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[TEXTO 6] FONSECA, Pedro Cesar Dutra Vargas o capitalismo em construção, 1906-1954

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222 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMÓ" . . . 
A força de trabalho na nova ordem: a "questão" social 
A legislação trabalhista dos anos 30 pode ser considerada 
como a verdadeira marca do primeiro governo Vargas (1930-1945), 
consagrada pela memória histórica, principalmente a oficial, como 
sua mais significativa realização. O tema é, em si , objeto de 
intermináveis polêmicas: enquanto alguns procuram ver no trata-
mento da "questão social" as vantagens recebidas pelos trabalha-
dores, antes desprotegidos e largados à própria sorte, evidenciando 
o papel do Estado que consagrou e adiantou conquistas à classe 
operária, outros preferem denunciar o caráter autoritário (e fascis-
ta) da legislação, a anulação da autonomia sindical e das lideran-
ças espontâneas dos trabalhadores anteriores a 1930, a impor-
tância das leis antes para reprimi-los que para os beneficiar, 
salientando as vantagens das medidas para a própria acumulação 
capitalista. 
Não se trata aqui de expor as leis, uma a uma, com o fito de 
buscar evidências para uma ou outra das teses. Antes disso, buscar 
nos discursos de Vargas sua percepção do processo, suas justifi-
cativas e seus objetivos, explicitados ou não, entendendo que este 
tipo de estudo possa contribuir para o debate. 
Como já foi exposto anteriormente, a "questão social" fez 
parte da Plataforma da Aliança Liberal, mesmo que de forma não 
destacada. Com a radicalização da campanha, ao seu final , a 
legislação trabalhista passou a ser das mais freqüentes promessas 
do candidato aliancista, estando também presente com certa ênfase 
em seus discursos no lapso de tempo que medeia a derrota elei-
toral e a "revolução". Neste momento, ficando patente a divisão 
entre as forças políticas dominantes e a hesitação de parte dos 
membros da Aliança pelo movimento armado, a tática seguida 
pelos então autodenominados "revolucionários" foi partir para 
novas alianças, como com o exército (os "tenentes"), e fazer apelos 
às populações urbanas e trabalhadoras. 
Evidentemente, tal fato é incapaz de explicar as razões de o 
governo Vargas ter-se realmente empenhado e conseguido implan-
tar diversas leis de regulamentação do trabalho: promessas nem 
sempre são cumpridas; algumas, como reforma agrária , foram 
raramente lembradas após a posse e jamais postas em prática. A 
radicalização da campanha eleitoral ou pela "revolução" sem dú-
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906·1954 223 
vida deve ser lembrada por criar ambiente propício para as "pro-
messas trabalhistas", já que se pode considerar que ao apoio popu-
lar nos grandes centros urbanos os aliancistas precis.ariam dar 
alguma resposta. Por que a resposta foi a legislação trabalhista e 
por que a mesma emprestou-se à forma observada só se entenderá 
tendo em vista outros elementos. 
Antes do mais, neste sentido, é preciso lembrar mais uma vez 
que as leis trabalhistas não são inovações do governo estabelecido 
após 1930; ao contrário, e tendo-se presente a série de leis ante-
riores a esse ano (como, por exemplo, a lei sobre acidentes de 
trabalho, de 1919, posteriormente reformulada em 1923; a criação 
das Caixas de Aposentadoria e Pensões para empregados de estra-
da de ferro, dando-lhes estabilidade por dez anos, de 1923, ano 
no qual também foi criado o Conselho Nacional do Trabalho; a 
lei de férias de 1925 e o Código de Menores de 1926) pode-se 
argumentar que a regulamentação da força de trabalho ocorrida 
após 1930 é mais a continuidade e o aprofundamento de determi-
nada tendência histórica que propriamente uma novidade. Se fazem 
parte da memória histórica apenas as leis posteriores à "Revolu-
ção", apagando as anteriores, não é todavia de se negligenciar as 
razões que conseguiram ganhar adeptos para esta versão, já que a 
extensão e o caráter globalizante da legislação trabalhista do pós-30, 
impondo o Estado como mediador, executor, legislador e julgador 
dos conflitos de · classe, iria de fato estabelecer relações entre tra-
balho e capital cuja forma difere significativamente da anterior. 
O discurso de Vargas sobre a "questão social" era dirigido no 
sentido de contrastar seu governo com o período que o antece-
deu; a diferença de forma antes apontada é apresentada por ele 
como de conteúdo, ou seja: antes havia um governo contra os tra-
balhadores, agora estes se faziam representar no governo. A esta 
representação seguia-se, por um processo de aparente dedução, que 
o governo estava do lado dos trabalhadores, legislando a seu favor. 
Assim, o discurso oscilava entre aparentar um Estado Neutro, aci-
ma dos conflitos - e, portanto, agente legítimo para julgá-los -, 
e um Estado que, apesar de não excluir totalmente os patrões, 
possuía certo facciosismo em favor das classes trabalhadoras. Estas 
duas faces do Estado apareciam não raramente no mesmo discurso; 
mas, em determinados momentos, dependendo de para quem se 
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OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO •LmERALISMO" . .. 
falava, da conjuntura política e de outras circunstâncias, uma foi 
mais destacada que outra. 
