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TÓ PI CO Eleonora Trajano OrIgEm, EvOluçãO E fIlOgEnIa dE ChOrdaTa E CranIaTa 1 Licenciatura em ciências · USP/ Univesp 1.1 Introdução 1.2 apresentação dos Chordata 1.3 relações filogenéticas de Chordata com outros deuterostomia 1.4 filogenia de Chordata 1.5 Os grupos de Chordata 1.5.1 urochordata: Caracterização morfológica, funcionamento e diversidade Estudo da Classe Ascidiacea Parede do corpo Faringe e átrio Alimentação Circulação e excreção Sistema nervoso e sensorial Reprodução e desenvolvimento 1.5.2 Cephalochordata: Caracterização morfológica, funcionamento e diversidade Forma do corpo Sistema nervoso e sensorial Notocorda e musculatura Alimentação Sistema circulatório e excreção Reprodução e desenvolvimento 1.6 Introdução aos Craniata 1.7 Os primeiros Craniata: peixes sem maxilas (agnatha) 3licenciatura em Ciências · uSP/univesp 1.1 Introdução Neste tópico, será apresentado o Filo Chordata, com abordagem das relações filogenéticas entre os seus subfilos, os chamados protocordados e os vertebrados, considerando ainda a relação destes grupos com os demais deuterostômios. Nessa linha, serão tratados conceitos básicos de Sistemática Filogenética e Desenvolvimento Embrionário, fundamentais para a compreensão dos processos evolutivos envolvidos na diversificação do grupo. Serão caracterizados os grupos de protocordados quanto a estruturas morfológicas, fun- cionamento e hábito, considerando ainda suas relações com outros organismos e o ambiente. Apresentaremos ainda o Subfilo Craniata, com suas características morfológicas, desenvolvimento embrionário e relações filogenéticas entre as Classes que o compõem. Serão tratados o desenvol- vimento e a estrutura do crânio, assim como do encéfalo, característica que dá nome ao grupo. Objetivos Espera-se que o aluno: • o reconheça e caracterize os Chordata, “protocordados”, Craniata, Vertebrata e peixes Agnatha; • entenda a origem e evolução desses grupos, suas relações de parentesco e as bases para as filogenias apresentadas; • saiba a classificação apresentada; • compreenda que Ciência é dinâmica, baseada em hipóteses e que o que se apresenta é o consenso no momento, podendo mudar de acordo com novos dados e hipóteses; • conheça a biologia e a morfologia desses grupos, no mínimo no nível apresentado, sendo capaz de pesquisar e ampliar esse conhecimento; • seja capaz de repassar esse conhecimento aos estudantes de Ensino Fundamental, sem desvirtuar os conceitos ou repassar informações sem fundamento. Agora é com você... Veja a videoaula http://licenciaturaciencias.usp.br/ava/mod/url/view.php?id=4645 4 licenciatura em Ciências · uSP/univesp 1. 2 Apresentação dos Chordata O Filo Chordata é composto por animais invertebrados e vertebrados, reconhecidos em três subfilos: Cephalochordata, Urochordata (=Tunicata) e Craniata (Vertebrata senso estrito + Myxiniformes ou feiticeiras) Figura 5.1. Os Cephalochordata + Urochordata são comumente referidos como “protocordados”, mas este não é um agrupamento natural monofilético (ver item 2 deste Tópico). Os cordados são primitivamente marinhos, apresentando características comuns, ditas diag- nósticas que, no conjunto, permitem reconhecer o grupo no que se refere ao desenvolvimento embrionário, às cavidades do corpo e às estruturas morfológicas presentes, ao menos, em algum estágio ontogenético. Tais características abrangem tanto as sinapomorfias quanto as plesiomorfias. Recordando, sinapomorfias são estados de caráter que só aparecem, por modificação de estados anteriores, no ancestral comum e exclusivo desse grupo, assim definido como um grupo mono- filético; plesiomorfias são características já presentes no ancestral comum do grupo em questão, que apareceram em um ancestral desse ancestral comum, mais ou menos distante no tempo. Em função do processo contínuo de diversificação e separação de táxons, quanto mais distantes são os ancestrais, maior é o número de outros grupos que também apresentam essas características. Figura 1.1: Representação esquemáti- ca da filogenia de Chordata indicando Urochordata como grupo irmão dos demais subfilos. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004. 5licenciatura em Ciências · uSP/univesp São plesiomorfias dos Chordata: multicelularidade, simetria bilateral, trato digestivo com boca e ânus, metameria (perdida em urocordados). Entre as características do desenvolvimento embrionário, estão: três tipos de tecidos germinativos (ecto, meso e endoderme), clivagem radial e indeterminada, deuterostomia, condição enterocelomada. Fendas laterais na faringe (dilatação da porção anterior do tubo digestivo, perfurada por fendas que eliminam a água que entra pela boca dos animais. Figura 1.2) são frequentemente citadas como sinapomorfia dos cordados. No entanto, atualmente, é aceito que tais fendas são homólo- gas às dos hemicordados (animais marinhos representados pelo balanoglossus e que antigamente eram considerados como cordados), tendo assim aparecido em um ancestral desses dois grupos. A presença de fendas é, portanto, condição plesiomórfica nos cordados e, apesar de surgirem no desenvolvimento embrionário, podem desaparecer nos adultos em vários grupos de cordados. Figura 1.2: Estrutura básica de um Chordata. Observe o tubo digestivo completo com a abertura da boca (anterior) e ânus (posterior), a notocorda, o tubo nervoso dorsal, os órgãos sensoriais na cabeça, as fendas faríngeas, o coração ventral e a metameria, indicada pelos miômeros / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al., 2008. 6 licenciatura em Ciências · uSP/univesp As principais sinapomorfias dos Chordata são: • Notocorda (Figura 1.3): estrutura dorsal longitudinal com função de suporte do corpo, com origem a partir de células mesodérmicas durante o desenvolvimento embrionário. Na maioria dos vertebrados adultos, a notocorda é substituída pelos corpos das vértebras, deixando resquícios nos discos intervertebrais. Figura 1.3: Neurulação. Observe a formação da placa neural, dorsalmente à notocorda e ao longo da linha mediada dorsal do embrião / Fonte: Cepa (Clique na imagem para visualizar a animação) • Tubo nervoso dorsal oco: a notocorda induz a ectoderme a formar a placa neural ao longo da linha mediana dorsal do embrião, cujas células proliferam e as extremidades se dobram dorsalmente, fechando-se em um tubo (Figura 1.3). • Endóstilo: adaptação para o hábito alimentar filtrador, o endóstilo é um sulco faríngeo ventral mediano, que produz grandes quantidades de muco iodado, o qual forma um filme que reveste a faringe e onde se aderem partículas que servirão de alimento; característico dos “protocordados”, o endóstilo dá origem à tireoide dos vertebrados. • Cauda muscular pós-anal, importante para locomoção não reptante (natação na água, não apoiado no fundo), reduzida ou ausente na fase adulta em vários grupos de cordados, como a maioria dos urocordados e alguns vertebrados. • Vaso(s) pulsante(s) ventral(is): envia(m) o sangue para o dorso pelos arcos faríngeos e, daí, para a região posterior por um vaso dorsal. Observe que o coração verdadeiro, com câmaras, só surge nos Craniata. 1.3 Relações filogenéticas de Chordata com outros Deuterostomia Filogenias são diagramas de relações de parentesco propostas com base principalmente em evidências detectáveis nos grupos atuais, viventes (ditos táxons terminais), em dados molecula- res, no desenvolvimento embrionário e em características preservadas em fósseis. Tal como no caso da história humana não escrita, não é fácil reconstruir a história evo- lutiva dos organismos, pois boa parte dessas evidências é perdida ao longo dessa história tão 7licenciatura em Ciências · uSP/univesp rica e complexa – nem todos os passos são preservados nas espécies atuais; um número muito grande de espécies extinguiu-se sem deixar fósseis, e mesmo estes retêm apenas uma pequena parte dos caracteres de um organismo vivo, além dasrecorrentes homoplasias (convergências e paralelismos), que obscurecem essa história. Assim sendo, a proposição de filogenias depen- de da interpretação de homologias – p. ex., as células vacuolizadas do prossoma dos hemi- cordados já foram consideradas homólogas à notocorda dos cordados, mas estudos detalhados revelaram que não o são. O tipo de evidência considerada também pode gerar hipóteses contrastantes – p. ex., é comum que filogenias morfológicas difiram daquelas baseadas em biologia molecular, sendo a tendência atual a da “evidência total”, ou seja, que reúne todas as evidências, de qualquer tipo, disponíveis. Entre os filos caracteristicamente deuterostômios, Echinodermata, Hemichordata e Chordata, as relações filogenéticas também apresentam controvérsias, especialmente pelo fato de a larva dos Hemichordata apresentar similaridades com a dos Echinodermata, enquanto a forma adulta se assemelha aos Chordata. Por outro lado, historicamente, os Hemichordata sempre foram considerados mais pró- ximos dos Chordata, filogeneticamente, com base na estrutura das fendas faríngeas. Dados recentes apontam para esse parentesco. Assim, os Echinodermata vêm sendo considerados grupo irmão de Hemichordata + Chordata. É muito difícil reconstruir o parentesco de grupos de origem muito antiga, como os filos animais, que se separaram há mais de 500 milhões de anos, no Pré-Cambriano, acumulando diferenças desde então, sofrendo processos de homoplasia e extinção de espécies, perdendo passos evolutivos que foram comuns aos ancestrais desses filos. No entanto, é importante não perder de vista que o que pode variar são as hipóteses de filogenias, pois a filogenia real, a história evolutiva em si, é uma só – é nossa incapacidade de reconstruí-la, por causa da rarefação das evidências, que causa esses conflitos. Portanto, não é de se admirar que ainda não haja um consenso absoluto quanto às relações entre os filos e seus grandes subgrupos (como subfilos), mas alguns agrupamentos são geralmente aceitos. É o caso dos Deuterostomia, baseado em características comuns do desenvolvimento embrioná- rio e tradicionalmente reunindo cordados, hemicordados, equinodermos, lofoforados e, segundo alguns, também Chaetognatha. Estes grupos estavam reunidos pela deuterostomia, i.e., pela origem do ânus a partir do blastóporo, clivagem radial indeterminada e celoma originado por enterocelia. Entretanto, informações moleculares e as referentes ao desenvolvimento mostraram que apenas os Echinodermata, Hemichordata e Chordata apresentam como característica essa condição. 