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1ºAula Os modos de produção: Escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula, vocês serão capazes de: reconhecer um dos conceitos mais importantes dos campos da Economia, da História e da Sociologia; perceber suas nuances e identificando os aspectos mais relevantes de cada uma delas; construir uma base sólida para o estudo das variações produtivas ao longo do tempo. Fonte: http://www.novidadesautomotivas.blog.br/2013/10/linha-de-montagem-de-henry- ford.html. Acesso em 15/01/2019. Se observarmos bem a trajetória humana que foi registrada nos livros de História, perceberemos com facilidade que a maneira pelas quais as comunidades se articulam para dividir tarefas, bem como recolher, produzir, repartir e consumir determinados bens e produtos, varia no tempo e no espaço. Essas variáveis foram denominadas, sobretudo por agentes provenientes do campo sociológico, como Modos de Produção. Nesta aula, analisaremos quatro de suas variações: o modo de produção escravista, o modo de produção feudal, o modo de produção capitalista e, por fim, o modo de produção socialista. Bons estudos! 217 História Econômica Geral 8 1 – O Modo de Produção Escravista 2 – O Modo de Produção Feudal 3 – O Modo de Produção Capitalista 4 – O Modo de Produção Socialista 1 - O Modo de Produção Escravista Figura 1.2 – Disponível em: http://historiacsd.blogspot.com/2017/06/o-mundo-do- trabalho-nas-sociedades-da.html. Acesso em 28/01/2019. Quando discutimos o conceito de Modo de Produção, nos remetemos imediatamente a uma noção decorrente da teoria marxista ou, para ser mais exato, daquilo que foi chamado de Materialismo Histórico. Em parte, ele decorre das análises, discussões e proposições de dois gigantes do pensamento político e econômico do século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels, revelando o profundo conhecimento de ambos a respeito da história social humana. Esses dois pensadores, apesar de serem vulgar e automaticamente reconhecidos como matizes do pensamento comunista, assinaram importantes textos para uma análise mais profunda das relações sociais desenvolvidas ao longo do tempo, os quais são imprescindíveis a diversos campos de produção de conhecimento, como, sociológico (do qual é um dos pilares) e, claro, aquele que nos interessa mais de perto, o campo econômico. De tal modo, consideraremos os modos de produção como uma articulação de dois aspectos, as forças produtivas (os homens e as tecnologias) e as relações de produção (as formas de organização social da produção). A noção de Modo de Produção Escravista consiste numa racionalização de um modelo de produção e divisão social sucessor do Modo de Produção Primitivo, o primeiro e mais longo da trajetória humana, tendo em vista remeter ao surgimento das primeiras comunidades humanas, quando a divisão de tarefas e os bens provenientes da caça e da coleta eram partilhados de maneira comunal, igualitária, não manifestando, portanto, noções de posse, de propriedade privada, divisões entre patrões e empregados, etc. Ao contrário deste, o Modo de Produção Escravista inaugura a perspectiva de propriedade Seções de estudo privada e, principalmente, da possibilidade de sujeição do homem pelo homem, produzindo uma concepção hierarquizada da sociedade, ou seja, uma divisão social na qual algumas pessoas ou grupos têm maior prestígio social que outros. Nesse modelo, a propriedade privada (sendo a terra era o principal fundamento de riqueza), bem como os instrumentos de produção constituem o que a literatura materialista denomina por meios de produção, bem como os escravos, estavam subordinados a alguém. O escravo, nesse modelo, é percebido socialmente como um objeto que está inserido nos processos de produção, mas, desprovido de direitos, sendo equiparado aos animais e às máquinas. Assim, os indivíduos socialmente legitimados a possuir escravos, chamados de senhores em alguns casos, impunham sua vontade sobre uma quantidade de homens e mulheres que, responsável pela produção dos bens, mas, também, sujeitados a assédios e intimidações de toda natureza. bem as divisões sociais e o papel do escravo naquela sociedade, os banquetes. Deixemos de lado, por um instante, o aspecto produtivo relativo à escravidão. Na imagem, observamos um banquete, comum entre a elite romana. Naqueles eventos era comum que o escravo caminhasse por entre os convidados portando, fosse aos ombros ou pendurados ao pescoço, recipientes para que os refestelados pudessem depositar o conteúdo de seus estômagos sem ao menos precisarem sair do lugar, bastando um leve aceno de mão. Como havia fartura de alimentos nesses encontros da aristocracia romana, as pessoas comiam em demasia. Assim, o vômito era necessário para dar lugar a novos pratos e a ainda mais comida. “Vomitar para comer, comer para vomitar”, dizia uma frase de Sêneca. Figura 1.3 – Disponível em: http://www.pilloledistoria.it/10462/storia-antica/ banchetti-nellantica-roma-schiavi-per-raccogliere-il-vomito?lang=pt. Acesso em 15/01/2019. A prática da escravidão também está registrada em textos bíblicos, especialmente no Antigo Testamento. A partir de alguns deles é possível perceber bem a distinção e o valor social entre as mulheres livres e escravas, revelando como os escravos eram vistos como pessoas menores, irrelevantes ou, até mesmo, descartáveis. Em Gálatas 4:23 está registrado: “Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. Mais a diante, em Gálatas 4:30, lê-se: “Mas que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu do povo de Israel mantido como escravo no Egito também é 218 9 De modo geral, quando analisamos o Modo de Produção Escravista, nossas principais referências são as sociedades antigas de Roma, Grécia e Egito. Nelas a concepção de propriedade privada já se encontrava bem desenvolvida, fosse da terra ou de escravos, sendo direito particular de uma fatia numericamente pequena da sociedade. Entretanto, há uma série de variações a respeito da condição social do escravo. Em determinadas sociedades, o escravo não se tornava uma mercadoria passível, portanto, de ser comprada ou vendida; não era um bem mercadejável. Noutras, ainda que se possam distinção entre eles no que compete à alienação. Podemos, alienação dos escravizados nesse sistema, ainda que nenhuma delas tenha existido em estado puro e individual: Alienação Social: refere-se a estrangeiros e indivíduos de status social inferior; Alienação Política: quando, em função das forças que comandam a política local, indivíduos perdem seus direitos; Alienação Cultural: refere-se ao processo de aculturação; Alienação Psicológica: quando se produzem mecanismos para que o indivíduo perca referências fundamentais para a construção de sua própria identidade. e sociais, por exemplo, se deveu à adoção de um Modo de Produção Escravista a aristocracia, das atividades de subsistências e geração de riqueza (na Grécia antiga o trabalho que exige energia muscular, trabalho braçal, era visto como socialmente indigno, sendo cargo de indivíduos escravizados. Em Atenas, por exemplo, era legítima a escravidão temporária por endividamento, a qual foi extinta por Sólon apenas no século IV a.C. Em Esparta, uma cidade-estado guerreira, a escravidão estava relacionada às guerras, nas quais os indivíduos de terras invadidas por espartanos tornavam-se escravos. Aliás, uma forma de conter revoltas de escravos em Esparta foi admitir que soldados em formação utilizassem escravos em seus treinamentos militares, o que resultava, quase sempre, na morte do escravo. Os escravos domésticos, no entanto, responsáveis tanto pela limpeza, pela feitura dos alimentos quanto pelo cuidado e, às vezes, educação das crianças possuíam muito melhores condições de vida. Assim, o sentimento grego, bem como seu sentido social e psicológico em relação à escravidão, foi registrado por Platão desprezaro trabalho”. Na concepção grega, inclusive, um indivíduo deslocado da ordem cósmica, ou seja, aquele que não desenvolveu os dons que o universo lhe dera para contribuir com o mundo, só poderia ser escravo, sendo “orientado” por alguém que, nesse sentido, lhe era moralmente e espiritualmente de um trabalho de discurso que é socialmente compartilhado 2 - O Modo de Produção Feudal O Modo de Produção Feudal, ou simplesmente Feudalismo, foi o modelo de organização econômica, social e política predominante por toda a Europa medieval, mais precisamente, entre os séculos V e XV. Assim como seu antecessor, o Modo de Produção Escravista, o fundamento do mando, ou seja, o fundamento do poder estava baseado na propriedade privada, especialmente, na propriedade privada da terra. Automaticamente, portanto, a posse da terra transformava o indivíduo em senhor, lhe garantindo todos os privilégios e prerrogativas associados a essa condição. Figura 1.4 – Disponível em: http://www.portaldovestibulando.com/2013/04/o- mundo-do-trabalho-na-sociedade-feudal.html. Acesso em 16/01/2019. Romano do Ocidente, ocorrido no século V. Com isso, uma vasta região europeia perdera a proteção e a ordenação social que o Império oferecia. Consequentemente, abriu-se espaço para o surgimento de uma hierarquia feudal, prometendo proteção a uma boa parte da população, sobretudo, aquela exércitos próprios, os quais eram comandados pelos nobres. Daí uma imagem tipicamente medieval: o cavaleiro com sua armadura, empunhando sua espada e escudo, com seu capacete adornado de plumas, servindo como uma espécie de referência moral ao povo. Nesse novo sistema de organização social, os camponeses assumiram a condição servil, tornando- se submissos aos senhores feudais, devendo-lhes, portanto, além de trabalho, total devoção. Tal como nos apresenta Perry Anderson, o mundo feudal é uma conjunção entre dois modelos de organização social. De um lado, o mundo escravista