Ao pregar a necessidade da legislação trabalhista, Vargas re-
correu, pelo menos em duas ocasiões, a argumentos históricos.111 
Dissertando sobre o fim da escravidão, mostrava ele que a desorgani-
zação do mercado de trabalho dela advinda não foi . solucionada 
pelos governos republicanos, pois não se fizeram novas leis para 
substituir as antigas. Tornava-se necessário, portanto, preencher o 
hiato deixado por quarenta anos de República Velha, organizando o 
trabalho livre "sobre bases racionais". Como se nota, o discurso 
neste aspecto ignora totalmente as leis sociais da República Velha, 
especialmente as da década de 20 - contra algumas das quais 
os parlamentares gaúchos, entre os quais Vargas, haviam votado 
quando apresentadas na Câmara de Deputados. Afirmava Getúlio, 
seguindo sua linha de argumentação, que o governo anterior não 
se preocupara com a "questão social" por estar fechado "num 
círculo de vantagens restritas que se confundiam com as da pe-
quena minoria instalada nas posições governamentais"; isto fez 
com que o poder público se tornasse, "aos poucos, alheio e imper-
meável às exigências sociais e econômicas da Nação".112 O governo 
111. A este respeito considere-se os seguintes discursos: • O Primeiro Ano 
do Governo Provisório e as suas Diretrizes•, de 3 de outubro de 1931, e a 
"Mensagem Lida perante a Assembléia Nácional Constituinte, no Ato de 
sua Instalação, em 15 de Novembro de 1933" (Vargas, Getúlio, 1938, v. 1, 
p. 153 e segs., e v. 3, p. 15 e segs.) . Argumentos históricos também foram 
utilizados para tal fim no discurso • A Reforma das Leis Vigentes e a 
Elaboração de Novos Códigos·, de 4 de maio de 1931, embora sem o mesmo 
destaque dos anteriores (Vargas, Getúlio, 1938, v. 1, p. 109 e segs.). 
112. Vargas, Getúlio (1938, v. 3, p. 24-5). Como afirmou Ângela Maria de 
Castro Gomes (1979, p. 73): • . . . Seria a bancada gaúcha aquela que mais 
firmemente reagiria à regulamentação do trabalho. Fiel à orientação de 
Borges de Medeiros, que se reelege sucessivamente todo este período, os 
gaúchos não aceitam intervenção política no quadro social· . Na verdade a 
bancada gaúcha mostrava-se contra a • estatização da questão social •, admi-
tindo que o Estado regulasse as relações de trabalho de seus funcionários, a 
título de exemplo, sem todavia obrigar as empresas privadas a fazerem o 
mesmo. Esta postura da bancada gaúcha na Câmara Federal enquadra-se 
perfeitamente nos princípios doutrinários do positivismo. Sem qualquer outra 
crítica ao restante da análise da autora, entende-se que a atitude da bancada 
gaúcha, e de Vargas em particular, não é "típica do modelo liberal clássico 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 225 
de minoria, desprestigiado e isolado, fora substituído por um go-
verno moderno e de maioria, em sintonia com a realidade do país. 
Este não representava, tão-somente, um pequenocírculo de homens, 
os "oligarcas", que faziam política em benefício próprio; ao con-
trário do anterior, estava voltado para o conjunto dos interesses 
da sociedade. O peso desta argumentação, a par da retórica, não 
esconde seu poder de convencimento; mais do que qualquer outra 
obra governamental, foi a legislação do trabalho a mais propalada 
por Vargas como conquista da "Revolução", que por si só já a 
legitimava e a tornava necessária. O Ministério do Trabalho, Indús-
tria e Comércio, criado pelo Decreto n.0 19.433 de 26 de novem-
bro de 1930, era considerado no discurso oficial como o "Minis-
tério da Revolução", e para ocupá-lo Vargas chamou Lindolfo 
Collor, político de sua geração do PRR. O nome do ministério 
já dava indícios da concepção dos seus criadores, pois se propu-
nha a congregar trabalho e capital no mesmo órgão. 
A mais contundente defesa da legislação trabalhista foi efetua-
da por Vargas a 4 de maio de 1931, quando da instalação da 
Comissão Legislativa no Palácio do Catete.113 Considerando o mo-
mento propício à execução de vasta reforma na ordem jurídica e 
social, dado que o poder lhe era outorga da "Revolução", Getúlio, 
após breve exposição da desorganização do mercado de trabalho 
que seguiu à Abolição e da inoperância dos governos republicanos 
para resolver a "questão social", assinalou que a_ pa~tir ~aquele 
momento fazia-se necessário "palmilhar por novas es~radas". Sem-
pre no sentido de libertar-se do passado, constatava ele que se 
atravessava momento de "profundas e radicais transformações". 
Estas faziam-se presentes não só no Brasil, mas no mundo moder-
de mercado•, como ela ponderou na página 75 da obra supracitada. Mesmo 
que esta fosse ponto comum entre liberalismo e positivismo, posição certa-
mente defensável, seria mais justo compreendê-la historicamente tendo-se em 
vista o conjunto dos princípios ideológicos defendidos pelos deputados, sem 
apegar-se exclusivamente a um aspecto ou outro das idéias por ele esposadas. 
Como as diversas doutrinas não raro apresentam pontos convergentes, fica 
difícil concluir a qual delas alguém está filiado ou da qual é simpatizante 
sem que se leve em conta o contexto ideológico mais amplo no qual se 
inserem determinados atos ou ações específicos. 
113. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 105-28). Todas as citações que seguem 
neste parágrafo e nos dois seguintes foram daí extraídas. 
