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Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO MORFOFISOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DO QUADRIL: O quadril é uma estrutura articular formada por três ossos distintos, ílio, ísquio e púbis, que se unem por ossificação cartilaginosa até o término da puberdade. O ponto de encontro dessas estruturas é o acetábulo, fossa articular que se relaciona com a cabeça do fêmur. Ossos formadores do quadril Além de promover a interação entre esqueletos axial e apendicular, destacam- se como funções do quadril: Sustentação do peso corporal (posição ortostática e ao sentar); Fixação para músculos que estabilizam a postura e o movimento; Proteção e sustentação das vísceras abdominopélvicas (ureteres terminais, bexiga, reto, órgãos sexuais); Sustentação do útero gravídico. A pelve, por sua vez, é o anel ósseo formado pelos ossos do quadril, sacro e cóccix, tendo como limite anterior a sínfise púbica, e inferior o diafragma pélvico. Composição óssea da pelve A principal articulação associada ao quadril é a coxofemoral, com conformação “bola e soquete”, estabelecendo relações entre a cabeça do fêmur e a pelve. Essa região pode se movimentar em todos os eixos, fornecendo elevada amplitude à coxa, sem perda de estabilidade. Dada sua importância, a articulação é reforçada por uma cápsula e pelos ligamentos anular do quadril e acetabulares transverso, iliofemoral, pubofemoral e isquiofemoral. A pelve apresenta variações anatômicas entre os sexos masculino (ângulo suprapúbico entre 50 e 60°, abertura superior em forma de coração) e feminino (ângulo de 80 a 85°, com abertura em formato circular) Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO Organização da articulação coxofemoral De modo a contemplar todas as funções supracitadas, o quadril apresenta uma série de músculos de grande importância, como: Glúteos (máximo, médio, mínimo e tensor da fáscia lata): preenchem as nádegas e auxiliam na manutenção da postura ereta, por meio de potente flexão ou extensão; Músculos internos (ilíaco, psoas maior/menor, obturador externo, obturador interno, gêmeo superior/inferior, piriforme e quadrado femoral): seu papel é a promoção de movimentos para o quadril, permitindo que ele se desloque em torno do eixo central do corpo. Músculos internos do quadril (recobertos pelos glúteos) DESENVOLVIMENTO E ADAPTAÇÕES DO QUADRIL: O quadril passa por um longo processo de evolução entre o período fetal e a vida adulta, desde o desenvolvimento da região coxofemoral, com a formação dos primeiros pontos de ossificação (íleo, ísquio, púbis e diáfise do fêmur) e das cartilagens de crescimento. O núcleo de ossificação cotiloideo, responsável pelos ossos do quadril, é o primeiro a aparecer, promovendo a fusão de seus componentes sobre uma rede cartilaginosa em Y (trirradiada), centralizada perfeitamente sobre o fundo acetabular. O fêmur em desenvolvimento, por sua vez, apresenta, em sua porção cefálica, uma área de crescimento cartilaginoso que separa os centros de ossificação trocantéricos e da cabeça femoral, bem como a cartilagem de conjugação, a partir da qual surgirá o corpo ósseo. Posteriormente, ao nascimento, essas estruturas irão separar a diáfise da epífise (núcleo cefálico) e das apófises, que irão se consolidar como trocânteres maior e menor. Observa-se que, entretanto, nenhuma dessas estruturas é visível em radiografias nos momentos após ao nascimento, pois ainda não há ossificação suficiente. Radiografia de um recém-nascido evidenciando segmentos radiotransparentes na porção epifisária do fêmur e pelve Assim, para a correta formação do acetábulo, são necessários três elementos fundamentais, a saber: Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO Cartilagem subcapital: é responsável por unir o núcleo cefálico à metáfise do fêmur, sendo uma das principais responsáveis pelo crescimento de sua porção superior. No organismo em desenvolvimento, reage a aplicação de carga e à contração muscular; Cartilagem do trocânter maior: está intimamente associada ao glúteo médio, que auxilia a manter o eixo femoral a partir de forças de tração, sem as quais é desenvolvido valguismo; Cartilagem em Y: essa estrutura, já citada anteriormente, contribui não só para o crescimento adequado do acetábulo, como também para o desenvolvimento pélvico. EXAME FÍSICO DO QUADRIL: O