greco-romano. De outro lado, o modo de produção germânico, baseado em princípios comunais de divisão da terra e de toda a produção. Nas palavras do autor: [...] a gênese do feudalismo na Europa convergente de dois modos de produção distintos: a recombinação de seus elementos desintegrados liberou a síntese feudal em si, a qual, portanto, sempre conservou um caráter híbrido. Os dois predecessores do modo de produção feudal foram, é claro, o decadente 219 História Econômica Geral 10 modo de produção escravista, em cujas fundações se assentara o enorme edifício do Império Romano, e os modos de dos invasores germânicos, que sobreviveram em suas novas pátrias, distendidos e deformados, depois das conquistas bárbaras. Nos últimos séculos da Antiguidade esses dois mundos radicalmente distintos vinham passando por uma lenta desintegração e uma gradual interpenetração (ANDERSON, 2016, p. 21-22). de modo de produção feudal um sistema “constituído por Nesse modelo, os instrumentos de produção e os meios de produção (arado e charrua, por exemplo, mas, também, o moinho e a própria terra, de onde “os homens medievais poderiam extrair materiais para a sua própria vida e também transformar em ambiente para o seu trabalho”) são todos eles propriedade do senhor feudal. Do outro lado, temos os agentes de produção, mercadores e artesão, que também se tornariam forças responsáveis pela superação desse sistema, apareceriam com maior intensidade mais tardiamente. Além disso: Também estaria no campo das ‘forças de produção’ as técnicas conhecidas pelos homens para produzir o seu trabalho ou se apropriar do meio, como o cultivo unidirecional ou o plantio alternado. Ocorre que tudo isto – instrumentos, técnicas, meios de produção e agentes de produção – está sempre em expansão, em certos momentos uma expansão em ritmo mais lento, em outros uma expansão em ritmo mais acelerado. O arado e a charrua constituem aperfeiçoamentos nos instrumentos de produção, as técnicas de cultivo se desenvolvem e se tornam mais para novas apropriações humanas através antes intransponíveis, e a força de trabalho se humana (BARROS, 2010, p.1-2). Tempos mais tarde, “com a melhoria da agricultura, produz-se um excedente e, mais bem alimentada, ocorre uma melhoria na qualidade de vida” dessa população. Consequentemente, “abrem-se mesmo espaços para que nem todos precisem se dedicar a uma agricultura fechada”. A partir desse momento, “muitos dos camponeses que eram encarregados de fazer tarefas relacionadas ao pequeno comércio local tornam-se comerciantes, engajam-se em empresas de longa distância, autonomizam-se em novas funções”. Além desses, outros se tornam artesãos, os quais comercializavam instrumentos domésticos de toda espécie. Quanto àqueles que permaneceriam ligados às atividades camponesas, esse novo cenário já revelava certa inquietação quanto às “condições de vida e as amarras sociais que lhes são impostas”, fazendo desgastar, progressivamente o sistema de servidão (BARROS, 2010, p.1-2). Do ponto de vista social, a Idade Média sustentou uma sociedade dividida, basicamente, em três estamentos: a nobreza, o clero e os servos. O primeiro ocupava-se das guerras e da segurança dos feudos. O segundo desempenhava “funções relacionadas à vida religiosa, fundamental para o homem medieval e mesmo para a manutenção do sistema”, aspectos da vida social cotidiana. O terceiro era a “base produtiva”, constituído por “servos que produziam o sustento alimentar de toda a sociedade. Assim, no esquema célebre divisão em ‘bellatore, oratore e laboratore’”, ou seja, uma sociedade dividida entre os que combatem, os que rezam e os que trabalham, respectivamente. Em síntese, “este esquema mental faz parte da ideologia” que sustentava e legitimava todas as divisões sociais relativas à sociedade medieval (BARROS, 2010, p.2-3). Em linhas gerais, o esgotamento do sistema ou modo de produção feudal está associado à produção. Mais precisamente, “no momento em que as ‘forças de produção’ expandidas permitem que se produza um excedente, na chamada ‘fase a contradição fundamental do mundo feudal: uma produção maior do que o consumo”. A partir disso, essa “antiga vista que o trânsito entre ordens era bastante raro e, mesmo no clero, indivíduos oriundos do mundo servil integravam-se ao chamado baixo clero, “passa a não mais condizer com um mundo em expansão”. Com isso, mostrando-se “resistente às forças que se articulam a esta expansão”, a organização social feudal “terá de dar lugar à outra, que predisporá ao surgimento, no período moderno, de um mundo que se organizará em torno do mercado, em uma primeira fase do que seria mais tarde um novo modo de produção: o ‘modo de produção capitalista” (BARROS, 2010, p.3). 3 - O Modo de Produção Capitalista Figura 1.5 – Disponível em: https://www.history.com/topics/industrial-revolution. Acesso em: 24/01/2019. Em relação ao modo de produção capitalista, pode-se nascido do esfacelamento e da insustentabilidade do modo de produção feudal frente a um mundo em expansão, sobretudo nas questões comerciais, tem sido um dos temais mais estudados dentre os mais variados campos de saber. Por isso mesmo, tem levantado inúmeras discussões e controvérsias 220 11 voltadas, especialmente, para as distinções entre capital e da distribuição da riqueza é importante demais para ser deixada apenas para economistas, sociólogos, historiadores e torno desse tema encontra-se nas contradições levantadas por dois importantes nomes da história do pensamento econômico: David Ricardo e Karl Marx, os quais compartilhavam, apesar de suas divergências, “uma visão um tanto sombria, apocalítica até, da evolução da distribuição da riqueza e da Vale registrar que, enquanto o primeiro vivia uma realidade social em que ainda se discutia a elevação dos preços da terra e a possibilidade da agricultura, naquele contexto, efetivamente alimentar uma população que crescia em ritmo vertiginoso,o segundo, distante de Ricardo em meio século, já se debruçava sobre “a dinâmica de um capitalismo industrial a pleno vapor” A título de análise, consideremos que, além das trocas de mercadoria e circulação de moedas, o ponto mais crítico desse sistema encontra-se nas distinções entre as vantagens econômicas e sociais dos proprietários dos meios de produção (donos de terras ou de fábricas, basicamente) e aqueles que não possuem outra coisa para se inserir no sistema que sua força de trabalho. Na terminologia materialista, os primeiros são denominados burgueses, constituintes, portanto, da burguesia, enquanto os demais constituem o proletariado. Nessa perspectiva ideal (e isso é importante dizer porque ela não existe em estado puro em nenhum lugar do mundo ou foi registrada assim em qualquer período histórico), o mundo encontra-se dividido entre burgueses e proletários, em estado é o mesmo: enquanto o burguês busca o lucro, o proletário objetiva maiores salários, constituindo, assim, um mecanismo antagônico, a priori, inversamente proporcional. Dito de uma forma mais simples, maiores salários implicariam em menores lucros. Portanto, nessa perspectiva de análise, será sempre impossível conciliar os interesses desses dois grupos. Em resumo: O capitalismo é um modo de produção fundado na divisão da sociedade em duas classes essenciais: a dos proprietários dos meios de produção (terra, matérias-primas, máquinas e instrumentos de trabalho) - sejam eles indivíduos ou sociedades - que compram a força de trabalho para fazer funcionar as suas empresas; a dos proletários, que são obrigados a vender a sua força de trabalho, porque eles não têm acesso direto aos meios de produção ou de subsistência, nem o capital que lhes permita trabalhar por sua própria conta (MANDEL, 1981). Vale lembrar que, nas experiências reais do capitalismo, apresentam-se variados grupos sociais relevantes, o que também chamamos de classes. “Nos países capitalistas industrializados, encontra-se a classe dos proprietários individuais de meios de produção e troca, que não exploram ou quase, mão de obra: pequenos artesãos, pequenos camponeses, pequenos comerciantes”. Além disso, em vários países em desenvolvimento capitalista tardio, ou seja, nos países e regiões em que as relações capitalistas ainda não se encontram tão bem estruturadas se comparadas às grandes potências capitalistas atuais, “encontramos muitas vezes ainda proprietários fundiários semifeudais, cujos rendimentos não provêm da compra da força de trabalho, mas de formas mais primitivas de apropriação do sobre-trabalho (sic.), como a corveia ou a renda em espécie”, mecanismos tipicamente medievais. Nesses casos, trata-se de “classes que representam resquícios das sociedades pré-capitalistas, e não classes típicas do próprio capitalismo” (MANDEL, 1981). Nesse momento dos nossos estudos, interessa saber, assim como nos apresenta Ernest Mandel, que o “capitalismo não pode sobreviver e desenvolver-se senão quando estão reunidas as duas características fundamentais”. A primeira, corresponde ao monopólio dos meios de produção “em proveito de uma classe de proprietários privados”. A segunda, consiste na “existência de uma classe separada dos meios de subsistência e de recursos que lhe permitam viver de outro modo que não pela venda da sua força de trabalho”. Uma, por ser proprietária dos meios de produção, extrai das atividades ligadas a ele o lucro. A outra, por possuir apenas sua força muscular ou intelectual para oferecer dentro do sistema, alcança sua subsistência, na forma de salário, em razão da venda de sua força de trabalho. Um dos principais problemas do modo de produção capitalista é sua tendência em diminuir, ao longo do tempo, o número de indivíduos proprietários dos meios de de proletários. Ou seja, há uma tendência natural do capital em se concentrar. É fácil perceber pelos estudos estatísticos, por