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[TEXTO 3] GRAHAM, Sandra Lauderdale Uma certa liberdade

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mulheres negras 
NO BRASIL ESCRAVISTA E DO PÓS-EMANCIPAÇÃO 
GIOVANA XAVIER, JULIANA BARRETO FARIAS E FLAVIO GOMES ( ORGS.) 
1 
' 
9 UMA CERTA LIBERDADE 
LE ·\ H M 
mpl poderia retratar a história das negr as no 
di rs s são suas origens na África e no Bras1·1 , suas 
as um m sai 
a , formas de trabalhar, casar, ter filhos e . 
CU1-
r vizada e como algumas voltaram a ser li-
uma hi t ri úni qu onte tud . Em vez disso, aqui está a história de 
mimas mulh s - uma s r , na 'da no Brasil, as outras nascidas livres na África e 
à fi r tlânti o como e rava . Não posso dizer que as histó-
rias s j m ti im qu n s permitem vi lumbrar negras espeáficas em situa-
arti ularidades de ua exp riência revelam as opções que elas iden-. tin s. A 
tifi aram para · ou forjaram enquanto tenta am obter o que queriam, os ganhos que 
ti, ram, s pre os ue pa aram, as difi uldades que enfrentaram. Encontrei essas mu-
lh m arquivos na Bahia e no Rio de Janeiro e na regiõe cafeeiras do vale do Paraí-
- fragment de vida regi trados em pequeno maços d papéis velhos, embora elas 
t nham \i em um mundo muito maior. 
É are edor amparar e a mulhere , que eram diferentes em muitos aspectos 
famili em que viviam. o trabalho que faziam, a idade, a origem cultural e étnica, 
a n mia m ue atuaram. o laço sociais que formaram. Mas o que sobressai e o 
ue un ,"árias vertente da vida delas é o fato de cada uma ter vivido no campo ou 
na e libertas andavam pela cidade, conheciam ruas e praças. Topavam 
m ,.íri tipo e ente e enquistaram um lugar para si em meio a uma variedade 
e s a . Podiam ontrolar melhor a própria vida, fazer escolhas. Certo grau de inde-
endencia er tanto possÍYel quanto necessário na cidade. A zona rural, por outro lado, 
re uzida a a as e fazenda distante umas das outras, parecia mais confinante, mais 
• J1. LI . B.\RRET F. RI S • FU\.10 G0'"1ES {or .) 
d 
a o. e cr , nã co. tum . ·ta or . . Vdm sair soz' 
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e •igia, ,und .1 sim s os n, . . , .in
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os d,1 f"Jz l · ,t,• '' · is «mh v • " ' '
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r! ortar afé porro m is pr' im > /\ i:-. u,n 11·01 <·ir<i 1 <Jr L'X · t1 l 
.... 11 p . · s s ·nz·ilJ• ' r o, par· 
tJ,... d .. " . as < f . . . 
. , j, da a • ran ' 'pat, z ', pmulhava m . ' "''" a; 1 i avam g ora l m .,,, . 
· t os arnr os A · ·1-ciil<r<º\ª 
1
mp r a am. .. v,g, an i •ra "'"" tll .. 
* * * 
floren a da Silva, ao saber qu sua filha B lb. . . ª ma havia sido e d'd 
d 
cidiU ern abril de 1862 atuar pela libe d d d . v n 
1 
a por sua senho-
ra, e r ª e a filha 
I 
Ao . 
met11 que ela achava ser o atual proprietário d flh · escrever a Balbrna e ao 
bO , . d . d _ ª 1 a, Manoel Esteves Otoni ela de-
cadeou uma serre e m agaçoes e iniciativas p . . ' n . · nmeiro, ela advertiu Balbina · "Trate 
teUS senhores muito bem para eles ter dó devo • . · oS _ ,,, ce para me aiudar na[s] pertencoes 
,., oru que izesse o favor de libertar 
[p 
.... tensoes] ern que me estou . Depois, apelou a Ot . f' 
... lhjna, por algum preço. A distância que separava os atores d d .,.. esse pequeno rama era 
•--lentadora. Florença confiava que sua carta enviada de ·d d G -
1 - . . , sua o a e, rao Mogo , no 
~ o nordeste de Minas Gerais, chegaria a Otoni no também remoto sul da cidade 
cio p;Jadélfi• (atual Teófilo Otoni), região que começava a se desenvolver, ainda nem 
..., uxn lugar com boa comunicação. Mas a carta chegou, embora não saibamos quan· 
., t<DIPº levou para ser levada de uma cidadezinha à outra. No momento em que 
· a leu, contudo, Balbina já havia sido vendida ao tio de sua mulher, João Vieira 
....,i,ado da Cunha, fazendeiro rico da cidade de Valença, no vale do Paraíba, bem dis-
lllJIC de Filadélfia e mais ainda de Grão Mogol. Os laços sociais e os cálculos comer-
. somados à distância geográfica, tornaram a liberdade de Balbina mais emaranha· 
Do ponto de vista de Otoni, a venda de uma escrava doméstica valiosa fazia senti-
, Ble se mudara para Filadélfia alguns anos antes para trabalhar num vasto programa 
colonização dirigido por seu primo Teófilo Otoni, que abriria um acesso ao mar 
u terras de Minas Gerais através de Santa Clara, no rio Mucuri, permitindo que as 
rias seguissem embarcadas tanto rio acima como abaixo até o litoral. Teófilo 
·a ainda derrubar a mata e abrir as terras ao cultivo de café e açúcar em nível 
·a1, enxotando os índios e substituindo-os não por escravos -ele era contrário à 
-o e queria se libertar da dependência do trabalho escravo-, mas por imigran· 
peus contratados como colonos para trabalhar em lotes de terra que ao final 
,...oa1n ser deles3• oel Esteves Otoni supervisionou a construção de armazéns, docas, uma serra-
olaria e a dragagem do rio desde as quedas de Santa Clara até a foz do rio, 
l,tUlJ-IERSS 
RA5 O BRASIL ESCR.:\\'lSf:\ E DO PÓ ·E 1 li' 
135 
136 
\ 1 )ll\p,,nh,l 1111 · 011stru ·3o o planti·o ' li'" mn !'111\ n. i el"h 
' li I t d ••t 111·1 
l 11111 t ,,., ,, t,t !'>g, H o a sra qu 1· a,, tl\\11\h 1 • 1 tga , 'l •J 
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,s t,1, n l t,Hnh( 11 ll'Vt' tl' mpo d b . ria S 
\ 1 nt ' 1 • • rir ll 'ª11tq 
11 lllr,ts •n1 Jlibd llrn, qu e I h tizr,u d Ola Rr. 
