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Glomerulonefrite pós-estrep

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Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica
Leticia Morais
A síndrome nefrítica pode ser entendida como sendo o conjunto de sinais e sintomas que surgem quando um indivíduo tem seus glomérulos renais envolvidos por um processo inflamatório agudo. Esta “inflamação” dos glomérulos pode ocorrer de forma idiopática, como doença primária dos rins, ou ser secundária a alguma doença sistêmica, como infecções e colagenoses.
Introdução
· O quadro básico é caracterizado por hematúria, proteinúria subnefrótica (menor que 3,5g em 24h), oligúria, edema e hipertensão arterial, devido a redução do débito urinário.
· Por vezes, surge também a azotemia (retenção de ureia e a creatinina) quando há queda significativa na taxa de filtração glomerular (< 40% do normal)
· Sequela da infecção por Streptococcus pyogenes, beta hemolítico do grupo A
· Incubação: faringe (>1sem) /pele (>2sem)
Imagem 1. Faringoamigdalite
A hematúria tem origem nos glomérulos comprometidos, sendo o sinal mais característico e mas comum da síndrome nefrítica, devendo ser esperada na imensa maioria das vezes, na forma macro e microscópica. A hematúria é detectada pelo exame do sedimento urinário, EAS (elementos anormais e sedimentos), urina tipo 1 e sumário de urina. Quando as hemácias encontradas no sedimento urinário são de origem glomerular, elas estão quase sempre deformadas, fragmentadas e 
hipocrômicas, devido dismorfismo eritrocitário.
Imagem 2. Hematúria dismórfica (glomerulopatia). Indica lesão glomerular, tipico da síndrome nefrítica.
As hemácias filtradas no glomérulo, ao “viajarem” pelo interior de todo o sistema tubular, sofrem a ação físico-química de mudanças no pH e na osmolaridade nos diferentes segmentos do néfron, tornando se dismórficas. Além do disformismo eritrocitário e da presença de cilindros hemáticos, o sedimento urinário da síndrome nefrítica comumente revela piúria (leucocitúria) e cilindros leucocitários, deixando evidente a natureza inflamatória do processo. A eliminação destes cilindros celulares na urina é um indício importante de que a lesão rena se localiza no parênquima renal (glomérulos ou túbulos). No caso dos cilindos hemáticos, a localização da injúria é glomerular.
O paciente que desenvolve síndrome nefrítica é aquele que se queixa de urina”presa” e “vermelhoacastanhada”, correspondentes à oligúria e à hematúria, e desenvolve hipertensão arterial e edema por congestão hídrica. 
Patogênese
O mecanismo fisiopatogênico da GNPE envolve deposição de imunocomplexos nos glomérulos do paciente, o que ativa a cascata do complemento resultando em inflamação local. Existem quatro modos pelos quais os glomérulos podem ser "atacados" por imunocomplexos: 
(1) deposição de imunocomplexos circulantes, formados no sangue por anticorpos do paciente + antígenos estreptocócicos;
(2) formação de imunocomplexos in situ, isto é, antígenos estreptocócicos circulantes são "aprisionados" pela membrana basal glomerular, com posterior ligação de anticorpos do paciente; 
(3) reação cruzada de anticorpos antiestreptococo produzidos pelo paciente com constituintes normais do glomérulo (mimetismo molecular);
 (4) alterações moleculares em antígenos do glomérulo, tornando-os imunogênicos.
De acordo com os estudos mais recentes, o principal mecanismo na maioria dos casos de GNPE parece ser a formação de imunocomplexos in situ, em consequência à deposição glomerular de antígenos estreptocócicos circulantes.