exemplo, que “em todos os países capitalistas”, mesmo nos mais desenvolvidos, “a parte da população ativa obrigada a vender a sua força de trabalho não para de aumentar; a parte desta população ativa que constituem os “independentes” e suas “ajudas familiares” não cessa de diminuir”. De tal sorte, “a repartição da fortuna privada faz surgir uma enorme concentração: a metade ou mais da fortuna mobiliária é geralmente detida por 1, 2, 3% das famílias, ou ainda por uma fracção mais reduzida da população” (MANDEL, 1981). Concentração bancária cresceu no Brasil, diz Banco Central Cinco grandes bancos concentram 82% dos ativos brasileiros, maior índice para todos os países incluídos na pesquisa, à exceção da Holanda que indicam que, em 2016, os cinco maiores bancos do País – Caixa, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander – controlavam 221 História Econômica Geral 12 “O Brasil apresentou aumento do nível de concentração no período, Suécia”, disse o BC no relatório, com base em dados do Banco de deste ano, por exemplo, o spread das operações de crédito com últimos anos, houve melhora no nível de competição entre os bancos”, Ver matéria completa em: CASTRO, Fabrício de. Concentração bancária cresceu no Brasil, diz Banco Central. O Estado de São Paulo. Matéria publicada em 12/07/2018. Acesso em 28/01/2019. Disponível em: https:// economia.estadao.com.br/noticias/geral,concentracao-bancaria-cresceu-no- Além das implicações econômicas do sistema, algumas das quais sinalizei até aqui, há uma série de implicações sociais importantes, as quais serão analisadas mais à frente. Na sequência, veremos um sistema de pensamento que se ofereceu, simultaneamente, como uma crítica e uma alternativa frente ao modo de produção capitalista: o modo de produção socialista. 4 - O Modo de Produção Socialista Figura 1.6 – Disponível em: https://www.causaoperaria.org.br/acervo/ blog/2017/03/08/8-de-marco-de-1917-no-dia-de-luta-da-mulher-trabalhadora- tem-inicio-a-revolucao-de-fevereiro/#.XE-eq1VKjIU. Acesso em 28/01/2019. Um dos grandes pilares do pensamento socialista foi Karl Marx, responsável por páginas e páginas a respeito dos problemas econômicos e sociais provenientes do capitalismo. Marx notava que, mesmo com os inúmeros avanços de produtividade e geração de lucros, percebidos durante a Revolução Industrial, especialmente na Inglaterra do século XIX, a população trabalhadora, o proletariado, continuava miserável. Marx atentava para o fato de que os avanços reais do capitalismo não eram efetivamente sensíveis à classe trabalhadora. Enquanto o capital continuava a crescer e a aumentar as grandes fortunas, os trabalhadores das fábricas inglesas continuavam se amontoando em subúrbios insalubres, sem quaisquer garantias sociais, submetidos, cotidianamente, a exaustivas jornadas de trabalho e recebendo por isso uma Marx, em mecanismos evidentes da exploração do capital sobre o trabalho. Nesse sentido, a crítica socialista nascia para marcar as fragilidades e incongruências do capitalismo industrial, praticadas no chamado liberalismo econômico. O socialismo (noção que já existia na época de Marx) pretendia, em linhas gerais, a efetivação de estruturas sociais que caminhassem na direção da diminuição do poder e dos privilégios econômicos do capital, fazendo ruir as distancias entre a burguesia e o proletariado. Alguns acreditavam, inclusive, que, percebendo as injustiças entre o capital e o trabalho, a própria burguesia abdicaria de sua posição social em nome do bem social. A isso se deu o nome de socialismo utópico que o próprio capital encontra mecanismos para manter seu poder e garantir para si os lucros provenientes das atividades comerciais. Com Karl Marx, no entanto, institui-se a ideia de um colapso capitalista, a partir do qual o controle dos meios de produção passaria das mãos da burguesia para as mãos do proletariado, basicamente. Nasce daí a noção de socialismo e se consolida a perspectiva materialista da história, na qualas sociedades são analisadas em função do seu modelo todas as demais experiências e relações sociais. Em resumo: A sociedade, segundo o Socialismo Marxista, é descrita da seguinte forma. A história humana é observada ressaltando os aspectos materiais, ou seja, dando importância fundamental para as relações econômicas que a permeiam. Para Marx, essa base econômica seria a determinante dos aspectos políticos, culturais valor atribuído às questões econômicas, a sociedade é marcada por uma dialética que opõe dois grupos, a burguesia e o proletariado. Entendendo que o primeiro refere-se aos detentores do meio de produção e o segundo, sem tais posses, vendem seu trabalho, fazendo a engrenagem do sistema capitalista funcionar. No entanto, a burguesia explora o máximo possível da mão-de-obra para obter seus lucros, é a chamada mais-valia. O trabalhador gera produtos de alto valor agregado, porém o salário é reduzido e muitas vezes ainda é consumidor do que produz. É dessa situação de exploração capitalista promovida pela burguesia sobre o proletariado que nasce a chamada luta de classes, segundo Karl Marx. Para o Socialismo Marxista, a tensão existente na mais-valia promoveria uma união da classe proletária que, em busca de uma sociedade 222 13 mais igualitária, tomaria posse dos meios de produção e os passaria ao controle do Estado, encarregado de representar a coletividade. Seria o contexto de uma Revolução Socialista. Com o tempo, o próprio Estado não seria mais necessário, levando-se em consideração que não haveria mais dominação de uma classe sobre outra, resultando no que é, para Karl Marx, a etapa mais desenvolvida das relações humanas, uma sociedade comunista (GASPARETTO JR. Disponível em: https:// www.infoescola.com/politica/socialismo- Do ponto de vista histórico, entretanto, é importante reconhecer que, apesar de experiências políticas que reivindicaram ser um modelo socialista de inspiração marxista (China com Mao Tsé Tung, Cuba com Fidel Castro, e, claro, a União Soviética com Lênin e Stalin, para citar os casos mais emblemáticos), o socialismo de Marx e Engels, seu principal interlocutor, nunca foi posto em prática, efetivamente. Em linhas gerais, o que se viu foi a ascensão de governos totalitários, incapazes de implantar uma efetiva popularização dos meios de produção, aspecto fundamental do pensamento marxista. Apesar disso, há uma quantidade enorme de pessoas, tanto na esquerda quanto na direita política, que tomam os textos clássicos de Marx para além daquilo que eles realmente são: documentos históricos. É preciso entender que todos eles foram decorrentes de seu contexto, das agruras de sua época. O fato de terem se tornado textos clássicos em que suas ideias tenham espaço nos contextos históricos que viriam depois delas, como bem mostraram os regimes que pretenderam colocá-las em prática. Marx e Engels viveram num mundo do século XIX. Nesse sentido, é um erro crasso, do meu ponto de vista, tomar seus textos como se fossem “manuais” para se praticar em nossa época. Eles podem ser se for o caso, uma inspiração intelectual para o pensamento da esquerda, ou o fundamento da crítica da direita, mas, nunca uma regra nem, tampouco, sugerir um determinismo histórico como imaginam alguns. Retomando a aula a construir, de maneira segura, nossos posicionamentos teóricos e 1 - O Modo de Produção Escravista Aqui, vimos que o surgimento da noção de propriedade privada estabeleceu o modo de produção escravista, rompendo, gradativamente, com as noções do modo de produção primitivo, comunal. Trata-se do modelo produtivo a romana, a grega e a egípcia. 2 – O Modo de Produção Feudal Entendemos que o modo de produção feudal, característico da Idade Média, originou-se do modo de produção escravista e do modo de produção germânico. Ele estabeleceu, fundamentalmente, a ideia de servidão que, apesar de não suprimir a liberdade individual, estabeleceu princípios de submissão importantes para a organização das sociedades medievais. 3 – O Modo de Produção Capitalista Na terceira parte da nossa aula, vimos que o modo de produção capitalista está associado ao esfacelamento do modelo de produção servir, e com o aumento da produção e comercialização de produtos. É o sistema que entende a sociedade a partir de relações de exploração econômica e, fundamentalmente, estabelece o “mundo econômico” como sendo dividido entre burguesia a proletariado. 4 – O Modo de Produção Socialista Tal como vimos, o modo de produção socialista estava previsto na teoria marxista, mas, efetivamente, nunca existiu. Trata-se de um sistema de pensamento que, basicamente, pretende estabelecer uma sociedade em que as distâncias sociais e econômicas entre burgueses e proletários seja o modelo capitalista seria insustentável em longo prazo dada sua condição natural de concentração, na qual se entende que, progressivamente, há aumento o número de proletários e, consequentemente, uma diminuição do número de burgueses. ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 2004. ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: UNESP, 2016. Vale a pena ler Vale a pena Minhas anotações 223 2ºAula As economias pré-capitalistas: escravidão e feudalismo Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula, vocês serão capazes de: identificar aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos do mundo antigo e medieval; traçar paralelos entre esses dois modelos de economias pré-capitalistas, ressaltando rupturas e permanências entre eles. Figura 2.1 – Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Boulanger-gustave-clarence- rudolphe-french-1824-1888-the-slave-market.png. Acesso em: 29/01/2019. Conforme estudamos, há dois importantes modos de produção que antecedem o modo de produção capitalista: a escravidão antiga e o feudalismo, considerados, portanto, economias pré-capitalistas. Nesses dois casos, as relações fundamentais do capitalismo, como trabalho livre e assalariado, não existem. Ao menos, não como relações hegemônicas, o que ocorrerá apenas a partir do século XVIII, com a Revolução Industrial inglesa. Nesta aula, estudaremos mais a fundo as bases desses dois modelos produtivos que organizaram as relações sociais do mundo antigo (Grécia e Roma, basicamente) e o medievo da Europa central (especialmente França e Inglaterra), a partir da dissolução do Império Romano do Ocidente. Bons estudos! 