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Redondo é sair do seu passado leituras de gênero sobre a campanha publicitária Reposter da Skol

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO 
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HAB: PUBLICIDADE E 
PROPAGANDA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Giulia Coelho Fortes 
 
 
 
 
 
 
 
 
"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO 
SOBRE A CAMPANHA PUBLICITÁRIA REPOSTER DA SKOL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Santa Maria - RS 
2018 
 
 
Giulia Coelho Fortes 
 
 
 
 
 
 
 
"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE 
GÊNERO SOBRE A CAMPANHA PUBLICITÁRIA 
REPOSTER DA SKOL 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada à Comissão de 
Trabalho de Conclusão de Curso do 
Departamento de Ciências da Comunicação 
da Universidade Federal de Santa Maria 
(UFSM) como requisito básico para a 
obtenção do Grau de Bacharel em 
Comunicação Social – Hab: Publicidade 
e Propaganda. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Orientadora: Profª. Drª. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz 
 
 
 
 
 
Santa Maria – RS 
2018 
 
 
Giulia Coelho Fortes 
 
 
 
 
 
 
 
"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO SOBRE A 
CAMPANHA PUBLICITÁRIA REPOSTER DA SKOL 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada à Comissão de 
Trabalho de Conclusão de Curso do 
Departamento de Ciências da Comunicação 
da Universidade Federal de Santa Maria 
(UFSM) como requisito básico para a 
obtenção do Grau de Bacharel em 
Comunicação Social – Hab: Publicidade 
e Propaganda. 
 
 
 
 
Aprovado em: 3 de dezembro de 2018. 
 
 
 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz (UFSM) 
(Presidenta/Orientadora) 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Laura Hastenpflug Wottrich (UFRGS) 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Pauline Neutzling Fraga (UFN) 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 De nada vale o destino se não considerar a trajetória. Chega ao fim uma fase 
que, mal sabia eu, havia começado muito antes de 2015. A convivência com a 
publicidade desde o âmbito familiar se estendeu até o ingresso em um curso marcado 
por pessoas e experiências incríveis. 
 Agradeço à minha família, em especial à minha mãe Ana Maria, exemplo de 
afeto e de zelo incondicionais, cuja essência batalhadora é inspiração diária; ao meu 
pai, Marcelo, não somente pelos conhecimentos compartilhados sobre publicidade, 
mas por ter, despropositadamente, despertado em mim a minha vocação profissional 
da forma mais amorosa possível. Ao meu primo, Kim, que mesmo vendo o mundo de 
formas tão diferentes, conseguimos conciliar nosso convívio com companheirismo e 
ótimas risadas. À minha tia, Regina, por sempre ter palavras e gestos de carinho 
prontos para serem oferecidos, não poupando na dose. 
 Ao meu namorado, Moisés, que decifra os meus passos como se fossem dele 
e ainda os compreende de uma maneira incomparável. Obrigada pela sintonia 
instantânea que dura até hoje e por me proporcionar amor de uma forma tão genuína. 
 Aos meus amigos que, felizmente, são muitos e que permanecem comigo 
graças às forças que cruzaram nossos caminhos. Obrigada a todos pelas histórias 
compartilhadas, companheirismo e amizade que moldaram a mulher que sou hoje. 
 Aos meus amigos da faculdade que tornaram-se parte fundamental da minha 
construção e evolução pessoal: Bruna, Carolina, Cássio e Monalisa. Sem vocês, o 
caminho seria tortuoso e bem menos divertido. Obrigada por diariamente fazerem eu 
extrair uma versão de mim que busca oferecer sempre a melhor Giulia para vocês. Eu 
sou o que nós somos! Sou grata também à Bianca, Elena, Júlia, Paulo e Victória, pelas 
inúmeros bons momentos compartilhados e que completaram o círculo de amizades 
incríveis que fiz na minha graduação. 
 À minha orientadora e amiga, Milena, pela paciência em ensinar e pelo notável 
amor por colaborar na formação profissional e pessoal de seus alunos. Agradeço pela 
confiança, pelos delineamentos em busca de um trabalho que correspondesse às 
minhas expectativas e, é claro, pelos bons momentos. Você é inspiração para mim. 
Às membras que compõem a banca avaliadora, agradeço a disponibilidade em 
fazer parte da minha transição profissional e à atenta leitura que culminou em 
importantes considerações para este trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Não se pode ter seletividade quando o 
assunto é combate ao machismo. 
 
(Djamila Ribeiro) 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO SOBRE A 
CAMPANHA PUBLICITÁRIA REPOSTER DA SKOL 
 
 
AUTORA: Giulia Coelho Fortes 
ORIENTADORA: Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz 
 
 
Com a interação dos meios de comunicação com a sociedade, a publicidade está 
presente na experiência cotidiana vinculada à cultura do consumo, modelada de 
acordo com fatores econômicos, sociais e culturais. A publicidade enquanto prática 
comunicativa da cultura é observada de acordo com os Estudos Culturais, cuja análise 
é feita pelas práticas de recepção, que correspondem às leituras do conteúdo 
publicitário pelos receptores. As representações de gênero sociais, culturais e 
históricas são articuladas com a publicidade e comumente ilustradas pelo uso de 
estereótipos de gênero que inferiorizam a mulher perante o homem, tendo como 
exemplo as marcas de cerveja que carregam em seu histórico a sexualização e a 
objetificação feminina. A Skol é uma dessas marcas que fazia uso de representações 
sexistas, porém, reposicionou-se no mercado descontruindo a ideia de mulher como 
objeto, como mostra a campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, tema 
deste trabalho. Dessa forma, objetivo deste trabalho é compreender, sob a 
perspectiva das desigualdades de gênero, como se deu a apropriação dos sentidos 
da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado” por parte de seu público 
consumidor. A metodologia utilizada foram técnicas projetivas associadas a dois 
grupos focais, compostos por jovens universitários consumidores de cerveja e 
separados por gênero (homens e mulheres). Como resultado, as representações da 
mulher na campanha foram interpretadas pelo público consumidor feminino e 
masculino, em sua maioria significativa, de forma favorável, pois as mensagens 
contidas no material são carregadas de significações que refletem o ideal da imagem 
feminina na publicidade de cerveja. Portanto, foi possível afirmar que as leituras feitas 
pelos participantes no que diz respeito à publicidade de cerveja e à campanha 
“Reposter – Redondo é sair do seu passado” proporcionaram a observação de 
desigualdades de gênero no contexto em que circula a publicidade. 
 
 
Palavras-chave: Recepção publicitária. Representações de gênero. Publicidade de 
cerveja. Skol. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO”: GENDER READINGS ABOUT A SKOL 
ADVERTISING CAMPAIGN “REPOSTER” 
 
 
AUTHOR: Giulia Coelho Fortes 
SUPERVISOR: Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz 
 
 
With the interaction of the media with society, advertising is present in daily experience 
linked to the culture of consumption, modeled according to economic, social and 
cultural factors. Advertising as a communicative practice of culture is observed 
according to the Cultural Studies, whose analysis is done by the reception practices, 
which correspond to the appropriation of the advertising content by the receivers. 
Social, cultural, and historical representations of gender are articulated with advertising 
and are commonly illustrated by the use of gender stereotypes that inferiorize women 
to men. Beer brands carry in their history the use of the sexualization and the 
objectification of women. Skol is a brand of beer that made use of these 
representations, but it has repositioned itself in the market, dismantling the idea of 
woman as object, as shown in the campaign "Reposter – Redondo é sair do seu 
passado", theme of this work. The objective of this work is to understand,from the 
perspective of gender inequalities, how the appropriation of the senses of the 
campaign Reposter – Redondo é sair do seu passado" by its consuming public. The 
methodology used was projective techniques associated with two focus groups 
(composed of university students who consumed beer) separated by gender (men and 
women). As a result, the representations of women in the campaign were interpreted 
by both female and male consumers, in a significant majority, in a favorable way. The 
messages contained in the material are full of meanings that reflect the ideal of the 
female image in beer advertising. Therefore, it was possible to affirm that the readings 
made by the participants provided the observation of gender inequalities in the context 
the publicity circulates. 
 