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226 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMO" . .. 
no. Fortemente influenciado pelo positivismo e pelas obras recen-
tes de Francisco Campos, Azevedo Amaral e Oliveira Vianna, o 
discurso comparava a realidade social com a física, dizendo fazer-
se necessário descobrir suas leis, de molde a propiciar bases mais 
sólidas às decisões tomadas pelo governo. Entretanto, enquanto a 
maioria dos adeptos desta analogia a utilizam, via de regra, como 
forma de mostrar a universalidade e o caráter inexorável das leis 
sociais, Vargas argumentou, ao contrário, a relatividade destas leis, 
ponderando que mesmo na física as leis possuíam relatividade, 
embora secularmente fossem julgadas absolutas. Assim, mesmo 
que no Brasil se manifestassem as "tendências gerais do mundo 
moderno" - quais sejam, a industrialização, o avanço do capita-
lismo, as lutas de classes e a intervenção estatal - , as soluções 
para os problemas daí advindos deveriam ser locais, ou seja, com 
normas jurídicas adaptadas à realidade nacional. 
O que se salienta no discurso é o entendimento de que os con-
flitos de classes, em particular, poderiam ser solucionados mediante 
modificações na ordem jurídica. Precisava surgir o "direito novo", 
apoiado na segurança e na eficiência. Os conflitos não advinham 
diretamente do capitalismo, mas de uma particular ideologia sua: 
o liberalismo. Desta forma, mesmo que se mantivessem as institui-
ções básicas da sociedade capitalista, a reforma das leis seria sufi-
ciente para resolver seus principais problemas. Vargas apelava, 
então, aos membros da Comissão Legislativa, in_stando-os para que 
sua função legisladora se enquadrasse nos "imperativos da época, 
procurando dar ao Estado a força e o poder capazes de dominar 
os imprevistos do novo período de transformação humana que se 
inicia". Com isto, ele lembrava aos membros da Comissão que a 
causa principal de falharem todos os sistemas econômicos estava na 
difícil tarefa de estabelecer o "equilíbrio das forças produtoras"; 
no caso particular da sociedade moderna (entenda-se capitalista), 
isto significava, nas palavras textuais de Vargas, a "organização 
do capital e do trabalho, elementos dinâmicos preponderantes, no 
fenômeno da produção, cuja atividade cumpre, antes de tudo, regu-
lar e disciplinar". Seguiu-se, a partir daí, uma série de críticas ao 
capitalismo (na verdade, ao liberalismo): admitir o livre jogo das 
forças de mercado comparou-se a "caminhar de olhos abertos para 
uma convulsão futura". A ameaça de tal convulsão, tida como 
iminente se medidas rápidas não fossem tomadas, aparecia nos 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇAO - 1906-1954 227 
pronunciamentos como o principal fato impulsor da elaboração da 
legislação social. Assim, o discurso, que em determinado momento 
se auto-intitulava progressista e voltado ao futuro, nesta questão 
deixava mais antever que queria evitar determinado futuro, ou seja, 
que era necessário reagir, e de forma organizada, para evitar deter-
minadas transformações temidas. 
Para tanto, afirmava ser necessário combater a ampla liber-
dade do lucro individual, a qual levava a um aumento progressivo 
da capacidade produtiva, "quando a produção devia limitar-se à 
capacidade de consumo das massas". Este problema, segundo ele, 
tenderia sempre a se agravar, pois o capital, para ampliar-se, leva-
va a indústria ao máximo de produtividade. Precisava-se passar, 
portanto, por ampla revisão dos valores sociais, buscando-se o 
equilíbrio econômico, cuja ruptura constituía "perigo iminente para 
a civilização": 
"Para levar a efeito essa revisão, faz-se mister congregar todas 
as classes em uma colaboração efetiva e inteligente. Ao direito 
cumpre dar expressão e forma a essa aliança capaz de evitar a 
derrocada final. Tão elevado propósito será atingido quando en-
contrarmos reunidos numa mesma assembléia, plutocratas e pro-
letários, patrões e sindicalistas, todos os representantes das corpo-
rações de classe, integrados, assim, no organismo do Estado".114 
Era preciso, pois, que as classes se organizassem; sua organi-
zação deveria ser em sindicatos, cabendo ao Estado promovê-los, 
discipliná-los e tutelá-los. Ao reconhecê-los juridicamente, o Estado 
estava evitando, nas palavras de Vargas, que eles atuassem como 
" força negativa, hostis ao poder público"; os atos governamentais 
deveriam tornar cada sindicato "elemento proveitoso da coopera-
ção no mecanismo dirigente do Estado". · 
Como se nota, os pronunciamentos de Vargas pregando as van-
tagens da legislação trabalhista eram neste momento dirigidos mais 
ao capital e às classes dominantes que aos trabalhadores. Ao justi-
ficá-las apelando para argumentos como ameaça de convulsão social, 
fim da civilização, cooperação e disciplina, usava ele argumentos 
próximos ao horizonte ideológico dos que, no período imediata-
mente anterior ao seu governo, tratavam a questão social como 
114. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 118-22). 
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228 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: 00 "LIBERALISMO" ... 
"caso de polícia". Com a ascensão do movimento operário a partir 
de 1932, que culminaria com a formação da Aliança Nacional 
Libertadora e com a "Intentona de 35", o governo nunca chegou 
a dispensar a força policial - ao contrário, usou-a largamente 
nos momentos necessários. Atacava o problema, portanto, em duas 
frentes: a policial e a legal, sendo que mediante esta última, com 
base num jogopolítico bastante complexo, conseguiria cooptar 
a seu favor diversos líderes sindicais e parcela da própria clas-
se trabalhadora. m 
Em 1931 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho, 
que incorporava o Conselho Nacional do Trabalho, criado em 1926. 