1 t 1 , 1 11 l , li ,\S • f la. ll 
1 ,n I k u;u · .11· ' J11ilho xt nsos pasto • 7.~nda e! m 1 l.mt s ' • ' • . 1·· 11 . . , Ptédir} t· 
li . 1 •11 tn, s •us s ' tS 1 1 s, > pmn 1ro deles f,Ji l 1\\ t\\ll l 't ' • . e'11 Jij 
1 tlth' \l ,-.11 , ·s n,1 l' il ni,1, ·1 . ap. r nt mcnt não tinha es s, 'iij 
s ·m su., nr ri dad . B lbina tornou-se um desse Cr(ipij 
. r s escra 
,m i m stkJ tr , lhand m asa. Será que ela foi urna d ,,"r, , 
. " b " d . as se 
t t it.1J.1s", t.,mul s qu xibiam a a astança e seu senhors? te 
. • 111 s ntusiasmo e expectativa, em 1858 asco· :qrnu ,r .. • 
1 
, . tsasjáiani 
s 110 projeto. Um re atono encomendado p 1 - . eogov 
rum 111 clico alemão era sombrio . Cerca de 500 colo er. . nos labu. 
t u lim ntação adequada, enquanto os mais saudáveis d , ava111 0 
ut r trabalho pesado de desmatamento e plantio. Toda 
. s as fa . 
. moribundos e mortos. Alguns pareciam exaustos e derrotados 
n vim nta am com feridas e cortes doloridos nas pernas e nos pés; urn~ 
1 lh r u à luz s m auxílio algum; outros ficaram prostrados de febre; alguns morre. 
m tifi . que se queixavam eram castigados, suas cartas, censuradas, e aqueles 
fu · am m bu ca de uma cidade litorânea eram levados de volta por funcionários 
a - m anhi obrigados a cumprir o contrato✓ Paradoxalmente, uma escrava como 
B ina. membro da família de seus proprietários, recebia cuidados muito melhores 
u o olonos. 
Já em 1 62, quando Florença enviou aquela carta, o investimento de Manoel tinha 
fra a ado e ele falava do "nosso desterro, abandonando nossa propriedade que tanto 
no tem custado. Vivo tão acabrunhado de afazeres", como ele escreveu a seu tio7• Ma-
noel certamente tinha motivos suficientes para vender um escravo. Se os escravos cos-
tumavam ter pavor de ser vendidos a um senhor desconhecido num lugar estranho, 
Balbina que afinal trocava de mãos dentro de uma família grande, deve em tais circuns-
tâncias ter-se sentido aliviada de sair desse antro de doenças e esperanças malogradas. 
a mesma carta, Manoel escreveu sobre "um grande empenho que tive pela liber· 
dade de uma escrava de nome Balbina". A mãe quer saber "se consente em dar-lhe a 
liberdade, e por quanto". Ele anexou a carta de Florença, acrescentando: ''.Achará [a 
carta] da qual fará o uso que lhe convier"_ reconhecendo seu papel de mero interme· 
diário, indicando sua tendência na questão, mas deixando a decisão com O tio. As pala· 
vras ~e Manoel Esteves Otoni soam sérias e prementes, fortes para um homem que 
possma escravos. Seu tio deveria dar-lhe ouvidos quando ele falou dessa pessoa. 
GIOVA A, XAVIER • JULIANA BARRETO FARIA • 
s FLAVIO GOMes (orgs.) 
tl' i ti ) ·~t \ ti,1 Hs1 ( ii.to ,l lih rt,1r um 
~ ·t,l q1 ·1 i pr iv.1, ·lm nt 1,1 rir,1 · iro E at qu de a(ah· ra d comprar 
il nn11 l . . m nt n . se período, ntr 1860 
r.J,1,1
11
• • k •:,;çr.\ .1s n.1s ·id,ts lll Br 1, ti, romo u lbi . 