8 licenciatura em Ciências · uSP/univesp 1.4 Filogenia de Chordata O filo Chordata apresenta uma gama de diversidade de animais com oito ordens de magni- tude de tamanho, que ocupam todos os ambientes - aquáticos e terrestres. Os cordados origi- naram-se no ambiente marinho, onde ainda vivem os protocordados e parte dos vertebrados. As relações filogenéticas dentro do filo Chordata também são foco de controvérsias. Tradicionalmente, os Cephalochordata são colocados como grupo irmão dos Craniata (Figura 1.4) com base na presença, entre outros, de miótomos (pacotes musculares de mesma origem embrioló- gica da mesoderme) e notocorda não restrita à cauda, e semelhanças no sistema circulatório. Por outro lado, não existe, modernamente, nenhuma hipótese que proponha agrupar ce- falocordados e urocordados, deixando Craniata como grupo mais basal, ou seja, não se aceita “Protochordata” como um grupo monofilético. 1.5 Os grupos de Chordata 1.5.1 Urochordata: Caracterização morfológica, funcionamento e diversidade Os urocordados ou tunicados são organismos marinhos que diferem de todos os demais cordados em sua morfologia externa. São conhecidas cerca de 2.150 espécies em mares de todo o mundo, denominadas popularmente seringas do mar, mija-mija ou maminha de porca. São Figura 1.4: Representação esquemática da filogenia de Deuterostomia indicando Hemichordata e Echinodermata como grupos irmãos de Chordata. / Fonte Cepa; baseado em Hickman et al., 2004. 9licenciatura em Ciências · uSP/univesp organismos filtradores, a maioria é séssil, mas existem formas planctônicas. Apresentam o corpo revestido por uma túnica. A faringe é bem desenvolvida, mas as principais características dos Chordata, que são notocorda - tubo nervoso dorsal oco e cauda pós-anal - ocorrem na maioria dos representantes apenas na fase larval, exceção feita à Classe Appendicularia. Na fase larval (Figura 1.5), a notocorda é conspícua apenas na cauda, de onde se origina o nome Urochordata (Uro = cauda; Chordata = que possui cordão). O tubo nervoso oco é substituído por gânglios nervosos no adulto. Não apresentam celoma ou metanefrídeos e o intestino é em forma de U. O subfilo está dividido em três classes: Ascidiacea, Thaliacea e Appendicularia (Larvacea): Os Ascidiacea constituem a maior classe do Filo Urochordata, com cerca de 2.000 espécies descritas. Possuem representantes sésseis, coloniais e solitários encontrados em todas as partes do mundo, mas a maior diversidade é observada em águas rasas tropicais (apenas 100 espécies foram coletadas em grandes profundidades - maior do que 200 m). Ocorrem aderidos a substratos consolidados, como rochas e conchas, ou fixados em fundo arenoso e lodoso por filamentos ou pedúnculos. Apresentam coloração de pálido a variações de vermelho, verde ou amarelo brilhantes. Os Thaliacea, representados principalmente pelas salpas e dolíolos são organismos planctônicos, livre-natantes, com 75 espécies conhecidas. Apresentam os sifões bucal e atrial para entrada e saída de água, respectivamente, em regiões opostas do corpo, que permitem, além da circulação interna e nutrição, a locomoção por jato propulsão, importante para o seu hábito de vida. A túnica é de tecido conjuntivo gelatinoso e auxilia na flutuação. Apresentam ciclo de vida complexo (Figura 1.6). Figura 1.5: Aspecto geral de uma larva girinoide de ascídia. Atente para a região rostral globosa e cauda muscular pós-anal. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004. Figura 1.6: Ciclo de vida das salpas. / Fonte Cepa; baseado em Ruppert et al., 2005. (Clique na imagem para visualizar a animação) 10 licenciatura em Ciências · uSP/univesp Os Appendicularia (= Larvacea), com cerca de 70 espécies descritas, são considerados formas neotênicas, daí o nome Larvacea, uma vez que retêm, por toda a sua vida adulta, a cauda longa com a notocorda e o corpo de forma girinoide (Figura 1.7). Um muco gelatinoso reveste o corpo, constituindo uma estrutura chamada “casa”, que é suprida de água pelo batimento da cauda. A “casa” é reposta periodicamente, com duração de cerca de 4 horas para algumas espécies, sendo produzi- das 4 a 16 unidades por dia. Os Appendicularia podem ser extremamente abundantes em condições propícias, tendo sido regis- trados mais de 25.000 indivíduos por metro cúbico de Oikopleura dioica. Especialmente nessas condições, a dinâmica de liberação das “casas” é uma importante contribuição para os organismos que se alimentam de matéria orgânica particulada, bem como para microorganismos decompositores que devolvem seus componentes para o ambiente. Estudo da Classe Ascidiacea As ascídias podem ser solitárias ou coloniais. A maioria tem poucos centímetros, embora existam re- gistros de espécimes de Pyura pachydermatina com um metro de altura. Uma das superfícies do corpo é aderi- da ao substrato, enquanto o lado oposto apresenta duas aberturas tubulares - os sifões inalante ou branquial e exalante ou atrial, com funções inalante e exalante, respectivamente (Figura 1.8). A condição colonial (Figura 1.9) surgiu indepen- dentemente em diversas linhagens durante a evolução das ascídias. As colônias variam em forma e estrutura, Figura 1.7: Esquema de um Appendicularia mostran- do sua forma girinoide e suas estruturas internas. / FonteCepa; baseado em Ruppert et al., 2005. Figura 1.8: Esquema geral de um zooide de ascídia. As estruturas são comuns para as formas solitárias e coloniais, com pequenas variações decorrentes do hábito. / Fonte: Cepa; baseado em Margulis & Schwartz, 2001. 11licenciatura em Ciências · uSP/univesp desde aquelas onde os zooides (cada um dos indivíduos da colônia) apresentam funcionamento independente até outras com alto grau de interação entre eles. De maneira geral, as colônias são grandes, atingindo até mais de um metro de tamanho, constituídas por inúmeros zooides. A multiplicação de zooides na colônia ocorre por reprodução assexuada (brotamento). Parede do corpo O corpo das ascídias é revestido por uma epiderme de uma única camada, recoberta por uma túnica grossa, com consistência que varia de delicada a uma textura semelhante à cartilagem. A túnica (Figura 1.10) apresenta estrutura e composição química peculiares, com uma matriz fibrosa semelhante à celulose, chamada tunicina. Essas fibras estão dispostas em camadas finas e entrelaçadas, conferindo resistência. Outra peculiaridade é presença de células e vasos sanguíneos, evidenciando que a túnica é um tecido vivo, diferente do exoesqueleto observado em outros organismos como os artrópodes. Além de sustentar e proteger, a túnica fixa o animal ao substrato. ba Figura 1.9: Esquema de uma ascídia colonial: a. esquema geral da colônia; b. detalhe da interação entre os zooides. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert et al., 2005. Figura 1.10: Estrutura da túnica de uma ascídia. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert et al., 2005. 12 licenciatura em Ciências · uSP/univesp A musculatura é formada por fibras longitudinais e circulares de músculos lisos. As fibras lon- gitudinais se projetam do corpo para os sifões, retraindo-os quando contraídas. As fibras circulares ocorrem principalmente nos sifões e são responsáveis pela sua abertura e fechamento. Contrações periódicas da musculatura da parede do corpo promovem a sua compressão e a eliminação de jatos d’água do seu interior, o que confere às ascídias o nome de seringas do mar ou mija-mija. Faringe e átrio (Figura 1.11) O sifão inalante abre-se na cesta faríngea ou branquial. Nesta junção, a abertura do sifão é cir- cundada por um anel de tentáculos, que seleciona as partículas que entram. A parede da faringe é perfurada por muitas fendas, por onde a água vai para o átrio. Na porção ventral da faringe ocorre o endóstilo, que se ramifica na altura da abertura do sifão, circundando-a, e segue dorsalmente em uma linha mediana, sulcada e ciliada - a lâmina dorsal, em direção ao esôfago. A água é direcionada do átrio para o sifão exalante, por onde é eliminada do corpo do animal. Alimentação Os urocordados são filtradores de plâncton, capturado graças à corrente de água indu- zida pelo batimento dos cílios, através da faringe e átrio. Calcula-se que as ascídias filtram, Figura 1.11: Funcionamento geral da faringe e intestino de uma ascídia. a. corte geral do zooide com indicação do fluxo de água; b. corte transversal da faringe; c. detalhe da parede do endóstilo, indicando produção de muco e seleção de partículas. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert et al, 2005 (Clique na imagem para visualizar a animação) a b c 13licenciatura em Ciências · uSP/univesp por segundo, um volume de água correspondente ao volume total do corpo do animal. Em Phallusia nigra foi medido um fluxo de 173 litros de água em 24 horas. As partículas que entram pela faringe são capturadas pelos cílios das suas pequenas fendas que recobrem a faringe internamente. Essas partículas se aderem ao muco produzido pelo endóstilo e são conduzidas, pela lâmina dorsal, até o esôfago. Depois da faringe, o trato digestivo assume a forma de U. O estômago é revestido por células secretoras, onde ocorre a digestão extracelular. No intestino, ocorre a absorção de nutrientes e produção de muco, que leva os resíduos da digestão para o ânus, que se abre próximo à abertura do sifão exalante. Circulação e excreção O coração é cilíndrico, curvo, em forma de U, alojando-se em uma cavidade pericárdica localizada na base da alça do trato digestivo (Figura 1.12). Cada extremidade deste tubo se abre em um canal dorsal e ventral. Uma reversão do batimento cardíaco, com inversão do fluxo sanguíneo, ocorre periodicamente. O sangue é constituído por linfócitos, amebócitos fagocitários nutritivos, células morulares e células de armazenamento. As células morulares estão associadas à formação da túnica, uma vez que são capazes de concentrar vanádio ou ferro, sendo desintegradas na túnica. As células de armazenamento acumulam excretas e se acumulam em determinadas regiões do corpo, como nas alças intestinais e gônadas. Os Tunicata não apresen- tam nenhum tipo de nefrídio ou outro órgão excretor – caso único entre os deuterostômios. Sistema nervoso e sensorial As ascídias apresentam uma estrutura proeminente entre os sifões, chamada tubérculo dorsal, que abriga um gânglio cerebral, de onde partem nervos anteriores, que inervam o sifão inalante, e nervos posteriores, que respondem pela inervação da maior parte do corpo. Não apresentam órgãos sensoriais; entretanto, fotorreceptores, quimiorreceptores e sensores táteis estão presentes na parede dos sifões e imediações. 14 licenciatura em Ciências · uSP/univesp Reprodução e desenvolvimento As ascídias são hermafroditas, com fecundação cruzada em sua maioria. Podem apresentar um testículo e um ovário associados ao trato digestivo, ou de uma a várias gônadas na parede do corpo. O oviduto e o duto espermático são separados e abrem-se no átrio, próximo ao ânus. Nas espécies solitárias, os óvulos são pequenos, com pouco vitelo; a fecundação ocorre na água e os ovos possuem mecanismos de flutuação. Nas coloniais, os óvulos têm muito vitelo, podem ser incu- bados no átrio e liberadas larvas, com desenvolvimento mais rápido do que aquelas que não incubam. Essa larva girinoide apresenta o corpo dividido em duas regiões: um tronco visceral e uma cauda locomotora. No tronco, encontram-se as estruturas que irão compor o zooide adulto, i.e., a vesícula cerebral e as vísceras, enquanto na cauda estão as principais características comparti- lhadas com os Chordata, tais como notocorda e tubo nervoso oco, perdidos no adulto. Após o estágio de vida livre, a larva fixa-se ao substrato por três papilas adesivas anteriores e a cauda musculosa, com a notocorda e o tubo neural, é reabsorvida. O corpo sofre um giro de 90° e a boca é direcionada para trás, abrindo-se na região oposta à de fixação. O átrio se expande, englobando o ânus e a faringe, cujo número de fendas aumenta rapidamente, e os sifões se abrem para o ambiente, iniciando a alimentação do jovem. 1.5.2 Cephalochordata: Caracterização morfológica, funcionamento e diversidade Os cefalocordados, conhecidos popularmente como anfioxos, são representados por 30 es- pécies distribuídas nos mares tropicais e subtropicais de todo o mundo. Vivem semienterrados no fundo, apenas com a região anterior exposta para filtrar partículas de alimento em suspensão. Figura 1.12: Metamorfose em uma ascídia, desde sua fixação até a formação do indivíduo jovem. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert et al., 2005. 15licenciatura em Ciências · uSP/univesp A seguir, serão tratadas as características morfológicas e o funcionamento do anfioxo. Forma do corpo (Figura 1.13) Os anfioxos possuem corpo alongado, achatado lateralmente, com as extremidades (anterior e caudal) afiladas (daí o nome amphioxus = dois pontos opostos), os adultos medindo entre 4 cm e 8 cm de comprimento. O corpo é translúcido e dividido em uma região anterior com uma projeção denominada rostro, sustentada pela notocorda (daí o nome Cephalochordata), um tronco alongado e uma cauda curta, com orlas membranosas (não homólogas às nadadeiras dos peixes). A notocorda dá sustentação ao corpo,impedindo que ele se deforme quando os músculos se contraírem. Na parte posterior ao rostro, há uma abertura oral ventral, circundada por projeções digitiformes reforçadas por tecido conjuntivo, chamadas cirros, que impedem a entrada de partículas grosseiras. Duas grandes dobras - as pregas metapleurais - projetam-se lateroventralmente. Após a triagem de partículas nos cirros e na faringe, a água é direcionada das fendas faríngeas para o átrio (espaço delimitado pelas pregas metapleurais) e é eliminada por um poro ventral - o atrióporo, que se abre na região mediana posterior. O intestino se abre em um ânus posterior, localizado imediatamente antes da orla caudal. Sistema nervoso e sensorial O sistema nervoso consiste em um tubo neural dorsal oco, dilatado anteriormente, de onde partem nervos sensoriais segmentados, inervando as estruturas da região anterior, tronco e cauda. Ocelos pigmentados, que variam de um a milhares conforme a espécie, distribuem-se em torno do tubo nervoso, concentrando-se na região anterior. Os anfioxos apresentam fototaxia negativa (fogem da luz), permanecendo enterrados quando expostos à luz contínua. Figura 1.13: Esquema geral do corpo de um cefalocordado. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al., 2008.(Clique na imagem para visualizar a animação) 16 licenciatura em Ciências · uSP/univesp Notocorda e musculatura A notocorda localiza-se logo abaixo do tubo nervoso, estendendo-se desde o rostro até a cauda. Os cefalocordados são animais segmentados, o que é evidenciado pela organização da sua musculatura longitudinal estriada em miômeros em forma de V, separados por miosseptos. Músculos transversais ventrais participam do fechamento do átrio e da faringe, expulsando jatos d’água pela boca ao se contraírem rapidamente quando partículas muito grandes e substâncias nocivas entram com a água. Devido à formação do átrio nos adultos, o celoma dos cefalocor- dados fica restrito a determinadas regiões. Alimentação Como outros organismos comedores de partículas alimentares em suspensão na água, a alimentação dos cefalocordados está baseada na existência de corrente de água gerada por batimento ciliar, que atravessa os cirros para uma primeira triagem e retenção de partículas, passa pela abertura oral, seguindo pela faringe, de onde sai para o átrio pelas fendas faríngeas, até deixar o corpo do animal pelo atrióporo (Figura 1.14). A parede da faringe altamente perfurada forma barras - os arcos faríngeos, por onde passam vasos, espessados por adensamentos de tecido conjuntivo, que dão suporte às fendas faríngeas. A faringe abre-se no intestino propriamente dito, de onde se projeta anteriormente um diver- tículo oco - o ceco intestinal (o nome ceco “hepático” não é apropriado, pois não é homólogo ao fígado dos Craniata), que se estende anteriormente pelo lado esquerdo do tubo digestivo até a altura da faringe. O intestino abre-se no ânus, situado na parte bem posterior ao ao atrióporo. As partículas retidas nos cílios da faringe e capturadas pelo muco do endóstilo são trans- portadas para o intestino pela goteira epifaríngea. Na região anterior do intestino, as partículas recebem enzimas digestivas do ceco intestinal. Os resíduos são direcionados para o intestino e Figura 1.14: Circulação de água e movimento das partículas alimentares ao longo do trato digestivo de anfioxo. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert et al., 2005. (Clique na imagem para visualizar a animação) 17licenciatura em Ciências · uSP/univesp eliminados para o meio externo pelo ânus (Figura 1.14) (não confundir este processo com excreção, que é a eliminação de resíduos metabólicos pelos nefrídios). Sistema circulatório (Figura 1.15) e excreção Não há um coração característico, homólogo ao dos Craniata: a aorta ventral é altamente contrátil e faz a função de coração. Esta aorta propulsiona o sangue dorsalmente pelos vasos dos arcos faríngeos, sendo recebido pela aorta dorsal e direcionado posteriormente. Desta aorta dorsal partem vasos e capilares que irrigam as vísceras, como gônadas e intestino, além do átrio. O sangue não tem pigmentos e apresenta poucas células. Assim, as trocas gasosas são reali- zadas por difusão, diretamente entre a água e a epiderme. A eliminação de excretas diluídas em água, como amônia, é feita principalmente através de órgãos especializados - os nefrídios pares, associados às fendas faríngeas; e elas são eliminadas pelo atrióporo. Reprodução e desenvolvimento Os cefalocordados têm sexos separados, com fecundação externa, larva planctônica e adulto bentônico. Em geral, há gônada para cada miômero. Com o rompimento das gônadas ocorre a liberação dos gametas para o átrio, de onde eles saem pelo atrióporo. A larva planctônica é ciliada e delicada (Figura 1.16). Entre as estruturas mais conspícuas dos adultos (cirros orais, capuz oral, átrio, orlas membranosas), apenas a orla caudal existe na larva. Após a metamorfose, a larva livre-natante assume o hábito intersticial do adulto, enterrando-se verticalmente no substrato, com a cabeça para cima e o corpo levemente inclinado. Figura 1.15: Sistema circulatório dos cefalocordados – detalhes dos vasos sanguíne- os. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert et al., 2005. Figura 1.16: Esquema da larva de anfioxo. / Fonte: Cepa; basea- do em Ruppert et al., 2005. 