Keywords: Advertising reception. Gender representations. Beer advertising. Skol. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 – Representações da mulher em anúncios publicitários...............................39 
Figura 2 – Representações da mulher em anúncios publicitários...............................39 
Figura 3 – Representações da mulher nos anúncios voltados ao público feminino.....40 
Figura 4 – Representações da mulher nos anúncios voltados ao público feminino.....40 
Figura 5 – Representações da mulher nos anúncios voltados ao público feminino.....40 
Figura 6 – Lata em folha de flandres e lata em alumínio da Skol.................................49 
Figura 7 – Anúncio posicionado estabelecimentos de comercialização de cerveja....50 
Figura 8 – Anúncio com a chamada “Se o cara que inventou a tarja de censura 
bebesse Skol, ela não seria assim. Seria assim”........................................................51 
Figura 9 – Anúncio com a chamada “Se o cara que inventou o bebedouro bebesse 
Skol, ele não seria assim. Seria assim”......................................................................52 
Figura 10 – Repúdio de internautas a peças da campanha “Esqueci o ‘não’ em 
casa”......................................................................................................................... ..54 
Figura 11 – Reformulação dos anúncios da campanha “Esqueci o ‘não’ em casa”.....55 
Figura 12 – Campanha #RespeitoIsON - Dia do Orgulho LGBT.................................57 
Figura 13 – Ação “Skolors”.........................................................................................59 
Figura 14 – Ação “Skolors”........................................................................................ .59 
Figura 15 – Campanha “Viva a diferença”..................................................................59 
Figura 16 – Story board da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu 
passado".....................................................................................................................60 
Figura 17 – Releitura da ilustradora Camila do Rosário para a campanha “Reposter – 
Redondo é sair do seu passado”................................................................................61 
Figura 18 – Releitura da ilustradora Manuela Eichner para a campanha “Reposter – 
Redondo é sair do seu passado”................................................................................62 
Figura 19 – Mapa de mediações proposto por Martín-Barbero (2006)........................66 
Figura 20 – Principais características de um grupo focal............................................70 
Figura 21 – Eixo sobre cerveja aplicado nos grupos focais.........................................72 
Figura 22 – Eixo sobre publicidade de cerveja aplicado nos grupos focais.................72 
Figura 23 – Eixo sobre Skol aplicado nos grupos focais.............................................74 
Figura 24 – Técnicas projetivas sobre cerveja aplicadas nos participantes................76 
Figura 25 – Técnicas projetivas sobre publicidade de cerveja aplicadas nos 
participantes...............................................................................................................76 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 26 – Técnicas projetivas sobre publicidade de cerveja aplicadas nos 
participantes...............................................................................................................77 
Figura 27 – Técnicas projetivas sobre Skol aplicadas nos participantes.....................77 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1 – Perfil do público do grupo focal feminino.................................................71 
Tabela 2 – Perfil do público do grupo focal masculino...............................................71 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 
 
2 GÊNERO ........................................................................................................................ 14 
2.1 GÊNERO: DO BIOLÓGICO AO SOCIAL ...................................................................... 14 
2.2 CONCEITUANDO GÊNERO ......................................................................................... 19 
2.3 O GÊNERO E AS RELAÇÕES SOCIAIS ...................................................................... 20 
 
3 MÍDIA .............................................................................................................................. 25 
3.1 O GÊNERO E A MÍDIA .................................................................................................. 25 
3.2 DISCURSOS MIDIÁTICOS SOBRE A REPRESENTAÇÃO FEMININA ...................... 27 
 
4 PUBLICIDADE ............................................................................................................... 33 
4.1 A PUBLICIDADE COMO ESPELHO DA CULTURA ..................................................... 33 
4.2 A RELAÇÃO ENTRE PUBLICIDADE E GÊNERO ........................................................ 38 
4.2.1 O movimento de empoderamento feminino ............................................................. 42 
 
5 SKOL .............................................................................................................................. 47 
5.1 A PUBLICIDADE DE CERVEJA .................................................................................... 47 
5.2 A MARCA SKOL: ANTES E DEPOIS DO SEU REPOSICIONAMENTO ..................... 49 
5.2.1 Campanhas anteriores ................................................................................................ 51 
5.2.2 O reposicionamento da marca skol e suas transformações publicitárias ........... 57 
 
6 RECEPÇÃO E METODOLOGIA ................................................................................... 64 
6.1 ESTUDOS DE RECEPÇÃO ........................................................................................... 64 
6.2 SOCIALIDADE E RITUALIDADE ................................................................................... 67 
6.3 GRUPO FOCAL E TÉCNICAS PROJETIVAS .............................................................. 70 
 
7 ANÁLISE DOS RESULTADOS ..................................................................................... 80 
7.1 CONSUMO DE CERVEJA ............................................................................................. 80 
7.2 RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE ................................................................................ 81 
7.3 SKOL .............................................................................................................................. 86 
 
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 89 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 93 
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO E CONFIDENCIALIDADE .......................... 100 
 
 
11 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Diante de um cenário caracterizado pela interação e vinculação dos meios de 
comunicação com a sociedade, é importante entender a relevância da publicidade 
neste contexto, a qual compõe um sistema cultural e simbolicamente organizado de 
sentidos, sendo definida por forças e fluxos atuantes no mundo social (CORRÊA, 
2011). O contato com a publicidade se dá de forma corriqueira, com anúncios 
presentes no dia a dia em diferentes espaços, plataformas e suportes. Isso colabora 
para que esta prática de comunicação ocupe um papel importante na constituição da 
experiência cotidiana vinculada inerentemente à cultura do consumo. 
A publicidade é um importante processo comunicativo constitutivo de práticas 
culturais que compreendem um status social formado por fatores econômicos, sociais 
e culturais (PIEDRAS & JACKS, 2005a). Isso sugere que somente é possível entender 
as suas lógicas operantes quando ela é submetida a uma análise que considera tais 
fatores. Para tanto, a publicidade deve ser observada por meio dos Estudos Culturais, 
os quais abarcam uma perspectiva da comunicação como reflexo da cultura, tendo as 
práticas de recepção como um de seus processos de análise (ibidem). As práticas de 
recepção correspondem às leituras das mensagens publicitárias por parte dos 
receptores, podendo contar com múltiplas lógicas operantes em função das diversas 
leituras que os sujeitos podem realizar (idem, 2005b). 
Assim, as construções simbólicas produzidas pelos canais midiáticos exploram 
as representações do imaginário refletidas na experiência cotidiana, formulando 
ideologias (ROCHA, 2001) e criando conexões entre as dimensões culturais, 
econômicas e sociais. É nesse contexto que as representações de gênero, 
construídas de maneira social, cultural e histórica, são articuladas com a publicidade. 
Uma observação importante é que, para este trabalho, utilizamos “gênero” de acordo 
com a classificação de Verbena (2004), que apontou o deslocamento do estudo 
empírico de “mulheres” para o objeto teórico “gênero”, sendo este considerado uma 
categoria de contribuição teórica relevante nos estudos atuais de feminismo. Assim, a 
articulação da publicidade com o gênero traz representações distintas sobre os 
homens e as mulheres, as quais indicam a naturalização de relações de poder e 
dominação entre os gêneros masculino e feminino. Os anúncios publicitários 
classificam a identidade feminina como contraposta e inferior à do homem, além de 
comumente serem ilustrados pelo uso de estereótipos de gênero, o que reforça o 
12 
 
androcentrismo dos papéis sociais (OLIVEIRA-CRUZ, 2017). Esse mecanismo 
perpetua-se há muito tempo na publicidade, e o segmento de publicidade de cerveja 
colabora com essa manutenção. 
As marcas do ramo cervejeiro carregam em seu histórico constantes relações 
pejorativas entre seu produto e a imagem da mulher (WARMLING & BARRAGAN, 
2012). Nelas, é reforçado o papel das mulheres como objetos sexuais e subordinadas 
às vontades masculinas, além da presença da forte sexualização como recurso 
atrativo para os homens heterossexuais, público majoritário dessas marcas 
(VISENTINI, FENNER & OLIVEIRA, 2017). Uma vez que a cerveja não é um produto 
erótico, é possível afirmar que as características fornecidas à mulher nessas 
representações deslocam-se para o produto, oferecendo-a como isca para o 
consumo. Assim, a recorrente objetificação da mulher nos comerciais de cerveja 
reflete o mecanismo da mídia em compor o imaginário sexualizado em torno do 
feminino. 
A Skol, por sua vez, é uma marca de cerveja que fazia uso dessas 
representações. Campanhas com atenção voltada para o corpo feminino retratado de 
maneira objetificada, originário de um processo de criação com viés claramente 
machista. Em uma de suas campanhas de carnaval, a Skol veiculou uma peça que 
sugeria “esquecer o não em casa” na folia, o que foi considerado como apologia ao 
estupro. A campanha saiu do ar graças à enorme repercussão negativa, a maioria 
advinda de mulheres, e a marca se viu obrigada a mudar a maneira como se 
posicionava no mercado. Para isso, foi necessário pensar diferente para adequar-se 
à nova linguagem e às novas demandas da sociedade atual. 
Dessa forma, a Skol foi a primeira marca brasileira a reposicionar-se no 
segmento de cervejas e suas campanhas atuais descontroem a ideia de mulher como 
objeto. Uma dessas campanhas foi a “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, 
cuja repercussão é tema deste trabalho. Nela, seis ilustradoras são convidadas pela 
Skol a fazerem uma releitura própria de pôsteres antigos da marca, estes alinhados 
com o posicionamento anterior. O trabalho e o depoimento das artistas elucidam a 
importância de uma abordagem adequada da mulher em propagandas e a 
desconstrução de estereótipos deturpados. 
O problema de pesquisa deste trabalho consiste em compreender de que forma 
as representações da mulher na campanha Reposter da Skol foram interpretadas pelo 
13 
 
público consumidor feminino e masculino? Essas leituras possibilitam observar 
desigualdades de gênero no contexto em que circula a publicidade? 
O objetivo geral baseia-se em compreender, sob a perspectiva das 
desigualdades de gênero, como se deu a apropriação dos sentidos da campanha 
“Reposter – Redondo é sair do seu passado”, da Skol, por parte de seu público 
consumidor. 
a. Analisar anúncios anteriores da Skol com a campanha “Reposter – 
Redondo é sair do seu passado” a fim de identificar mudanças do discurso 
publicitário por meio dos posicionamentos e conceitos abordados. 
b. Mapear aspectos pertinentes sobre a representação da mulher em produtos 
midiáticos, principalmente no segmento de marcas de cerveja 
c. Experimentar técnicas projetivas associadas ao grupo focal com o intuito de 
perceber as relações presentes entre as leituras das mensagens e as 
construções sociais e culturais de gênero dos receptores. 
d. Realizar uma análise comparativa dos dados considerando as diferenças e 
semelhanças nas leituras conforme o gênero com os quais os entrevistados 
se identificam. 
Para tanto, foi feita a contextualização sobre gênero, a elucidação dos 
discursos midiáticos sobre a representação feminina e a articulação da publicidade 
enquanto prática comunicacional cultural. O objeto de pesquisa é, então, apresentado 
e contextualizado e é feito o apontamento dos estudos de recepção pertinentes a este 
trabalho, finalizando o embasamento teórico. Por fim, a metodologia é apresentada, 
que consistiu em aplicar técnicas projetivas associadas a dois grupos focais, 
compostos por jovens universitários consumidores de cerveja e separados por gênero 
(homens e mulheres). Por fim, os resultados obtidos são discutidos. 
A justificativa para o tema se deu graças a estudos prévios das pesquisadoras 
com a temática de gênero, encontrando na marca Skol uma oportunidade de explorar 
pontos congruentes entre tais estudos, conciliá-los com a publicidade e propaganda e 
analisá-los sob um viés mercadológico. A escolha pela Skol foi graças ao pioneirismo 
da marca no reposicionamento do segmento de cervejas. Assim sendo, foi possível 
articular o conhecimento prévio das pesquisadoras sobre gênero com a publicidade 
através da análise da campanha da Skol “Reposter - Redondo é sair do seu passado”. 
 