1,r•,(l' º n ' nm id d ntr 15 
,: ~. i J ,o ,iug, ·m ~tina ', •mbor,1 os mor d d 1 40 
. .-h '.'' 1 • . or O O I não di pus · m das 
11(
1
~· 1 .; ,r.dtc )S ,1tu,us, ·t s • rrnm nt .abi m 
.J,i:- · ,il • ~ • • , , •• • qu pagavam b m mais pel es-
r . 111010:,; .11u i,, tah z .1.t11bumd um nro f" d ... 
li:- 11 i:; u . _ . . . ªº un o tráfico de cravos 
1.1, , 1 1 ~ )'. Joa 1 ira M.ichad da unha ra um f d . . •.• ,11, 1:- n . z n e1ro rico e senhor de 
trn . ·ri ·nr, . e ia saber d val r d Balbin s d 
. ·r 1,·l s ·. P b . · con or ou, João Vieira deve 
~1 , ' · i dpido porqu,. 'm r nmgu , m soub s e disso em janeiro de 1863 no final 
r .11.;11 • • ~ Balb' ' 
t • [)n ,te esrana m rt ma pertenceria ao seu espól' 'b 'd à, n ,, ·!11 • . 10, para ser atn u1 a 
ucr h rdeir JUnto com todos os bens ou vendida paras d' •d M 
uill 1u . . ' anar 1v1 as. es-
que J ão Vi 1ra uv sse concordado com a venda a tempo, a questão do dinheiro 
111 rsisria. Parece improvável que Balbina, escrava doméstica, levada três vezes de uma 
pe ·d. eia rural remota a outra, tivesse qualquer jeito de ganhar o dinheiro necessário 
res1 en . ~ . , 
ara cornprar sua liberdade. A mae dela pagaria? Sera que ela podia pagar? Não sabemos. 
P Ern contraste, como é que uma escrava urbana poderia conquistar uma vida inde-
dente? Pensemos em três mulheres cujas experiências de vida diferiam em tudo que pen · . . . 
era importante das de Balbma, mas CUJas vidas revelam grandes semelhanças entre si. 
Todas as três eram escravas urbanas e cada qual trabalhava "ao ganho", alugando seu 
trabalho, talvez vivendo por conta própria e embolsando qualquer dinheiro que ga-
nhassern acima da quantia paga ao seu proprietário como seu jornal diário ou semanal. 
Com esse dinheiro extra, cada mulher economizava o suficiente para comprar sua li-
berdade. E muito mais. Como conseguiram? 
Diferentemente da brasileira Balbina, que herdou da mãe sua condição de escrava, 
abina da Cruz, Rosa do O'Freire e Henriqueta Maria da Conceição começaram a vida 
orno pessoas livres na África1º. Cada uma delas foi vendida pelo tráfico de escravos à 
ahia. Sabina e Rosa ficaram em Salvador, já Henriqueta acabou vendida a uma nova 
ona no Rio de Janeiro11 • 
Rosa do O'Freire dizia ter saído da "Costa da África" para Salvador "em terna 
dade" e sem os pais, que permaneceram na África. Sabina da Cruz contou que "vim 
ª minha terra da África, onde nasci, chegando n' esta capital a muitos annos", sem 
recisar em que data nem quantos anos tinha na época 12 • Inevitavelmente, as lembran-
s dessas mulheres sobre a África variavam. Rosa não teria recordações para construir 
Ualquer coisa que se assemelhasse a uma identidade africana no Brasil. O que apren-
eu sobre suas raízes africanas ela teria ouvido não de seus pais (foi no Brasil que ela 
cebeu a n t' . d . , . , . 0 1c1a a morte deles) mas de outros que vieram para o pais Jª com mais 
ad ' 
e que ela e lhe transmitiram suas histórias sobre a África. No máximo, Sabina ti-
MULHERES NEGRAS NO BRASIL ESCRAVISTA E DO PÓ -f ti\.: l!Pc\ \ 1) 
138 
H nriqu ta 
nr·i·qu t , v ndi "quitanda" na s ruas e m uma ce ta g . m ~~ 
uil m ua fr •gru ia d 'anta Rita, p rt d cais d Ri deJan . , Ciro . 
.: r.i um trab lh difi il, on orrid >. Llla dividia spaço nã 6 e m homens e algum~ 
br si! ir . n g r , ma tamb •m o m muita africanas
11
• Dmjulh de 1853, ela economj. 
z r su 1 i n t 1: 00$000 (um nt e3 00milréis)emdinheiro - paracornprar sua 
Jib rdad d R z Maria d Jesus, que, a julgar pel n m e, provavelmente era ela mes-
lib rta. em dúvida R za Maria compreendeu a importância do pedaço de 
p pcl qu Ja, end analfabeta, ditou a escrivã . "E para sua clareza e para que [ela) 
p s a apr sentar a nde lh nvier, passo a presente carta de liberdade."16 Henriqueta 
ra um a vendedora ambici sa e bem-sucedida. Menos de um ano depois, em abril de 
1 54, ela também comprou a liberdade do africano com quem queria se casar. Porém, 
exauriu seus recursos e ela t mou emprestado cerca de um terço do dinheiro, que 
em pouco tempo reembolsou' 7• 
casamento que ela pl anejara por tanto tempo, insistindo em que eles se casas• 
sem com o pessoas livres, rapidamente desandou em violência e amargura. Realizado 
em j aneiro de 1855, terminou um ano e meio depois, em junho de 1856, quando 
Henriqueta solicitou à Igreja uma separação eclesiástica, sob o argumento de que seu 
marido lhe provocava seguidamente graves lesões fisicas. Testemunhas descreveram 
seu corp cheio de "feridas" e "seu rosto todo ensanguentado" 18 • O que tinha quase 
a mesma importância para Henriqueta, contudo, eram as dívidas de seu marido, que 
ela pagou . Como comprava a crédito frutas e verduras _para então vender, era essen· 
cial manter sua reputação de mulher confiável que pagava as contas. Henriqueta de· 
· - fi ·co seJava a separaçao para proteger tanto seu bom nome quanto seu bem-estar 51 · 
Com a separação concedida pela Igreja, ela foi a um tribunal civil para dividir perma· 
,IOVANA XAV J R • J ULIANA BARRET PARIAS • PLAVIO OMES (orgs.) 