18 licenciatura em Ciências · uSP/univesp 1.6 Introdução aos Craniata Os Craniata são um grupo altamente bem-sucedido, colonizando praticamente todas as regiões e habitats do planeta, diversificando-se não só em número de espécies (alta riqueza taxonômica) como de formas (alta disparidade morfológica e ecológica). Os Craniata são caracterizados por um número considerável de sinapomorfias, que não deixam em dúvida seu monofiletismo. São conhecidos por “vertebrados”, mas como nem todos possuem vértebras (caso das feiticeiras ou peixes-bruxa, um grupo basal de Craniata, que nunca tiveram vértebras), há autores que preferem o nome Craniata de modo a incluir estas últimas – as feiticeiras. O evento mais importante na história dos Craniata, que teria ocorrido na sua linhagem an- cestral, foi a organização de uma cabeça diferenciada do tronco. A diferenciação da cabeça nos Craniata deve-se ao aparecimento dos chamados órgãos sensoriais especiais – órgãos olfativos, olhos e ouvidos – e ao respectivo desenvolvimento da porção anterior do tubo nervoso dorsal, dando origem ao encéfalo (ver Quadro 1.1) [observe que o cérebro, hipertrofiado na maioria dos mamíferos, é apenas uma parte desse encéfalo]. O surgimento do encéfalo propiciou o aumento da capacidade de interpretação e integração dos estímulos externos captados pelos órgãos sensoriais. Para proteção do delicado tecido nervoso, surgiram elementos esqueléticos, inicialmente cartilaginosos e depois ósseos, formando o crânio. Ao longo da evolução do grupo, surgiram ainda elementos esqueléticos para proteção da medula espinal: as vértebras. As vértebras, que surgiram no grande grupo irmão das feiticeiras - os Vertebrata, eram inicialmente estruturas simples formadas apenas por arcos cartilaginosos. Figura 1.17: Esquema geral de um Craniata basal. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al., 2008. 19licenciatura em Ciências · uSP/univesp A maior parte dos elementos constituintes da cabeça origina-se de uma estrutura embrioná- ria muito importante, exclusiva dos Craniata, que é a crista neural. A formação da crista neural (Figura 1.18) ocorre por proliferação de células ectodérmicas ao longo da placa neural, que origina o tubo nervoso dorsal. Essas células migram para diferentes regiões da cabeça, onde produzem um crânio cartilaginoso, que irá revestir o encéfalo e órgãos sensoriais. A crista neural dá ainda origem a várias outras estruturas dos Craniata, tais como: elementos esqueléticos de sustentação da faringe (arcos faríngeos ou viscerais), gânglios dos nervos senso- riais, parte dos nervos,cromatóforos, botões gustativos e receptores da linha lateral (presente nos peixes e larvas de anfíbios), ossos dérmicos da cabeça e esqueleto dérmico no corpo. A seguir estão as principais sinapomorfias dos Craniata (Figura 1.17), em geral relacionadas com seu elevado grau de atividade, que requer especializações sensoriais, nervosas, locomotoras e metabólicas: 1. Crista neural e seus derivados nos adultos. 2. Órgãos sensoriais especiais (com contribuições da crista neural, do sistema nervoso e outros elementos de origem ectodérmica). 3. Encéfalo, inicialmente tripartido (conforme se observa nos primórdios embrionários), subdividindo-se a seguir, resultando em cinco partes dispostas longitudinalmente, como observado em todos os Craniata viventes (Quadro 1.1). 4. Epiderme pluriestratificada, em oposição à epiderme com uma única camada de célu- las (uniestratificada) dos invertebrados; 5. Miômeros em forma de W (em oposição aos miômeros em forma de V dos anfioxos). 6. Filamentos branquiais. 7. Coração muscular com câmaras, permitindo uma circulação mais eficiente e rápida de oxigênio e nutrientes. 8. Rins glomerulares, eficientes na filtração e excreção dos resíduos produzidos pelo me- tabolismo relativamente alto. Figura 1.18: Formação da crista neural em Craniata. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004. 20 licenciatura em Ciências · uSP/univesp O Encéfalo dos Craniata O grande sucesso dos vertebrados reside, em grande parte, no encéfalo superdesenvolvido em relação aos invertebrados. Tal complexidade nervosa é a base para o grande desenvolvimento sensorial e locomotor, a flexibilidade ecológica e a complexidade comportamental em todos os vertebrados. O encéfalo dos Craniata é segmentado no início do desenvolvimento embrionário, sendo dividido nos adultos em cinco grandes regiões, de onde partem os nervos cranianos. As principais funções dessas regiões são: 1. Telencéfalo (cérebro propriamente dito): percepção olfativa (de- tecção de moléculas à distância, tanto na água quanto no ar) relacionada a comportamento alimentar, interações sociais, detecção de predadores etc., além da integração e controle dos comportamentos específicos de espécie (reprodução, inclusive corte, defesa de território e de parceiros reprodutivos); nos tetrápodes, a função de controle dos comportamen- tos complexos individuais passou gradualmente do mesencéfalo para o telencéfalo, muito desenvolvido em aves e mamíferos; 2. Diencéfalo: funções metabólicas (controle da fome, sede, batimentos cardíacos e ritmos respiratórios, temperatura nos homeotermos en- dotérmicos – aves e mamíferos etc.), controle das funções hormonais, ritmicidade (o órgão pineal é uma projeção dorsal, que pode ter uma porção fotorreceptora – luz e sombra – ou ser puramente glandular). Figura Quadro 1.1: Encéfalo generalizado de Craniata, mostrando as cinco grandes subdivisões. / Fonte Cepa; baseado em Romer & Parsons, 1985. 21licenciatura em Ciências · uSP/univesp No embrião dos vertebrados, o esqueleto axial (crânio e elementos vertebrais) tem precur- sores cartilaginosos, que assim permanecem nos adultos dos Agnatha (lampreias e feiticeiras) e, entre os Gnathostoma (peixes com maxilas), nos Chondrichthyes (peixes cartilaginosos) e em alguns Osteichthyes (peixes ósseos) atuais, como os peixes pulmonados, os esturjões e peixes de profundidades marinhas (zona batial). Por esse motivo, o crânio dos vertebrados acima é citado como um condrocrânio. No entanto, na grande maioria dos peixes ósseos, o condroesqueleto embrionário é substituído, no adulto, por tecido ósseo, cuja característica principal é a presença do mineral hidroxiapatita (fosfato de cálcio hidratado), que confere grande resistência, mas é pouco elástico. Fala-se, assim, em neurocrânio, que compreende os ossos occipitais (da nuca), parte dos ossos do palato e os ossos mais internos de proteção dos olhos, ouvidos e órgão nasal. Uma teoria propõe que a deposição de hidroxiapatita na derme começou como uma forma de armazenar fosfatos, importantes para o metabolismo e requeridos em grandes quantias durante surtos de atividade, adquirindo posteriormente a função, igualmente im- portante, de reforçar tecidos esqueléticos. 3. Mesencéfalo: percepção visual e controle dos comportamentos com- plexos individuais (exploração do habitat, alimentação, fuga de preda- dores etc.); ambos passaram gradativamente para o telencéfalo ao longo da evolução dos tetrápodes; e, nos mamíferos, o mesencéfalo é muito reduzido e encoberto pelo telencéfalo; 4. Metencéfalo (cerebelo): percepção mecânica – equilíbrio e audição (ouvido interno), percepção de movimentos na água (sistema da linha lateral) –, eletrorrecepção; coordenação dos movimentos. 5. Mielencéfalo: funções vegetativas, percepção gustativa (percepção de moléculas, na água ou no ar, próximas ao animal). Essa estrutura complexa do encéfalo já aparece nos adultos dos Craniata viventes mais basais - as feiticeiras. No corpo (tronco e cauda), o tubo nervoso dorsal pouco se modifica, dando origem à medula espinal. Similaridades neuroanatômicas, aliadas a dados comportamentais, mostram que os peixes são capazes de sofrimento como qualquer tetrápode e, portanto, também devem ser objeto de atitudes e ações que visem ao seu bem-estar. Uma grande falha dos defensores dos animais é não incluí-los entre suas preocupações. null null null null null null null null null 22 licenciatura em Ciências · uSP/univesp Nos vertebrados Agnatha (portanto, excluídas as feiticeiras), a coluna vertebral é composta por arcos neurais pares, dorsais e dispostos lateralmente à medula, e a notocorda persiste ao longo de toda a vida. Nos gnastostomados, a esses arcos associam-se corpos vertebrais substi- tuindo a notocorda, da qual restam apenas vestígios nos corpos intervertebrais. Ao condroesqueleto associam-se elementos ósseos formados diretamente na derme (que retém a capacidade de formar ossificações nos tetrápodes – carapaça do tatu, por exemplo), constituindo o esqueleto dérmico. Os ossos do crânio (parietal, frontal, nasal, maxilares etc.), que se formam externamente ao condrocrânio, são na maioria dérmicos, constituindo o der- matocrânio. O esqueleto da cabeça inclui, ainda, elementos de sustentação da parede entre as fendas da faringe (Figura 1.17), com precursores cartilaginosos, chamados arcos viscerais, que incluem as maxilas e o arco hioide dos Gnathostoma): nos Gnathostoma, as maxilas podem incorporar ossos dérmicos, como os pré-maxilares e os maxilares. Vê-se, assim, que o crânio é uma estrutura complexa formada por elementos de diferentes origens. Ao contrário dos artrópodes, cujo esqueleto é externo (exoesqueleto), todas as estrutu- ras esqueléticas dos vertebrados são internas, incluindo o dermoesqueleto – dermatocrânio e clavículas, além da armadura dérmica dos peixes basais e as escamas derivadas dela – que fica recoberto pela epiderme nos organismos vivos. A condição de alimentação por suspensão dos protocordados deve ter-se mantido em um pré-vertebrado, como observado nas larvas de lampreias. No entanto, a circulação de água se faz por ação muscular (não mais cílios), mecanismo que aumenta o volume de água filtrada por unidade de tempo. Surgem, ainda, estruturas especializadas para as trocas gasosas - os filamentos branquiais. O aumento do fluxo de água circulante por bombeamento permite que os filamentos branquiais sejam banhados com maior velocidade e, consequentemente, as trocas gasosas