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GEHL, Jan. Cidade para pessoas.3.ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. Thaís Reis Mazine | Planejamento Urbano I Gehl inicia sua análise reforçando seu título: A dimensão humana, e todo seu texto se baseia nessa premissa, que as cidades devem ser feitas visando essa escala humana, fato que não ocorre no urbanismo moderno vigente na época e reproduzido ainda hoje no mundo todo. É inevitável a comparação com a sua precedente Jane Jacobs, que já nos anos 60 trouxe a luz a questão individualista e não humanitária do urbanismo moderno, que prioriza o veículo individual á pessoa e a rua á calçada gerando cidades cada vez menos seguras e mais vazias. Apesar dessa análise já existir desde a década de 60, ainda é pouco aceita por arquitetos e urbanistas e isso torna a análise de Gehl apesar de não inédita uma análise que ainda causou estardalhaço no meio dos estudiosos, evidentemente, Jan trás ainda diversos outros pontos em seu livro e através de croquis e imagens apresentando seu olhar de arquiteto e urbanista á questão fato que adiciona ainda mais interesse a temática. Repete-se que as cidades não visam o bem estar do ser humano e sim do carro, que compete diretamente com pedestres na luta por espaço urbano, espaço que por fim é dado a máquina através de grandes vias pavimentadas, viadutos e trincheiras que rasgam a cidade. Essa análise pode ser assistida na cidade de Cuiabá que principalmente após as obras da Copa de 2014 tornou-se cada vez menos humana e mais automobilística, a retirada de árvores nos canteiros para passagem do estimado VLT (veículo leve sobre trilhos) que nunca saiu do papel, trouxe apenas ruas mais quentes e menos sombreadas fato que repele ainda mais o pedestre a utilizar-se da cidade que já é castigada pelo sol. Atualmente, a capital mato-grossense passa por diversas mudanças urbanísticas envolvendo a criação de mais viadutos nas vias movimentadas com intuito de diminuir o transito local, atitude já comprovadamente equivocada ao tratar-se de transito, uma vez que quanto maior for o estimulo ao uso do carro, mais as pessoas irão usa-lo e mais carros haverão na rua, vide em São Francisco em 1989 sofreu um terremoto que inviabilizou a passagem de veículos em uma das principais avenidas da cidade, contrariando o pensamento do governo as pessoas logo se adaptaram e buscaram trajetos alternativos a via e transformaram o local em um agradável calçadão. Esse exemplo apresentado no livro serve para entender como essas grandes intervenções urbanísticas que visam a melhoria do transito na verdade estimulam ainda mais que o transito exista e afastam o pedestre. “Os modernistas rejeitaram a cidade e o espaço da cidade, mudando seu foco para construções individuais. Essa ideologia tornou-se dominante por volta de 1960 e seus princípios continuaram a afetar o planejamento de muitas áreas urbanas novas.” (GEHL, p.4) Como uma cidade é moldada? Para o autor, nós quem a moldamos e não o oposto, somos nós cidadãos que ditamos que caminhos são interessantes e que locais são importantes, sendo assim, por que os urbanistas não nos ouvem? Existe um trabalho conjunto entre a cidade e a pessoa, as pessoas tornam a cidade mais segura e agradável e elas quem decidem se o urbanismo é “Bom” ou “ruim”. Podemos analisar a cidade de Campo Grande-MS, a cidade apresenta uma região próxima aos antigos trilhos que era pouco utilizada por ser considerada perigosa, após uma intervenção a área –denominada atualmente como Orla Morena- tornou-se grande atrativo dos moradores locais, com presença de feirantes, apresentações de música e teatro, pista de skate e quadras de esporte, por outro lado, na mesma cidade há uma praça na esquina da Av. Mato Grosso com a Rua 14 de julho, também próximo a antiga ferroviária e que também era pouco utilizado pelas pessoas, na tentativa de atrair o público ao local houve do mesmo modo uma intervenção a adição de “trailers” para venda de comida de rua, o projeto durou pouco pois as pessoas não iam até o local, por fim, os trailers tornaram-se abrigo para pessoas em situação de rua, de forma irregular. Aqui