225 História Econômica Geral 16 1 – O modo de produção escravista e o mundo helênico 2 – As invasões germânicas 3 – O surgimento do modo de produção feudal 1 - O modo de produção escravista e o mundo helênico Figura 2.2 – Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/grecia-antiga/. Acesso em 30/01/2019. Em grande parte das vezes, a imagem que temos do mundo antigo (e, quando digo isso estou me referindo, essencialmente, a Grécia e Roma) é, fundamentalmente, “a antiguidade greco-romana sempre constituiu um universo centrado nas cidades”, daí as famosas cidades-estados gregas, denominadas polis, e suas praças públicas, locais de tomada de decisão política, conhecidos como ágoras. Não sem razão: “o esplendor e a audácia das primeiras cidades helênicas e, depois, da República Romana, as quais deslumbraram tantas épocas subsequentes, traduziram o apogeu de cultura e organização urbana que não viria a ser ultrapassado por mais de um milênio”. Lembremos que em várias dessas cidades, âmbitos culturais, nas ciências, na arquitetura, na política, na administração pública, no recrutamento militar, entre tantos outros aspectos. Acontece que, “por trás dessa organização política e dessa cultura urbana não havia uma economia urbana equiparável”. Isso quer dizer que, mesmo existindo populações hegemonicamente urbanas, a fonte da riqueza não decorria de relações produtivas localizadas nas cidades (ANDERSON, 2016, p. 22). Conforme nos mostrao historiador Perry Anderson, “a riqueza material que sustentava essa vitalidade cívica e intelectual provinha esmagadoramente do campo” e, simultaneamente, das transações comerciais praticadas no mar Mediterrâneo e no mar Negro. Isso revela que “o mundo clássico era maciça e inalteravelmente rural em suas proporções quantitativas básicas” e, consequentemente, “as cidades greco-romanas [...] foram, desde a origem, [...] Seções de estudo aglomerados urbanos de donos de terras”. Aliás, “todas as organizações municipais, desde a democrática Atenas até a oligárquica Esparta ou a Roma senatorial, eram, em essência, dominadas por proprietários agrários”. Sua produção estava concentrada, basicamente, no cultivo de cereais, azeite e vinho, “os três alimentos básicos do mundo antigo, produzidos em das cidades” (ANDERSON, 2016, p. 22). A economia urbana, por sua vez, incidia em pequenas variedade dos produtos urbanos normais nunca se estendeu para muito além de têxteis, cerâmicas, móveis e utensílios de vidro”, sendo que toda essa produção decorria de técnicas limitada quanto pelos custos exorbitantes dos transportes para longas distâncias. A força econômica das atividades agrícolas impostos gerados nas cidades, como registrado no collatio lustralis de Constantino, datado do século IV, “nunca somou mais que 5% do imposto sobre a terra” (ANDERSON, 2016, p. 23). Ao lado da economia agrícola, havia um importante comércio de médias e longas distâncias, estabelecido ao longo do mar Mediterrâneo, o que era facilitado pelo fato de que ele é “o único grande mar cercado por terra em toda a circunferência do planeta: só ele oferecia a velocidade do transporte marítimo, com proteção terrestre contra ondas e (ANDERSON, 2016, p. 24). De tal modo: A antiguidade greco-romana foi quintessencialmente mediterrânea em suas estruturas mais profundas. Pois o comércio interlocal que a ligava só podia se dar por água: o transporte marítimo era o único meio viável para trocas de mercadorias a médias e longas distâncias. Pode-se avaliar a colossal importância do mar para o comércio a partir do simples fat6o de que, na época de Diocleciano, era mais barato embarcar trigo da Síria para a Espanha – de uma ponta a outra do Mediterrâneo – do que transportá-lo por 120 quilômetros em vias terrestres. Assim, não foi por acaso que a zona do Mar Egeu – um labirinto de ilhas, portos e promontórios – veio a ser o primeiro lar da cidade-estado; que Atenas, seu maior exemplo, fundou suas fortunas comerciais no transporte marítimo; que, quando a colonização grega se espalhou para o Oriente Próximo durante o período helenístico, o porto de Alexandria se tornou a maior cidade do Egito, primeira capital marítima de sua história; e que, por sua vez, Roma, situada ás margens do Tibre, virou uma metrópole costeira (ANDERSON, 2016, p. 23-24). Por essa razão, podemos considerar que a “água era um meio de comunicação e de comércio insubstituível que possibilitou um crescimento urbano de concentração e 226 17 trás”. Daí considerarmos que “o Mediterrâneo proporcionou (ANDERSON, 2016, p. 24). Para sustentar essa economia centrada nas atividades agrícolas e no comércio mediterrâneo, o trabalho escravo, já conhecido dos antigos, especialmente pelas suas experiências nas terras do Oriente Próximo, foi “a invenção decisiva do para suas realizações quanto para o seu eclipse”. Segundo Anderson, “é preciso salientar a originalidade desse modo de produção”, pois, “a escravidão já tinha existido sob várias formas ao longo da Antiguidade [...], mas sempre fora uma condição juridicamente impura – tomando, com frequência, a forma de servidão por dívidas ou de trabalho penal – entre outros tipos mistos de servidão”. Exatamente por isso, “a escravidão nunca fora o tipo predominante de apropriação do excedente” nas monarquias que precederam o mundo helênico, constituindo-se num “fenômeno residual que existia às margens da força de trabalho rural”. Lembremos que, mesmo nos grandes impérios de agricultura irrigada, como o Assírio, Sumério e o Babilônico, nunca foram economias predominantemente escravistas, “e seus sistemas jurídicos não apresentavam nenhuma concepção nitidamente separada de bens móveis”. Por isso mesmo, entende-se que “as cidades- estados gregas foram as primeiras a tornar a es-cravidão absoluta na forma e dominante na extensão, transformando o que antes era um recurso auxiliar em um modo de produção sistêmico” (ANDERSON, 2016, p. 25). Um dos primeiros sistemas de organização social grego foi o oikos, citado por Homero, origem da palavra portuguesa economia. Oikos muito mais abrangente: ele era, simultaneamente, a unidade de produção e consumo básicos do mundo grego antigo, reunindo a família do chefe, normalmente um guerreiro, seus servos e escravos, além dos próprios meios de produção (terra, ferramentas agrícolas, gado e armas). No oikos, o trabalho braçal era imposto aos escravos, normalmente conseguidos por meio de invasões a comunidades espalhadas ao longo da costa do Mediterrâneo, donde subjugavam, principalmente, mulheres e crianças. Às escravas eram atribuídas tarefas como a tecelagem, a moagem dos grãos e os cuidados domésticos. Aos escravos eram destinadas as atividades de pastoreio e agrícolas em geral, bem como a construção de embarcações, importantes num mundo em que o mar Mediterrâneo ocupava uma posição economicamente relevante (VAINFAS, 2010, p.56). Figura 2.3 – Disponível em: https://www.comunidadeculturaearte.com/os-mitos- e-ditos-heroicos-de-homero/. Acesso em: 30/01/2019. Ainda que a história brasileira tenha experimentado um regime de escravidão em que o escravo era tratado como uma mercadoria às vezes desprezível, o que também aconteceu no mundo antigo, no geral, os escravos gregos eram bem tratados, sobretudo se realizassem bem suas tarefas e fossem leais ao seu chefe, chegando, às vezes, a terem melhores condições de vida que muitos homens livres pobres, pois, na hierarquia social, mas, sim, o seu lugar no oikos. Além disso, é importante ressaltar que o chefe do oikos, portanto, reunia para si poderes políticos e econômicos, formando, entre eles, o que o governo dos melhores, dos mais preparados (VAINFAS, 2010, p.56). Normalmente, a estabilidade das polis era abalada por em várias regiões, dado as características naturais da região, constituída, fundamentalmente, de solo rochoso. Com isso, boa parte da população livre costumava pegar empréstimos junto aos grandes proprietários de terras, normalmente detentores das melhores áreas para o cultivo e possuidores de um número muito maior de escravos, condicionando o pagamento da dívida a colheitas futuras. Entretanto, era muito comum que alguns pequenos proprietários não conseguissem liquidar suas dívidas, acabando por se tornarem escravos, podendo ser vendidos, ou mesmo tendo que trabalhar gratuitamente para o seu credor por um tempo determinado. Esse “círculo vicioso” favoreceu em grande medida a força política e econômica dos grandes proprietários de terras, tendo em vista que ele permitia a eles se liberarem das atividades de subsistência, podendo se dedicar às atividades políticas da ágora (VAINFAS, 2010, p.58). Entretanto, com a expansão comercial dos gregos ao longo da costa do mediterrâneo, por volta do século VIII e VII a.C., essa população mais pobre de homens livres pode coloni-zar outras áreas, expandindo não só as possibilidades do comércio grego como, também, levando sua cultura para outras regiões, tirando a Grécia de um longo período de Houve dois tipos de colônias, um de caráter agrário e outro de caráter co-mercial. No primeiro tipo, os colonos, liderados por um deixavam suas cidades de origem, sobretudo em direção ao sul da península itálica e à Sicília. Nesta região, conhecida desde então como Magna Grécia, os colonos fundaram novas cidades-estados e reproduziram os hábitos, a religião e o modode vida da terra natal. Em alguns casos, para suprir a falta de mão de obra, subjugaram a população nativa, mas sem escraviza-la. Essa população vivia sob um regime de servidão. No segundo tipo, a colônia era um entreposto comercial, situado em uma região que pudesse fornecer mercadorias indispensáveis para os gregos, como a de Naucratis, no delta do rio Nilo (VAINFAS, 2010, p. 58). 