ocorrem de forma mais eficiente. Esta maior eficiência veio associada ao surgimento do sistema circulatório com um coração muscular com câmaras, que permite a circulação do sangue em maior pressão, propiciando o transporte mais rápido dos gases e dos nutrientes. Passando para o sangue, esses nutrientes são distribuídos para as diferentes células do corpo, ao mesmo tempo em que resíduos do metabolismo são recolhidos e transportadospelo sangue. Entre esses resíduos estão os derivados da quebra de proteínas e ácidos graxos, gerando as chamadas excretas nitrogenadas. Essas excretas são eliminadas através dos rins glomerulares, típicos dos vertebrados, que filtram o sangue. null null null null null null null null null 23licenciatura em Ciências · uSP/univesp Atualmente, são conhecidas mais de 60.000 espécies recentes de Craniata, distribuídas por todas as partes da Terra, ocupando desde profundidades abissais até as montanhas mais altas, com representantes que variam desde peixes com 0,1 g de massa até baleias com cerca de 100.000 kg. A Figura 1.19 resume a diversidade dos Craniata ao longo do tempo geológico. Figura 1.19 / Fonte: Cepa 24 licenciatura em Ciências · uSP/univesp 1.7 Os primeiros Craniata: peixes sem maxilas (Agnatha) Unidade da escala de tempo geológico Principais etapas do desenvolvimento da vidaEon Era Período Época Fanerozóico Cenozóico Quaternário Holoceno Desenvolvimento do homem Idade dos mamíferos Pleistoceno Terciário Piloceno Mioceno Oligoceno Eoceno Paleoceno Mesozóico Cretáceo Idade dos répteis Extinção dos dinossauros e de outras espécies Primeiras plantas com flores Primeiros pássaros e mamíferos Domínio dos dinossauros Jurássico Triássico Paleozóico Permiano Idade dos anfíbios Extinção de trilobitas e de muitos outros animais marinhos Primeiros répteis Grandes reservas de carvão Abundância de anfíbios Pesilvaniano Mississipiano Devoriano Idade dos peixes Primeiros insetos Domínio dos peixes Primeiras plantas terrestres Siluriano Ordoviciano Idade dos invertebrados Primeiros peixes Domínio dos trilobitas Primeiros organismos com conchasCambriano Proterozóico Conhecido como Pré-Cambriano, compreende cerca de 87% do tempo geológico Primeiros organismos multicelulares Primeiros micróbios unicelulares Idade das rochas mais antigas Origem da Terra Arqueano Hadeano Fase cósmica da história da Terra Tabela 1.1: Tabela de tempo geológico / Fonte: Cepa; baseado no Geological Society of America C ar b o n ífe ro 0.01 1.6 6.3 24 36 67 65 144 208 245 286 320 360 408 438 505 545 2500 4000 4600 25licenciatura em Ciências · uSP/univesp A partir do Ordoviciano (Figura 1.20), surgem fósseis de organismos aquáticos com características reconhecíveis de peixes, conhecidos genericamente por ostracodermes (o grupo é parafilético; portanto, este nome não tem um significado filogenético), os quais persistiram até o Devoniano (Figura 1.21 e Figura 1.22). Os ostracodermes, como o nome indica, são caracterizados pela presença de uma armadura formada por placas revestindo o corpo. Essas placas são constituídas por três tipos de tecidos duros, mineralizados pela deposição de hidroxiapatita, formando camadas: 1. osso, mais interno e menos mineralizado, com maior conteúdo orgânico, 2. dentina, e 3. esmalte, mais externo e altamente mineralizado – é o tecido mais duro do corpo dos ver- tebrados, conferindo assim grande proteção mecânica. Osso e dentina são produzidos na derme, Figura 1.21: Exemplos de ostracodermes mostrando a presença de armadura dérmica formada por escudos (na cabeça) e placas menores e a diversidade de formas, indicando diferentes nichos. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al., 2008. 26 licenciatura em Ciências · uSP/univesp enquanto o esmalte dito “verdadeiro” é produzido pelas camadas mais internas da epiderme. Portanto, essas placas ficam recobertas por epiderme nos animais vivos. Os ostracodermes não apresentavam maxilas nem nadadeiras pares, correspondendo a es- tados plesiomórficos de caráter, já que tal ausência representa a manutenção de uma condição dos ancestrais pré-vertebrados, e não uma perda – ausência de estruturas por perda, como a dos olhos em animais exclusivamente subterrâneos, são estados apomórficos na medida em que representam uma mudança em relação ao ancestral imediato, o que não é o caso das maxilas e nadadeiras pares dos Agnatha. Com poucas exceções, o endoesqueleto dos ostracodermes era totalmente constituído por cartilagem, que não fossiliza. Assim, não sabemos se os arcos neurais estavam presentes. Por apresen- tarem características comuns aos Agnatha atuais, os ostracodermes são incluídos neste grupo, que é claramente parafilético, pois inclui a linhagem ancestral dos peixes com maxilas (Gnathostoma). Os ostracodermes incluem apenas grupos extintos. Os mais antigos conhecidos incluem Astraspis (Figura 1.22) e Arandaspis, pequenos peixes cilíndricos, com boca anterior e olhos laterais, e também sem nadadeiras ímpares - dorsal e anal, estruturas de estabilização e direcio- namento da natação presentes nos Agnatha posteriores. Esses primeiros ostracodermes tinham apenas nadadeira caudal, de propulsão. No Siluriano, surgem os registros fósseis de vários outros grupos de ostracodermes, como os Osteostraci, peixes bentônicos pesados, achatados dorsoventralmente (como os cascudos atuais), com olhos e abertura nasal de posição dorsal e aberturas das bolsas faríngeas ventrais (como nas raias). As placas ósseas na região anterior eram fundidas, formando um escudo. Alguns Osteostraci apresentavam projeções laterais móveis, na mesma posição das nadadeiras Figura 1.22: Astraspis, Ostracoderme do Ordoviciano da América do Norte./ Fonte Cepa; baseado em Pough et al., 2008. 27licenciatura em Ciências · uSP/univesp peitorais dos gnastotomados, embora não haja registro de cintura escapular. Supõe-se que os Gnathostoma tenham surgido a partir de representantes desse grupo. Assim como os protocordados e as feiticeiras, os ostracodermes eram principalmente mari- nhos, com poucas espécies conhecidas de depósitos fossilíferos formados em ambientes de água doce do Siluriano e Devoniano. O grande limitante da diversificação nos ostracodermes foi o peso da armadura dérmica e a ausência de nadadeiras pares, limitando a locomoção, e a ausência de maxilas, restringindo o hábito alimentar à microfagia. Os únicos descendentes dos Agnatha na fauna atual - lampreias e feiticeiras - são muito especializados e serão tratados no próximo Tópico. Links interessantes Urochordata http://deepseanews.com/2010/03/repost-from-tog-urochordata-urochordata-rah-rah-rah/ http://www.infoescola.com/biologia/classe-thaliacea/ http://www.wetwebmedia.com/AscidIDF2.htm http://www.thefullwiki.org/Appendicularia Ascidiacea http://www.biosecurity.govt.nz/seasquirt Thaliacea http://jellieszone.com/salpa.htm Appendicularia http://classic.the-scientist.com/news/display/57814/ Cephalochordata http://www.pucrs.br/fabio/reis/protocordados.html http://www.coladaweb.com/biologia/animais/anfioxos Agora é com você... Vá para a atividade online 1.1 http://deepseanews.com/2010/03/repost-from-tog-urochordata-urochordata-rah-rah-rah/ http://www.infoescola.com/biologia/classe-thaliacea/ http://www.wetwebmedia.com/AscidIDF2.htm http://www.thefullwiki.org/Appendicularia http://www.biosecurity.govt.nz/seasquirt http://classic.the-scientist.com/news/display/57814/ http://www.pucrs.br/fabio/reis/protocordados.html http://www.coladaweb.com/biologia/animais/anfioxos 28 licenciatura em Ciências · uSP/univesp Fechamento do Tópico Apresentamos o Filo Chordata, enfocando dois de seus três subfilos - os Urochordata e os Cephalochordata (“protocordados”), com foco na anatomia e biologia, e introduzi- mos o terceiro - os Craniata. Abordamos as controvérsias sobre a sua origem e sobre as relações filogenéticas entre os seus representantes, mostrando a complexidade no processo de diferenciação desses organismos. Vimos que a formação de uma cabeça, com uma caixa craniana envolvendo o encéfalo muito desenvolvido dos Craniata, representou um marco evolutivo importante. Outras sinapomorfias dos Craniata discutidas, relacionadas ao seu alto grau de atividade, são responsáveis pelo sucesso evolutivo deste subfilo. ReferênciasBibliográficas Brusca, R. C.; Brusca, G. J. 2007. Invertebrados. 2ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan Hickman Jr., C.P.; roBerts, L.S. & Larson, A. 2004. Princípios integrados de Zoologia. 11ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. HiLdeBrand, M. 1995. Análise da estrutura dos vertebrados. São Paulo, Atheneu. HöfLing, E.; oLiveira, A. M. S.; rodrigues, M. T.; trajano, E.; rocHa, P. L. B. 1995. Chordata: manual para um curso prático. São Paulo, Edusp. junqueira, L. C. V.; Zago, D. 1982. Embriologia médica e comparada. 3ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. kardong, K. V. 2011. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução. 5ª ed., São Paulo, Roca. marguLis, L. & scHwartZ, K.U. 2001. Cinco reinos: um guia ilustrado dos filos da vida na Terra. São Paulo, Guanabara Koogan. PougH, J. H; C.M. janis; J. B. Heiser 2008. A vida dos vertebrados. 4ª ed. São Paulo, Atheneu. romer, A. S; Parsons, T. S. 1985. Anatomia comparada dos vertebrados. São Paulo, Atheneu. rodrigues, S. A.; rocHa, R. M.; Lotufo, T. M. C. 1998. Guia ilustrado para identificação das ascídias do Estado de São Paulo. São Paulo, FAPESP. ruPPert, E.E.; fox, R.S. & Barnes, R.D. 2005. Zoologia dos invertebrados: uma aborda- gem funcional-evolutiva. 