 
14 
 
2 GÊNERO 
 
2.1 GÊNERO: DO BIOLÓGICO AO SOCIAL 
 
São muitos os debates sobre a conceituação da palavra “gênero”. Estudiosas 
e estudiosos feministas têm se dedicado a explicar, sob diferentes perspectivas, as 
implicações de conceituar gênero para entender as questões sociais, políticas e 
econômicas que estão imbricadas na relação entre os sexos na sociedade. 
Como princípio, é importante entenderque essa construção funda uma 
oposição entre o feminino e o masculino. Os dois sexos assumem valores diferentes, 
nos quais o masculino aparece sempre como superior ao feminino (COLLING, 2004). 
As raízes dessa dicotomia sexual encontram-se no determinismo biológico, conceito 
que afirma que as diferenças genéticas são a causa das diferenças culturais. Simone 
de Beauvoir (2016) contextualiza a construção social da inferiorização da mulher a 
partir de fundamentos biológicos. A autora elucida dados biológicos oriundos da 
reprodução e embriologia e os projeta para a realidade social, assegurando dilemas 
entre o natural e o cultural. Ela ressalta que o termo “fêmea” é pejorativo por confinar 
a mulher a seu sexo, o que ocorre desde o momento em que o patriarcado foi 
posicionado no cerne da reprodução. Uma vez’ que o gameta masculino é o que faz 
a movimentação até o gameta feminino, criou-se a ideia de que a figura masculina é 
a de criador, a de provedor da “semente da vida”. Isso conferiu ao homem o princípio 
de força e à mulher o de passividade, pois o único papel feminino na reprodução seria 
carregar e gerar um princípio ativo já perfeitamente constituído (BEAUVOIR, 2016). 
Simone contrapõe tais ideias ao assegurar que ambos os gametas, masculino e 
feminino, possuem funções equivalentemente importantes. Prova disso é que estes 
geram organismos femininos e masculinos igualmente distribuídos em sua espécie, 
com profunda simetria e evolução discorrida de maneira análoga. 
Devido a estes conceitos biológicos restringirem a mulher à sua natureza, ou 
seja, à maternidade e ao parto, pode-se entender como a reflexão sobre origens da 
subordinação feminina se voltaram para a sua capacidade reprodutiva (PISCITELLI, 
2002). Desse modo, é possível afirmar que a fecundidade da mulher foi constituída 
como um empecilho à liberdade feminina. Por estarem condenadas à sua natureza 
biológica, a construção simbólica das mulheres foi moldada em situações submissas. 
As características inerentes dessa natureza da mulher também são as causas da do 
15 
 
título de “mais sensível do que racional” (COLLING, 2004, p. 22). Por isso, a mulher é 
a fêmea mais individualizada das espécies, a mais fora deste conjunto, pois possui 
implicações culturais, sociais e políticas na sua história. 
Alguns dados fisiológicos (como menor massa muscular e transformações 
hormonais) revelam que o corpo da mulher se mostra inteiramente diferente do corpo 
do homem e não podem ser negados, porém, não têm sentido entre si. Por conta 
disso, nos animais superiores, a existência individual se afirma mais rigorosamente no 
macho. E, entretanto, em um contexto de humanidade, as possibilidades de cada 
indivíduo independem da biologia, mas sim de contextos sociais, culturais, históricos 
e econômicos. Tudo o que foi aqui elucidado são elementos que contextuam a 
conjuntura na qual a mulher está inserida e, portanto, fundamentais para compreender 
a subordinação da mulher à espécie. Na sociedade, portanto, não há diferença entre 
os sexos, o que existe é um grande esforço para dar sentido a todas essas diferenças 
apresentadas. 
Assim, a sociedade construiu o papel feminino a partir do seu corpo e de sua 
condição natural, fechando-a na reprodução e na afetividade. Foi desse modo, 
segundo Colling (2004), que as mulheres se viram limitadas a seu papel maternal e 
doméstico. E, de acordo com Piscitelli (2002), é por isso que as funções reprodutivas 
femininas aparecem no cerne da produção e desigualdade social. O corpo feminino é 
o centro de onde emana e para onde converge a opressão e desigualdade sexuais. 
A fisiologia, por si só, não é capaz criar valores. Contudo, quando inseridas em 
uma esfera social, econômica e política e submetidas a tabus e leis, as habilidades 
das mulheres são questionadas em função da formação biológica do seu corpo. Para 
Butler (1998), que destoa de diversos(as) estudiosos(as) da temática, o gênero possui 
um caráter in fluxo, pois assume um corpo ou um estilo ativo de viver este corpo no 
mundo, sendo este um ato de incorporação da realidade cultural carregada de 
sansões, tabus e prescrições. Sendo assim, para a autora, o gênero é um gesto 
performativo que produz significados, não podendo ser compreendido fora do 
constructo cultural, ou seja, desvinculado de ser construído como um objeto de 
percepção de construção puramente mental, o qual, neste caso, é imposto 
diretamente sobre a superfície matéria – corpo – sexo (BUTLER, 1998). 
Simone de Beauvoir (2016), ciente destes desafios, formulou a antológica frase 
“Ninguém nasce mulher; torna-se mulher” a fim de elucidar o quanto a mulher é 
alienada pela sua condição histórica e é enclausurada em papéis que lhe são 
16 
 
designados, sendo obrigada a se submeter à condição de objeto e passividade. O fato 
de que alguém se torna uma mulher fez Beauvoir denunciar o caráter superficial da 
categoria “mulher”, e que esta encontra-se confinada à sua espécie e a seu papel 
maternal, “aprendendo a ser mulher” por meio do reforço de gestos, posturas e 
expressões que lhe são transmitidos ao longo da vida. 
A frase também ensejou que algumas teóricas feministas como a historiadora 
Joan Scott (1995) dissertassem sobre o estabelecimento da diferença entre "sexo" e 
gênero ("diferença sexual socialmente construída"), desafiando e questionando a 
noção de que a biologia é determinante para os papéis atribuídos às mulheres e de 
que existe uma "essência feminina". Assim como Simone, Scott não nega que existem 
diferenças entre os corpos sexuados. Porém, ambas concordam que o que interessa 
são as formas como se constroem os significados culturais para tais diferenças, além 
de enfatizarem o já mencionado esforço para dar sentido a essas relações 
hierárquicas. A historiadora afirma que todo este processo de diferenciação sexual 
socialmente construído surgiu, inicialmente, porque a história das mulheres foi 
desenvolvida separada da dos homens, restrita ao sexo e à família e, portanto, 
desvinculada totalmente da história política e econômica, o que resultou em um leque 
de papéis e simbolismos de ambos os sexos nas diferentes sociedades e períodos 
(SCOTT, 1995). Tal qual afirmou Colling (2004), a história das mulheres é recente, 
sendo constituída às margens da dos homens e por eles escrita. Por ser uma ciência 
com caráter construtivo, ela abrange sujeitos diferentes em sexo, raça e classe, o que 
gera interpretações e reinterpretações baseadas em relações de poder. 
Dessa maneira, fica evidente os valores diferentes assumidos pelos dois sexos, 
uma vez que o masculino foi historicamente moldado como superior ao feminino. 
Criou-se um universalismo o qual hierarquizou as diferenças entre os sexos, 
transformando-as em desigualdade e mascarando o privilégio masculino (COLLING, 
2004). Isso torna praticamente impossível estudar a mulher sem estudar o homem. O 
estudo do feminino implica, inerentemente, o estudo do masculino, pois o mundo das 
mulheres está englobado no mundo dos homens pelo fato de ter sido por ele criado. 
Dessa forma, 
 
Inscrever as mulheres na história implica necessariamente a redefinição e o 
alargamento das noções tradicionais para incluir tanto a experiência pessoal 
e subjetiva quanto as atividades públicas e políticas. [...] Uma tal metodologia 
implica não somente uma nova história de mulheres, mas também uma nova 
história (GORDON, BUHLE E SHROM apud SCOTT, 1995, p. 73). 
17 
 