As primeiras leis, de forma geral, não foram no sentido de con-
ceder benefícios aos trabalhadores, mas de organizar a estrutura 
sindical e a burocracia estatal a ela voltada. Desde logo estabele-
ceu-se o regime de sindicato único para cada categoria, contra-
riando a lei anterior (de 1907) que permitia o pluralismo. Os sin-
dicatos deveriam ser_ reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, 
Indústria e Comércio, e foram definidos como "órgãos consultivos 
e técnicos" do Governo Federal. A sindicalização, entretanto, não 
era obrigatória, e a lei previa apenas duas confederações em nível 
nacional, uma para os empregados e outra para empregadores, como 
órgãos aglutinadores sindicais. Era proibida a filiação de sindica-
tos a organismos internacionais, e a sindicalização não era permi-
tida aos funcionários públicos e aos empregados domésticos. De 
1930 é a famosa "Lei dos Dois Terços", segundo a qual pelo 
menos esta fração dos empregados de cada firma deveria ser de 
trabalhadores brasileiros: a lei também limitou a imigração, com 
o fito de combater o desemprego. Em 1932 foram criadas as 
Juntas de Conciliação e Julgamento, encarregadas de resolver dissí-
dios de trabalho. Compunham-se por um representante dos traba-
lhadores, um patronal e um membro "neutro", nomeado pelo Mi-
nistério do Trabalho, Indústria e Comércio, que também as presi-
diria. Em 1932 surgiu também a carteira profissional; tendo havi-
do forte pressão no meio sindical contra ela, o governo, em segui-
da, regulamentou o direito a férias (15 dias no ano) e tornou 
115. Sobre o uso da repressão no combate ao movimento operário nos anos 
30, veja, entre outros autores: Basbaum (1976, p. 13-87), Carone, Edgar 
(1982, p. 103-31), Munakata, Kazumi (1981) e Tranca, ltalo (1983). 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 229 
obrigatório o uso da carteira para reivindicá-las. Ainda em 1932 
foi regulamentado o trabalho das mulheres e dos menores. Por 
pressão patronal, a jornada de trabalho destes últimos seria igual 
a dos outros trabalhadores (oito horas diárias). Somente em 1936 
foi criada a Comissão do Salário Mínimo, o qual só seria regu-
lamentado já no Estado Novo, em 1938. 
Como têm mostrado vários analistas, grande parte destas leis 
foi inspirada no fascismo, especialmente na Carta dei Lavoro 
de 1927 .116 Vargas diria, entretanto, que a legislação fora elabo-
rada "sem extremismos de escolas, antes seguindo orientação con-
servadora, adequada ao nosso meio e às tendências pacíficas do 
fator humano que nela impera".117 A orientação fascista, não obstan-
te, fica demonstrada, desde logo, pela alta ingerência do Estado 
na solução dos conflitos de trabalho e na organização sindical; o 
espírito da legislação visava, por todas as formas possíveis, a 
impedir o conflito aberto; retirou-se dos trabalhadores todo o poder 
decisório no que diz respeito às suas reivindicações, sendo este 
transferido aos órgãos estatais. O que seria "luta de classes:' ou 
"enfrentamento", passaria agora a ser mera batalha jurídica, pas-
sível de solução sem qualquer conflito (ou somente após todos os 
recursos terem se mostrado ineficazes ... ) . A inspiração fascista 
ficava patente nas próprias palavras usadas na legislação, e que 
apareciam com freqüência nos discursos de Vargas: classe foi 
substituída por corporação: esta última, ao contrário da primeira, 
propunha abranger tanto patrões como trabalhadores, que deve-
riam juntos defender os interesses da profissão. Como os interesses 
profissionais estavam acima das classes - estas entendidas como 
facciosas e desagregadoras -, todos os interessados na defesa da 
profissão, patrões e trabalhadóres, conjuntamente deveriam deci-
dir o que a ela dissesse respeito. Assim, o conflito deveria ser 
substituído pela harmonia e pela solidariedade. Não há por que 
se falar mais em patrões e trabalhadores, mas em empregadores e 
empregados; o contrato, que na ideologia liberal admitia duas 
partes com interesses diferentes e que chegavam a determinado 
acordo que poderia ser rompido caso uma delas desrespeitasse 
116. Veja, por exemplo, Rodrigues, José Albertino (1968, p. 90), Rodrigues, 
Leôncio Martins (1981, p. 516) e Carone, Edgar (1982, p. 146). 
117. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 236). 
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230 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMO" .. . 
alguma cláusula, foi substituído pelo termo convenção, já que passou 
a se pressupor que ambas, agora, possuíam objetivos comuns. 118 
A simpatia de Vargas pelo fascismo remonta ao período em que 
era deputado, quando elogiara as ações do governo italiano e seu 
apoio à indústria. Após assumir o poder, raramente se referiu de 
forma direta ao fascismo, ou ponderou estar nele inspirado para 
levar adiante seu programa de governo. E de se considerar que 
aspectos do ideário fascista, como crítica ao liberalismo, defesa 
da solidariedade e corporativismo são comuns ao positivismo. Fica 
difícil saber, por isso, em que doutrina Vargas se teria inspirado 
ao considerar que a norma de ação do Ministério do Trabalho 
consistia "em substituir a luta de classes, negativa e estéril, pelo 
conceito orgânico e justo de colaboração entre as classes, com 
severa atenção às condições econômicas do país e aos reclamos 
da justiça" .119 
A despeito do forte conteúdo doutrinário de seus discursos, 
procurava dizer que não estava filiado a nenhuma corrente de 
idéias (portanto, já com diferença do período da República Velha, 
quando assumia filiação ao positivismo). Em geral, apresentava-se 
como "homem prático", que buscava soluções sem qualquer "pré-
conceito" filosófico. 120 Admitia ele que um dos erros do liberalis-
mo das oligarquias anteriores a 1930 fora a ortodoxia ideológica 
(sic), que colocava os princípios acima da realidade social do 
país. Ao contrário delas, sua orientação era a de usar todas as 
contribuições dos autores contemporâneos que poderiam colaborar 
para a "solução dos problemas brasileiros".121 
118. Munakata, K. (1981, p. 68-9). 
119. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 238). 