227 História Econômica Geral 18 Figura 2.4 – Disponível em: https://www.pinterest.ch/pin/732397958126514935/. Acesso em 30/01/2019. O modelo de colonização praticado pelos gregos, além do próprio comércio de cereais, vinho, azeite e cerâmicas, não foi justa das terras. No caso de Atenas, por exemplo, coube a Sólon executar uma série de reformas administrativas que versavam a esse respeito, por volta do ano 594 a.C. Dentre suas reformas, Sólon “proibiu a escravidão por dívidas e anulou as dívidas existentes, facilitando o retorno daqueles que haviam sido vendidos como escravos (VAINFAS, 2010, p. 59). Como se pode deduzir, “o mundo helênico jamais se baseou exclusivamente no trabalho escravo. Camponeses livres, arrendatários dependentes e artesãos urbanos coexistiram com os escravos, em várias combinações, nas diferentes cidades-estados da Grécia”. Mas, é importante perceber que “o modo de produção dominante [...], aquele que governa a comple-xa articulação de cada economia local e que deixou sua marca em toda a civilização da cida-de- estado, foi o da escravidão” (ANDERSON, 2016, p. 25-26). Portanto, nosso quadro geral do mundo antigo greco-romano revela que “a civilização da antiguidade clássica representou a anômala supremacia da cidade sobre o campo dentro de uma economia esmagadoramente rural”, a qual será a antítese do modo de produção feudal que a sucederia séculos depois. Isso porque, “a existência de trabalho escravo no interior [...] pôde libertar tão radicalmente a classe dos donos de terras de suas raízes rurais, a ponto de transformá-los em cidadãos essencialmente urbanos, que, ainda assim, tiravam do solo sua riqueza fundamental”. Como veremos mais adiante, “a herdade escravista, ao contrário da propriedade feudal, permitia uma disjunção permanente entre residência e renda: o excedente que proporcionava fortunas para a classe proprietária podia ser extraído sem sua presença na terá” (ANDERSON, 2016, p. 28). 2 - As invasões germânicas Entre os séculos 100 a.C. e 44 a.C., o Império Romano sofreu uma série de invasões de povos que viviam nas terras da Escandinávia e da Alemanha, denominados “bárbaros”, ou seja, aqueles que não falavam a língua latina nem, tampouco, partilhavam da cultura greco-romana. Na verdade, tratavam- se dos povos germânicos, constituídos por comunidades agrícolas e pastoris que se deslocaram em direção às terras sob domínio do Império no intuito de encontrar novas terras cultiváveis dadas as alterações climáticas que alteraram profundamente seu modo de vida. Algumas das comunidades mais conhecidas eram a dos godos, visigodos, ostrogodos, normandos, suevos, vândalos, bávaros, francos, lombardos e dos danos ou rus, dos quais alguns indivíduos estiveram ligados à pirataria e ao saque, como os vikings, termo surgido no século XIX. Figura 2.5 – Disponível em: https://www.todamateria.com.br/povos-germanicos/. Acesso em 30/01/2019. Acontece que, muitas vezes, temos a ideia de que essas “invasões” se resumiam a batalhas sangrentas. A verdade é que, em vários momentos, elas foram amistosas e muito mais ricas culturalmente que aquilo que é representado em primeiras relações comerciais entre germânicos e romanos foi a troca de madeira, trigo e peles por produtos romanos, especialmente vinho, metais preciosos e tecidos. Algumas dessas comunidades invasoras viveram em relativa harmonia com o Império Romano, chegando até a receber dinheiro por serviços prestados. O próprio Império, quando, no século II houve uma escassez de escravos, Roma passou a arrendar pequenos lotes para colonos germânicos, especialmente na região entre os rios Reno e Danúbio (VAINFAS, 2010, p. 101). Entretanto, o que mais nos interessa aqui é que, com o Idade Média, no século V, várias regiões da Europa perderam a proteção e os mecanismos politicamente centralizadores simultaneamente, acabou enfraquecendo a vida urbana, com as cidades passando a ser ambientes desprotegidos e muito violentos, deslocando as pessoas para o campo, nos feudos, emergindo daí o feudalismo ou modo de produção feudal, numa transição da Antiguidade para a Idade Média. É importante lembrar que as duas porções do Império Romano, Oriente e Ocidente eram cultural e economicamente muito diferentes, apesar de comporem, a priori, uma unidade política. O Oriente era desenvolvido socialmente, avançado economicamente, dotado de ricas e numerosas cidades, enquanto o Ocidente era atrasado, composto por uma população mais esparsa, uma aristocracia pomposa e um 228 19 campesinato oprimido. Então, é importante citar que, “a excluindo das análises a metade oriental”. Assim, aquilo que entendemos como a “gênese do feudalismo na Europa deriva de produção distintos”: de um lado, elementos oriundos do modo de produção escravista; de outro, o modo de produção dos invasores germânicos (ANDERSON, 2016, p. 18-19). Então, vejamos. Em linhas gerais, as tribos germânicas, tal como fora registrado nos tempos de César, eram, fundamentalmente, “agricultores assentados, com uma economia predominantemente pastoril”, prevalecendo entre eles “um modo de produção comunal”. De tal modo: A propriedade privada da terra era desconhecida: todos os anos, os líderes da tribo determinavam que parte do solo comum deveria ser cultivada e atribuíam porções de terras a cada clã, que delas se apropriavam em um trabalho coletivo; as redistribuições periódicas preveniam grandes disparidades de riqueza entre as famílias e os clãs, embora os rebanhos fossem privados, proporcionando riqueza aos guerreiros que lideravam as tribos. Em tempos de paz, não havia chefes militares excepcionais eram eleitos só em tempos de guerra (ANDERSON, 2016, p. 119). Tempos depois, houve alterações nesse modelo, passando o líder a dividir as terras cultiváveis diretamente entre indivíduos, não mais aos clãs. Consequentemente, “o cultivo ainda se deslocava muitas vezes, por entre terrenos guerras sazonais e permitia frequentes migrações em larga escala” (ANDERSON, 2016, p. 120). Além disso, com as invasões dos hunos, oriundos da Ásia, nas terras germânicas e romanas, houve uma aceleração do processo de simbiose entre os germânicos e os romanos. Basta observar, por exemplo, o maciço ingresso de soldados de origem germânica fronteira. De tal modo, “a longa simbiose entre formações sociais romanas e germânicas nas regiões fronteiriças fora, aos poucos, estreitando a lacuna entre os dois mundos, ainda que continuasse imensa nos aspectos mais importantes. De o feudalismo” (ANDERSON, 2016, p. 122). Em resumo, “as invasões dos povos germânicos no território romano foram, de um lado, ações militares de conquista e, de outro, famosas fronteiras romanas se tornaram uma verdadeira avenida por onde iam e vinham povos germânicos das mais variadas procedências” (VAINFAS, 2010, p. 104). 3 - O surgimento do modo de De acordo com Perry Anderson, “o modo de produção feudal que emergiu na Europa ocidental se caracterizava por uma unidade complexa”. Segundo ele, o feudalismo “foi um modo de produção dominado pela terra e por uma economia natural, em que nem o trabalho nem os produtos do trabalho eram mercadorias” (ANDERSON, 2016, p. 165). Figura 2.5 – Disponível em: https://medium.com/paiol/o-pensamento- sociol%C3%B3gico-de-karl-marx-parte-ii-df89b0ba3fca. Acesso em 31/01/2019. um espaço de sociabilidades, o qual tinha por fundamento, a ideia propagada pela Igreja Católica de que o mundo fortemente difundida. A síntese daquela religiosidade, combinada comvalores e resquícios das civilizações europeias é, para Le Goff “particularmente notado na Alta Idade Média ocidental. A novidade cultural mais evidente são as relações que - se estabelecem entre a herança pagã e o aporte cristão supondo - bem longe da verdade, como se sabe que um e outro formassem então um todo coerente” (LE GOFF, 2007, p. do pensamento cristão, continuaram sendo, para muitos as antigo sobreviveu à Idade Média “atomizado, deformado; humilhado pelo pensamento cristão. O cristianismo teve de apagar a memória de seu escravo prisioneiro e fazê-lo trabalhar, para si, esquecendo suas tradições” (LE GOFF, 2007, p. 109). Nesse tempo, toda referência ao legado greco- romano também foi considerada pagã. Considerado o ponto da forte religiosidade no mundo feudal, passemos para a sua estrutura. A instituição do colonato romano (sistema produtivo baseado na reciprocidade em que o colono, camponês, tem a permissão para usar as terras de um senhor, que é geralmente um guerreiro, o qual garante a sua proteção e da família e, em troca, produz para o senhor) no século IV, na decadência do Império Romano, serviu Média. Isso porque, a partir do colonato, a permanência de habitantes do espaço rural, no quadro das invasões germânicas, foi garantida através do vínculo entre o trabalho livre dentro de um domínio territorial, o feudo. Por este acordo, os tributos que os camponeses pagavam a Roma antes do estabelecimento dos bárbaros, passariam a serem pagos aos senhores de terra, que eram guerreiros. Nos séculos da experiência germânica, especialmente V ao 229 História Econômica Geral 20 IX, esse sistema teve em boa medida continuidade, dentro de ajustamentos, evidentemente. Após esse período, a modo de produção, o feudal. Pensando os vínculos entre resultado da fusão de elementos romanos e germânicos. O termo “feudo”, no original, da própria Idade Média é feudum, e passou a entrar em uso na Europa, por volta do ano 1000, no contexto das novas invasões