Manifestações Clínicas
Os pacientes sintomáticos em geral apresentam os sinais e sintomas clássicos de uma síndrome nefrítica. A apresentação típica se faz com o início abrupto de hematúria macroscópica, oligúria, edema e hipertensão arterial, acompanhada de mal-estar e sintomas gastrointestinais vagos (como dor abdominal e náuseas), e dor lombar bilateral por intumescimento da cápsula renal. O paciente refere urina "presa" e "escura". A hematúria macroscópica de origem glomerular possui tonalidade acastanhada, que pode ser confundida com colúria, além de não apresentar coágulos. Difere da hematúria vermelho-vivo, com coágulos, proveniente do trato urinário (bexiga, ureter, pelve renal). A hematúria é um achado sempre presente na GNPE, porém, na maioria das vezes é apenas microscópica. Apesar de ser considerada um achado típico, a hematúria macroscópica só é observada em 30-50% dos casos. Oligúria é detectada em até 50% dos pacientes, sendo inferior a 200ml/dia em 15% dos casos. O edema é muito comum (cerca de 2/3 dos casos) e tende a ocorrer precocemente na evolução do quadro (na maioria das vezes o paciente já tem edema quando procura o médico). Inicialmente é periorbitário e matutino, mas pode se tornar grave e evoluir para anasarca. A hipertensão arterial também é comum, ocorrendo em 50-90%. É volume-dependente. É considerada grave em 50% e pode evoluir para encefalopatia hipertensiva em um pequeno percentual (5-10%). A congestão volêmica sintomática, levando ao edema agudo de pulmão, é outra complicação temida da GNPE. A hipercalemia pode ocorrer em alguns pacientes, pelo hipoaldosteronismo hiporreninêmico. A função renal é comprometida em até metade dos casos, podendo haver moderada retenção de escórias nitrogenadas (aumento de ureia e creatinina). No entanto, um aumento rapidamente progressivo provocando uremia é raro (1% dos casos). A proteinúria subnefrótica é comum e cerca de 5-10% dos pacientes evolui para a faixa nefrótica (maior que 3,5 g/1,73 m2/24h em adultos ou 50 mg/kg/dia em crianças), experimentando uma super posição entre as duas síndromes, principalmente durante a resolução da nefrite. 
Imagem 2 e 3. Empetigo
Diagnóstico
Como é o protótipo das glomerulonefrites agudas, qualquer paciente que desenvolva síndrome nefrítica deve ser sempre suspeitado para GNPE, especialmente na faixa etária entre 2-15 anos. A confirmação diagnóstica de GNPE requer evidências claras de infecção estreptocócica. Como a cultura (de pele ou orofaringe) pode estar negativa no momento em que a GNPE se manifesta (pois a GNPE é uma complicação tardia da infecção), a dosagem quantitativa anticorpos antiexoenzimas estreptocócicas acaba se tornando o método mais sensível para cumprir este pré-requisito diagnóstico. Na GNPE pós-faringoamigdalite o anticorpo mais encontrado é o ASLO ou ASO (em 80-90% dos casos), seguido pelo anti-DNAse B (em 75% dos casos). Os níveis de ASLO geralmente se elevam de 2-5 semanas após a infecção estreptocócica, decaindo ao longo de meses. Na GNPE-pós-impetigo o ASLO é, com frequência, negativo, sendo positivo em somente 50% dos casos. A explicação é: existem oxidases no tecido subcutâneo que inativam rapidamente está enzima estreptocócica, não dando tempo para que o sistema imune se "sensibilize" contra tal antígeno. Assim, no impetigo, o melhor anticorpo (o mais sensível) passa ser o anti-DNAse B, detectado em 60-70% dos casos, seguido pelo anti-hialuronidase. 
Se houver forte suspeita diagnóstica e um anticorpo estiver ausente, deve-se solicitar a pesquisa dos outros anticorpos contra enzimas estreptocócicas, de modo a aumentar a sensibilidade do exame sorológico. Em resumo, o diagnóstico de GNPE deve ser suspeitado em todo paciente que desenvolva síndrome nefrítica aparentemente "idiopática", que tenha uma história de infecção estreptocócica com período de incubação compatível, e no qual se possa, laboratorialmente, confirmar a infecção e documentar níveis séricos de C3 transitoriamente reduzidos (máx. oito semanas).
Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais da GNPE são evidentemente as outras doenças que cursam com síndrome nefrítica e hipocomplementemia:
1- Outras glomerulonefrites pós-infecciosas (ex.: endocardite bacteriana subaguda),
2- Glomerulonefrite lúpica,
3- Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP), também chamada de GN mesangiocapilar.
Todas estas condições podem ser facilmente excluídas por critérios clínicos e laboratoriais.
Tratamento
O tratamento da GNPE consiste em medidas de suporte, com repouso durante a fase inflamatória aguda. A chave para o controle da congestãovolêmica é a restrição de água e sódio. Os diuréticos de alça (furosemida, ácido etacrínico) são as drogas de escolha para o tratamento do edema, da congestão volêmica e da hipertensão. Se a pressão arterial não for controlada com essas medidas, acrescentam-se outros anti-hipertensivos como bloqueadores dos canais de cálcio (ex.: nifedipina), vasodilatadores (ex.: hidralazina) ou inibidores da enzima conversora de angiotensina (ex.:captopril)

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