7ª edição. São Paulo, Roca. TÓ PI CO Eleonora Trajano AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em ciências · USP/ Univesp 2.1 Agnatha atuais: filogenia 2.2 Agnatha atuais: morfologia, funcionamento e biologia Myxiniformes Petromyzontiformes 2.3 Origem e diversificação dos Craniata: os primeiros Gnathostomata (peixes com maxilas) 2.4 Chondrichthyes 2.5 Chondrichthyes atuais: caracterização morfológica, funcionamento e diversidade 2.5.1 Elasmobranchii 2.5.2 Holocephali null 31 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 2.1 Agnatha atuais: filogenia Feiticeiras, ou peixes-bruxa, Ordem Myxiniformes [note que todos os nomes de Ordens em peixes, e também nas aves, têm a terminação “-formes”], e lampreias, Ordem Petromyzontiformes, possuem corpo alongado, sem placas nem escamas dérmicas e com esqueleto totalmente cartilaginoso. As feiticeiras são peixes exclusivamente marinhos, que se alimentam de invertebrados de corpo mole e também de tecidos moles de vertebrados. As lampreias adultas são ectoparasitas de grandes vertebrados marinhos e se reproduzem na água doce; na maioria das espécies, os adultos vivem no ambiente marinho, mas em algumas eles permanecem na água doce. Devido a essas semelhanças externas, lampreias e feiticeiras eram agrupadas no táxon Cyclostomata (cyclo = circular; stoma = boca). O registro fóssil desse grupo é muito restrito, consistindo de dois gêneros de lampreias e uma feiticeira do Carbonífero. O monofiletismo de Cyclostomata é questionado por vários autores e o nome tem sido usado apenas como coletivo para tratar desses dois grupos de organismos. Muitos pesquisadores consideram Myxiniformes o grupo basal de todos os Craniata pela ausência de elementos vertebrais, de sistema da linha lateral e de mecanismos de osmorregulação. Já a posição de Petromyzontiformes é ainda controversa. Alguns autores os colocam como grupo irmão dos demais vertebrados (Figura 2.1) – neste caso, os Cyclostomata seriam um grupo parafilético. Dentro desta hipótese, a ausência de mineralização do esqueleto das lampreias pode ser um caráter plesiomórfico. null 32 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Figura 2.1: Distribuição dos representantes dos grupos de Agnatha ao longo do tempo geológico, com uma proposta de relações filogenéticas entre eles. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al., 2008 Outros autores, no entanto, propõem uma relação próxima entre Petromyzontiformes e ostra- codermes Anaspida com base, entre outros, na forma fusiforme destes últimos, boca anterior, olhos laterodorsais e uma abertura cefálica dorsal, provavelmente do saco naso-hipofisário (que não é preservado nos fósseis), e aberturas das bolsas branquiais formando uma diagonal na lateral do corpo. Atualmente, pode-se considerar a relação entre feiticeiras, lampreias e demais vertebrados como não resolvida e muitas propostas estão em discussão, conforme resumido na Figura 2.2. null 33 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Realize a Atividade online 1. 2.2 Agnatha atuais: morfologia, funcionamento e biologia Os Agnatha atuais são restritos às regiões temperadas e frias dos hemisférios norte e sul e subtropical do México. As características compartilhadas por lampreias e feiticeiras incluem: Figura 2.2: Resumo das filogenias já propostas para as relações entre feiticeiras, lampreias e gnastotomados, trazendo todas as possibilidades de parentesco entre os três táxons, exceto a de grupo-irmão de feiticeiras + gnatostomados (esta possibilidade nunca foi aceita). / Fonte: Cepa; baseado em Janvier, 2007 http://licenciaturaciencias.usp.br/ava/mod/forum/view.php?id=4817 null null 34 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp • Boca circular com dentes córneos; • Ausência total de ossificação: a pele é desprovida de placas ou escamas (grande produção de muco) e o esqueleto é membranoso ou cartilaginoso; • Fendas faríngeas dilatadas, em forma de câmaras saculiformes (bolsas faríngeas), abrindo-se tanto para a luz da faringe como para o exterior por meio de pequenas aberturas circulares - os poros faríngeos (Figura 2.3). • Órgão olfativo ímpar, porém, com inervação dupla; • Ouvido interno com, no máximo, dois canais semicirculares; • Gônada ímpar. Figura 2.3: Tipos de brânquias nos peixes, mostradas em seções frontais da cabeça e faringe de uma lampreia, um tubarão e um teleósteo. / Fonte Cepa; baseado em Hildebrand, 1974. null null 35 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Myxiniformes Há aproximadamente 15 espécies viventes de Mixiniformes, todas exclusivamente marinhas, atingindo até um metro de comprimento. Vivem no interior de galerias individuais, com aber- tura em forma de vulcão, na plataforma continental das regiões de águas frias, sempre associadas ao fundo, em profundidades de dezenas a centenas de metros. Esse grupo apresenta nadadeiras dorsal e anal reduzidas ou ausentes (Figura 2.4A), uma única abertura nasal, abrindo-se anteriormente, com um conduto nasofaríngeo comunicando- -se com a faringe, e três pares de tentáculos circundando essa abertura e a boca (Figura 2.4C). Esses tentáculos são sustentados internamente por cartilagens que os mantêm eretos e onde se inserem músculos, que permitem sua movimentação. No interior da boca, duas placas córneas multicuspidadas dispostas lateralmente formam uma estrutura semelhante à língua, que pode ser protraída e retraída (Figura 2.4B), em um movimento de pinça, que permite a apreensão do alimento. As feiticeiras alimentam-se de invertebrados como poliquetos, moluscos e artrópodes de corpo mole, e de peixes moribundos ou mortos. Quando se alimenta de presas maiores, as feiticeiras fincam suas placas córneas em regiões do corpo da presa, enrolam-se sobre si mesmas em um nó que se propaga da região caudal para a anterior, fornecendo um apoio para que a presa seja dilacerada (Figura 2.4D). Figura 2.4: Myxiniformes: a. aspecto geral do corpo; b. detalhe da boca; c. detalhe da região anterior, em corte sagital, e d. posição assumida no momento do ataque a presas. / Fonte Cepa; baseado em Fonte: Hickman et al., 2004. null null null null null null null 36 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp As feiticeiras têm até quinze pares de câmaras branquiais em forma de bolsas, que se comu- nicam com as aberturas branquiais por ductos individuais, separados (Figura 2.5B’), ou por um ducto comum (Figura 2.5B).O encéfalo das feiticeiras é protegido por um crânio rudimentar, formado por cartilagens e recoberto por tecido membranoso (Figura 2.6A). Não há qualquer elemento vertebral (a notocorda é persistente nos adultos – Figura 2.6A). As feiticeiras têm rins primitivos e cada ouvido interno possui um único canal semicircular, embora estudos tenham mostrado que, neurologicamente, são estruturas sensoriais duplas, como nas lampreias, que se teriam fundido. Não possuem sistema da linha lateral. Um interessante mecanismo de defesa está associado às glândulas mucosas, que ocorrem ao longo da parede lateral do corpo e liberam muco e a b a’ b’ Figura 2.5: Região da faringe, mostrando bolsas branquiais, em uma larva (amocete) e um adulto de lampreia (a, a’; cortes parassagitais), e adultos de feiticeiras (b, b’; vistas dorsais, com a metade direita do corpo rebatida), mostrando as bolsas braquiais. Note a separação entre a região braquial (ventral) e o intestino (dorsal) na lampreia adulta, e os diferentes grupos de feiticeiras, respectivamen- te com bolsas braquiais abrindo-se externamente de forma separada (b’) ou por um poro comum (b). Em destaque a e a´: a. capuz oral; b. abertura nasal; c. encéfalo; d. cordão nervoso; e. notocorda; f. aorta dorsal; g. início do intestino espiral; h. esôfago; i. pericárdio; j. aorta ventral; k. intestino branquial; l. endóstilo; m. coração; n. tentáculo do véu; o. dentículos córneos; p. tentáculo; q. abertura bucal; r. intestino faríngeo; s. aberturas internas para ductos branquiais; t. bolsa branquial; u. canal branquial externo; v. abertura branquial externa. Em destaque b e b´: a. capuz oral; b. abertura nasal; c. encéfalo; d. cordão nervoso; e. notocorda; f. aorta dorsal; g. início do intestino espiral; h. esôfago; i. pericárdio; j. aorta ventral; k. intestino branquial; l. endóstilo; m. coração; n. tentáculo do véu; o. dentículos córneos; p. tentáculo; q. abertura bucal; r. intestino faríngeo; s. aberturas internas para ductos branquiais; t. bolsa branquial; u. canal branquial externo; v. abertura branquial externa. / Fonte: Cepa; baseado em Ziswiler, 1978 null 37 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp filamentos proteicos que, ao entrarem em contato com a água, se enrijecem e se entrelaçam, formando uma espessa rede de muco que reveste o corpo do animal. Passado o perigo, o animal perfura esse invólucro e o abandona. Além do coração de três câmaras (seio venoso, átrio e ventrículo – feiticeiras não têm cone arterioso), possuem corações acessórios na cauda, sangue com concentração osmótica semelhante à da água do mar e sistema imune sem respostas características de vertebrados. Pouco se sabe sobre os mecanismos repro- dutivos desses animais; entretanto, considera-se que, ao menos, algumas espécies sejam her- mafroditas. São ovíparas, com ovos variando de um a três centímetros, recobertos por uma membrana córnea resistente, de onde se pro- jetam filamentos, que prendem os ovos entre si e ao substrato. O desenvolvimento é direto (Figura 2.7), o que dificulta a observação de vários caracteres de Chordata e de Craniata, os quais aparecem nas larvas das lampreias. b a Figura 2.6: Crânio em feiticeiras (a) e lampreias (b), formado por um conjunto de cartilagens que, respectivamente, protegem o encéfalo (incluindo cápsulas de proteção ao órgão nasal, ouvidos e olhos), dão sustentação às bolsas braquiais e aos tentáculos das feiticeiras, e onde se inserem músculos para movimentação da boca e língua. Em destaque a. cartilagem tentacular; b. cartilagem subnasal; c. cápsula nasal; d. fibra longitudinal; e. cápsula auditiva; f. notocorda; g