de bárbaros, sobretudo os vikings que ameaçaram aquele mundo rural medieval. Essa temporalidade é a que nos apresenta uma Europa repleta que em alguma medida protegia aquele domínio de ataques semeada de castelos era, a um tempo, uma proteção e uma prisão para a população rural. Os camponeses [...] acabaram por ser lançados na servidão generalizada” (ANDERSON, 1982, p. 156-157). A sociedade do período medieval possuía um modo diferenciado de pensar a si própria. Esse modo se explicava a partir de uma elaboração tida como naturalizada e, portanto, aceita, baseada no esquema de três ordens, fundamentado em textos antigos dos quais os letrados do período (especialmente os clérigos, como vimos) tinham contato. Esse esquema estabelecia, de acordo com Jerôme Baschet (2009, p. 166), no seio da sociedade uma divisão funcional entre aqueles que oram, oratores (clérigos), aqueles que combatem, bellatores (guerreiros) e aqueles que trabalham, os laboratores, os servos e camponeses livres. Com efeito, diz-se que a sociedade das três ordens dividia de cada indivíduo partia de uma determinação, de uma ordem, divina (FRANCO JR. 1992, p. 73). “Os laboratores apresentavam um leque de condições conforme os locais e os momentos. Subsistiam camponeses livres, donos de uma terra que escapara aos vínculos feudais, o alódio. Se de um lado havia pressões que senhorializavam muitos alódios, de outro formavam-se novas pequenas propriedades em regiões que iam se abrindo à agricultura devido às necessidades caracterização problemáticas, que geraram muitas polêmicas Recebiam do senhor lotes de terra, os mansos, cujo cultivo dependia sua sobrevivência e o pagamento de determinadas taxas que deviam àquele senhor” (FRANCO JR. 1992, p. 75). Hilário Franco Jr., como se nota, buscava enfatizar o caráter coletivista da sociedade feudal. O contrato feudo-vassálico tratava-se de uma expressão alguém que se tornava “moço” (vassalus) de um “ancião” (sênior) estabelecendo-se um pseudoparentesco entre pai relações de suserania e vassalagem, também havia respeito e outro lutando” (FRANCO JR. 1992, p. 76). Mas, para Marc Bloch, a feudalidade foi mais desigual do que hierarquizada, mais de chefes do que de nobres, mais de servos, do que de escravos. Em relação à última categoria, o historiador compreende que “se a escravatura não tivesse nele desempenhado um papel tão fraco, as formas de dependência autenticamente feudais, na sua aplicação às classes inferiores, não teriam tido ocasião de existirem” (BLOCH, 1979, p. 482). Para ele, naquela “desordem geral”, o lugar do aventureiro era muito importante, a memória dos homens, muito breve, a , mal garantida para permitir a estrita constituição de castas regulares. (idem) Pensando a relação vassálica que se desenvolvia na sociedade feudal e é grandemente explorada no ensino de história da Idade Média, via guias didáticos, é substancial o vínculo humano característico foi o elo entre o subordinado e o chefe mais próximo. De escalão em escalão, os nós assim só parecia ser uma riqueza tão preciosa por permitir obter os senhores normandos, ao recusarem os presentes de joias, de armas, de cavalos, oferecidos pelo seu duque. E dizem uns para os outros: “assim, poderemos manter numerosos cavaleiros e o duque não” (BLOCH, 1979, p.483). A terra, era, portando, na sociedade feudal, a remuneração mais cobiçada. Bloch entende que “em lugar do salário, geralmente impassível, o largo uso da tenure-serviço, que, no seu sentido exato, é o feudo”. Este, por sua vez, representa a “supremacia duma classe de guerreiros especializados; vínculos de obediência e de proteção que uniam o homem e, nesta classe guerreira, revestem a forma particularmente pura da vassalagem; fraccionamento dos poderes, gerador da desordem” (BLOCH, 1979, p. 485). São esses, para o autor, os traços fundamentais das sociedades europeia. Assim, dizemos que a terra, principal objeto da relação feudo-vassálica foi, na Idade Média, especialmente nos séculos X, XI e XII, uma riqueza distribuída no seio da aristocracia, que, na medida em que permitia um equilíbrio interno (proteção de novas invasões), também mantinha um domínio sob os trabalhadores. O modo de produção feudal, para Anderson (1982) caracterizou-se por uma unidade complexa. O autor apresenta o sistema feudal com a arguição seguir: Foi um modo de produção dominado pela terra e por uma economia natural, no qual nem o trabalho nem os produtos do trabalho eram mercadorias. O produtor imediato – o camponês – estava ligado aos meios de produção – o solo, por uma relação social glebae adscript - ou vinculados à terra, servos da gleba: os servos tinham uma mobilidade juridicamente limitada. Os camponeses que ocupavam e cultivavam a terra não eram os seus proprietários. A propriedade agrária era controlada em regime privado por uma classe de senhores feudais que extraía dos camponeses um excedente através de relações político-jurídicas de coerção. Esta coerção extra econômica, que assumia a forma de prestações de trabalho (corveias), rendas 230 21 em espécie ou tributos consuetudinários entregues pelo camponês ao senhor individual, era exercida quer no domínio senhorial diretamente ligado à pessoa do suserano quer nas pequenas parcelas (strip tenancies, virgates) cultivadas pelo camponês. Deste sistema, resultou necessariamente uma amálgama jurídica de exploração econômica e autoridade política (ANDERSON, 1982, p. 163). Bloch, por sua vez, pede que evitemos o uso da expressão “economia natural” empregada por Anderson. Para ele, soa demasiadamente vaga e sumária, e, portanto, prefere pensar na economia feudal como “economia de carência monetária” (BLOCH, 1979, p. 87). Abertamente crítico à análise substancialmente econômica daquela sociedade a qual Anderson faz, Bloch atenta para que “evitemos uma fórmula demasiado simples: a de economia fechada, pois ela nem às pequenas exploraçõesrurais se aplicaria exatamente”. Sabemos da existência de mercados onde os camponeses certamente vendiam alguns produtos dos seus campos ou das suas capoeiras: à gente da cidade, aos clérigos, aos homens de armas. Era assim que eles arranjavam os dinheiros dos foros” (BLOCH, 1979, p. 88). Nota-se que Bloch privilegia uma análise sociocultural mais engajada. Ele pretende abrir a concepção da servidão por e o que eles fazem além do trabalho, o modo como vivem e se expressam. “Quanto à «autarcia» dos grandes senhores ela faria supor que eles tivessem passado sem armas e sem joias, nunca bebessem vinho, se por acaso as suas terras não o produzissem, e se tivessem contentado com terem por vestuário os tecidos grosseiros tecidos pelas mulheres dos seus sociais e as intempéries contribuíam para alimentar um certo comércio interior, no qual as trocas existiam de modo irregular. A sociedade medieval à época do feudalismo conhecia, sem dúvidas, o comércio estruturado na compra/venda, como a sociedade contemporânea concebe as trocas comercias atualmente. A partir disso, podemos relativizar a noção de que a vida à época feudal era apenas rural e pautada, exclusivamente, numa economia ruralizada. Cada feudo medieval era autônomo. A descentralização política e a centralização religiosa, acentuada desde o Império Carolíngio, atingiram o auge na sociedade feudal, particularmente nos séculos IX e X. Basicamente, a produção do feudo era agrária, mas, havia, em alguma medida, uma produção artesanal e também um comércio, o que prova historiadores os quais reservaram-se a considerar o período medieval como sombrio, atrasado. Àquele comércio desenvolvido no medievo, Bloch (1979, p. 88) alude que “sob a forma de troca, não era o único, nem talvez o mais importante dos canais pelos quais se processava então a circulação dos bens, través das camadas sociais. Um grande número de produtos passava de mão em mão a título de foros, pagos a um chefe como remuneração pela sua proteção, ou como reconhecimento do seu poder. O mesmo acontecia com essa outra mercadoria, que é o trabalho humano: o trabalho gratuitamente fornecido ao senhor fornecia mais mão de obra’ do que o trabalho remunerado. Numa palavra, a troca, no sentido estrito, ocupava menos lugar na vida económica, sem dúvida, do que a prestação de serviços; e porque a troca era, assim, rara e por isso só os pobres deviam resignar-se a subsistir apenas à custa da sua própria produção, a riqueza e o bem-estar pareciam inseparáveis do comando”. Bloch lembra que, individualmente, os mercadores sempre desempenharam papel de relativa importância, entretanto, ressalta que, pensando no coletivo de mercadores tanto estes como os artesãos não adquiriram importância até o século XI, quando tal situação começa a mudar, haja vista, “a classe artesã e a classe dos mercadores, que se haviam tornado mais cada vez mais vigorosamente no contexto urbano. Por essa razão, Marc Bloch entende que a evolução da economia feudal estimulava uma revisão dos valores sociais. “Nascida numa sociedade de trama pouco apertada [a classe dos mercadores], em que as trocas pouco representavam e o dinheiro era raro, o feudalismo europeu alterou-se profundamente logo que as malhas da rede humana se apertaram e a circulação dos bens e do numerário se tornou mais intensa” (BLOCH, 1979, p. 93). Era um desenho da burguesia que se formava. Anderson (1982, p. 221) esclarece que o fator mais profundo da crise do sistema feudal “reside no colapso dos mecanismos de reprodução do sistema num ponto limite das suas capacidades últimas”. Segundo o autor, “a recuperação das terras incultas levou o sistema feudal para além dos objetivos da estrutura do terreno e da sociedade”. Os solos facilmente deterioráveis devido a debilidade das técnicas de plantio do período contribuíram, em boa medida, para o colapso do sistema. Desse modo, concordamos com a seu próprio preço” (ANDERSON, 1982, p. 222). Além do fator acima mencionado, também vale incluir a análise de Villar (1988) acerca da crise. Para este historiador, as sociais, os tributos cobrados pelo Estado que competiam diretamente com os tributos locais, podem ser compreendidos como elementos que constituem a desagregação do regime feudal. Aqui, é de fundamental importância perceber a ação revolucionária da burguesia, na medida em que esse grupo em ascensão inicia um processo de sensíveis mudanças estruturais, tanto as políticas quanto as socioeconômicas (que poderão ser mais bem compreendidas quando estudarem-na no contexto dos Estados Nacionais) que resultam no prelúdio do capitalismo. Também podemos incluir como fatores de crise, as crescentes revoltas camponesas por toda a Europa feudal, causadas especialmente, pela crise agrícola e epidemias; o fortalecimento do poder real a partir da atividade burguesa, uma vez que os interesses dessa já não mais serviam aos mesmos interesses contidos nas relações feudo-vassálicas; como também o aparecimento dos burgos nos arredores dos locais em que se desenvolvia cada vez mais a atividade comercial. 