ce111cntc a propriedad deles, que não era nad . 
pen d'vidas do marido. Pelo menos ela n~ a, _Pois tudo havia sido consumido 
.-las 
1 
ªºPoderiam · r- ,~ ontinuou a vender quitanda como lib ais ser responsabilizada por 
el• · erta e em 1861 
ossuía já duas barracas no largo do R , . ' , comprovando seu su-
cesso, p osano, com al , d 
a1 entre os acontecimentos fora doloros vara a prefeitura2º. o in-tefV o o, mas 1-Ienriqu t . 
até tenha conseguido comprar um e , e ª ressurgm recuperada 
talvez scravo so seu a b. -
e s por falta de dinheiro21• ' m içao que ela abando-narª ante 
5abina 
0 casamento não constava dos planos de Sabina d C . 
. , . ª ruz. Para ela, liberdade era ou-
coisa. Seu propnetano, Manoel Gonçalves da Cruz co d . 
1 tra , , • n uz1a uma ancha para trans-
tar alimentos a traves da baia de Todos os Santos para 
par que seus escravos os vendessem 
Salvador2
2
• Sabina provavelmente começou como uma d " nh d ,, 
eIJl essas ga a oras que ven-
diam na rua com uma cesta ou bandeja. 1\.prendeu bem e de•noi·s lib balh 
-r , como erta, tra ou 
mo atacadista de mercadorias da África ocidental comprando e d .d d 
co • m grau e quant1 a e 
.:barris de conchas de cauri, nozes-de-cola, sabão, cabaças, pimenta e metros e mais me-
cros de um tecido listrado chamado pano da costa, predileto das iorubás no Brasil-, mer-
cadorias que ela revendia a comerciantes para serem vendidas ao público. 
Embora comprasse a crédito dos comerciantes em Salvador, Sabina pagava suas 
contas em dia. Uma declaração de um credor, João do Prado Carvalho, mostrava que, 
nos meses de abril, junho, julho, novembro e dezembro d 1871 e março de 1872, ela 
lhe devia a vultosa soma de 532$120, mas até a época de sua morte, em julho desse ano, 
ela lhe pagara tudo, menos 63$920. Da mesma forma, ficou devendo a outros dois co-
merciantes da cidade apenas o que comprara recentemente, nos meses anteriores à sua 
morte. Sua divida mais notável era com o "africano liberto" Pompeu Justino Fernan-
des. Sabina reconheceu que essas dívidas seriam pagas com seu espólio antes que fosse 
·vidido entre seus herdeiros. Ela também "vendeu a fé", mas seu testamenteiro não 
odia dizer quem comprara fiado, pois ela, analfabeta, não fazia anotações23 • 
Ex-escrava, Sabina passou a ser proprietária de escravos. Não disse quando se liber-
u, mas sim que com relação a seu senhor Manoel Gonçalves da Cruz, "do seu poder 
e libertei a muitos annos, dando-lhe dous escravos por minha liberdade"24 • Livre, as-
. como outros libertos ela comprou escravos, reflexo da penetração que a proprieda-
e de seres humanos teve em todas as camadas e facetas da sociedade brasileira. Na 
oca de seu testamento, em 1868, Sabina possuía cinco escravos "livres e desembarga-
os", 0 que significa que não devia nada por eles e podiam ser vendidos. Três eram 
·canos - Lino,um jeje, Maria Luíza, nagô, Antonio, também nagô - e duas crioulas, 
!L'LHERES. EGR"5 O BRASIL ESCRAVIST,\ E DO PóS-E\tA.I\CIPAÇ~O 139 
1aurícia e Francisca. Quando Sabina morreu. quatro ano de O ó 
e craYo . Maria Luíza, a na ô, então om 50 ano d i v n 
d po itara seu valor de avaliação de 500 000 no cofre ubli o em 
ração, dinheiro que serviu para cobrir dhida do a n 
recusou- e a libertar Jo é de imediato, e afn a.no 
velho e alquebrado demai para tr balhar a\ 
lio para que pude e enfim er livre 
abma u ou a riqu za para 
d 1 
Man 
~ 
t~ nt . n.w "-fü,rm t. m lUl R <isJ do e )'J , 
•,1n 1niJ:-. mb )1',1 , muit ) 
1 
r rt•i1t• t 1 ,,hJlkw l> av •ln, ' lll(· 4 111 rn, <J1r,,,, , ,r 
\l quitJnd,1 nJS ruas u numa b· ' lani\ (·n ,·la v, 11ck ( 1 - , ana•11S• l t ,,,,.,,,, 
·mnpr u n..i s a r , pria lihcrdad, a v de,, . e .oni ,, t ·rnr,ri ,., , , 
. . . . , 1n s tamb '· .. ,, ~ , itn<1 }" l>T ~ 
ar d ~ quJtS r cebia uma diária d d m hc, aV<Jh q . + r , ', ca a um ' « ~'>, f1.inJ r.i 
p r u último te tament , de 1863 uan · ' .. . h , q do ela pa sha d ainda elll P e em mm as faculdades int 11 . va os 5() an<J'), d<J ·ntr..: rnci' 
. is , e ectuaes"' sabe 
uir ua riqueza . Na epoca, Rosa possuí mos comr; dct queri.i di tn -
. a nove escravos El 
Jua escravas africanas sob a condição d · ª concedeu a liberdade ., 
e que pagassem ao t . 
