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Módulo 2 1 Módulo 2 TESES DO IDEALISMO ALEMÃO E O NIILISMO Como vimos, na sua origem, com Kant, Fichte, Schelling e Hegel, o idealismo alemão não era exatamente uma corrente de pensamento, mas um conjunto de respostas às questões postas pela modernidade cartesiana/iluminista, especialmente a dicotomia cartesiana sujeito versus objeto e a crença iluminista na possibilidade de uma racionalidade pura e emancipatória. Enquanto ali, por meados do século XVIII, a modernidade hegemônica francesa prometia progresso e o império da razão, alguns alemães desconfiavam e formulavam um idealismo alternativo. Essa crítica chegou ao século XIX, sendo radicalizada por escritores como Schopenhauer e Nietzsche. Niilismo é o exercício do nada, da marcha para o abismo, não à toa vinculado ao pessimismo. SCHOPENHAUER E O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO Poucos autores desconfiaram mais da crença francesa no potencial emancipatório da razão que Arthur Schopenhauer, autor do livro O mundo como vontade e representação, publicado pela primeira vez em 1818. As categorias vontade e representação são centrais na sua filosofia e é a Módulo 2 2 partir delas que o autor nega a promessa iluminista de que a razão seria o vetor do progresso e da felicidade humana. Todo objeto, seja qual for a sua origem, é, enquanto objeto, sempre condicionado pelo sujeito e, assim, essencialmente, apenas uma representação do sujeito”. Em outras palavras, tudo o que existe para mim é o que eu percebo a partir de formas a priori de consciência (tempo, espaço etc.). O real, enquanto coisa em si, é impenetrável a nosso conhecimento, que atinge apenas as representações. Essas representações se interpõem entre nós e o real como um véu que o encobre. Qualquer pretensão do espírito em se distanciar da natureza para visualizá-la em perspectiva não passa de um ato de ingenuidade arrogante elaborado pelos modernos na sua vã pretensão de serem melhores que os antigos. Partindo do ceticismo de Hume, Schopenhauer nega a possibilidade de o espírito (o sujeito cognoscente) se relacionar com a natureza (realidade) sem a mediação de seus próprios sentidos. Ou seja, ao tentar conhecer qualquer aspecto da realidade, o sujeito do conhecimento sempre leva consigo suas próprias representações. Não existe, então, na filosofia de Schopenhauer, o sujeito cognoscente universal cartesiano, que, destituído de qualquer subjetividade, apenas opera um procedimento metodológico (ROCHAMONTE, 2010). Todo conhecimento, portanto, é o resultado das representações internalizadas no sujeito, representações que traduzem, antes de qualquer coisa, suas vontades inconscientes. A ciência e a razão, tão louvadas no pensamento iluminista, nada mais seriam que projeções de vontade, dos desejos humanos mais instintivos. Há na filosofia de Schopenhauer um projeto ontológico que confronta diretamente a ontologia iluminista. Tanto Schopenhauer quanto os iluministas atribuíram uma essência imutável ao humano. Os iluministas defendem que o humano é essencialmente racional, o que deu origem ao termo homo sapiens, que somente passou a integrar o vocabulário biológico a partir do século XVIII. Já Schopenhauer defende que o humano é naturalmente um ser desejante, movido por vontades pré-racionais. A humanidade teria sua essência suspensa, segundo Schopenhauer, se fosse possível um mundo ideal, onde todas as necessidades humanas fossem atendidas sem nenhum esforço, sem nenhum trabalho. Nesse mundo hipotético, o humano não desejaria, pois só desejamos aquilo que não temos, e, quanto mais longe de nós está o objeto de Módulo 2 3 desejo, mais desejado ele é. Uma vez conquistado o objeto de desejo, a vontade não é saciada, pois o desejo já produz outro objeto para si. Se o humano é movido irracionalmente pela vontade e quando conquista o objeto de desejo passa a desejar o que não tem, Schopenhauer conclui que a humanidade não é vocacionada para a felicidade, afastando-se, assim, do otimismo iluminista. Porém, o niilismo do autor admite a possibilidade de compensação para o dilema humano da felicidade impossível. A compensação está na arte, na experiência estética, especialmente na música. A arte, então, amenizaria o sofrimento, que, para Schopenhauer, é a condição