 
 Um fator de grande relevância que aparece como causa da opressão feminina 
foi a legitimação do patriarcado, um princípio global e unitário de poder no qual 
posiciona o homem de modo hierárquico e predominando poderes primários (social, 
político, econômico, etc), sendo considerado um sistema de dominação social. O 
patriarcado também pode ser concebido como um "sistema político quase místico, 
invisível, trans-histórico e transcultural, cujopropósito seria oprimir as mulheres" 
(PISCITELLI, 2002, p. 7), e o pensamento feminista procurou nele uma ideia de origem 
da opressão feminina. Piscitelli (2002) ainda faz uma analogia entre o capitalismo e o 
patriarcado, pois este está constantemente se desenvolvendo e mudando em função 
das relações de produção. O capitalismo, por sua vez, é um sistema econômico 
baseado na propriedade privada dos meios de produção e de sua operação com fins 
lucrativos que se apoia na hierarquia patriarcal. Por conta disso, de acordo com Souza 
(2016), “as funções de reprodução social (vida privada) se tornam função exclusiva 
das mulheres, ao passo que as tarefas da produção da vida (vida pública) se tornam 
função dos homens”. Este processo simbiótico entre capital e patriarcado faz a cisão 
do local de trabalho e a casa. Assim, fica claro o quanto o corpo feminino tornou-se 
uma pré-condição necessária para a permanência da opressão patriarcal, pois, ainda 
relacionado a fatores naturais, a reprodução é uma forte causa da legitimação deste 
sistema social, bem como a “domesticação” da mulher. É possível vincular, portanto, 
estes fatores naturais à maneira como os seres humanos se reproduzem, resultando 
em uma significativa diferença entre os papéis sociais e econômicos e o poder político 
dos homens e das mulheres. Desse modo, para libertar as mulheres, é necessário 
que elas derrotem o patriarcado (e adquirissem o controle sobre a reprodução) para, 
assim, eliminar não apenas o privilégio do homem, mas a própria distinção sexual. Foi 
através de perspectivas assim que, em termos políticos, os lugares sociais das 
mulheres foram imbuídos em condições subalternas em relação aos mundos 
masculinos, o que indica uma subordinação feminina universal (PISCITELLI, 2002) e 
uma maneira androcêntrica de identificar a humanidade e fazer das mulheres seres 
inferiores. A história mostra-se claramente androcêntrica e patriarcal, legitimando a 
inferioridade da mulher e declarando que existem limites da feminilidade, sempre 
determinados pelos homens. 
18 
 
 Um desses limites encontra-se no conceito de violência simbólica, de Pierre 
Bourdieu (2012), que determina uma violência exercida pelo corpo sem ação física, 
mas com danos morais e psicológicos: 
 
A força simbólica é uma forma de poder que exerce sobre os corpos, 
diretamente, e como que por magia, sem qualquer coerção física; mas essa 
magia só atua com o apoio de predisposições colocadas. [...] Os atos de 
conhecimento e de reconhecimento práticos da fronteira mágica entre os 
dominantes e os dominados, que a magia do poder simbólico desencadeia, e 
pelos quais os dominados contribuem, muitas vezes é à sua revelia, ou até 
contra sua vontade, para sua própria dominação, aceitando tacitamente os 
limites impostos (BOURDIEU, 2012, p. 50-51). 
 
Essa forma de violência age por meio da dominação masculina e cria uma 
imagem desvalorizadora da mulher, sendo instituída por intermediário da adesão que 
o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação), 
fazendo essa relação ser vista como natural. Com isso, a mulher tem conhecimento e 
reconhecimento dos atos aos quais sofre, mas estes têm a sua adesão tida como 
dóxica, ou seja, natural. Como consequência dessa naturalização, a violência 
simbólica triunfa na medida em que aquele(a) que sofre contribui para sua eficácia 
(COLLING, 2004). Estes efeitos espontaneamente harmonizados que a ordem social 
exerce sobre as mulheres podem ser compreendidos através da lógica paradoxal da 
dominação masculina e da submissão feminina, os quais envolve pressão, 
consentimento, coerção mecânica, submissão voluntária, livre até mesmo calculada, 
e a prova de que esta violência está tão inserida em nossa sociedade é que, mesmo 
quando temos as liberdades formais adquiridas e as pressões externas abolidas, as 
mulheres ainda são submetidas, condenadas e inferiorizadas à pressão 
masculinizada do ambiente (BORDIEU, 1998). 
Este conceito de violência simbólica também está relacionado com a 
objetificação da mulher. Para Beauvoir (2016), a fêmea possui uma “interioridade 
violentada”: o macho é quem a possui; ela é possuída; ele pega, ela é pegada; ele 
penetra, ela é penetrada; o macho é quem coloca-se sobre a fêmea, ele deposita o 
sêmen e ela recebe; ela sofre o coito. Assim, a mulher torna-se objeto. O homem 
(sujeito) possui, pega, penetra (verbo) a mulher (objeto). Estes fatos relacionam-se 
diretamente à violência simbólica por serem formas de o macho afirmar sua ação 
dominadora de seu poder perante a fêmea e com consentimento dóxico. 
 
19 
 
2.2 CONCEITUANDO GÊNERO 
 
De acordo com Lamas (apud VERBENA, 2004), gênero é uma categoria de 
contribuição teórica com grande relevância no feminismo contemporâneo, pois houve 
um “deslocamento da categoria de análise de gênero, no qual o estudo ‘mulheres’ 
empírico se desloca para o objeto teórico ‘gênero’” (VERBENA, 2004, p. 177). Isso fez 
com o que este campo de estudos passasse a incluir outros sujeitos, tais como 
homens, gays, lésbicas, transexuais, etc. Foi a partir da década de 80 que o conceito 
de gênero começou a disseminar-se de maneira a apresentar uma nova interpretação 
sobre a realidade, situando distinções entre características ditas como femininas e 
masculinas, estabelecidas de acordo com hierarquias sociais (PISCITELLI, 2002). 
Ao compreendermos os termos “sexo” e “gênero” de maneira dicotômica, 
entendemos que ambos contrastam entre um conjunto de fatores biológicos e um 
conjunto de fatores culturais. Segundo Shapiro (apud PISCITELLI, 2002), o termo 
“sexo” se restringe à diferença biológica entre as categorias macho e fêmea, enquanto 
“gênero” abrange as construções sociais, culturais e psicológicas que são impostas 
sobre essas diferenças biológicas. É importante salientar que essa distinção entre 
gênero e sexo rompe com a crença do determinismo biológico, rejeitando-o 
terminantemente, pois o termo “gênero” possui a finalidade de designar as relações 
estritamente sociais entre os sexos. Ou seja, o sexo é uma categoria biológica, sem 
relação com o social, e o gênero, por sua vez, é uma expressão cultural e radicalmente 
arbitrária da diferença sexual (VERBENA, 2004). Estes conceitos retiram a 
legitimidade conferida à provável semelhança entre diferenças biológicas e sociais, 
fazendo uma clara distinção dual entre natureza e cultura. 
Essas conceitualizações são importantes para entender o gênero como um 
termo que teoriza a diferença sexual e que questiona os papéis sociais destinados às 
mulheres e aos homens. Entende-se, portanto, que a categoria de gênero não é 
concebida em uma diferença universal, sendo algo que viabiliza a compreensão da 
construção e da organização sociais da diferença sexual, e falar em “gênero” no lugar 
de “sexo” indica que a condição das mulheres não encontra-se determinada pela 
natureza ou pela biologia, mas é resultante de uma engenharia social (COLLING, 
2004). 
A contribuição de Scott (1995) foi fundamental pelo fato de a autora ter sido 
uma idealizadora do conceito de gênero como categoria útil diante de uma análise 
20 
 
histórica. Segundo ela, as feministas começaram a utilizar o termo “gênero” para se 
referir a uma organização social da relação entre os sexos, e classificá-lo gera 
separações e distinções de grupos (no caso, homens e mulheres). Dessa forma, é 
dado ao gênero o arbítrio de indicar construções culturais que norteiam ideias sobre 
papéis considerados adequados aos homens e às mulheres. Ou seja, ele oferece uma 
maneira de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais em si. Isso indica que o uso 
do gênero abrange um sistema de relações que pode incluir o sexo, porém, não é 
diretamente determinado por ele, tampouco determina diretamente a sexualidade. 
Para Scott (1995), o gênero deve ser articulado como uma categoria analítica 
e sua definição temduas partes e diversos subconjuntos, com inter-relação entre eles, 
porém, suas análises devem ser feitas de maneira distinta: 
 
O núcleo da definição de gênero repousa numa conexão integral entre duas 
proposições: (1) gênero é um elemento constitutivo de relações sociais 
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma 
forma primária de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1995, p. 86). 
 
 Dessa forma, o intuito de Scott foi de identificar a maneira como se deve pensar 
o efeito do gênero tanto nas relações sociais quanto institucionais. Para ela, “o gênero 
é uma forma primária de dar significado às relações de poder, sendo um campo 
primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado” (SCOTT, 1995, 
p. 88). 
 Conclui-se que o gênero se intersecta com diversas categorias de identidades 
as quais são constituídas por meio de um discurso – seja ele racial, de classe, étnico, 
sexual, etc – o que torna impossível desvinculá-lo das intersecções políticas e culturais 
nas quais ele se mantém e é produzido (BUTLER apud PISCITELLI, 2002). 
 