e g’’. porção anterior, mediana e posterior do esqueleto da língua; h. placa dentária; i. placa extravelar; j. arcos branquiais; k. cartilagem den- tária; l. cartilagem anelar; m. cartilagem dorsal; n. estilete; o. cartilagem lateral; p. cartilagem claviforme; q: cápsula nasal; r. anel subocular; s. arco pré-branquial; t. arco branquial. / Fonte: Cepa ; baseado em Ziswiler, 1978 Figura 2.7: Comparação entre ovos e larvas de lampreias, P. marinus, anádroma, e L. planeri, de água doce (desenvolvimento indireto) e ovo e juvenil de feiticeira, M. glutinosa (desenvolvimento direto). / Fonte: Cepa; baseado em Balon, 1990 null null null null null null 38 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Petromyzontiformes São conhecidas cerca de 40 espécies atuais de lampreias, a maioria marinha na fase adulta, migrando, porém, para a água doce para reprodução (organismos anádromos), onde passam toda a sua fase larval, chamada amocete (Figuras 2.5A e 2.8A); algumas espécies são totalmente dulciaquícolas. Os adultos das diferentes espécies atingem de 25 cm a 1 m de comprimento e apresentam uma ou duas nadadeiras dorsais e uma nadadeira anal, ambas bem desenvolvidas (Figura 2.8B). Visite Wikipedia e Hipernews. a b Figura 2.8: Lampreia: A. larva amocete; B. superior: aspec- to geral do corpo; inferior: detalhe da região anterior. / Fonte: Cepa; baseado em Ziswiler, 1978 http://pt.wikipedia.org/wiki/Lampreia http://hipernews.net/2011/04/06/lampreia-bizarro-peixe-canibal-pre-historico/ null null null 39 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp A larva amocete é micrófaga, com a faringe atuando na captura e seleção de partículas, reti- das por grandes quantidades de muco secretado pelo endóstilo, homólogo à estrutura de mesmo nome dos protocordados, e que dá origem à tireoide dos demais vertebrados. O adulto é ecto- parasita de outros vertebrados, principalmente peixes ósseos, mas há registros de ataques a tartarugas, golfi- nhos e baleias. As lampreias prendem-se ao corpo do hospedeiro por sucção e por ação dos dentículos córneos, usando uma estrutura muscular semelhante (mas não homóloga) à língua para raspar e sugar flui- dos do hospedeiro (Figura 2.9). Uma glândula oral secreta uma substância anticoagulante poderosa. Assim como as feiticeiras, as lampreias não tem estômago (aparentemente, o estômago, dilatação do tubo diges- tivo para armazenamento temporário de itens ali- mentares grandes, só aparece nos gnatostomados). O crânio é cartilaginoso e as vértebras aparecem como elementos em forma de sela posicionados sobre a medula espinal (Figura 2.6B). Todas as lampreias têm sete pares de bolsas branquiais, que se abrem em sete aberturas externas separadas de cada lado do corpo, logo atrás da cabeça (Figura 2.8B) – nas larvas, a faringe com as bolsas branquiais abre-se no intestino, mas, durante a metamorfose, essa conexão é perdida. Assim, a região faríngea nos adultos passa a ter função exclusivamente respiratória: termina em fundo cego e a água entra e sai pelos poros das bolsas branquiais, aparecendo uma nova comunicação da boca com o intestino através de um longo esôfago dorsal (Figura 2.5A’). Desse modo, as lampreias, fixas ao hos- pedeiro, podem se alimentar continuamente e continuar respirando. Esses animais apresentam uma única abertura nasal na região dorsal anterior da cabeça, que continua em tubo de fundo cego (Figura 2.8B). Os olhos são desenvolvidos e há dois canais semicirculares em cada ouvido interno, para percepção de aceleração da cabeça. Uma peculiaridade das lampreias é os nervos que saem da medula nervosa possuírem suas raízes ventral e dorsal separadas entre si, diferentemente dos gnatostomados, onde essas raízes são fundidas. Figura 2.9: Mecanismo de fixação das lampreias ao hospedeiro. / Fonte Cepa null null null null null null null null null null null null null 40 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp As fêmeas produzem centenas de ovos com poucos milímetros de diâmetro e sem um revestimento resistente como nas feiticeiras.As gônadas não possuem dutos para liberação de gametas diretamente no meio externo; ela ocorre inicialmente na cavidade celomática, de onde são liberados, por contrações do corpo, pelos poros genitais. A desova das lampreias constitui um evento dramático na vida desses animais. A Figura 2.10 ilustra o ciclo de vida de uma lampreia. Tudo começa com a migração dos adultos, quando os animais repro- dutivamente maduros deixam o ambiente marinho e sobem os rios contra a correnteza, atingindo as cabeceiras, onde a água é límpida, bem oxigenada e o fundo é de cascalho; nor- malmente, cada indivíduo volta ao riacho onde nasceu. Os machos chegam primeiro e começam a preparar os ninhos, que são depressões no fundo protegidas por pedre- gulhos (Figura 2.9). O macho se aproxima então de uma fêmea e ambos se fixam a uma rocha do ninho e agitam violenta- mente os seus corpos, o que amplia o ninho. O casal usa o resto de sua energia para a liberação dos gametas no ninho, com o macho enrolando-se em volta da fêmea para fertilizar os óvulos. Por fim, o casal morre por exaustão, a fêmea imediatamente após a postura e o macho cerca de dois dias depois. As larvas eclodem duas semanas depois e diferem tanto dos adultos que foram descritas como um gênero diferente, Ammocoetes (daí o nome popular da larva dos Petromyzontiformes). Após 7 a 10 dias, as larvas com 6 mm a 10 mm, corpo róseo vermiforme com um amplo capuz oral e olhos recobertos por pele, são levadas pela correnteza rio abaixo até regiões calmas, onde se enterram e se alimentam por filtração durante 3 a 7 anos. Quando atingem cerca de 10 cm, no meio do verão, sofrem metamorfose com o fechamento ventral do capuz oral, dando origem à boca circular dos adultos, separação dos sistemas respiratório e digestivo, desenvolvimento dos olhos e mudança de cor do corpo para cinza prateado. A migração rio abaixo só ocorre na pri- mavera seguinte e a fase adulta dura até dois anos, ou seja, a fase larval é mais longa que a adulta. Algumas espécies de lampreias têm um ciclo de vida simplificado, que não inclui a fase marinha – os adultos permanecem na água doce, descendo, porém, para grandes corpos d’água (rios e lagos), onde existem as presas adequadas. Nos grandes lagos norte-americanos, a conexão Figura 2.10: Ciclo de vida das lampreias. / Fonte: Cepa; baseado em Moyle & Cech, 1996. null null null null null null 41 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp artificial através de canais feitos pelo homem, entre lagos naturalmente com lampreias (onde a presença desses parasitas fazia parte do equilíbrio natural do ecossistema) e lagos sem lampreias, causou sérios problemas ambientais, pois a invasão pelas lampreias de novos habitats colocou em risco a fauna nativa destes, a qual inclui espécies de peixes de importância econômica. Consequentemente, há décadas, as lampreias vêm sendo objeto de controle através de venenos (lampricidas), mas sua eliminação total é praticamente impossível – como, aliás, a de toda espé- cie aquática introduzida em qualquer ambiente. Este é um exemplo ilustrativo dos problemas causados pela introdução de espécies não nativas da região, que constitui atualmente a segunda maior ameaça à biodiversidade, suplantada apenas pela destruição do habitat. 2.3 Origem e diversificação dos Craniata: os primeiros Gnathostomata (peixes com maxilas) Os primeiros fósseis de vertebrados com maxilas e nadadeiras pares aparecem no registro do Siluriano (Figura 2.11; ver também o tópico sobre Origem, evolução e filogenia de Chordata e Craniata), mostrando que esses organismos coexistiram com os principais grupos de Agnatha. Figura 2.11: Hipótese de relações de parentesco entre os grandes grupos de peixes, mostrando a riqueza de espécies ao longo do tempo (largura dos ramos). / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004. null 42 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Na história evolutiva dos Vertebrata, o surgimento das maxilas, barras esqueléticas que margeiam a abertura bucal (Figura 2.3), significou uma revolução no seu modo de vida, levando a uma importante mudança de comportamento por permitir a apreensão firme e manipulação de objetos e alimentos. Com isso, houve a passagem da microfagia (alimentação de itens pequenos) dos peixes Agnatha para a macrofagia, que começou com a predação de outros animais relativamente grandes. Daí o aparecimento do estômago como uma região do tubo digestivo especializada para recepção temporária e início da digestão de itens volumosos. Com o desenvolvimento da dentição associada às maxilas, essa capacidade tornou-se ainda mais elaborada, com a possibilidade de quebra do tamanho e maceração dos itens alimentares. Consequentemente, houve um aumento na capacidade de exploração de diferentes recursos alimentares por esses organismos, que, ao longo do tempo, incluiu também a herbivoria (ali- mentação predominantemente de itens vegetais). É geralmente aceito que as maxilas se originaram a partir de um par anterior de arcos faríngeos viscerais (estruturas esqueléticas pareadas de sustentação da parede entre as aberturas da faringe), que se modificou no sentido do aumento de tamanho e diminuição do ângulo (Figura 2.12), dando sustentação à abertura bucal. Além disso, para dar apoio às maxilas, que passam a fazer movimentos poderosos, o segundo arco visceral remanescente também se modificou, passando a ser chamado de arco hioide – o segmento esquelético superior do arco hioide, o hiomandibular, tem um papel especial na suspensão das maxilas, ou seja, na sua ligação com o crânio, já que, na grande maioria dos peixes, as maxilas não são fundidas ao crânio, no qual se apóiam através de ligamentos. Nos tetrápodes, onde a maxila superior se