231 História Econômica Geral 22 Retomando a aula Finalizamos nossa aula sobre as chamadas as características da sociedade escravista grega, a degradação do Império Romano do Ocidente, a partir do “mundo medieval” e de seu modo de produção característico, o 1 – O modo de produção escravista e o mundo helênico Na seção 1, discutimos as bases do sistema produtivo escravista, tendo como referência a sociedade grega antiga. Vimos o papel social do escravo, bem como as categorias de pensamento a eles atribuídas. 2 – As invasões germânicas Aqui, discutimos um pouco a respeito do Império Romano, as distinções culturais de suas duas porções, a oriental e a ocidental, compreendendo de que maneira as invasões germânicas foram primordiais para a ruína da sua parte ocidental. Decorrente daí, surgiria o mundo medieval e o modo de produção feudal que lhe é característico. 3 – O surgimento do modo de produção feudal Na seção 3, vimos que a propriedade agrária era controlada em regime privado por uma classe de senhores feudais. Conhecemos duas vertentes teóricas do estudo medieval: a de Anderson e a de Bloch, assim, descontruímos a ideia disseminada de que na Idade Média inexistiu o comércio, pois existia principalmente sob a forma de trocas. No que se refere à justiça feudal, percebemos o direito consuetudinário e o valor da palavra dada. Além disso, entendemos que a degradação do valor social do solo, bem como a ascensão da burguesia, foram fatores da desagregação do sistema feudal. BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1987. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982. Vale a pena ler Vale a pena Minhas anotações 232 3ºAula A transição do feudalismo ao capitalismo: Capitalismo mercantil e a transição para a economia industrial Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula, vocês serão capazes de: analisar o contexto de sua produção; ponderar os elementos feudais permanentes no mercantilismo; reconhecer elementos capitalistas inaugurados por essas ideias; compreender o mercantilismo como um fenômeno próprio da Era Moderna, marcado pelo elemento de transição. Nesta aula, discutiremos os elementos econômico e religioso, fundamentais para a compreensão não só da modernidade, como de todo o desenvolvimento capitalista, afinal de contas, em sua origem, o capitalismo dependeu de um sistema de pensamento que legitimasse, dentre outros aspectos, a acumulação de capitais, vista, durante muito tempo, como um pecado. Em nossa perspectiva, seriam estes os principais elementos para compreender a Era Moderna. Por certo, outros enfoques são possíveis, resultando em outras análises. A história, como procuramos apontar ao longo de nossas aulas, é constituída por um emaranhado muito mais complexo de relações do que podemos apreender em nossas análisesdirecionadas. Aqui, nosso foco será o mercantilismo, analisado como o conjunto de ideias e práticas econômicas característico da Era Moderna e que, apresenta-se como a transição do feudalismo ao capitalismo. Contudo, como será facilmente notado, esse elemento econômico é indissociável do político. Se atualmente, é bastante problemática as análises políticas que não considerem o elemento econômico, e vice-versa, mais ainda se faz presente essa imbricação na Era Moderna. Entre os séculos XV e XVII, raramente se verá um pensamento econômico que não seja impregnado do político e, ainda que não abordado diretamente aqui, do religioso. Economia, na Era Moderna, se confunde profundamente com política e com religião, sendo sua autonomização, ou seja, sua elaboração como teoria distinta, pensada apenas a partir do século XVIII. Bons estudos! mercantilista-ocupacao-efetiva-das-terras-brasileiras/. Acesso em 28/04/2019. 233 História Econômica Geral 24 1 – Mercantilismo: um conceito contraditório 2 – Características Gerais do Mercantilismo 1 - Mercantilismo: um conceito contraditório elaborarmos uma compreensão mais precisa acerca dos fenômenos por nós estudados. Acontece que, especialmente em história, uma ciência que tem o tempo como objeto privilegiado de sua análise – na verdade a humanidade no tempo, nos lembra o historiador Marc Bloch – essas categorias e conceitos quase sempre são construídas a posteriori. O custo disso é que, não raro, esses conceitos são impregnados de concepções da sociedade que os produz. Não é diferente com o mercantilismo. O conceito de mercantilismo, enquanto um sistema de pensamento econômico, foi elaborado, inicialmente, pelos enquanto ferramenta conceitual, nasce impregnada de um aspecto negativo, uma vez que construído pelos teóricos que prática político-econômica. Como aponta Falcon, “as ideias e práticas associadas ao sistema mercantil tornaram-se sinônimas de estatismo, monopolismo, privilégios abusivos, maquinações diabólicas, etc. Condenadas em nome da razão, repúdio moral” (FALCON, 1991, p.14). Portanto, ao analisarmos o mercantilismo e seu papel histórico, precisamos levar em conta as formulações e reformulações do termo, as reestruturações pela qual o conceito passou ao longo dos anos e pelas mãos de diferentes autores, que tenha sido. Para tanto, procuraremos nos basear em dois autores que tiveram suas pesquisas publicadas e reeditadas do mercantilismo, apontando as transformações em sua interpretação ao longo do tempo. Estes autores são Pierre Deyon e Francisco Falcon. Em seus textos, eles apresentam perspectivas variadas acerta do mercantilismo, como as apresentadas por Karl Marx, Eli Heckscher, Gustav Schmoller e Georges Gusdorf, além é claro, de suas próprias análises. Francisco Falcon nos chama a atenção para uma questão que deve ser elementar ao historiador: a contextualização do objeto. Segundo ele: O estudo do mercantilismo só adquire seu sentido verdadeiro quando o situamos no interior do contexto histórico que o tornou possível: o período de transição do feudalismo ao capitalismo, também chamado de “época Seções de estudo mercantilista”. Duas razões, pelo menos, apontam nessa direção: a distinção entre o mercantilismo e a época mercantilista e o fato dessa época, embora às vezes esquecido, é o processo de transição (FALCON, 1991, p.18). Essa contextualização histórica traz o elemento que, na visão de Falcon é o essencial – e paradoxalmente esquecido – para compreender o mercantilismo: trata-se de uma fase de transição. O que o autor chama de “época mercantilista”, e que segundo ele deve ser compreendido de modo diferente do mercantilismo, é percebido como a passagem das sociedades medievais, que se organizam em função das até então predominantes relações feudais, para as sociedades burguesas contemporâneas, nas quais a organização social se dá a partir das relações capitalistas. Esse caráter cambiante, transitório, é a característica principal de uma “época mercantilista”. Desse modo, produzido em uma época de transição entre uma sociedade feudal e uma sociedade capitalista, o nenhum dos dois. Nos concentremos nessa ambiguidade um momento, analisando as características de permanência e as de ideias e práticas transitório por excelência. As características de permanência presentes no mercantilismo em relação ao sistema anterior são chamadas por Falcon de “fundo medieval”: O chamado “fundo medieval” é constituído por todo o conjunto de ideias e práticas econômicas, típicas das comunas medievais, que caracterizam a economia urbana. Regulamentando as atividades mercantis e artesanais, em seus múltiplos aspectos, as autoridades municipais desenvolveram uma série de práticas intervencionistas retomadas, ainda no século XV, por alguns monarcas que logo trataram de ap1ica-las no âmbito político- econômico mais vasto de seus Estados. Temos aí, por exemplo, a preocupação em assegurar o mercado e zelar pela qualidade dos produtos e os ofícios urbanos, transferida ao conjunto da produção artesanal de um país. Veja-se, ainda, a política que era adotada em relação aos produtores rurais e que visava assegurar aos habitantes da cidade um abastecimento de alimentos que fosse ao mesmo tempo abundante e barato, traduzindo-se, na os produtos agrícolas (enquanto os artigos da indústria artesanal eram protegidos por preços mínimos) (FALCON, 1991, p.49). Em outras palavras, aquela que é apontada como uma das características do mercantilismo a intervenção do Estado na economia, não é inaugurada na “época mercantilista”. Suas práticas remetem à Idade Média e às relações tipicamente feudais – na verdade, já em transição, pois outro erro comum é pensar na Idade Média como um período estanque, em que nada mudou. Portanto, a Era Moderna uma 234 25 política intervencionista do Estado, o que por muitos autores será chamado protecionismo. O mercantilismo dá sequência empreendidas nas sociedades ditas