2.3 O GÊNERO E AS RELAÇÕES SOCIAIS 
 
Correntes feministas afirmam que a subordinação feminina é decorrente da 
maneira que as mulheres são construídas socialmente, e mudar o espaço social por 
elas ocupado é imprescindível para alterar o modo como elas são vistas (PISCITELLI, 
2002). 
Além das questões já abordadas, a subordinação e todo um imaginário 
pejorativo sobre o feminino seriam um produto das relações por meio das quais sexo 
21 
 
e gênero são organizados e produzidos, além de terem se acentuado à medida em 
que, segundo Bourdieu (2012), a masculinidade passou a ser tratada como nobreza. 
O autor afirmou que essa eminência do masculino é reforçada pelas chamadas 
“expectativas coletivas” da sociedade perante o papel social tanto do homem quanto 
da mulher, as quais possuem uma estrutura fortemente sexuada que assegura a 
dicotomia sexual fundamental. 
Existem alguns elementos que intensificam essas expectativas coletivas, como 
signos hierárquicos da divisão do trabalho, a exemplo do médico, chefe ou diretor ser 
idealizado como uma figura masculina enquanto a enfermeira, secretária ou 
funcionária são figuras femininas. Também existem manifestações visíveis das 
diferenças entre os sexos, como a atitude, as roupas, o penteado, considerados 
segregados em masculinas e femininas. Em relação a esta prática, por exemplo, 
podemos citar a construção e representação do papel feminino em programas 
televisivos e campanhas publicitárias, sempre destinado a papéis menores e que 
remetem ao “sexo frágil” e suas variantes, além da luta permanente para ter acesso à 
palavra em debates políticos e ter quaisquer de suas reivindicações reduzidas a meros 
caprichos. Todas essas situações reforçam a masculinidade tratada como algo 
elevado, com expectativas coletivas fundamentadas em uma lei universal 
masculinizada que não permite que as mulheres se sintam à vontade para realizar 
determinados atos e isso inclui questões relacionadas a oportunidades no mercado 
de trabalho. 
É importante perceber que tal virilidade, relacionada à superioridade masculina, 
é construída desde a infância, dadas as divergências no desenvolvimento de meninos 
e meninas. Às meninas, são conferidas brincadeiras relacionadas às atividades 
domésticas, como cozinhar (kit cozinha) ou cuidar dos filhos (bonecas, casinha), 
normalmente realizadas em um ambiente mais restrito ao privado. Já para os meninos, 
as opções de recreação são muito mais interativas, como esconde-esconde e pega-
pega (que exploram o ambiente público) ou monte e desmonte de objetos. Isso mostra 
o quanto, desde cedo, as mulheres não são estimuladas – ou são até mesmo 
desestimuladas – para certas carreiras, sobretudo técnicas e científicas, pois as 
brincadeiras às quais lhes eram destinadas eram mecanizadas e pouco estimulantes 
para desenvolver posteriormente os requisitos necessários para estas áreas. 
Segundo Petermann (2015), isso é um dos indícios de que as mulheres podem 
sofrer restrições desde a infância quanto à sua própria segurança em desempenhar 
22 
 
determinadas funções no âmbito profissional. Essa é uma das questões de gênero 
que relaciona os signos hierárquicos da divisão do trabalho, pois fica implícito que as 
mulheres, desde a infância, não são estimuladas a determinadas atividades de mais 
interação e raciocínio por estas serem de “cunho masculino”. Graças a isso, a figura 
feminina é considerada frágil e despreparada para determinadas funções, o que, 
forçosamente, vira um senso comum e dá à mulher a noção de que existem atividades 
para as quais elas não foram feitas. Dado isso, Bourdieu (2012) afirma que a 
identidade social possui uma linguagem a qual assimila o homem como ser dominante 
e a mulher como ser dominado, o que significa que ela é condenada a se ver através 
das categorias dominantes, ou seja, masculinas. 
Todos esses fatores colaboram para a incorporação da dominação por parte do 
homem. Com isso, de acordo com Bourdieu (2012), a definição de excelência está, 
em todos os aspectos, carregada de implicações masculinas, o que constrói os 
gêneros como duas essências sociais hierarquizadas. Para tanto, é importante 
ressaltar que a relação entre homem e mulher, antes mesmo de ser gerada por uma 
dinâmica social construída e remodelada constantemente (COLLING, 2004) é, 
também, uma relação política. Ou seja, “as relações entre homens e mulheres, que 
implicam desigualdades políticas, econômicas e sociais e que configuram papéis 
diferenciados segundo o sexo, estão intimamente ligadas ao princípio da hierarquia” 
(COLLING, 2004, p. 17), o qual declara que a sujeição da mulher é assentada tanto 
por homens quanto por mulheres. Dado isso, é possível afirmar que homem e mulher 
são produtos de relações de poder estruturadas sob um campo político, com as 
mulheres sendo excluídas deste e dos chamados “jogos de poder”, com participação 
apenas controlada e preparada por intermédio dos homens (BOURDIEU, 2012). 
Nesse sentido, é válido retomar a construção de gênero segundo Scott (1995), 
que mapeou elementos básicos na tentativa de definir de que maneira as relações 
sociais entre os sexos são construídas, logo, percebidas pelo prisma da desigualdade. 
Para a autora, o gênero como elemento constitutivo dessas relações sociais 
compreende a inter-relação de quatro elementos. O primeiro refere-se a símbolos 
culturalmente disponíveis capazes de evocar representações simbólicas sobre o 
homem e a mulher. Muitas dessas representações são contraditórias como, por 
exemplo, Eva e Maria, onde ambas são consideradas, na tradição cristã ocidental, 
símbolos femininos com significados opostos compreendidos entre a luz e a 
escuridão, a purificação e a poluição. O segundo aspecto diz respeito a conceitos 
23 
 
normativos que manifestam diferentes interpretações acerca das representações 
simbólicas do homem e da mulher. Estes conceitos, por sua vez, estão presentes na 
religião, na educação, na ciência, na política e nas leis e limitam os significados do 
masculino e do feminino. Desse modo, a virilidade é considerada uma característica 
associada ao masculino e a fragilidade ao feminino, de forma que um homem não 
pode apresentar um comportamento mais emotivo que será diretamente rotulado de 
“afeminado” (GUEDES, 1995). 
Em terceiro lugar, temos as instituições e organizações sociais, que contribuem 
para que as concepções binárias de gênero sejam mantidas, passando a ter caráter 
atemporal. Scott ressalta a necessidade de uma visão percebida do gênero, 
construída em diversas esferas, tais como no parentesco, na economia, no sistema 
político, no mercado de trabalho e na educação. Por fim, o último aspecto do gênero 
é a identidade subjetiva, ou seja, a maneira pela qual as identidades de gênero são 
construídas com basena formação imaginária e simbólica de determinados conceitos 
e preconceitos, “o que significa considerar sempre o espaço para as singularidades, 
resistências e adaptações às representações dominantes” (OLIVEIRA-CRUZ, 2016, 
p. 42). 
Para o presente trabalho, é importante deter atenção ao terceiro aspecto, o que 
contempla as instituições e organizações sociais. A mídia é um grande exemplo de 
instituição social que contribui para a formação e perpetuação de noções binárias de 
gênero. É importante lembrar que tal instituição possui um espaço simbólico tão 
relevante que passou a ser considerada como o “quarto poder”, juntando-se aos três 
poderes da República (legislativo, judiciário e executivo). Segundo Rizzotto (2012), o 
fato que permitiu que hoje exista essa referência à mídia como quarto poder ocorreu 
em seu advento, quando a ela foi atribuído a potencialidade de reorganizar o poder 
simbólico, pois “a sobrevivência das indústrias da mídia dependia da mercantilização 
de formas simbólicas, o que fez com que novos centros de poder simbólico surgissem 
fora do controle do Estado e da Igreja” (RIZZOTTO, 2012, p. 2). Proposto por 
Bourdieu, o poder simbólico é considerado um poder invisível, que só pode ser 
exercido com a conivência daqueles que estão a ele sujeitos ou também daqueles que 
o exercem (BOURDIEU, 1989). Dado isso, a mídia, centralizou o poder simbólico de 
maneira a deter influência e persuasão sob as concepções gerais da sociedade e 
ainda, segundo Souza (2012), graças à sua capacidade de manejar a opinião pública, 
dita regras de comportamento tanto individuais quanto coletivas. 
24 
 
O foco deste trabalho, portanto, centra-se na observação das representações 
de gênero presentes na mídia – mais especificamente nas campanhas publicitárias de 
cerveja que, historicamente, têm se utilizado e reforçado do estereótipo da mulher 
objeto para construir sua mensagem persuasiva. E, quando se fala em estereótipo, 
significa o conjunto de pressupostos e ideias pré-concebidas que são formadas sobre 
como uma determinada categoria deve parecer, ser, e se comportar. Este conceito é 
sustentado por Lippmann (apud FILHO, 2004), classificando o termo como 
construções simbólicas resistentes à mudança social e disseminadas pelos meios de 
comunicação. 
 
A disseminação, pelos meios de comunicação de massa, de representações 
inadequadas de estrangeiros, classes sociais e outras comunidades é destacada 
como um sensível problema para o processo democrático, cujo desenvolvimento 
demanda a opinião esclarecida de cada cidadão a respeito de questões capitais da 
vida política e social. (FILHO, 2004, p. 47) 
 
Importa para essa pesquisa, ainda, entender as diferentes leituras e 
apropriações dessas mensagens, o que considera também a perspectiva de Scott de 
que o gênero se constitui também através de experiências singulares, em que os 
sujeitos podem (ou não) se reconhecer dentro de certos padrões normativos 
construídos e estimulados pela estrutura social. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
3 MÍDIA 
 
3.1 O GÊNERO E A MÍDIA 
 
Conforme citado anteriormente, a mídia tem papel significativo na cultura 
contemporânea a partir da circulação de um discurso que é construído de acordo com 
a reprodução de formas e normas sociais estruturalmente definidas. À medida em que 
comportamentos e valores presentes nas mensagens midiáticas são associados a um 
ou a outro gênero, as representações da mídia reforçam a feminilidade e a 
masculinidade, ambas imbuídas nas relações de poder entre os gêneros (CHAVES, 
2015). Essas relações reiteram e constroem desigualdades, fazendo com seja criada 
uma noção de realidade a respeito dos papéis destinados ao homem e à mulher. Isso 
tem relação em como os meios de comunicação transmitem a realidade e em como 
se referem à realidade apresentando, em determinados momentos, uma versão 
distorcida. Dessa forma, o público é cotidianamente submetido a uma realidade 
construída pela mídia. 
 