funde ao crânio, dando uma sustentação mais firme, o hiomandibular dá origem à columela, ossículo do ouvido médio [a mudança de função de estruturas que ficam “liberadas” de sua função original é relativamente comum] – isto será tratado em mais detalhes no tópico sobre “Os amniota. Répteis”. Com o desenvolvimento de maxilas e do arco hioide, a abertura entre esses arcos faríngeos ficou reduzida a uma pequena abertura circular, chamada espiráculo, perdida na maioria dos gnatostomados atuais. A presença de nadadeiras pares (Figura 2.12) também se configura em outro evento evo- lutivo decisivo no sucesso dos vertebrados, contribuindo significativamente para uma natação ativa equilibrada, com movimentos laterais, ascendentes e descendentes eficientes na coluna d’água – exceto em formas especializadas de natação, em peixes a propulsão em si é efetuada basicamente por ondulações do terço posterior do corpo, com a contribuição principal da nadadeira caudal, sendo as nadadeiras ímpares importantes para a estabilidade no plano vertical e as pares, para o equilíbrio na coluna d’água e direcionamento fino dos movimentos. O null 43 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp aparecimento de nadadeiras pares móveis foi fundamental para a exploração de novos recursos alimentares, permitindo o movimento em direções definidas, assim como ajustes rápidos nas direções conforme o alvo alimentar se move. A filogenia indica que a nadadeira caudal dos primeiros gnatostomados era heterocer- ca, i.e., com a coluna vertebral entrando no lobo dorsal. Esse tipo de caudal foi retido nos Chondrichthyes e nos Osteichthyes basais. Os Gnathostomata irradiaram-se evolutivamente durante o Devoniano, conhecido como a Era dos Peixes (Figuras 2.11 e 2.13). A maior diversidade pertence aos Placodermi (placo = placa), peixes com armadura dérmica como os ostracodermes, os quais se extinguiram ao final dessa era. Surgem ainda os primeiros Chondrichthyes (peixes cartilaginosos, atualmente incluindo os Elasmobranchii (tubarões e raias)e os Holocephali (quimeras), assim como os primeiros Osteichthyes (peixes ósseos), de onde se originaram os tetrápodes. Figura 2.12: Esquema de um Gnathostomata generalizado, mostrando as maxilas, originadas do primeiro arco faríngeo, as nadadeiras pares e a caudal heterocerca. / Fonte Cepa; baseado em Pough et al. 2008). null 44 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Figura 2.13: Relações filogenéticas entre os primeiros grupos de Gnathostomata. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al., 2008. 45 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Entre as características que separam os placodermes (Figura 2.14) dos demais gnatosto- mados estão a posição dos músculos das maxilas, a presença de ossos dérmicos modificados, formando uma estrutura cortante margeando a boca, não passíveis de substituição, análogos, porém, não homólogos aos dentes dos demais gnatostomados, e o esqueleto das nadadeiras não homólogo ao dos demais grupos. Alguns placodermes atingiam 5-6 m de comprimento, sendo os maiores predadores do Devoniano. 2.4 Chondrichthyes Os fósseis de Chondrichthyes mais antigos datam do Devoniano inferior e o grupo sobrevi- veu com sucesso até os dias atuais. Os Chondrichthyes são caracterizados por: 1. extrema redução da armadura dérmica, que não recobre o corpo do animal, estando restrita a algumas estruturas, como espinhos da nadadeira dorsal; Figura 2.14: Diversidade dos Placodermes. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al. 2008). null null null Prova até aqui null Prova 2 46 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 2. endoesqueleto basicamente cartilaginoso, frequentemente calcificado, mas nunca ossifi- cado; o crânio é uma peça única, sem suturas, assim como as maxilas; 3. escamas do tipo placoide, exclusivas desse grupo (ver Quadro 2.1) – são escamas seme- lhantes a dentes pequeninos, formados por dentina e um tipo de esmalte (esmalte é um tecido altamente mineralizado, muito duro, de origem epidérmica, em oposição à dentina e osso, de origem mesodérmica), imersas no corpo do animal (a ponta da escama rompe a pele), conferindo uma textura áspera, de “lixa”. Os dentes desses animais são homólogos às suas escamas placoides que, na boca, se desenvolvem bastante, apoiando-se nas maxilas por ligamentos (e não com raízes em depressões das maxilas como nos mamíferos); no entanto, não são homólogos aos dentes dos Osteichthyes, representando evolução paralela a partir dos dentículos da armadura dos ostracodermes. Um problema é esses dentes, não estando bem fixos, serem perdidos por desgaste e queda. Esse problema foi superado pela capacidade de substituição, mecanismo também observado em alguns peixes ósseos: os dentes ficam dispostos em fileiras ao longo de uma espiral, de forma que, na linha externa das maxilas, estão as fileiras com dentes funcionais, enquanto internamente, recobertas pela mucosa bucal, estão as fileiras de dentes em desenvolvimento. 4. Presença de clásper nos machos (ver Figura 2.22), órgão de cópula pareado desen- volvido a partir dos raios mediais (voltados para a linha mediana ventral do corpo) das nadadeiras pélvicas. Portanto, a fecundação é interna, abrindo a possibilidade para oviviparidade e viviparidade (ver abaixo) nesse grupo. Os Chondricthyes atuais estão divididos em dois grupos monofiléticos: os Holocephali (holo = todo; cephali = cabeça) que, como o nome diz, apresentam a cabeça sem fendas visíveis externamente, as quais são recobertas por um opérculo membranoso, abrindo-se lateralmente; e os Elasmobranchii (elasmo = lamelares; branchii = brânquias), com de 5 a 7 pares de fendas branquiais, primitivamente laterais. 2.5 Chondrichthyes atuais: caracterização morfológica, funcionamento e diversidade Os Chondrichthyes atuais incluem os Elasmobranchii, com cerca de 1.100 espécies em três subgrupos principais (Squalomorphii e Galeomorphii – tubarões e cações (Figura 2.15), e Batoidea - raias), e um número bem inferior de Holocephali (quimeras, com cerca de 40 null null null null null 47 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp espécies). Todos são predadores, utilizando de presas pelágicas de grande porte (peixes, tarta- rugas, mamíferos aquáticos) a presas pequenas, como invertebrados com exoesqueleto duro, que trituram com dentes achatados (caso das quimeras e maioria das raias), e mesmo plâncton (filtradores – tubarão-baleia, mantas). 2.5.1 Elasmobranchii Os elasmobrânquios são peixes prima- riamente marinhos, com uma família sul- -americana de raias exclusivamente de água doce e representantes dulciaquícolas de famílias marinhas no sudeste asiático. Ocasionalmente, tubarões aventuram-se na água doce, penetran- do por muitos quilômetros em rios como o Amazonas. Os termos tubarão e cação são basi- camente sinônimos – popularmente, é costume referir-se aos de maior porte como tubarões e, aos de menor porte (inclusive juvenis dos maiores) como cações. Os tubarões são, na maioria, pelágicos, com corpo fusiforme, mas algumas espécies de cações possuem o hábito bentônico, apresen- tando corpo achatado dorsoventralmente. Esse achatamento é geral para raias, primariamente animais de fundo, embora algumas tenham adquirido secundariamente adaptações para a vida pelágica (caso das jamantas). As brânquias apresentam septos (Figura 2.3), de modo que as fendas faríngeas, em geral cinco (alguns tubarões têm sete), se abrem separada- mente para o exterior. As raias formam um grupo monofilético altamente especializado para a vida bentônica – são bastante achatadas dorsoventralmente, as nadadeiras peitorais são muito Figura 2.15: Alguns exemplos de tubarões viventes. / Fonte Cepa; baseado em Pough et al. 2008). null null null null null null 48 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp alargadas e fundem-se com a cabeça, de modo que as fendas branquiais (sempre cinco) se posicio- nam ventralmente (Figura 2.25). A entrada da água na faringe ocorre através do espiráculo bem desenvolvido, que aparece como um grande orifício atrás dos olhos. As maxilas dos Elasmobranchii têm grande mobilidade, podendo ser projetadas para fora quando o animal abre a boca, gerando um grande volume bucal, apesar do focinho pontiagudo (Figuras 2.16 e 2.17). A isto se deve, em parte, seu sucesso como predadores de grandes organismos marinhos. Figura 2.16: Articulação entre a maxila e o condrocrânio de tuba- rões viventes - A. vista lateral; B. vista dorsal; C. abertura da mandíbula e protrusão da maxila superior. / Fonte: Cepa; baseado em Pough et al. 2008. Figura 2.17 / Fonte Cepa; baseado em Hildebrand, 1974. null null Cinese craniana null 49 AGNATHA ATUAIS E CHONDRICHTHYES 2 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp No momento da captura, os dentes da maxila superior são cravados na presa e o animal faz movimentos laterais vigorosos, resultando na retirada de grandes pedaços de carne da presa. Adaptações para aumento na eficiência digestiva incluem o aumento da superfície do intestino pela presença da válvula espiral, já presente em agnatos como lampreias, porém, mais desenvol- vidas nos condrícties (Figura 2.18). Figura 18 / Fonte: Cepa; baseado em Romer, 1981 null 50 VIDA E MEIO AMBIENTE Diversidade e Evolução de Vertebrados Licenciatura em Ciências · USP/Univesp As escamas dos Elasmobranchii são tipicamente placoides (Figura 2.19), estruturas seme- lhantes a dentes, pequenas, isoladas, com apenas uma projeção (cúspide) e uma polpa interna, acrescentadas conforme o animal cresce. A estrutura dessas escamas, com as cúspides achatadas e voltadas posteriormente (conferindo à pele uma textura de lixa), reduzem a turbulência da água durante a natação, aumentando assim a sua
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