humana resultante de outra condição humana ainda mais humana: a eterna busca pela satisfação da vontade, que no limite é insaciável. Ao defender a ideia de que o humano não é um ser unificado e racional, mas fragmentado, passional e movido pelos instintos pré-racionais da vontade, a filosofia de Schopenhauer lançou uma pista que seria seguida pelos fundadores da psicológica clínica, sendo fundamental, por exemplo, para os estudos psicanalíticos de Freud. NIETZSCHE E A VONTADE DE POTÊNCIA Nietzsche talvez seja um dos autores mais traduzidos e publicados na atualidade, o que diz muito sobre como nosso tempo acolhe bem um tipo de pensamento filosófico que destoa da lógica racional que fundou a modernidade. Hoje, Nietzsche goza da fama de ser um pensador revolucionário, um crítico contundente da tradição filosófica anterior. No entanto, se formos examinar os textos de Nietzsche com mais cuidado, perceberemos diálogos e apropriações com outras formas de pensamento (BONACCINI, 2011), incluindo aí o idealismo alemão, apesar de o autor não ter poupado críticas a Kant e Hegel. Nenhuma contradição, pois como já sabemos, o idealismo alemão, antes de ser uma corrente de pensamento filosófico, é um conjunto de respostas aos dilemas postos pela modernidade. Nietzsche se afasta de alguns desses argumentos e se aproxima de outros. Podemos dizer, portanto, que Nietzsche digeriu a atmosfera do idealismo alemão, apesar de suas críticas a alguns autores representantes dessa forma de pensamento (COLLARES, 2012). A novidade de nossa posição atual em filosofia é uma convicção que nenhuma época teve antes: que nós não possuímos a verdade. Todos os homens de outrora eram crentes de que possuíam a verdade, até mesmo os céticos. Todos não passavam de crentes. Até mesmo os céticos eram crentes, afinal quem nega possibilidade de um conhecimento verdadeiro, Módulo 2 4 intrínseco da natureza das coisas, precisa supor que tem razão ao dizer isso; isso, que deve ser suposto de algum modo como sendo “verdadeiro”. Os modernos, então, para Nietzsche têm o privilégio de saber que não há uma verdade intrínseca às coisas e que toda ambição de conhecer essa verdade não passa de uma crença similar a qualquer crença religiosa, pois a verdade seria tão fantasiosa como qualquer divindade. Nietzsche não tinha o hábito de citar os autores que lhe serviam como referência. A citação quase sempre foi mobilizada por Nietzsche para criticar autores canonizados na tradição ocidental. De Platão e Montesquieu, passando por Descartes e pelo próprio Kant. Todos, em algum momento, estiveram na alça de mira da metralhadora nietzscheana. Porém, é possível ler o texto pelas franjas e encontrar Nietzsche digerindo teses do idealismo alemão (COLLARES, 2012). A negação da possibilidade de conhecimento de uma verdade substancial a partir da afirmação de presença de um filtro cognitivo que transforma todo conhecimento em manifestação de conceitos previamente elaborados pelo sujeito cognoscente, por exemplo, já pode ser encontrada na leitura que Kant fez de Hume. Em toda a evolução do espírito, não se trata, talvez, de outra coisa a não ser do corpo: é a história se tornando sensível a que um corpo superior esteja sendo formado. O orgânico passa a níveis superiores. Nossa avidez de conhecimento da natureza é um meio através do qual o corpo quer se aperfeiçoa Na perspectiva nietzscheana, a história do conhecimento é a história da pulsão do corpo em busca de sobrevivência, no desejo incansável de dominar a natureza. Todo conhecimento é mediado por experiências que se materializam na carne, no corpo. Esse chamado ao corpo aponta para o projeto nietzscheano de negação do observador cartesiano universal, incorpóreo.Nietzsche não somente replica o idealismo alemão; ele radicaliza a tal ponto que se torna um crítico desse mesmo idealismo alemão. Ao criticarem a metafísica idealista, os idealistas alemães não negaram a possibilidade do conhecimento em dar conta de uma realidade substantiva. O binômio razão versus verdade que funda o racionalismo ocidental foi resguardado. Nesse sentido, engana-se quem pensa que os argumentos do idealismo alemão se manifestaram apenas na filosofia. Também a literatura ecoou essas ideias, como veremos na próxima seção.
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