l]t11bilina, 400$000 para as despesas com eS
t
amente1ro, nr) ca <J de 
o enterro de Rosa 
de 600$000, a ser paga em dois anos ao esp, 1. d e, quanto a Rita, a quantia 0 10 e Rosa. Sem pa d . 
dade Se qualquer uma das mulhere - gamento, na a de l1ber-
. . , . s nao pagasse, ela poderia ser vendida e o dinheirn 
revertena para o espolio. Rosa reservou O melh . , . or para as suas seis "crias" - cinco filhos 
de sua escrava africana Leocad1a e Guilherm· . ~ ~ . ,, . ma, CUJa mae nao é identificada, todos 
"crioulinhos e cnas da casa. Cada qual receberia d lib . uma carta e erdade como prova 
de que eram libertos. Incomumente ela também de L , d' . , u a eoca 1a uma carta de liberda-
de, para que pudesse continuar a cuidar de seus filhos m A 1·b ~ enores. o 1 ertar tanto mae 
quanto filhos, Rosa garantiu que eles não mais corriam o risco de ser separados por 
'K!lda a proprietários diferentes. 
Houve mais. Em 1861 , dois anos antes de morrer, Rosa fez o que Sabina faria al-
anos depois. Comprou uma casa e o terreno em nome de duas crias preferidas, 
Guilhermina e Leonico. Ficava na Freguesia de Santa Anna, na rua atrás dos Quartéis 
Palma, e ela pagou ao proprietário, Felisberto Gomes de Argollo Ferrão, a quantia 
2:000$000. Rosa explicou sua atitude: "[ ... ]sendo eu Africana, e pelas Leis do País, 
podendo possuir propriedade de raiz, tive de comprar em nome" de outros. Ela 
suas "duas crias". E o fez, disse, com a autorização do Juizado de órfãos, o 
que administrava propriedades herdadas por menores
29
• 
No entanto, o testamento dela é um enigma, porque não consegui descobrir lei 
.,_._...:qu:... e impedisse africanos libertos de possuir imóveis. É verdade que qualquer 
um escravo adquirisse pertencia a seu dono, assim como o próprio escravo -
~-cra--m propriedade -, 
0 
que se aplicava igualmente a escravos africanos ou brasi-
nascença. Havia, porém, uma exceção: segundo o direito romano, essa lei não 
· que um escravo tentasse ganhar a liberdade e, para esse fim, juntasse 
para comprar a liberdade_ chamadas pecúlio - que pertenceriam ao escra-
claro, os proprietários muitas vezes não honravam essa poupança". 
RES :,reGRA O BRASIL E CRAVI 
l .il . ,, R s.i quit ,l f ,l!iS<: ser ,11ifr.mo <1 s r scravo. Sabina nã d u xplicaçã { 
- . . l 'd o. ~ p, 
, l u . n,1 llll n -.w f iss , ~.1 r.m1 ir qu e • • s. n (~ s n a tn ~1 no inv ntário d. ) 
h ·ns , , ntu.llmt nt v mlid,1 p.m1 pagar suas dív1d s, ' por isso ar tirou d 1J 
nh n1t\ • 1mpr.md h l m n )111 • d · suas rias. 
·uPé! ttJ 
1 m t i l çJs , R sn 1 scrv u qu , stava m rand na casa, e que, corn ua 01 · d · d h d · '1r · 118 .ifilhados, t d s os s 1s es1gna º. s .er eiros, casa ,.~ qu •:-t J f J , , Jt'hl ,1 S S • '-•u 
d ·] \ · ntinuariam J r uj o títu lo r ceberiam quan o atmg1ssem a maioridade3'. 
*** 
que essas pequenas histórias nos contam? Vemos sem dúvida o funciona - . IllentrJ 
da clientela executado em situações diferentes. Sao laços que ampliaram a influ ' . , enc1a 
pessoal e impuseram obrigações. Nas fazendas de café da zona rural, a mãe de urna 
escrava lutou de longe pela liberdade de sua filha com cartas que ela, muito provavel-
mente, pagou a alguém para escrever e enviar a destinatários que ela não conhecia 
pessoalmente. Florença da Silva, talvez uma liberta - note O sobrenome, herdado de 
seu antigo dono - , soube apelar por meio do encadeamento da clientela ao "doutor 
senhor" Manoel Esteves Otoni para que assegurasse a liberdade de Balbina. 0toni 
apoiou o pedido, mas agora era este quem solicitava o apadrinhamento e o favor de 
alguém mais poderoso, mais rico, com maior autoridade familiar do que ele, em nome 
de uma escrava da família e da mãe desta. Otoni também sabia pedir favores nessa so-
ciedade de laços verticais. Essa rede de favores e obrigações espalhava-se por grande 
extensão social e geográfica, bem além dos locais imediatos de trabalho, levava meses 
para surtir efeito e dependia de certa troca de cartas, a última das quais talvez nunca 
tenha chegado ao destino. 