120. A negação da filosofia é princípio do positivismo. Se, na República 
Velha, Vargas se dizia positivista e a partir de 1930 passava a negar a vali-
dade de qualquer •doutrinarismo•, isto não deve causar espanto, pois a 
própria negação da filosofia e da ideologia é, ela mesma, filosófica e ideoló-
gica. O que mudou, neste aspecto, não foi a influência do positivismo em 
Vargas de um período para outro, mas o fato de ele admitir ou não sua 
filiação a determinada corrente de idéias. 
121. • A época da renovação e reconstrução que atravessa o país precisa 
ser encarada dentro da realidade brasileira, consultando as nossas tradições 
e a experiência dos erros anteriores, considerados como lições para o futuro. 
Cumpre-nos fugir às seduções do puro doutrinarismo, às influências dos 
ideais de empréstimos e das novidades perigosas. Semelhante atitude não 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 231 
Independentemente destas considerações pessoais de Vargas, 
não se pode negar certos traços fascistas em seus discursos (o que 
não significa que o regime possa ser considerado como tal) e tam-
bém na legislação trabalhista, como já foi exposto. Como exemplo, 
pode-se citar o discurso pronunciado a bordo do encouraçado São 
Paulo, a 11 de junho de 1932, cujos ouvintes eram . na maioria 
membros da Marinha. À necessidade de modernizar a esquadra, 
Vargas associou a de renovar a realidade nacional. Apelando ao 
caráter nacionalista da "Revolução", disse que começava nova "fase 
de congraçamento geral e colaboração entre todos os brasileiros, 
sem distinção de classes, partidos e facções,revelando o desejo 
comum de trabalhar pelo engrandecimento do Brasil". Ao governo 
caberia, nas palavras de Vargas, coordenar e agremiar "os esforços 
isolados de finalidade patriótica e construtora" .122 
No caso específico da legislação trabalhista, não nos cabe 
relatar, com ar de denúncia, que as leis serviam em última instân-
cia ao capital apesar de aparentar servirem ao trabalho. Ele pró-
prio, Vargas, admitia que os trabalhadores certamente ganhariam 
vantagens com a legislação, as quais dificilmente teriam obtido 
em tão pouco tempo através da livre negociação e sem forte parti-
cipação estatal; mas a cada vez que assim se pronunciou (obvia-
mente no período aqui analisado), o fez afirmando que de forma 
alguma elas poderiam ser confundidas com qualquer indício de 
hostilidade ao capital. Este, aliás, "precisava ser atraído, ampa-
rado e garantido pelo poder público". Entendia-se, com isto, que 
"o melhor meio de garanti-lo está, justamente, em transformar o 
proletariado numa força orgânica de cooperação com o Estado e 
não o deixar, pelo abandono da Lei, entregue à ação dissolvente 
de elementos perturbadores, destituídos de sentimentos de Pátria 
e Família". Em que diferia esse discurso, em termos de retórica e 
em conteúdo de proposta, de seus contemporâneos do governo 
italiano? 
Na opinião de Vargas, portanto, a legislação social era enten-
dida como o meio mais eficaz de manter a sociedade capitalista. 
implica, entretanto, em ficarmos inertes, comodamente apáticos, indiferentes 
às conquistas do pensamento político contemporâneo, sonhando, por preguiça 
mental , a volta automática ao passado" (Vargas, Getúlio, 1938, v. 2, p. 25). 
122. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 65, 97; v. 4, p. 110, 197). Daí foram 
extraídas as citações a seguir. 
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232 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMO" . .. 
Sua percepção tlo processo não deixava de considerar que a nova 
ordem jurídica implicaria, com o tempo, melhor distribuição da 
riqueza, a qual levaria a "suprimir as estéreis lutas de classes 
sociais e as mesquinhas competições partidárias". Repetia ele, con-
tinuando esta linha de raciocínio, que os principais problemas do 
mundo contemporâneo eram econômicos, pelo que os imperativos 
da ordem social estavam em patamar acima dos da ordem polí-
tica (esta sempre entendida como restrita aos interesses oligárqui-
cos). Fiel à sua antiga postura de transformar dentro da ordem e 
com o mínimo de perturbações, afirmava a necessidade de acabar 
com as intransigências para que os problemas fossem enfrentados 
" sem abalos perigosos, dentro dos quadros legais". 
O discurso de Vargas revela estar-se nos anos 30 diante de 
uma sociedade muito mais complexa que a anterior, tendo os con-
flitos sociais saído das fábricas e passando o Estado a geri-los. 
Crescendo a interferência estatal, cresceu também a burocracia, 
conseqüência inevitável da criação de múltiplos órgãos de consul-
toria, de planejamento, de controle e de execução. O Estado, ao 
disciplinar o capital e o trabalho concomitantemente, não deixa 
de sugerir uma autonomia aparente: autonomia, dada a centrali-
zação, a burocratização, a independência a determinada fração da 
classe burguesa, grupo_ ou facção; mas aparente, pois nunca esti-
vera ele tão empenhado na constituição da ordem capitalista. :É 
desta forma que se pode perceber centralização, burocratização, 
moclernização e questão social como faces de um processo único 
e complexo, cuja existência coincide inclusive no tempo e reflete 
determinado momento da Revolução Burguesa brasileira, ou seja, 
momento que é decisivo para a consolidação do capitalismo no 
Brasil. 