feudais. O que ocorre sob a égide dos reis absolutistas e seu governo centralizado, é que os Estados modernos estendem esse controle para “âmbitos político-econômicos mais vastos”, nas palavras de e circulação de produtos. Falcon não está sozinho em sua proposição. Da mesma maneira, Pierre Deyon vê no mercantilismo e no controle a continuidade de práticas típicas do medievo. Segundo ele, as comunas medievais deixariam de herança aos Estados Modernos uma tradição consolidada de intervenção na vida econômica e social. As atividades dos burgueses e estrangeiros já eram, desde o medievo constantemente controladas. Essa tradição encontraria espaço na modernidade, segundo Deyon: Os Estados monárquicos dos séculos XV e XVI encontraram, pois, neste tesouro de experiências e de regulamentos, os primeiros elementos de sua política econômica; numa certa medida, o mercantilismo que começa a se metade do século XV estendeu aos limites das jovens monarquias nacionais as preocupações e as práticas das cidades da Idade Média Assim, sendo o Estado Absolutista um mecanismo de proteção dos privilégios da aristocracia feudal – ideia basilar no texto de Perry Anderson – ele foi retomado por Francisco Falcon para explicar a permanência de práticas intervencionistas e protecionistas por parte do Estado na modernidade: Do ponto de vista dos segmentos aristocráticos, o Estado absolutista representou basicamente um tríplice papel: em primeiro lugar ele defesa e manutenção do sistema de apropriação do excedente ou da renda feudal pela aristocracia fundiária, numa época, a de transição, onde o problema crescia era a tendência ao declínio de tais rendimentos; nesse sentido ele pode ser visto como a peça fundamental da chamada reação feudal; em segundo lugar, esse tipo de Estado assegura à aristocracia a manutenção de sua hegemonia, em seu sentido mais amplo; por último, consequência dos dois aspectos anteriores, o Estado absolutista,ao possibilitar a organização e contínuo crescimento de uma verdadeira máquina burocrática, oferece à aristocracia a possibilidade de novas e sempre mais atraentes formas de obtenção de rendimentos extras vinculados ao exercício de funções de proa, algumas generosidade do príncipe distribui entre os membros da sua nobreza (FALCON, 1991, p.32 – grifo nosso). O Estado Absolutista forneceria, portanto, à aristocracia, a possibilidade de defesa e manutenção da exploração do trabalho dos camponeses; a continuidade da hegemonia política da nobreza, mesmo quando sua hegemonia econômica suas rendas, por meio dos cargos burocráticos. Esses fatores explicariam a manutenção de práticas feudais em um Estado Moderno, ou em modernização. resultariam na manutenção do poder da aristocracia feudal, teriam o efeito de equilibrar o universo social, em um contexto de declínio da nobreza e ascensão burguesa. Segundo Falcon, decorre disso que: [...] boa parte do fruto do trabalho do campesinato e da burguesia é transferido, por intermédio do Estado absolutista, para os setores parasitários da sociedade – grupos feudais tradicionais e nova aristocracia, de caráter burocrático –, contrabalançando, assim, em maior ou menor escala, a tendência declinante da renda feudal propriamente dita. (FALCON, 2001, p.33) Mas, não foi apenas de permanências que foi feita a época mercantilista. Uma característica importante deste período, obviamente, são também as rupturas. De acordo com Falcon, existem aspectos que não permitem construir uma visão simplista de continuidade, e que revelam as características de ruptura com o período anterior. O primeiro deles seria que o Estado Absolutista possuiu uma dinâmica própria, que para o autor é percebida no simultâneo aumento de suas funções e das necessidades aquilo que Max Weber chamará de “racionalidade crescente”. O resultado disso, seria o próprio aumento das funções do Estado, que passaria a aumentar gradativamente sua intervenção na economia. Segundo Falcon, isso explicaria porque o Estado foi forçado a estreitar suas relações com vários setores da burguesia. Para Falcon, esse estreitamento pode ser visto em três situações principais: A primeira corresponde às relações e banqueiros, traduzidas em empréstimos, adequadas, tanto aos objetivos de lucro da burguesia mercantil e manufatureira, quanto ao aumento da arrecadação de impostos e taxas pelo Estado; é aí, aliás, que se situa o próprio mercantilismo, como veremos adiante; e, por último, o próprio Estado absolutista tende a utilizar os conhecimentos e a competência de elementos burgueses naqueles setores do seu aparelho burocrático em que isso é fundamental e para os quais a aristocracia se revela despreparada ou desinteressada; como compensação, abrem-se à burguesia os caminhos da ascensão social e do prestígio 235 História Econômica Geral 26 político, sobretudo a possibilidade de enobrecimento efetivo (FALCON, 1991, p.34). Ora, vejamos: mostramos anteriormente que Falcon aponta elementos de permanência no mercantilismo, inclusive a inserção de elementos da nobreza no aparato burocrático do Estado, que lhes permitia aumentar sua riqueza por meio dos cargos públicos. Contudo, o mesmo Estado utilizaria também elementos burgueses dentro desse mesmo aparato, utilizando- se de suas competências e conhecimentos comerciais, em troca de prestígio e ascensão social. Falcon nos deixa claro o elemento da transição. Não se trata de um Estado que insere em sua máquina burocrática a nobreza ou a burguesia, mas, sim, ambos. E essa dualidade produzirá efeitos nas disputas políticas. O elemento moderno do mercantilismo se garantiria, assim, por meio dessa nova classe. Essa burguesia veria na aliança com os reis a possibilidade de favorecer interna e externamente seus interesses políticos e econômicos: Internamente, a criação de um espaço econômico mais amplo, menos sujeito aos caprichos dos senhores feudais e das comunidades urbanas, aliada a obtenção de certos privilégios e garantias, não só ampliava as próprias atividades mercantis, como ainda podia servir para evitar que um número excessivo de competidores pusesse em risco a margem de lucro, limitando assim, sempre que possível, a determinados grupos ou setores, os negócios e empreendimentos mais importantes e lucrativos. Externamente, o apoio do Estado tende a impedir a concorrência “desleal” de comerciantes e mercadorias estrangeiras, ao mesmo tempo que possibilita a conquista e exploração, em caráter exclusivo, dos mercados externos, destacando-se aí as colônias ultramarinas (FALCON, 1991, p.35). Em síntese, na aproximação com o monarca, era possível aos burgueses garantir o controle e uniformização de suas atividades comerciais dentro do território, evitando inclusive a concorrência interna, como proteger-se da concorrência externa estrangeira. Ou seja, trata-se de um objetivo protecionista, que garanta os interesses burgueses, especialmente da alta burguesia, tanto mais próxima do rei quanto mais economicamente poderosa. Essa aparente contradição entre os interesses burgueses e nobres é que muitas vezes dá o tom do mercantilismo, caracterizando-o como um elemento de transição entre um sistema feudal e um sistema capitalista. Ainda nas palavras de Falcon: Trata-se de uma relação essencialmente contraditória: o apoio ao capital comercial e, pelo menos de início, ao capital industrial não se opõe, necessariamente, à defesa e manutenção dos interesses senhoriais ou feudais da aristocracia dominante. Para poder compensar o declínio da renda feudal, o Estado absolutista necessita cada vez mais aumentar seus próprios rendimentos (arrecadação) e isso só se torna possível protegendo e estimulando ao máximo as atividades produtivas e comerciais em geral (FALCON, 1991, p.36). Assim, o mercantilismo guardaria esse caráter de como uma ou outra prática. Segundo Falcon, nessa complexa relação em que o monarca precisa aumentar sua riqueza constantemente para manter seu poder político centralizado, oferece a burguesia a possibilidade de aumento de seu poderio econômico e político também por meio dessa centralização. sobre a circulação interna de mercadorias e sobre sua entrada e saída nas fronteiras do país, o controle da moeda e dos pesos e tesouro do monarca, mas pode servir também à implementação de uma política econômica autêntica temos aí, então, o mercantilismo (p.52). A diferença entre eles seria que enquanto para o Estado a manter o aparelho burocrático e os crescentes gastos com diplomacia, para o mercantilismo estes mesmos tributos são um meio de alcançar objetivos diversos, especialmente a médio e longo prazo. Contudo, não há uma uniformidade histórica nas posições da burguesia quanto a aliar-se ao Estado. Como aponta Falcon, a medida que a burguesia industrial ou manufatureira se desenvolve e alcança proeminência econômica, ela tenderá a se distanciar do Estado. Enquanto a fração mercantil da burguesia associa-se ao Estado absolutista e transita livremente em seu aparelho burocrático, a burguesia industrial (ou manufatureira), ainda que buscando ou aceitando, de início, a proteção do príncipe (como se deu na Inglaterra Tudor), tende, a médio ou longo prazo, a se opor a essa mesma política econômica do Estado absolutista, isto é, ao mercantilismo (FALCON, 1991, p.36). Essa oposição resultará nos eventos de ruptura da era da Europa e do mundo, tais como a Revoluções Francesa e a Revolução Inglesa. Sendo marcado pelo elemento da transição, portanto, o mercantilismo traz consigo a contradição em sua análise. Isso porque seus teóricos ora voltam-se para suas características feudais, ora para as capitalistas. Francisco Falcon aponta para das principais controvérsias. Analisemos o que diz o autor sobre os grupos em debate: A partir de uma interpretação errônea que “Se bem que os primeiros esboços da produção
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