Para Henriqueta, Rosa e Sabina, a onipresente troca de favores funcionava de ou-
tra maneira. Por serem escravas urbanas atuantes numa economia de dinheiro vivo, 
responsáveis pelo próprio trabalho, elas podiam poupar o que ganhavam a ponto de 
comprar a liberdade. Henriqueta pagou em dinheiro, enquanto Sabina pagou com dois 
escravos que teria comprado - soluções a que elas evidentemente chegaram por si sós 
em negociações diretas com seus proprietários. Como libertas, participaram de redes 
de clientela que foram formadas por elas próprias ou as relacionavam com pessoas com 
quem lidavam cara a cara, em geral seus iguais ou quase. Ao dar a liberdade e proprie· 
dades a suas crias, filhos de suas escravas, elas teceram laços de dependência e lealdade. 
Porque compravam e vendiam a crédito - negócios que as ligavam a comerciantes ricos 
e pequenos negociantes, relações de que dependiam e que protegiam -, elas tanto rece-
biam favores quanto os concediam a outros. Henriqueta e Sabina, embora negociassem 
GIOVANA XAVIER • JULIANA BARRETO FARIAS 
• FLAVIO GOMES (orgs.) 
Daniel
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Daniel
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111m 1 t 1n rd · h . rno d n tr d . ccmfiavei 
tn 11·0 rn oca favor 
m n. - Ih ,' , m · . b pr t do d amig s. 11 nriqu 
ai, rn b os, um casal 
1 nJ : . 1 mulh r mo ua t:mi cid~s, para atravessa:~~:~!: 
' l l 'tmqu ta in 'i t' ga e madrinha'' iu m pagá l ' mas a amizade 
' • 1 1 t 'l.1. t -ida 11 - ª· Era assim u . ncontros cotidi q e funcionavam as 
d al par 'd anos e ocasi·on · 1 a que se conh . ais, em conversas 
eaam e precisavam encont rar ma-
.plicaram, pelo fato d 
. el e ambas nunc h 
ai . as contavam com lib d a averem se casado e 
a er ade de esc lh 
:se- mo bem entendesse A . 
0 
er seus herdeiros e 
m. pesar disso surp d 
em nome de terceiros A 
1 
' reen entemente elas 
. o egarem tanto libe d d 
-ª e abina são exemplos de um a - r a e quanto proprie-
as a Co ta da Áfri p drao recorrente entre algumas 
ca que no Brasil nu 
el d 
. nca se casaram e tampouco tive-
as es1gnaram herdeiro -s nao as suas escravas, mas os filhos des-
. _ .: ::-""~::e emente as filhas mulheres mesm -. .. ' 0 que nao sempre, como Rosa de-
-- e,;, . .:::e:-:an o-as e dotando-as de recursos em dinh · · , • ~ - . . . eiro ou imoveis para começar 
he a Siqueira de Castro Faria (2004) J'á not 1h ou, essas mu eres estabele-
-- ~a;e:is · ,·enradas para dotar propriedade às herdeiras femininas3z_ 
:::::=e :10.:-sas tres vendedoras africanas, nenhuma tinha uma mãe protetora no Bra-. ~::.: ~.:~ gasse -orno fez Florença em beneficio de Balbina e como Sabina e Rosa 
-~~ ag~ em relação às suas famílias inventadas. Nos anos 1860, o jurista Perdigão 
_; ._e:_:-_ e: ""1"eYeu lamentando que "entre nós, infelizmente, os escravos vivem em 
- ;.t: ::.::.:::as". E culpou não a Igreja, que aprovara os casamentos, mas a instituição do 
·--:~-:..:= . :. ·e haúa séculos impedia o casamento de escravos. Então o jurista apre-
-:::: e::a ::-ess Ya: "Em algumas partes, é verdade confessar, sobretudo entre os lavra-
· :e..: :::ã é ::-aro ,irem-se familias de escravos, marido, mulher, filhos"
33
. 
O: -.....-:o:-:a ores de hoje rejeitam com firmeza esse julgamento de que as uniões 
.:.:e:::__a:_s eram "ilícitas", embora reconheçam a dificuldade de descobrir os laços 
- ··•;::-e- e~: e escravos u rbanos. Felizmente dispomos de listas residenciais de muni-
; _:_ ::--.::cl!S do mal do século XVIII, sobretudo na província de São Paulo, as quais às 
:: ::.p:e.:-e:ra:n escravos em grupos familiares ou ao menos relacionam os escravos 
:::::: :asa.::os. sol eiras ou viúvos. as regiões rurais já estudadas pelos historiadores, 
-:; ::.e .. 
5 
e e 25% a 30% dos escravos adultos eram casados e às vezes muito mais. 
'":' .?a~~:· --n~. em 1 30, na fazenda da viúva dona Maria CuSródia de Alvarenga, 
9
o% 
-:. e ,_ a. , d p m"i" da metade dos 60 escravos adultos de 
a u os eram casa os. ouco A-'-"' 
n H (L ESCRAVISíA E DO PÓ •EMA. rn 143 
tULHERES íliGRAS O B..,.., 
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rJ s torn,1r r mpri ·t. ri. s d Imóveis 'S ·ruvo., r uniba. lihtr 
f)1:inrnm linh, g ns fomiliar 'S. AH tr s p·1garam 08 r•. 
d, s cria r.1111 r I sr sson is d ' fovor se l rlg çõ . E tam 
r u fri . nid, qu • fozi, diÍi ' r , íl, pc rqu ', por mnis ·mpr l'ld dora qu 
fri , n,. ci . d que st iv ss cm Ln , pr pri da · :igrf la sua mobilid 
l ra d zinhn . 