A ingerência do Estado na área social é também manifesta com 
a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, cuja atuação 
não escapa do processo antes mencionado.123 Embora se possa cair 
123. A saúde pública e a educação foram ao longo do período tratadas por 
Vargas como parte da • questão social•. Assim já estava na Plataforma da 
Aliança Liberal, onde se lê que as medidas de proteção ao trabalhador 
compreendiam a "instrução, educação, higiene, alimentação, habitação; a 
proteção às mulheres, às crianças e à velhice; o crédito, o salário e, até, o 
recreio, como os desportos e a cultura artística•. Tais palavras foram repe-
tidas ao fazer retrospecto de seu primeiro ano de governo, a 3 de outubro 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 233 
em erro de simplificação ao vincular a criação do Ministério e a 
atuação governamental nesta área à simples exigência da ordem 
capitalista, parecendo supor que as coisas ocorreram quase por 
fatalidade e subordinadas a um plano maquiavélico e racionalmen-
te explicitado ("educar para o capital", "trabalhadores saudáveis 
têm maior produtividade" etc.), nada impede, por outro lado, que 
se alerte para este lado da questão. 
Já na Plataforma da Aliança Liberal, como antes se demons-
trou, houve preocupação com a educação voltada aos trabalhadores, 
quando se afirmava a necessidade de abandonar o tipo de ensino 
exclusivamente "teórico" e de "humanidades", em favor do técnico 
e profissionalizante. A promessa concretizou-se com a criação do 
Ministério de Educação e Saúde Pública, ocupado por Francisco 
Campos, que passou a empreender uma reforma no sistema educa-
cional. Na visão de Vargas, assim como na de Campos, o problema 
educacional estava intimamente ligado ao trabalho; o educando era 
visto sobretudo por suas potencialidades com respeito ao trabalho 
futuro. A criação da riqueza dependia da produtividade, que se 
vinculava à qualificação e às condições físicas do trabalhador. 
Este era visto como capital humano, como evidencia a seguinte 
afirmação de Vargas: "Precisamos pôr em execução um plano com-
pleto de saneamento rural e urbano, capaz de revigorar a raça e 
melhorá-la como capital humano aplicável ao aproveitamento inte-
ligente das nossas condições excepcionais de riqueza".124 
Considerando viver-se na época do predomínio da máquina, 
alertava Vargas que esta exigia trabalho cada vez mais qualifica-
do, daí o ensino profissional e técnico dever ser levado ao extremo 
das possibilidades. O ensino secundário, neste sentido, deixaria de 
ser mero instrumento de preparação para o curso superior - pelo 
que se deveria substituir os ant_igos cursos "preparatórios" por 
outros, criando a opção pelo ensino já profissional. 
Quanto ao ensino universitário, via-se nele dupla função: 
preparar elites e formar trabalhadores e técnicos de alto nível. 
de 1931, em manifesto lido à Nação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro 
(Vargas, Getúlio, 1938, v. 1, p. 234). Da mesma forma, educação e saúde 
pública aparecem como parte da • questão social•, em discurso de 31 de 
dezembro de 1936 (Vargas, Getúlio, 1938, v. 4, p. 209-17). 
124. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 117, 119; v. 1, p. 229; v. 3, p. 246). 
Daí foram extraídas as citações a seguir. 
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234 OS ANOS 30 E A NOV·A ORDEM: DO "LIBERALISMO", , . 
Centrado que estava na primeira delas, Vargas pregava a neces-
sidade de incluir a segunda como uma de suas funções, sem esque-
cer que a universidade não poderia perder seu papel de formar 
elites dirigentes. Assim, julgava não ser necessário mudar total-
mente o ensino superior já existente, mas fundar a "Universidade 
do Trabalho", de onde sairia, "no futuro, a legião dos nossos 
operários, dos nossos agricultores, dos nossos criadores, em suma, 
a legião dos obreiros dos campos e das fábricas". A escola deveria 
produzir homens práticos e profissionais seguros, e o melhor 
cidadão deveria ser considerado como o mais útil e não o que 
mais cabedais de cultura fosse capaz de exibir. 
A par de frisar a necessidade do ensino técnico e profissional, 
Vargas julgava oportuno que houvesse também a preocupação de 
ensinar-se moral e civismo, preparando cidadãos para a Pátria e 
dando-lhes consciência de seus direitose deveres. Referindo-se em 
especial ao sertanejo, considerado como o homem "tipicamente 
brasileiro", via-o fraco fisicamente, mal-alimentado, indolente e 
sem iniciativa; para vencer estes males, aconselhava dar-lhe ali-
mentação e trabalho, mas sobretudo educação. Todo brasileiro, 
segundo Vargas, poderia ser "homem admirável e exemplar cida-
dão"; para se conseguir isso havia "um só meio, uma só terapêu-
tica, uma só providência: - é preciso que todos os brasileiros 
recebam educação" .125 
Não deixa de causar espanto a preocupação de Getúlio com as 
condições de vida dos sertanejos, uma vez que as leis trabalhistas 
abarcavam, basicamente, os assalariados urbanos (operários, co-
merciários, funcionários públicos, portuários), tendo-se dela excluí-
do os trabalhadores rurais. Percebe-se por seus discursos que ele 
não via os trabalhadores rurais como força perigosa, capaz de 
levar. como lembrado inúmeras vezes, à convulsão social; assim, 
125. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 118-9). Encontra-se aí também a seguinte 
passagem: • A par da instrução, a educação: dar ao sertanejo, quase abando-
nado a si mesmo, a consciência dos seus direitos; fortalecer-lhe a alma, 
convencendo-o de que existe solidariedade humana; enrijar-lhe o físico pela 
higiene e pelo trabalho, enfim, com a alegria prima de viver, proveniente 
do conforto conquistado pelas próprias mãos. No Brasil, o homem rude do 
sertão, sempre pronto a atender os reclamos da Pátria nos momentos de 
perigo, é matéria-prima excelente e, se vegeta decaído e atrasado, culpemos 
a nossa incúria e imprevidência•. 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 235 
eles eram vistos como diferentes dos trabalhadores urbanos. O 
conflito entre trabalho e capital era entendido por ele como fenô-
meno peculiar à industrialização, e não deixou de dizer que as 
lutas sociais no Brasil ainda eram amenas, se comparadas às de 
outros países, devido ao grande peso do setor primário da eco-
nomia.126 Assim, mesmo que os trabalhadores urbanos numerica-
mente ficassem aquém dos trabalhadores rurais, a preocupação com 
eles era maior: de um lado, por seu poder de organização; de 
outro, porque as transformações econômicas percebidas por Vargas 
apontavam no sentido dessa situação inverter-se. Desta forma, os 
limites no tratamento da "questão social" por parte do governo 
(no caso, excluindo dela significativa parcela dos trabalhadores), 
se, de um lado, podem ser entendidos como exigência da acumu-
lação, de outro não resta dúvida estarem perfeitamente bem entro-
sados com o intervencionismo e com o conjunto da política econô-
mica do governo, que gradualmente reforçavam o setor industrial. 
