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Os olhares de Byung-Chul Han, Zygmunt Bauman e Giorgio Agamben à sociedade do desempenho contemporânea Introdução O filósofo Byung-Chul Han trás à tona uma série de reflexões acerca do modo de vida contemporâneo e seus problemas. Um deles, o qual dará as bases da presente análise, é sobre a Sociedade do Cansaço, característica do século presente, na qual os indivíduos são pautados por uma lógica de superprodutividade, como forma de, supostamente, terem sucesso em suas vidas. De formas distintas em alguns aspectos e similares em outros, Byung-Chul Han, Zygmunt Bauman e Giorgio Agamben refletem sobre essa sociedade e seus problemas, ainda que não se debruçam sobre os mesmos objetos de análise. Assim, a presente reflexão se propõe a refletir acerca da sociedade do desempenho partindo do olhar dos três nomes acima citados à sociedade contemporânea, buscando entender seus problemas e também sua realidade implícita da qual não podemos nos dissociar. A sociedade do desempenho De acordo com Byung-Chul Han, em cada época a sociedade lida com patologias distintas. Assim, o século passado foi uma época imunológica, pautada na lógica de ataque e defesa, que ultrapassou o campo biológico e se demonstrou, por exemplo, no paradigma da Guerra Fria. Já o século XXI é marcado pelas "violências neuronais", ou seja, pelas patologias psicológicas como a Síndrome de Burnout, o TDAH e a depressão. Assim, ao passo que o século XX foi pautado por uma reação de negatividade frente a qualquer possível ser estranho (como vírus de computadores e imigrantes), o século XXI se estabelece a partir de um excesso de positividade, ou seja, a necessidade da superprodução, do superdesempenho e da super-comunicação: "A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais "sujeitos da obediência", mas sujeitos de desempenho e produção." (HAN, 2015) Zygmunt Bauman estabelece uma reflexão complementar a Byung-Chul Han, ao dissertar sobre "as bênçãos mistas da liberdade" Não só não há contradição entre dependência e libertação: não há outro caminho para buscar a libertação senão “submeter-se à sociedade” e seguir suas normas. A liberdade não pode ser ganha contra a sociedade. (...) Padrões e rotinas impostos por pressões sociais condensadas poupam essa agonia aos homens; graças à monotonia e à regularidade de modos de conduta recomendados, para os quais foram treinados e a que podem ser obrigados, os homens sabem como proceder na maior parte do tempo (...). (BAUMAN, 2001) A partir disso, é possível estabelecer que, ao contrário da sociedade disciplinar do século XX, a sociedade atual detém uma liberdade superior. Entretanto, essa liberdade, na prática, significa se submeter às regras pressupostas, tais como a rotina de superprodução, que se tornou como um valor imposto pela sociedade, sem o qual ninguém atingirá o "sucesso". Segundo a reflexão de Bauman, "a ausência, ou a mera falta de clareza, das normas — anomia — é o pior que pode acontecer às pessoas em sua luta para dar conta dos afazeres da vida" (BAUMAN, 2001). Essa anomia, portanto, poderia ser causada por essa rotina de superprodução à qual a sociedade contemporânea é imposta, precisando abrir mão dos aspectos da vida que não estejam atrelados ao trabalho, até mesmo as normas. Segundo Byung-Chul Han, o excesso de positividade do século XXI gera essa sociedade do desempenho, de pessoas que buscam maximizar a sua produtividade a qualquer custo. As pessoas passam a ser movidas pela lógica de que seu próprio "sucesso" depende de seu esforço individual, se tornando obedientes a si mesmas e, no limite, desenvolvendo algum tipo de "violência neuronal", a partir da frustração consigo mesmas que a sociedade do desempenho provoca. Esse problema se tornou, inclusive, ainda mais frequente desde o início da pandemia, quando via-se, por todas as plataformas digitais, incentivos à superprodutividade. Posto isso, esse modo de vida pautado na superprodutividade a qualquer custo, torna as pessoas mentalmente e até fisicamente cansadas, já que descansam menos por estarem totalmente focadas em seus trabalhos, por não poderem parar e também por terem sido condicionadas a não quererem parar. Nessa dimensão, e considerando suas consequentes violências neuronais, Byung-Chul Han estabelece uma comparação interessante: Pessoas que sofrem com a depressão ou Síndrome de Burnout desenvolvem sintomas iguais aos que apresentavam também aqueles muçulmanos nos campos de concentração. Os muçulmanos são prisioneiros fracos e consumidos, que se tornaram completamente apáticos com a depressão aguda e que nem sequer conseguem distinguir entre o frio físico e o comando do guarda. Não podemos nos isentar da suspeita de que o animal laborans pós-moderno, com seus transtornos neuronais, seria tambem um muçulmano, com a diferença, porém, de que, diversamente do muçulmano, está bem-nutrido e, não raras vezes, bastante obeso. (HAN, 2015) A sociedade do desempenho e o contemporâneo A sociedade do desempenho, assim como os problemas dela resultantes, como o cansaço permanente e também as violências neuronais, são inerentes à vida contemporânea e, por mais que tentemos nos deslocar dessa realidade, seja por meio da consciência dela ou até mesmo da procura por um modo de vida alternativo, essa sociedade do desempenho fará parte do nosso tempo atual e, portanto, de nossas vidas, tal como sugere a reflexão de Giorgio Agamben: Um homem inteligente pode odiar o seu tempo, mas sabe, em todo caso, que lhe pertence irrevogavelmente, sabe que não pode fugir ao seu tempo. A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamen- te, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2009) A partir disso, pode-se perceber que, ao olharmos criticamente para essa sociedade do desempenho, ao contrário do que pode parecer à primeira análise, estamos sendo mais contemporâneos do que quem apenas a vive e segue suas normas e rotinas. Somos inerentes à época em que vivemos e vice-versa, assim como às suas patologias. Referências bibliográficas: AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, 2.009. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001. HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.
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