A relação que existe entre a imprensa e a realidade é parecida com a que 
existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente 
reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é 
o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que 
não corresponde ao objeto real (ABRAMO, 2016, p.38). 
 
Neste caso, o espelho é a mídia, o objeto é a mulher e a imagem é a sua 
respectiva representação na mídia. Isso tem relação com o discurso midiático, que 
acentua determinados estereótipos e condutas que acabam por equivocar a imagem 
da mulher. O espelho da mídia, por sua vez, não reflete de forma distorcida a imagem 
do homem. Este segue como o provedor, o bem-sucedido, orientado por sua cultura 
e natureza soberanas, não sendo reprimidas ou fragilizadas como as da mulher. 
Dessa forma, as mensagens emitidas pela mídia colaboram para a manutenção das 
relações de poder entre os gêneros, o que acaba por reforçar valores distintos para o 
homem e para a mulher – as chamadas relações sociais de gênero. 
Dessa maneira, tanto o corpo do homem quanto o corpo da mulher ganham um 
sentido social, mediante a inscrição dos gêneros (feminino e masculino) nestes 
corpos, feita sob o contexto e diretrizes de uma determinada cultura vigente – no caso, 
a midiática – e sempre carregada com as marcas dessa cultura (LOURO, 2000). 
26 
 
No espaço midiático, essa inscrição de gêneros no corpo organiza-se em 
identidades de gênero. Identidades estas que, dado o contexto pós-moderno, não são 
permanentes, mas sim de caráter transitório e contingente. Graças a isso, as 
identidades sexuais e de gênero têm uma configuração fragmentada, instável, 
histórica e plural, além de estarem envolvidas em processos que compreendem 
diversas contextos, instituições e grupos sociais (idem). 
A relação dos meios de comunicação com essas identidades de gênero parte 
do esforço midiático de fixá-las de acordo com uma estrutura determinada e evidente 
(FLAUSINO, 2002), não abrindo espaço para possibilidades que fogem do padrão. 
Isso porque o discurso midiático reflete relações de poder por hegemonia e razões 
mercadológicas. Ou seja, de acordo com essa lógica comercial, o gênero passa a ser 
assimilado como uma mercadoria, nas quais suas possibilidades genéricas são 
restritas e definidas apenas pela dicotomia masculinidade ou feminilidade (WILLIS, 
1997). Isso acarreta o consenso e acordo por parte da sociedade de, ao consumir 
determinados produtos midiáticos, concordar com as representações ali encontradas, 
o que acaba por contribuir com sua respectiva naturalização. 
Há um trabalho midiático na definição social de identidades, especialmente sob 
a identidade feminina. Dessa forma, a mídia age “como locus de reverberação e 
construção de identidades coletivas sobre o feminino” (FLAUSINO, 2002, p. 5). Nesse 
locus é onde se reforça a construção da identidade da mulher, realizado através do 
consumo de imagens montadas e de identidades coletivas hegemônicas, sempre 
inclinadas à estereotipação do corpo feminino e de suas atitudes. Essas 
representações impõem significados que reforçam as relações de poder, pois este 
mesmo poder situa-se nos dois lados do processo: ele delineia a maneira como se 
pratica a representação, a qual, por sua vez, resulta em efeitos ligados à produção de 
identidades culturais e sociais (SILVA apud FLAUSINO, 2002, p. 4). 
Assim, os produtos midiáticos ratificam o machismo e, assim, geram uma das 
violências mais sutis a qual a mulher é exposta, a violência simbólica. Nesse contexto, 
matérias jornalísticas atenuam crimes de feminicídio a “crimes passionais”, comerciais 
publicitários fragmentam as partes do corpo da mulher como seios e nádegas para 
vender cerveja, novelas naturalizam a jornada dupla (ou tripla) de trabalho feminina, 
e muitos outros exemplos. A mulher sofre, com reforço dos meios de comunicação, aviolência de ser desumanizada e até mesmo excluída dos espaços de decisão, além 
de ser vista, graças a alguns discursos, apenas como um corpo a ser consumido. Com 
27 
 
o agravante de vivermos em uma sociedade que, historicamente, segue uma lógica 
falocêntrica, essas veiculações tornam-se naturais devido ao fato de a mulher ser 
educada pela sociedade – estruturalmente patriarcal – a “aceitar o seu papel social 
imposto, sua condição de subalterna, de propriedade do homem, sua condição de 
inessencial” (CHAVES, 2015, p. 6). Contudo, essa violência simbólica é encoberta e 
socialmente aceita devido a uma falsa ideia de igualdade, que é promovida também 
pela mídia. 
É fato que a mídia age não só na produção como na perpetuação de 
estereótipos através de um mecanismo de ideologia próprio que não veicula 
conteúdos despropositalmente. Estes são selecionados, ordenados e enunciados de 
acordo com forças que operam tanto para enfraquecer, esquecer ou estabilizar 
determinados discursos (RIBEIRO, 1996). A lógica patriarcal vigente, com apoio dos 
meios de comunicação, insere a mulher em um conjunto limitado de padrões de 
conduta e aparência sob uma falsa ideia de que a mulher pode ser o que ela quiser. 
É posto que a mulher pode fazer suas escolhas, contanto que estas sejam feitas 
dentro desses limites impostos. 
Estes limites compulsórios são delineados por meio de padrões e estereótipos 
disseminados pela mídia e pela sociedade. Tamanha visibilidade a determinados 
discursos sobre o feminino faz com que se crie uma construção de sentidos que são 
atribuídos diretamente à conduta e postura da mulher. Isso explicita, segundo Costa 
(2013, p. 6), uma “tendência à biologização do sujeito feminino, que apresentaria um 
conjunto de padrões de expressão, cuidado de si e conduta caracterizados como 
‘feminilidade’”. Costa (2013) também afirma que estes padrões se enraízam em uma 
essência feminina, na qual o sujeito feminino deve mantê-la sempre aparente e 
conservada, mesmo ao alcançar posições historicamente ocupadas por homens. 
Neste contexto, é possível citar pelo menos dois padrões de estereótipos principais 
veiculados e sustentados pela mídia: o de mulher como objeto e o de mulher 
empoderada. Este último, porém, é promovido e invalidado pela própria mídia sob a 
falsa ideia de igualdade. 
 
3.2 DISCURSOS MIDIÁTICOS SOBRE A REPRESENTAÇÃO FEMININA 
 
Conforme discutimos até o momento, há um padrão feminino circulante na 
mídia que a expõe como um produto à venda para ser consumido e ser utilizado como 
28 
 
atrativo. Além disso, as capacidades intelectuais femininas são tratadas como 
secundárias, com uma representação desumanizada que, por vezes, não a reconhece 
como sujeito de direito. 
Ainda, é interessante observar que há uma significativa atenção a padrões 
estéticos os quais a mídia discriminatoriamente impõe à mulher: 
 
O modelo ideal de beleza atual, incentivado pelos meios de comunicação de 
massa, é extremamente limitador: para ser bonita é necessário ser jovem, 
extremamente magra, alta e com traços europeizados (pele, cabelos e olhos 
claros, cabelos lisos). Basta andar na rua para perceber que é raríssimo 
alguém ter todas essas características – e praticamente impossível tê-las ao 
mesmo tempo. Trata-se de um modelo que ignora a diversidade racial e 
cultural brasileira (SEMÍRAMIS, 2012, s/p). 
 