podemos ver dois momentos em que os urbanistas tentaram moldar a interação das pessoas com a cidade, uma delas bem sucedida e outra não. Sendo assim, é evidente que são essas interações que ditam o valor do espaço público e se pode ser classificado de boa ou má qualidade, espaços com alta qualidade provocam o maior uso, especialmente se esse uso for de atividades opcionais e sociais, diferentemente de um ambiente de má qualidade, que é usado apenas para atividades necessárias. E o que torna um local de boa qualidade? Para o autor, são quatro as premissas para uma cidade de boa qualidade, sendo elas uma cidade: viva, segura, sustentável e saudável. E essas quatro premissas podem ser conquistadas de diversas maneiras apresentadas pelo autor no decorrer de sua obra. A questão de escala é muito importante no meio urbano, através dela que podemos identificar pessoas e objetos, o tamanho de quadras, praças e espaços públicos influenciam na ideia de segurança. No urbanismo moderno vemos a tendência das “superquadras”, estas estruturas são malignas ao sentido humano uma vez que tem a extensão muito superior aos 100 metros que é o limite do campo de visão, essa sensação de não poder entender aquilo que está a nossa frente trás insegurança o mesmo pode se dizer dos arranha-céus, que apresentam altura muito superior aos 55º do campo de visão humano, tornando o entendimento do edifício como um todo mais difícil sendo necessário o afastamento do usuário para uma visão adequada. O contrário também ocorre, uma pessoa presente em um andar em um edifício alto tem a visão distorcida, se tiver, das pessoas presentes na calçada a sua frente, logo a relação com a cidade é perdida. Novamente, o urbanismo moderno vangloria essas edificações altas, uma vez que elas visam mais salas/apartamentos ocupando uma taxa menor do terreno e tornando o empreendimento mais econômico e lucrável. Essa relação em alguns países faz mais sentido que em outros, por exemplo no Japão, em que há mais habitantes por m² que o Brasil, a tendência de crescer para cima vai ser sempre maior, todavia, esse crescimento vertical também é visto em países que não necessariamente tem um “problema populacional” como Brasil e Estados Unidos. Novamente, as cidades são pensadas não para as pessoas mas para veículos, para o mercado e para a indústria e as pessoas parecem apenas existir nesse meio urbano caótico. O autor cita o livro “The hidden dimension” de Edward T. Hall, referindo-se aos sentidos e a comunicação e quais os graus de proximidade humana, esses graus são muito importantes pois definem a afinidade dos grupos, por exemplo, ao conversar com um estranho a distância normalmente aceita é de no mínimo 1,20m obviamente essa distância é variável de país em país uma vez que existem culturas que aceitam contatos mais próximos, nós ocidentais, geralmente cumprimentamos com beijos e abraços, porém em diversos países orientais o cumprimento é de aperto de mãos ou até de apenas um arqueamento da cabeça. De qualquer maneira, o entendimento das culturas locais e do nível de proximidade é muito importante também no urbanismo, como projetar praças com mobiliário adequado para que pessoas conversem sem invadir o espaço pessoal de outras? Ao mesmo tempo, como fazer com que esse espaço não acabe se tornando tão grande, que fique impessoal e frio? “Em locais onde as áreas construídas são em larga escala e espalhadas, não há, em geral, muito que experimentar. Para os sentidos mais ligados as sensações intensas e fortes, não há absolutamente nada.” (GEHL,p.53) A cidade viva “ A cidade viva emite sinais amistosos e acolhedores com a promessa de interação social”(GEHL, P.63) Gehl faz uma comparação das famílias de 1900 as famílias de 2000, é evidente que essasfamílias tiveram uma queda no número de membros, com a entrada da mulher no mercado de trabalho a independência financeira e sexual fizeram com que muitas mulheres deixassem de ter mais filhos em busca de uma carreira e educaçã, ao mesmo tempo, vemos uma diminuição na taxa de ocupação do solo e no número de residentes por hectares, então um questionamento é apresentado : uma cidade densa é uma