ntr tant , • ind p 1111 pr o. A 01 orr"n ia para v 11 
d s v nd d iras brigav m p r spa v gand ã 
gr ssã flsi a. m rr, m, nhã d julh d l 54, Am lia , s rav::i min 
uma pr ta fi rr . "um fi rt b f tad, na ara '', •ntõo narras 
godo Paç . Amba v ndi m quitand , Am lia vid nt n 
do eu t rritóri .1 7_ H nriqu ta rta v z brig 
mundo m alt dia", d a rd m , , 
fa aíss 
li nt , '' vista d tod o 
com a camisa rasgada, · pa · , m, rid 
que sua mulh r ra lib rta, h n sr trab s v z r m nfun 
elida com crava , mulh r s h 11 stas tidas m pr stitutas, m as quai dividiam 
as ruas as praça , s br tud n fim da ard quand • s "mulh r s públi s" as pros· 
É duvid soque Balbin ti ss uma vida ind ' P •nd nt . ifl il irnagin -la virando 
-se sozinha na rua, mpr nd u n i nd a r dit . IJ la foi p upada das 
brigas de rua, d s n it s, d s m · bar. e, s; m , 'nvolta na órbita pro· 
retora d uma familia d st , t. n da d , Of )rtunidad s p ra t star sua 
capacidad , tomar d J, m sma. L mbr -s da adv rt 'ln ia da nlii 
dela d que tratass b m r s? A pr tamb m tinha um pr ço. 
144 l VANA XAVIBR • J 1 1 N 8 RRlff() I· IU s • fl l \Ili (.( ~l l'S (ori,:s. 
Daniel
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s,.1, tt tll n.1 ) n, • ont 111 t 111111 
t, . ç im l la ll u u f Jb · 
J lll e 
h . m )~ :.1l 111.1 R , J ll fim da vii 
n 
\. •, uanJ0 .1s r up.1s p.1ra 'nt 'rr . acen n 
0 
:i m a.ai i ) nutras Yi1.. ,is e 1n , u l d 
a o. Henriqueta d -
d t 'rminada a r faz · e aparece 
r a vida pela terceira vez na me1a-1 
l)rn pequeno epílogo 
cl ;}Q 
a e. 
Era fim da tarde, e o trabalho do dia já tinh . 
ª termma o quan o res JOYe..'1.: ::e-
subiram os degraus para a varanda coberta da casa-grand diri' . 
e, grram-se a o~a "a 
J:..nte bateram e aguardaram. Explicaram à criada qu .. 
11- • e ,e10 aten e .ue e as ~t:.er:a:r.: 
_r dona Cecília, a dona da casa. As mulheres estavam suad , -_ as e pare am · cas. ao 
SÓ Por causa do longo dia cortando cana-de-açúcar mas de s · , emanas e meses e ::-a:Ja-
no campo. Suas roupas não combinavam, estavam remendadas. -asga as: eias :i-
chinelos nos pés e lenços apertados na cabeça. Depois de uns o min os. do::ia 
Q,dlia apareceu. Parou à porta, nem convidando as mulheres a entrar nem in o a e:as 
varanda. Elas falavam baixo, em atitude de respeito. Provavelmente hanam ensaia o 
iam dizer. Pediam transferência do campo para o trabalho doméstico. "Por i: 
Í Íllllntn' ro?" , perguntou dona Cecília . Porque, responderam o trabalho no campo destruía 
pa delas. Dona Cecília ficou de pensar e avisar depois. As mulheres ha,iam rece i-
a deixa para ir embora. Agradecendo a ela, desceram a escada. Era um pedido segu-
.taqueles que não as fariam ser dispensadas, porque, afinal, elas não reclamaram o 
o exaustivo de cortar cana com facão curto. A preocupação com as próprias 
mostrava que queriam cuidar de suas coisas. Seriam boas domésticas na lann-
ou na cozinha. Será que era comum nessa fazenda recrutar serventes domésticas 
meio a trabalhadores agrícolas experimentados, ou essas mulheres tentanm abrir 
exceção para si? Não ficou claro. 
em 1973, ao testemunhar essa cena eterna quando eu era hóspede na tal fazen-
negras do interior ainda tinham no máximo a esperança de passar do campo para 
a. 
. • . 1 
ça da Silva a Balbina da Silva, cidade do Grão Mogol, Minas Gerais, 14 abr. 1862, Arqwvo . aaonai. 
deJ · - • · d AN RT SAP) familia Werneck doravante F\\ aneu-o, Seçao de Arqwvos Paraculares ( oravante · ,,, • 
112, v. 8, Cartas Avulsas, f 13-q.' . afi • al 
· ·d d t históricos foi mannda a gr 1a ongm e cm vános trechos em que foram reproduzi os ocumen os 
MULHERES 'EGRAS O BRA JL ESC~ \'lST E 1 
\ h •. , , 1 ""• l' ::. 1, .' 
\,, \,1ll m,mt, 1 ,0, 1 1 l, ,11 ,1 ,111· p 1'1 
" • \llh. \S('I,', 1' 1 '4 \, 1 .1lk111,1111. t <J H() , l'NJW ,.1'111<·ntc p. 1 i1 7~, J<J-1 , l.01. 1, ./, IH 'J , 1/U, L. ~•1 Lh,t1,t~, ,, 
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1 ; 
~ \ I.H1l ·l r~tl' ·s 110111 ,1 Jn ,lll \'1l' lt\ l M,t 
f\\ , ú,J,,c t 12. , s. doe. 47 
s _,.iJ. 1 q • p 1sq 
h,i<ln da Cun lw , fli la<ll·lflil , Minu N C: ·1ulN, 11 jnn, lli'1i , Ar i I j '\f, 1,, 
~Jr,1tJ e Buen , J IJQ , , . 2, p. 22.74. 