Os pronunciamentos de Vargas sobre a "questão social" no 
campo, então, devem ser analisados de forma substancialmente 
diferente dos que tratam dela no meio urbano. Enquanto neste 
havia relativa correspondência entre o discurso e a legislação que 
se implantava, ocasionando mudanças nas relações de trabalho, o 
que não deixa de mostrar o lado "progressista" do governo (no 
sentido de vencer obstáculos e organizar o mercado de trabalho, 
medidas importantes para o desenvolvimento capitalista), eis dis-
cursos sobre o trabalhador rural não passavam de mera retórica, 
inclusive deixando antever a necessidade de volta ao passado. 
Vargas reconhecia a existência do êxodo rural e dos problemas 
que dele provinham; entendia que a atração pelas cidades era ilu-
sória, pois não havia como gerar empregos suficientes para absor-
126. • A nossa situação, relativamente ao desequilíbrio generalizado de outros 
países, é de maior sossego. Dispomos de abundantes reservas de matérias-
primas e somos, simultaneamente, grande mercado consumidor. A base de 
nossa economia ainda é a exploração agrícola, e a industrialização apenas 
absorve pequena parcela de nossa atividade produtora. Em conseqüência, 
a densidade da massa proletária industrial não acusa índice elevado, restrin-
gindo-se a núcleos urbanos que dispõem de margem suficiente para empregar 
a atividade com fácil e compensadora remuneração (Vargas, Getúlio, 1938. 
v. 3, p. 136-7). 
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236 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMO• ... 
ver toda a população que migrava.127 Assim, a mesma personagem 
central da política brasileira que levou adiante uma política tra-
balhista que claramente na época já permitia que se percebesse 
incentivar o êxodo rural e, com isto, contribuir para aumentar 
significativamente a oferta de trabalho no meio urbano, e que, 
por conseqüência, atuaria no sentido de rebaixar a taxa salarial 
dos trabalhadores das cidades, não deixava de constatar que o 
número destes vinha crescendo estupendamente, ocasionando o 
pauperismo, o subemprego e o desemprego.128 
A solução de Vargas para este problema, e jamais levada à 
prática, resumia-se em propor o retorno destas populações ao 
campo. Quanto às medidas que permitiriam sua viabilização, como 
elevar os salários no campo, estender a ele certas conquistas tra-
balhistas das cidades ou mesmo implementar a reforma agrária, 
o silêncio foi total. Ficava-se, assim, na vaga proposta de "educar 
a população rural", ou dar-lhe assistência, quando esta última 
seria de difícil execução sem que pelo menos as mesmas leis urba-
nas fossem estendidas aos trabalhadores rurais.129 A tantas vezes 
127. • Agravando semelhante desorganização, verificou-se o êxodo dos habi-
tantes do interior, atraídos pelas ilusórias facilidades de trabalho abundante 
e bem recompensado, para os centros urbanos de vida intensa. O proleta-
riado das cidades aumentou desproporcionalmente, originando o pauperismo 
e todos os males decorrentes do excesso de atividade sem ocupações fixas• 
(Vargas, Getúlio, 1938, v. 2, p. 115). 
128. A determinação da taxa de salários na economia brasileira constitui 
objeto de recente debate entre economistas, como Roberto Macedo, Manuel 
Enriquez Garcia, Paulo Renato Souza, Paulo E. Baltar e João L. M. Sabóia, 
enÍre outros. A despeito do avanço da discussão sobre o tema manteve-se 
no texto a antiga proposição cepalina, segundo a qual a liberação de 
mão-de-obra do campo influenciaria negativamente a taxa salarial da cidade, 
sem desconsiderar-se, todavia, que a organização sindical dos trabalhadores 
urbanos pode vir a constituir importante fator atuando em direção oposta. 
1:. de se notar que o debate mais recente centra-se na determinação da taxa 
salarial não nos anos 30, quando nem havia salário mínimo, mas principal-
mente após 1960. 
129. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 115). A proposta mesmo vaga de reforma 
agrária que consta da Plataforma da Aliança Liberal foi esquecida nos anos 
30. Em contrapartida, em discurso de 18 de agosto de 1933, Vargas men• 
cionou a necessidade de uma política de colonização: • Possuímos extensas 
faixas territoriais ubérrimas e saudáveis, próximas a centros urbanos flores-
centes, quase completamente incultas e despovoadas. Nelas devemos, de 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 237 
repetida necessidade de prender o homem na terra não escondia, 
então, o tom saudosista da proposta: era mais o desejo de dimi-
nuir as tensões sociais provenientes da urbanização, mas que na 
realidade entrava em choque com a correlação de forças políticas 
(o peso dos proprietários de terra e da burguesia rural no sistema 
político) e com o tipo de desenvolvimento capitalista que então 
ganhava expressão, centrado na expansão do setor industrial. Difí-
cil seria supor a necessidade de "maquinizar o campo", como 
estava presente no discurso oficial, sem que ao mesmo tempo 
houvesse liberação de mão-de-obra deste setor, ainda mais sem 
reforma agrária e somente assegurando-se aos trabalhadores urba-
nos certas conquistas sociais. Assim, no meio rural, a "questão 
social" continuava a ser "caso de polícia" ... 
Esta última expressão, corrente na linguagem dos coevos, foi 
adotada pelo próprio Vargas com a intenção de fazer crera ine-
xistência de repressão ao movimento operário após 1930, ou seja, 
as boas leis teriam substituído a coerção física - a qual se tor-
nara, com a "Revolução", "coisa do passado". Isto, entretanto, 
não se observou na década de 30; nota-se, ao contrário, que ao 
estabelecer a legislação social o governo não só legalizou os con-
flitos, mas redefiniu-os - e, com isso, legitimou a própria repres-
são. Desta forma, a verdade nua e crua da luta de classes na Re-
pública Velha começava a ser negada pelo discurso e pela prática 
política de Vargas: assim, quem nelas persistisse tornava-se elemen-
to "antinacional" e anti-social", e, com isso, justificava o uso da 
repressão sobre si. Este procedimento do governo estava em con-
sonância com os novos tempos: a urbanização e a concentração 
da massa operária em grandes centros exigia, por assim dizer, um 
tratamento à "questão social" diferente do da República Velha, 
quando o movimento operário não chegava a ameaçar as "oligar-
quias", embora já demonstrasse sua força em algumas ocasiões, 
como em 1917. Se o governo, em 1930, mostrava-se "progressista" 
preferência, localizar o trabalhador rural, que aqui e ali vegeta, desarticulado 
da gleba e sem teto próprio, antes de nos preocuparmos com o saneamento 
de zonas inóspitas, só utilizáveis mediante obras de custo vultoso e vigi-
lância sanitária continuada, quando pequena parte desse dispêndio bastaria 
para aparelhar, em condições prósperas, numerosos núcleos coloniais, situa-
dos em lugares de fácil e produtiva adaptação" (Vargas, Getúlio, 1938, v. 2, 
p. 116-7). 
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238 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMO" .. . 
no enfrentamento da "questão social" ao ajudar a vencer obstá-
culos à acumulação capitalista, organizando o mercado de traba-
lho, não deixava de ser ultraconservador do ponto de vista dos 
trabalhadores: legalizar as relações de trabalho significava, de 
fato, ignorar as lutas de classe, ou seja, tratá-las como patologia; 
significava, em outras palavras, desmantelar o movimento operá-
rio nascente. A "questão social", neste aspecto, continuava enca-
rada como "caso de polícia": mas o que antes consistia arbitrarie-
dade policial, tornava-se, então, medida legal para a defesa das 
instituições. Em síntese, a contradição que se afigura é a seguinte: 
na República Velha, havia reconhecimento de fato às lutas de 
classes por parte das elites, as quais, ideológica e juridicamente as 
negavam; após 1930, o governo reconheceu-as ideológica e legal-
mente para afirmar que elas não possuíam mais razão de ser, ou 
seja, negando-as. 
Fazendo-se um balanço das leis trabalhistas do período entre 
1930 e 1937, pelo que se considerou anteriormente, não há como 
escapar da conclusão que estas se configuraram, em largos traços, 
como medidas que resultaram no favorecimento da expansão capi-
talista. Tanto as medidas de fato implementadas - atrelamento 
dos sindicatos ao Estado, forma de julgamento dos conflitos, ex-
clusão dos trabalhadores do campo da legislação etc. -, como as 
justificativas governamentais, apontam claramente para esta pers-
pectiva. Mas os discursos não revelam os resultados, mas sobretudo 
as_ intenções. Quanto a estas, os discursos falam por si mesmos: 
não se tratou, no período até aqui analisado, de usar a retórica 
"trabalhista" ou "populista" para impingir aos trabalhadores uma 
legislação que não necessariamente coincidia com seus interesses, 
e até entrava em choque com expressivas lideranças suas.130 Ao 
contrário, os discursos sobre a "questão social" dirigiam-se, em 
geral, às próprias classes dominantes, aos industriais e aos políticos 
do status quo. Não é demais relembrar que a organização do mer-
cado de trabalho e a ameaça de convulsão social constituíram-se 
os principais argumentos em defesa das leis sociais, inspiradas no 
130. A reação dos trabalhadores e dos industriais à legislação trabalhista 
ainda não possui o estudo aprofundado que o tema merece. Citamos, entre-
tanto: Munakata, Kazumi (1981), Carone, Edgar (1982, p. 106-51) e Vianna, 
Luiz Werneck (1978, p. 175). 
VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906-1954 239 
"Novo Direito". Entre os próprios empresários não havia consenso 
sobre a necessidade de legislação do trabalho, e muito maior era 
a polêmica em torno das propostas da equipe governamental ao 
encaminhá-la. Mas mesmo estas críticas reforçavam a própria ideo-
logia de Getúlio, de governo neutro ou levemente faccioso a favor 
dos trabalhadores, quando nenhuma destas duas hipóteses pode ser 
defendida, seja com base em fatos mais imediatos ou através de 
análise mais aprofundada do processo histórico. 
Couclasão 
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