exame físico do quadril se inicia assim que o paciente adentra o consultório, com a inspeção atenta da marcha, que pode ser afetada por diversas patologias. Observam- se ainda assimetrias (sugestivas de encurtamento de membros) e alterações posturais. A palpação, por sua vez, visa detectar pontos dolorosos, tumorações e deformidades ósseas, além de avaliar o tônus e o trofismo da musculatura. De forma geral, são identificáveis os seguintes grupos musculares: Flexores: mais anteriorizados, são representados pelo íleopsoas, reto femoral e sartório; Abdutores: os músculos glúteo médio e mínimo encontram-se na região lateral do quadril (glúteos médio e mínimo); Extensores: são músculos posteriores, destacando-se o glúteo máximo e os isquiotibiais; Adutores: estão presentes na região medial os músculos adutores longo, curto e magno, pectíneo e grácil. Para a avaliação da mobilidade, o indivíduo deve ser posicionado com a pelve alinhada ao tronco, realizando-se testes ativos e passivos, de grande valor especialmente em quadros onde não é possível completar manobras por conta própria. Se houver sucesso nas manobras passivas, mesmo após o fracasso em tentativas ativas, a causa da restrição é a fraqueza muscular. Execução ativa (esq.) e passiva (dir.) da adução do quadril A realização de exame neurológico também se aplica ao quadril, podendo ser dividida em dois momentos, a saber: Testes motores: determinam o grau de força muscular dos grupamentos supracitados Os principais pontos de referência são as espinhas ilíacas ântero e posterossuperior, a crista ilíaca, o trocânter maior e a tuberosidade isquiática, seja para análise dos músculos ou de nervos e vasos (ex.: artéria femoral). A amplitude média dos movimentos do quadril são: Flexão: 0-120°; Extensão, adução e rotação interna: 0-30°; Abdução e rotação externa: 0-45°. Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO o Músculos flexores (inervados por L1 a L3): testados em posição sentada, com as pernas pendentes, solicitando que o paciente tente tocar o abdome com a coxa, sob aplicação de resistência pelo profissional; Posicionamento e execução do teste de força muscular em extensão o Músculos extensores (inervados por S1): solicita-se que o paciente, em decúbito ventral tente estender o quadril sob resistência na coxa posterior; Execução da avaliação da força muscular em extensão do quadril o Músculos abdutores (inervados por L5): devem ser avaliados em posição sentada, enquanto é exercida força contrária sobre a face lateral dos joelhos do paciente, que é solicitado a afastar (abduzir) as coxas; Prova para força muscular do quadril em abdução o Músculos adutores (inervação mediada por L2 a L4): ainda sentado, o indivíduo é requisitado a afastar os membros inferiores, sendo que a resistência passa a ser exercida sobre a face medial do joelho. Realização do teste de adução do quadril A classificação empregada para estratificar os resultados abaixo é a MRC, dividida em seis graus conforme a presença de movimentação contra gravidade e o “vencimento” da resistência aplicada contra o músculo. Divisão da força muscular de acordo com a gradação MRC Testes sensitivos: a sensibilidade da pele do quadril é oriunda dasraízes T12 (região do ligamento inguinal), L1 (terço Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO superior da coxa), L2 (terço médio da coxa) e L3 (porção inferior da coxa) anteriormente, com fibras vindas de S1 e S2 suprindo a parte posterior da coxa, desde a prega glútea à fossa poplítea. Dermátomos relacionados a região do quadril, em vista posterior (esq., cores mais fortes) e anterior (dir., tons claros) TESTES ESPECIAIS NO EXAME DO QUADRIL: No que se refere aos testes especiais para investigação de doenças do quadril, destacam-se: Teste de Trendlemburg: determina a força do glúteo médio (abdutor), ao observar a altura das cristas ilíacas com o paciente em ortostase e apoio unilateral, estando o examinador posicionado atrás deste. Em caso de insuficiência muscular, haverá inclinação da pelve, que se elevará para o lado examinado, uma vez que o glúteo médio é o maior responsável pelo nivelamento do quadril. Comparação postural no teste de Trendlemburg Teste de Thomas: realizado por meio da flexão de ambos os quadris (paciente “abraça” os joelhos) enquanto a sua coluna é estabilizada pelo examinador. Em seguida, o membro examinado deve ser estendido até que o quadril comece a oscilar. Caso isso ocorra com algum grau de flexão, o teste é positivo para contraturas musculares. Posicionamento esperado e patológico após o teste de Thomas Teste do músculo piriforme: a compressão do nervo isquiático, decorrente do espessamento do piriforme, induz dor na região glútea, exacerbada ao promover abdução e rotação interna do quadril, com o paciente em decúbito dorsal; Execução de compressão sobre o joelho para simular a dor glútea da síndrome do piriforme Como o quadrado femoral pode sustentar brevemente essa estrutura, é recomendado que o teste dure ao menos 1 minuto. Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO Teste de Volkmann: usado para determinar o comprometimento do anel pélvico em fraturas, é realizado por meio da abertura forçada do quadril pelo examinador, com suas mãos sobre as espinhas ilíacas anteroinferiores. É positivo na presença de dor, porém deve ser executado delicadamente para não agravar o estado do trauma. Execução do teste de Volkmann Teste de Ely: identifica a presença de contraturas do reto femoral ao promover a flexão passiva do joelho durante a prona. O encurtamento muscular (“levantamento da pelve”) sugere teste positivo; Teste de Ely negativo (acima) e positivo (abaixo), indicado pela elevação da pelve (seta) Teste de Anvil: é realizado com o paciente em decúbito dorsal, com o lado do quadril a ser examinado flexionado passivamente a 45°, mantendo o joelho em extensão. É realizada a punhopercussão do calcanhar. Se houver dor, o teste é positivo, indicando o comprometimento do acetábulo; Procedimento de realização do teste de Anvil Avaliação da diferença de comprimento de MMII: pode ser feita com a mensuração aparente (considera o comprimento entre a cicatriz umbilical ao o maléolo medial) ou a mensuração real (da espinha ilíaca anterossuperior ao maléolo medial), sempre comparando ambos os lados. Na presença de contraturas é necessária a medida segmentar da coxa e da perna. Comparação entre dissimetria estrutural (A) e funcional (C) dos MMII Teste para lesão do lábio acetabular: a dor pode ser desencadeada pela manobra de movimentação passiva Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO com flexão, adução e rotação medial do quadril (FADURI), que provoca o choque do colo do fêmur e da margem anterior do acetábulo. Esse quadro também causa sensação de bloqueio de movimento e estalidos articulares, com desconforto crônico. Posicionamento sequencial no teste para lesão do lábio acetabular, com flexão (A), rotação interna e adução (B) e a posição final adotada (C) AVALIAÇÃO DO QUADRIL DA CRIANÇA: As principais particularidades no exame físico do quadril em pediatria, especialmente em neonatos, são as manobras clássicas para o diagnóstico da displasia do desenvolvimento do quadril (DDQ): Manobra de Ortolani: o examinador posiciona a criança, mantendo os polegares na base da face medial da coxa, e os dedos médios apoiados nos trocânteres. A seguir, é feita a abdução e rotação externa dos quadris (“posição de rã”), por meio da supinação das mãos do médico. Na DDQ, essa movimentação reduzirá a luxação, trazendo a cabeça do fêmur ao acetábulo, o que causa um estalido. Posições inicial (esq.) e final (dir.) na manobra de Ortolani Manobra de Barlow: é realizada em dois tempos, sendo o primeiro provocativo, no qual o examinador aduz e pressiona com os polegares a face medial da coxa, como forma de emular a luxação da cabeça do fêmur. A segunda etapa é idêntica à manobra de Ortolani, de forma a reduzir a área luxada. Comparação entre os movimentos da manobra de Ortolani e Barlow (2ª etapa) O teste de abdução do quadril também apresenta resultados distintos na pediatria, pois recém-nascidos apresentam maior amplitude de movimento nesse eixo. Assim, em quadros de DDQ, observa- se limitação unilateral da mobilidade, associada à contratura do abdutor longo, achado denominado “sinal de Hart”. Sinal de Hart positivo no quadril direito Outro achado relevante, no contexto de alterações congênitas do quadril é o sinal de Galeazzi, que aponta uma diferença na altura dos joelhos com a criança em prona. Júlia Figueirêdo – LOCOMOÇÃO E APREENSÃO O lado acometido pela DDQ será o mais baixo, uma vez que o fêmur se projeta posteriormente ao acetábulo. Presença de sinal de Galeazzi à direita, sugerindo encurtamento aparente do membro