 
apenas as opiniões e conteúdo que nos interessam apareçam em nosso feed, criando 
uma realidade personalizada conhecida como bolha de informação. Essa situação 
reforça as crenças pessoais de cada pessoa e leva as pessoas a entenderem suas 
visões como traços absolutos da verdade. Encontramo-nos em um momento marcado 
pela chamada pós-verdade, onde a ficção e as distorções factuais podem assumir os 
contornos da realidade. A partir dos pressupostos lógicos, morais e éticos, os fatos e 
as verdades científicas devem ser refletidos na deliberação coletiva com mais reflexão 
do que opiniões e crenças individuais; entretanto, atualmente está acontecendo o 
contrário. A realidade não importa, mas as percepções podem surgir dela. Em suma, 
esta nova era visa criar declarações que contrariem a realidade, criando teorias da 
conspiração e disseminando fake news. 
O boom da pós-verdade ocorreu durante a eleição norte-americana de 2016, vencida 
por Donald Trump; a polarização política é claramente um dos produtos desta época. 
Qualquer declaração, ensaio, pessoa ou ideia que seja contrária às crenças, discurso e 
comportamento de um grupo será considerada objeção. É um paradoxo que, embora 
as pessoas acreditem em tudo, também não acreditem em nada. Assim, como nos 
dizem Vera França e Paula Simões (2017), o uso funcionalista dos media constitui uma 
importante área de investigação no campo da comunicação. Nessa perspectiva, a 
sociedade é vista como um organismo. Nele, a comunicação passa a ser compreendida 
em termos de sua função em um ambiente social. Ainda, tentou-se compreender, 
numa chave behaviorista, a questão psicológica do consumo midiático, com enfoque 
na utilização do condicionamento dos comportamentos para reformar e melhorar a 
sociedade, de acordo com os interesses de uma classe específica. Em adição, é 
trabalhada a teoria da sociedade de massa, relacionada à teoria da agulha 
hipodérmica. Nesse âmbito as respostas do público à mídia são analisadas de 
maneira generalizada, colocando-o como receptor passivo de conteúdo e possuidor 
de reações completamente uniformes. 
Tais estudos se situam logo no início do século XX – com o início da imprensa de 
massa, a criação do cinema, do rádio e da TV – e explicitam que o poder dos meios 
de comunicação e sua capacidade de influência no modo de vida da sociedade 
podem ser percebidos bem antes da popularização da internet. Atualmente, 
encaramos um novo nível, uma nova fórmula, com novos métodos de 
condicionamento de opiniões e comportamentos. Percebemos, na relação entre as 
redes sociais e os usuários, o uso da ferramenta behaviorista para criar e manter 
uma dependência – daí o termo usuário. Como citado no documentário analisado, 
somente duas indústrias utilizam tal termo ao tratar de seus clientes: a das drogas 
ilegais e a de softwares. 
 
Entretanto, assim como é apresentado pelo documentário O Dilema das Redes, um 
novo nível de manipulação surge sempre que um novo meio de comunicação se 
apresenta. Durante um debate na Chicago AntiTrust Tech Conference o professor 
Kevin Murphy, da Universidade de Chicago, argumenta que apesar das adaptações 
feitas na maneira de viciar e influenciar os usuários, esse é só o mais recente “novo 
nível” de uma manipulação há muito presente. 
Seguindo a perspectiva de Mauro Wolf (1987), as mensagens da mídia são 
adequadas e interagem de maneira diferente com os traços específicos da 
personalidade dos destinatários. Analisando em associação com o documentário, é 
possível entender melhor esta dinâmica. Com a personalização dos conteúdos nas 
redes sociais, são provocadas reações e desejos únicos. A linha de raciocínio 
construída para encantar e engajar os espectadores das mídias sociais digitais 
acaba seguindo o mesmo padrão econômico cultural pré-definido das mídias 
tradicionais tratadas no texto de Wolf: 
 
Construídos propositadamente para um consumo descontraído, não 
comprometedor, cada um desses produtos reflete o modelo do mecanismo 
econômico que domina o tempo do trabalho e o tempo do lazer. Cada qual volta a 
propor a lógica da dominação que não se poderia apontar como efeito de um simples 
fragmento, mas que é, pelo contrário, próprio de toda a indústria cultural e do papel 
que ela desempenha na sociedade industrial avançada. (WOLF, 1987, p. 37) 
É evidente, no entanto, assim como confirma o autor, que à medida que as posições 
da indústria cultural se estabelecem e se enraízam, mas elas podem agir sobre as 
necessidades do consumidor, guiando e disciplinando suas atitudes, opiniões e, 
como expõe o documentário, o próprio clique. Em O Dilema das Redes, esta 
reflexão torna-se pertinente, mas vai além ao revelar que, hoje, o usuário se torna 
produto, e não somente consumidor: os clientes são as outras empresas que 
investem dinheiro nas redes sociais e pagam para ter todas as informações sobre 
o usuário. Não obstante, independentemente de ser considerado consumidor ou 
produto, o usuário permanece guiado e disciplinado pela combinação infalível do 
algoritmo com o design de interface e com o conteúdo estrategicamente elaborado, 
fazendo escolhas pautadas menos na consciência e mais na dependência 
emocional do ambiente virtual. 
Itânia Gomes (2005), em seu livro Efeitos e Recepção, também apresenta 
elementos importantes para essa reflexão. A autora destaca uma contribuição direta 
dos estudos da Sociologia e Psicologia para o campo da comunicação. Através 
dessas contribuições, Gomes destaca que as diferenças psicológicas individuais 
passaram a se colocar entre emissores e receptores. Os efeitos das mídias 
tornaram-se dependentes da eficácia da mensagem; a teoria da agulha hipodérmica 
se torna antiquada, uma vez que é incompatível com a realidade que o público alvo 
é inerte e passivo. Passa-se a compreender a capacidade de persuasão das 
mensagens segundo a personalidade do público, ou seja, cada grupo de pessoas 
reagirá à mesma mensagem de maneiras diferentes. 
Ainda nesse sentido, existem cinco princípios que categorizam as reações da 
audiência sobre os conteúdos expostos. O princípio da exposição seletiva afi rma 
que a audiência não se expõe aos meios num estado de nudez psicológica; pelo 
contrário, ela apresenta predisposições já existentes enquanto o princípio da 
atenção seletiva relata como diferenças individuais resultam em diversos modelos 
de atenção ao conteúdo dos media. Os princípios da percepção e ação seletiva 
dizem respeito a diferenças em fatores cognitivos, culturais ou sociais que implicam 
diferentes processos perceptivos e distintas interpretações da realidade e uma ação 
individualizada mediante a exposição à determinada mensagem dos media. O que 
O Dilema das Redes evidencia é que as mídias sociais, atentas para as 
predisposições psicológicas dos internautas, tentam limitar e controlar, de alguma 
maneira, as possibilidades de recepção. Com a personalização dos dados, as redes 
sociais apresentam uma realidade paralela, irreal,que são personalizadas 
individualmente para que o usuário acredite que todas suas conexões são 
compartilham da mesma opinião. A modificação é tanta que traz o questionamento 
sobre o que é realmente verdade. 
Podemos perceber a grande influência exercida pelos meios de comunicação na 
formação sociedade moderna e em sua segmentação. Apesar da inquestionável 
força da internet e das adaptações feitas para deixar-nos ainda mais expostos a ela, 
passamos a compreender que esse é um aprimoramento de um modelo antigo. A 
atenção humana é a mercadoria vendida para o anunciante disposto a pagar o valor 
mais alto.

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