Porém, um ponto crucial acerca deste discurso da sexualização feminina é que 
ele é elaborado mediante estratégias do controle e vigilância do exercício da 
sexualidade, a qual é explicitamente inscrita nos corpos e deixa de ser percebida como 
individual para ser abordada a partir do exercício das relações de poder. Para tanto, 
é importante entender que o valor atribuído à sexualidade não é sinônimo de atividade 
sexual. Para Vance (apud HEILBORN, 1999, p. 40), a sexualidade é um termo que 
traz a construção histórica como agente modelador de uma dimensão interna e 
particular de cada sujeito. 
Dessa forma, a mídia põe em prática a sexualização dos corpos através da 
colocação do discurso do sexo e suas estratégias, estas definidas pela inserção de 
marcas que delimitam quando/onde, em que situações, com quais interlocutores e em 
quais relações sociais se é permitido ou não falar de sexo (FLAUSINO, 2002). A 
mensagem emitida por esse discurso é percebida de maneira a monitorar e até 
mesmo a reprimir a sexualidade feminina. Esta, por consequência, acaba sendo 
controlada por valores inculcados na sociedade, aos quais a mulher encontra-se 
sujeita a cumprir. Assim, a constante vigilância do exercício da sexualidade interfere 
na representação das mulheres e nas suas identidades coletivas definidas no espaço 
midiático (ibidem). Isso porque há a imposição de uma “mulher de respeito”, 
demarcada claramente pela divisão entre o que é feito publicamente e o que é feito 
em casa – lugar onde está o sexo –, sendo este título fornecido àquelas mulheres com 
uma conduta disciplinada de suas práticas sexuais. Isso indica que ser uma “mulher 
de respeito” ou não fica por responsabilidade dela mesma e do manejo do que se julga 
adequado de suas atitudes. Logo, essas identidades femininas são produtos de uma 
29 
 
construção simbólica e social definida pela simples questão de ser mulher e de como 
é conduzida essa existência do ser, a qual é respeitada mediante uma conduta moral 
satisfatória aos olhos da sociedade. Entretanto, a equivalência na vigilância sexual 
masculina não se aplica pois, de acordo com Heilborn (1999), a sexualidade não 
ocupa o mesmo grau de importância para todos os sujeitos: 
 
A cultura (em sentido lato) é a responsável pela transformação dos corpos 
em entidades sexuadas e socializadas, por intermédio de redes de 
significados que abarcam categorizações de gênero, de orientação sexual, 
de escolha de parceiros. Valores e práticas sociais modelam, orientam e 
esculpem desejos e modos de viver a sexualidade. (...) O regime das relações 
de gênero, prescrevendo condutas adequadas para homens e mulheres, 
intervém de maneira inequívoca nesse cenário (...), modelando a percepção 
de si a partir do julgamento dos pares (HEILBORN, 1999, p. 40-45). 
 
Foi a partir desse discurso de sexualização que foi conduzida a produção de 
uma visão utilitária sobre a mulher, sustentada por uma subordinação feminina aos 
homens, repetida em todas as sociedades e cuja universalidade se justificaria pela 
associação entre mulher/natureza e homem/cultura. Isso porque o binarismo presente 
na construção social de gênero orienta a dicotomia entre sexo e gênero, onde o 
primeiro é o natural, o biológico, e o segundo é a expressão determinada pelo meio 
cultural. 
A mídia, por sua vez, tem colaboração neste processo através do qual a mulher 
se submete a à própria desvalorização. Neste caso, de acordo com Chaves (2015), 
isso ocorre porque ela colabora com a perpetuação da chamada reificação da figura 
feminina. O conceito de reificação consiste em transformar uma realidade social ou 
subjetiva, de natureza dinâmica e criativa, em algo inorgânico, fixo e passivo, 
passando a perder sua autonomia e autoconsciência (HOUAISS & VILLAR, 2001). 
Todos estes cenários apontam para práticas sexistas utilizadas pela mídia, 
ancoradas sob o machismo fortemente institucionalizado que acaba por reprimir a 
presença feminina em diversos âmbitos (FORTES, MATOS & PETERMANN, 2017). 
Assim, esse processo de efeito contrário à subjetivação da figura feminina, o qual a 
transforma em um objeto sensualizado, produz consequências severas à sociedade, 
pois esta passa a desestimar a violência e o desrespeito à mulher para tratar tais 
situações como socialmente aceitas e naturalizadas. 
Este sujeito midiático foi, por muito tempo, o predominante em diversos 
produtos midiáticos. Entretanto, apesar de ainda ser uma estratégia bastante utilizada, 
30 
 
com a propagação dos movimentos sociais feministas especialmentenas redes 
sociais digitais nos últimos anos, trouxe como resultado uma outra representação da 
mulher que passou a ocupar significativamente espaços na mídia mais recentemente 
Trata-se da mulher empoderada, cuja abordagem tem seus primórdios ocorrendo já 
há algum tempo. Exemplo disso são ativistas como Carol Hanisch, da vertente radical, 
que reuniram esforços para elucidar a importância desta figura feminina. Sua frase “o 
pessoal é político”, em meio à revolução contracultural de 1960, exprime o que 
posteriormente foi a justificativa para a emersão deste empoderamento o qual a mídia, 
a certo grau, apossou-se. A ideia explicitada na frase refere-se a temas até então 
confinados ao espaço privado, como a sexualidade feminina ou a violência doméstica, 
que tornaram-se públicos e, com isso, ganharam importantes discussões (COSTA, 
2013). Sendo assim, os debates sobre o tema asseguraram uma emancipação 
feminina, ocorrida graças a atitudes realizadas no privado e que hoje tornaram-se 
públicas, e que é essencial para as representações midiáticas femininas 
contemporâneas. Essa figura de mulher empoderada é difundida na mídia atualmente 
como um “estereótipo de modelo subjetivo ideal para o gênero feminino nos meios de 
comunicação” (COSTA, 2013, p. 1). 
Conforme já mencionado, é importante ressaltar algumas origens dessa 
significativa representação de modelo feminino. Dentre as correntes do movimento 
feminista que, por sua vez, é claramente um defensor dos direitos das mulheres, uma 
que se destaca para a presente discussão é a pós-feminista. O pós-feminismo tem 
pontos congruentes com o pós-modernismo por ambos terem como objetivo a 
desconstrução/desestabilização do gênero enquanto categoria fixa e mutável 
(MACEDO, 2006). No contexto histórico e teórico, foi a partir do pós-feminismo que 
segmentaram-se outras correntes, uma delas é o chamado power feminism, 
propagado na década de 1990 por obras de feministas como Natasha Walter e Naomi 
Wolf. O pós-feminismo defende o empoderamento da mulher como peça chave na 
sua emancipação, e o faz através da exploração e conhecimento do seu próprio poder. 
Aliado a isso, uma das correntes do power feminism é o movimento do girl power. 
Este, por sua vez, está intimamente entrelaçado com o contexto midiático, com um 
propósito de resgatar a ressignificação da feminilidade como forma de 
empoderamento feminino, ou seja, tanto para o power feminism como para o girl 
power, a questão da identidade subjetiva da mulher está vinculada a uma exaltação 
de escolhas individuais e pessoais (COSTA, 2013). 
31 
 
No entanto, esse sujeito midiático empoderado, conforme Wittig (1981), é 
propagado pela mídia de acordo com a definição de mulher baseada nas 
características as quais a opressão forneceu a ela, sendo, portanto, uma defesa (e 
também reforço) ao mito da “essência feminina”. Conforme já mencionado sobre o 
processo de reificação, este é um claro exemplo do processo que reifica os papéis 
sociais de gênero pelo fato de conservar as estruturas de poder vigentes. 
Dentro de todas essas óticas, encontra-se incutido um questionamento que 
remete ao quarto aspecto de Scott (1995) previamente citado, que compreende a 
identidade subjetiva como maneira de estabelecer a construção de identidades de 
gênero de acordo com uma construção simbólica. O grande ponto deste aspecto é 
considerar o espaço para resistências e adaptações às representações dominantes. 
Por isso, existe a questão de que este poder feminino enaltecido midiaticamente seria 
uma possibilidade de subversão e resistência das estruturas de poder as quais 
regulam as identidades de gênero, questão esta que considera também a 
configuração da categoria “sujeito feminino” como uma entidade estável e evidente 
(COSTA, 2013). Logo, o modelo de mulher empoderada é o modelo representativo a 
ser alcançado pelas mulheres contemporâneas, pois passou a ser um símbolo de 
resistência. 
Nesse contexto, é interessante questionar o quanto esse sujeito midiático 
empoderado remete à aceitação feminina, uma vez que pode-se considerar como um 
novo modelo de mulher contemporânea a ser atingido. Há um porém, neste caso, 
quanto à colaboração da mídia na reificação de papéis de gênero, pois esta faz com 
que sejam repetidas as fórmulas do patriarcado universal e de uma identidade 
feminina totalizante, oriunda do fato de o modelo de mulher empoderada ter sido 
moldado acordo com as características oferecidas pela sua própria opressão. 
Com isso, nos discursos midiáticos, “a matriz é heterossexual e as categorias 
são binárias: homem e mulher, sexos em guerra, poder e subordinação” (COSTA, 
2013, p. 14). O uso dos prazeres é distinto nos gêneros e, às mulheres, são impostas 
regras de moralidade. Todo o processo de subjetivação, o qual consiste na construção 
de si mesmo do indivíduo como sujeito (TOURAINE, 2006), de uma identidade 
feminina envolve assumir identidades sexuadas e generificadas, moldadas para os 
sujeitos no interior das estruturas de poder vigentes. Logo, em ambos os discursos 
midiáticos elucidados, o gênero é parte integrante de uma dimensão cultural 
32 
 
articulada, cujas representações fazem parte de processos de construção, inclusão e 
exclusão social (FLAUSINO, 2002). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
33 
 