10 Im ntán . , Jbtna da ruz, africana liberta , Bahia , 1872" • A:quivo JJ~1bli~o ~o Estado d~ Hah1 a, S· lv~d, 
~JoraHnt peb ,Judi iário, 3/ 1100 / 1569 / 07, f. 1 (doravante Inventá no, Sab111a da ruz, 1872"J. N<it ,r 
. ta não a m esma a bina da Cruz que teve papel crucial no Lcvant dos Mal ~s, m 18 H . "T , tam. Yl11 
b d 
.. á . R . d ,,,. r11,, 
za d O 'Freir 'africana liberta, Bahia, 1863" , Ape ,Ju ,c1 no, eg1stro e icstam ·ntus, 1863 64 S ' 
' . 863 ' ') "H . • , alva 
d r, liHo 43, f. 50·2 (doravante "Testamento, Roza do O Freire, 1 · ennqucta Maria da cm ,1 
preta mina, contra Rufino Maria Baleta, preto mina, libelo de divórcio, Rio de Janeiro, 1856" (dorav:n;i-
"Divórcio 1856") Arquivo da Cúria Metropolitana, Rio de Janeiro (doravante A M·RJ) , libelos de di'ú • ' V TC!<J 
l l,4. caixa 68;Juízo da 2.' Vara Cível , "Divórcio, Rufino José Maria Baleta, réu, Rio de janeiro, 1857 .. (dora' 
Yante "Divórcio, 1857"), Arquivo Nacional, Rio de Janeiro (doravante AN-RJ), Seção do Pod r Judi iáno 
(doravante SPJ), maço 877, n . 686 [transcrito]; Juízo Municipal da 3.ª Vara Cível, "Inventário, Rofino Joze 
Maria Baleta e Henriqueta Maria da Conceição, Rio de Janeiro, 1858" (doravante "Inventário, 1858"), AN-1\), 
SPJ, caixa 300, n . 828, Gal. A. 
11. "Divórcio, 1857"; Rufino (Maria Baleta) e Henriqueta (Maria da Conceição), Rio de Janeiro, 16 jan 1855 , ca. 
sarnentos, Freguesia de Santa Rita, livro 5 (1852-60), ACM· RJ, AP552, f. 40v-41. 
12. "Testamento, Roza do O 'Freire, 1863", f. 50; "Inventário, Sabina da Cruz, 1872" , f. 1. 
13 . Ver uma versão mais longa da história de Henriqueta em Graham, 2012, p . 25-65. 
14. Johnson, 1996, p. 245; Lander e Lander, 1837, p. 121•2; Clarke, 1972, p. 13, 33·4, 45, 54, 184. 
15 . "Rellação nominal das cazas de negocios da Freguesia de Santa Rita pertencente ao anno de 1841", "Estatís-
tica da Freguesia de Santa Rita", Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGC-RJ), códice 43. 
1-42. 
16. "Carta de liberdade que dá Roza Maria de Jesus à Henriqueta", 21 jul. 1853, AN-~, 2.º Oficio de Notas do Rio 
deJaneiro, Registro Geral, livro 86, 3 / 5 / 1853-14 / 1/ 1854, f. 92v. 
17. "Divórcio, 1856", f. 3, 38v; "Carta de liberdade, conferida por José Maria Warleta a Rufino", 2 abr. 1854, AN· 
·RJ, 2.º Oficio de Notas, Rio de Janeiro, Registro Geral, livro 87, 16/ l / 1854-7 /8/ 1854, f. 79. 
18. "Divórcio, 1856" , f. 2-52. 
19. Inventário, Rufino José Maria Baleta e Henriqueta Maria da Conceição, 1858. 
20. "Barracas,( ... ) 1846, 1847, 1850, 1853, 1857, 1861 e 1863-1865", AGC-RJ, códice 53-3·36, f. 14·5. 
21. "Divórcio, 1856", f. 35v•36. 
22· "Licenças, Manoel Gonçalves da Cruz", 16 jan. 1819, Arquivo Municipal de Salvador Salvador, Bahia, 88.5, [ 
169. ' 
23 . "Inventário, Sabina da Cruz, 1872", f. 22, 25, 33 , 39, 39v: 57 58 61 . 1 
24. Ibidem, f. 1. ' ' ' v: 
25 . Ibidem, f. lv, 15, 17, 19, 39·40v. 
26. Ibidem, f. lv, 1-2 . 
27· Ibidem, f. lv, 5, 5v: 6 A respeito de p d " ' · , reços e escravos, ver Andrade, 1988, p. 207-208. 
28. Testamento, Roza do O Freire, 1863", f. 50, 50v. 
29. Ibidem, f. 50v: 
GJOVANA XAVIER • JULIANA BARRETO FA RIAS 
• FLAVIO GOMES (orgs.) 
li -
o/r1' ,, ,/11.1 /r i! ,/o Hr li 
aJ , L I l .04/J, .!k 
- ._:::: ~ ~~ .. ·0 5é de oüZa . . 4. m.ã de bra escrava em Salvador, 1811-1860. São Paulo: Corrupio; Brasília: CNPq, 
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:..-~ ~-- --:-. Ko· ez-· . \Toºet~ !elas pravincias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe (1859). Trad. Eduardo de 
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147

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