cidade viva? A resposta do autor é que oque uma cidade realmente precisa é de espaços públicos de qualidade, que consequentemente irão atrair as pessoas, não basta apenas ter pessoas se o espaço é ruim, com calçadas quebradas, prédios altos, ruas escurar e barulhentas, nesses casos, o grande número de pessoas só torna o espaço ainda pior. Outro fator que afeta na questão da cidade viva são os espaços de transição, ruas monótonas, com muros cegos, falta de variação de edificações e iluminação inadequada são fatores pouco notáveis para aqueles que andam de carro, mas para os pedestres estes quesitos podem inclusive indicar a preferência de por onde andar. Existe uma preferência por ruas com variedade de edificações, mais texturas e detalhes, ritmo de fachadas e transparência, esses locais parecem mais divertidos aos olhos humanos e menos monótonos. “Um estudo das ruas comerciais de Copenhage, feito em 2003, mostra que o nível de atividade em frente a uma fachada ativa é sete vezes maior que diante de fachadas passivas” (GEHL,p.79) A cidade segura “ Sentir-se seguro é crucial para que as pessoas abracem o espaço urbano.”(GEHL,p.91) De quem é a prioridade das ruas? Pode-se observar atualmente em diversas cidades no mundo como o tráfego de veículos é uma questão importante. Super-vias, viadutos, trincheiras e diversos outros artifícios urbanos crescem cada vez mais nas cidades brasileiras, isso se da ao fato que as cidades dão essa preferencia ao automóvel, mas onde fica o pedestre nessa dança? Ao caminhar em um canteiro na Av. Miguel Sutil em Cuiabá, percebi que não havia faixa de pedestre no local, fazendo com que os pedestres depois de muitos minutos esperando de baixo do sol quente se arriscam entre os velozes carros da movimentada avenida. Por que não existe a preocupação com essas pessoas? A construção de passarelas altas é evidentemente uma intervenção falha, uma vez que dificulta a passagem do pedestre, que precisa andar 20 metros para ultrapassar uma rua de 5. A segurança nas cidades também não é apenas em relação ao trafego, mas também com relação a própria rua, assaltos, estupros e sequestros não são novidade no mundo urbano, porém, ruas menos movimentadas e vigiadas tendem a ter um número maior desses crimes. É importante salientar que esses crimes tem relação direta com a estruturação social e a desigualdade e que apenas intervenções pontuais e urbanas não irão mudar esse problema com raízes tão profundas, porém, podem mirrar e impedir que ocorram com tanta frequência na cidade. A medida que a violência aumenta, o medo também, residências com arame farpado, altos muros, câmeras e grades fazem com que as pessoas se sintam ainda mais afastadas das ruas e das interações sociais. Por conseguinte a esse medo, também há um aumento no número de condomínios fechados. A história da origem desse tipo de organização excludente não parece surpreendente ao iniciar com as camadas mais “altas” da sociedade que queriam se separar daqueles considerados inadequados, porém hoje pode-se ver condomínios inclusive de baixa renda, trazendo a tona a questão de porque esses locais são tão cogitados pelas pessoas. Além da violência nas ruas da cidade, também há a despreocupação com o ambiente público, essa despreocupação atinge todas as camadas da sociedade, com uma cidade suja, barulhenta e perigosa. O movimento de saída do centro das cidades em direção aos condomínios fechados e aos subúrbios faz com que não haja uma luta a favor da mudança desses centros para tornarem-se locais mais agradáveis, vivos e seguros, fazendo com que o ciclo permaneça: centros inseguros e vazios afastam pessoas tornando o centro mais inseguro e vazio. Todavia viver o centro não significa perder a privacidade e individualidade, Gehl afirma que deve sim haver uma diferenciação do espaço público e do privado, entretanto essa deve ser mais suave. “Mudanças no piso, paisagismo, mobiliário, cervas vivas, portões e toldos podem demarcar onde o espaço público termina e onde começam as zonas de transição semiprivadas. Diferenças de altura, degraus e escadarias podem marcar a zona de transição” (GEHL,p.103) A cidade sustentável