4 PUBLICIDADE 
 
4.1 A PUBLICIDADE COMO ESPELHO DA CULTURA 
 
 Ao refletir sobre questões da contemporaneidade, Raymond Williams (2011, 
ap. 260) afirma que há uma dicotomia presente na sociedade atual na qual novas 
tecnologias convivem com formas sociais antigas, sendo possível a definição de 
publicidade como a “expressão mais visível dessa combinação”. De um modo geral o 
contato com esta prática de comunicação é constante, pois os anúncios publicitários 
encontram-se presentes no nosso dia a dia nos mais diferentes espaços e ocasiões e 
colaboram para que ela ocupe um papel central na constituição da experiência 
cotidiana relacionada de maneira intrínseca a uma dita cultura do consumo (PIEDRAS 
& JACKS, 2005a). Ainda, em comparação aos demais discursos midiáticos, é 
importante perceber que a relação instituída entre o público e a publicidade ocorre de 
forma arbitrária, não intencional. 
Na relação instituída entre publicidade e sociedade, é fácil compreender sua 
associação ao modo de produção capitalista, podendo classificar a economia como 
um grande configurador desta atividade (PIEDRAS & JACKS, 2005a). Entretanto, 
além do âmbito econômico, há um papel cultural na realidade social propiciado pela 
publicidade no qual, além de interagir com demais instituições, ela passa a fazer parte 
dos modos de vidas dos sujeitos (ibidem, p. 205). Desse modo, a publicidade se 
enquadra em um conjunto de representações capaz de expressar identidades, 
subjetividades, comportamentos e relações, com um discurso que faz um recorte da 
realidade que idealiza a representação da vida social. Nessa narrativa, também são 
reforçados estereótipos, ideologias e preconceitos, contribuindo para forjar “um 
discurso que colabora na construção de uma versão hegemônica da ‘realidade’, 
ajudando a legitimar uma dada configuração de forças no interior da sociedade” 
(GASTALDO, 2013, p. 25). Isso significa que as mensagens publicitárias são 
produzidas de acordo com contextos onde o sistema hegemônico da estrutura 
econômica atua e também de acordo com as práticas culturais exercidas entre os 
sujeitos (PIEDRAS & JACKS, 2006). 
Conforme afirmou Corrêa (2011), a publicidade pode ser entendida como 
 
34 
 
Uma atividade profissional da contemporaneidade, intrinsecamente 
relacionada ao capitalismo e ao consumo, que compreende um conjunto de 
técnicas e práticas que visam à divulgação paga de bens, serviços e ideias. 
Na concepção utilizada neste trabalho, a publicidade é entendida também 
como um sistema cultural e simbólico que organizasentidos, oferece 
classificações, gera identificações. Constituindo-se como poder estruturado 
pelos sujeitos e ao mesmo tempo estruturante desses sujeitos em sociedade, 
a publicidade é uma das instituições culturais que constroem a realidade, em 
caráter reflexivo: é também construída e definida pelos fluxos e forças 
atuantes no mundo social (CORRÊA, 2011, p. 26). 
 
Assim, somente é possível entender a publicidade se esta for submetida a uma 
análise que considere fatores econômicos, culturais e sociais. Esse tipo de análise 
mostra que o significado de publicidade não se restringe somente à venda de bens e 
serviços, mas que ela também tem envolvimento com valores pessoais e sociais, o 
que viabiliza novas formas de compreensão da nossa própria sociedade neste âmbito 
(Williams, 2011, p. 251). Para o autor, há um padrão cultural do consumo ditado pela 
publicidade no qual os objetos à venda nunca se bastam, mas que, no entanto, devem 
ser validados e associados com significados sociais e pessoais. Isso configura a 
publicidade moderna como um sistema altamente organizado de persuasão e 
satisfação (ibidem, p. 252-253). 
Diante dessa busca incessante por consumo, associada a uma significação 
pessoal e social, esse mágico sistema deslocou a categoria de indivíduo usuário para 
o indivíduo consumidor, pois foi dessa forma que o mercado organizou a sociedade 
(ibidem, p. 255). Este novo indivíduo é responsável por consumir, atividade a qual 
pode ser considerada, dentro dos próprios limites, satisfatória e com uma finalidade 
social dominante (ibidem, p. 256), com um ideal de consumo preservado pela 
publicidade quando esta exerce a função de converter os objetivos de consumo em 
fontes de satisfação (OLIVEIRA-CRUZ, 2016). Os consumidores, dessa forma, ao 
reivindicarem necessidades básicas do ser humano, têm estas negadas pelo próprio 
consumo, pois o mesmo não é capaz de oferecê-las. 
 
Uma vez que muitas dessas necessidades são sociais – ruas, hospitais, 
escolas, repouso – elas não apenas não são incluídas pelo ideal do 
consumidor: elas são mesmo negadas por ele, pois o consumo sempre tende 
a materializar-se como uma atividade individual. (WILLIAMS, 2011, p. 257). 
 
Logo, não havendo as necessidades humanas e sociais contempladas, a 
operacionalização da publicidade ocorre por meio do ideal por ela pregado e 
sustentado: o de consumir bens individuais através de um esforço praticado pelo 
35 
 
sistema, um esforço mágico, assim considerado por Williams (2011). Tal esforço, 
realizado pela publicidade, faz o indivíduo associar o consumo com os desejos 
humanos aos quais ele não possui referência real (ibidem, p. 257). Assim, há um 
sistema de significados que o padrão mágico explora capaz de depositar na aquisição 
de objetos de consumo, de forma que o consumidor compra não somente o objeto em 
si, mas valores como saúde, beleza, poder, prestígio, respeito, sucesso, etc. 
Rocha (2007), entretanto, questiona o que ela chama de poder manipulatório 
da publicidade e seus mecanismos persuasivos capazes de induzir o consumidor a ir 
contra suas reais necessidades, pois existem diversas modalidades de crença em 
determinados pressupostos que possibilitam a relativização da adesão do consumidor 
ao discurso publicitário. Uma delas é que o consumidor pode ter a noção de que a 
publicidade está o persuadindo e, ao mesmo tempo, crer que o produto contém os 
valores anunciados. Indo além, nem o próprio consumidor precisa acreditar no 
enunciado, é apenas é necessário que ele creia que a sociedade em que vive acredita 
em tais valores, o que a autora classifica como um deslocamento da crença que parte 
de uma instância interior e individual para uma social e coletiva (ibidem, p. 131). 
Assim sendo, a adesão do consumidor independe do valor de verdade da 
mensagem, o que permite supor que ele “aceita participar do jogo publicitário” (ibidem, 
p. 132). Portanto, aqui, o esforço mágico realizado pela publicidade proposto por 
Williams (2011) se concretiza, pois esse deslocamento da crença possibilita que o 
indivíduo acredite em objetos, sujeitos e modelos de consumo com valores neles 
imbricados, estes sintetizados pela ideia de satisfação (ibidem, 133). Entretanto, essa 
crença traz uma ideia de poder de liberdade de escolha dentre tantos produtos 
oferecidos, quando, na verdade, escolher é obrigatório. Como aponta Zigmunt 
Bauman (apud CORRÊA, 2011), “a lista de compras não tem fim. Porém, por mais 
longa que seja a lista, a opção de não ir às compras não figura nela”, o que indica que 
o consumidor ou aceita a crença no sistema mágico da publicidade ou jamais o põe 
em dúvida. 
Fica evidente que a publicidade não é um mero instrumento de comunicação, 
mas sim, um processo comunicativo constitutivo de certas práticas culturais que 
envolve um status social constituído de fatores econômicos, sociais e culturais 
(PIEDRAS & JACKS, 2005a). Dito isso, pode-se dizer que “a publicidade foi 
desenvolvida para vender bens em um tipo particular de economia. A publicidade 
36 
 
moderna foi desenvolvida par vender pessoas em uma determinada cultura” 
(WILLIAMS, 2011, p. 250). 
Para visualizar melhor esta lógica, Piedras & Jacks (2005a) adotaram a 
abordagem dos estudos culturais a fim de pensar a publicidade de acordo com uma 
perspectiva que reflete a comunicação a partir da cultura, considerando a análise de 
seus processos, estrutura e também práticas de recepção e produção. Afinal, existem 
dimensões do mundo social com as quais a publicidade se articula não através dos 
meios de comunicação, mas através de tais práticas de recepção e produção. A 
compreensão dessas práticas é essencial para entender a noção de “articulação” 
proposta por Stuart Hall (apud PIEDRAS & JACKS, 2005a), que explora as relações 
da publicidade com as diferentes dimensões do mundo social por meio do 
mapeamento do seu contexto político, econômico e cultural, considerando, por 
exemplo, o modo de produção capitalista, a massificação da cultura e a já mencionada 
cultura do consumo. A importância da lógica da articulação se dá por esta ser vista 
como um processo de “criação de conexões” (PIEDRAS & JACKS, 2005b, p. 4) onde, 
a partir disso, são explorados distintos elementos que fazem parte da contextualização 
da publicidade e das relações entre eles, identificando correspondências, não-
correspondências e contradições, fazendo necessário o pensar da cultura junto à 
ideologia e às práticas fornecidas pelas condições determinadas pela estrutura. Para 
tanto, 
 
É preciso mapear a publicidade como um processo ou circuito, que articula 
os momentos da produção, da recepção e dos textos a outras dimensões do 
mundo social, como as condições econômicas do sistema capitalista, a 
regulamentação das atividades publicitárias, a cultura de consumo, as 
representações veiculadas pelos anúncios e as identidades dos receptores, 
entre outros fatores que definem o contexto e a configuração dessa forma de 
comunicação (PIEDRAS & JACKS, 2005b, p. 5). 
 
Piedras & Jacks (2005b), então, propuseram uma abordagem multidimensional 
da publicidade que a relaciona com o mundo social através da articulação das práticas 
a nível micro, que destinam-se às práticas de recepção (interação entre receptores 
segundo padrões de comunicação) e a nível macro, referente às práticas de produção 
(na qual a publicidade institucionaliza sua produção considerando as estruturas 
sociais que atuam na relação dos receptores com o meio). Fazendo uma distinção 
analítica entre ambas, as práticas de produção referem-se ao lugar de construção das 
mensagens publicitárias. Por serem concebidas em um ambiente mercadológico, 
37 
 
como agências publicitárias, podemos dizer que são práticas institucionalizadas que 
operam de acordo com uma ordem institucional e uma lógica singular, o que dá 
espaço para diversas contradições representantes do mundo social. As práticas de

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