Sumariamente, aqui vemos que as bicicletas são boas alternativas para o trafego na cidade, entretanto, é necessário um preparo da cidade para que esse meio de transporte seja incentivado. Nas cidades brasileiras, que são majoritariamente quentes o ano todo, seria essencial além de uma ciclofaixa, uma cobertura nessa via, podendo ser ela vegetal ou não – porém preferencialmente vegetal- algumas cidades já se utilizam dessa medida como a ciclovia da orla em São Paulo, a ciclovia na Av. Afonso pena em MS, ciclovia leitão da Silva em Vitória, todos esses exemplos são importantes mas ainda tem muito a melhorar uma vez que são apenas para laser, as pessoas não os usam para ir ao trabalho, escola, mercado e coisas do dia-a-dia. A qualidade do transporte público também é importante, e não apenas do transporte em si mas tudo que o envolve: o caminho até os pontos de ônibus, o próprio ponto, todos esses envolvem o incentivo ao uso desse transporte ao invés do veículo individual, tão danoso a cidade e ao meio ambiente. “Bons trajetos para pedestres e ciclistas e bons serviços nas estações são elementos essenciais- durante o dia e também à noite- para garantir conforto e sensação de segurança”(GEHL,p.107) A cidade saudável Aqui o autor trata da obesidade como foco na questão de saúde, a população cada vez mais acomodada em suas casas, veículos e escritórios usa cada vez menos das ruas para caminhar e vivenciar a cidade, gerando pessoas mais obesas e sedentárias. Segundo dados do IBGE divulgados em 2012, quase 50% da população brasileira está acima do peso e 15,8% está obesa. Afirma-se que essa taxa está relacionada a vida moderna, a facilidade de acesso a comidas processadas e o sedentarismo são vistos como os maiores vilões. Gehl afirma que a cidade deve convidar as pessoas a saírem desse estado de inércia, atraindo-as a fazer caminhadas e atividades ao ar livre mesmo que poucas horas ao dia, atualmente as pessoas não tem tempo para atividades físicas pois estão constantemente ocupadas trabalhando e talvez com uma cidade com transito mais fluido, ciclovias arborizadas e caminhos seguros e agradáveis, as pessoas poderiam tornar o trajeto ao trabalho uma atividade física, outra situação é a que as pessoas perdem muito tempo no trafego, tanto individual quanto coletivo que tem tendência de se atrasar mais, esse tempo perdido é retirado das horas de descanso e lazer dessas pessoas, que poderiam estar utilizando-se dele para uma atividade física, leitura, atividades sociais e afins. Por quanto tempo é aceitável caminhar? Depende do trajeto, apesar das limitações físicas de cada pessoa, um trajeto agradável e diversificado faz com que andem mais. As atividades opcionais também são importantes na cidade, porém são realizadas apenas quando o local é atrativo para essa permanência. “Detalhes da fachada, mobiliário e equipamentos urbanos também oferecem pontos de apoio para permanência nos espaços de transição das áreas públicas.” (GEHL,p.139) Finalmente, o autor apresenta diversas cidades emergentes e seus planos de desenvolvimento que “deram certo”, fugindo dessa “síndrome de Brasília” que é apresentada no livro como consequência do urbanismo moderno, Gehl afirma que é possível fazer uma cidade sustentável, viva e seguramesmo com poucos recursos, espaços as vezes mal definidos, cheios de poeira e sem mobiliário ainda são muito frequentados pelas pessoas e considerados pontos de encontro importantes para a população. Cidades como a do Cabo visa melhorias através do olhar da população, estabelecendo “Locais dignos” através da observação do povo, seus lugares preferidos e caminhos mais usados. Sumariamente, não é necessário ser um país desenvolvido para ter uma cidade saudável, todavia é evidente que países subdesenvolvidos ou emergentes terão maiores dificuldades para essas mudanças uma vez que foram muito explorados por aqueles que hoje estão “na frente”, mas com pequenas mudanças estruturais, como iluminação adequada em certas localidades, arte na rua, equipamentos públicos ou arborização pode fazer com que esse ambiente seja mais vivo e seguro.
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