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Dilson Jatahy Fonseca Neto Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Pós- graduado em Direito Tributário pelo IBET, Especialista em Direito Europeu e Comunitário pela Universidad de Cantabria/ES, Advogado (licenciado) e Conselheiro do CARF O PRIMEIRO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: História do Direito Civil de 1823 a 1916 São Paulo, outubro de 2016 Todos os Direitos Reservados ® Dilson Jatahy Fonseca Neto “No systema o methodo predominante é o dogmático; em um codigo releva que o seja. O codigo é o grau mais elevado a que se ergue o espirito jurídico de um povo, no empenho de reduzir a unidade as suas relações e instituições, de ordenar em uma grande lei o seu direito positivo, não raro multiplo, esparso e desconnexo, apezar dos tentamens públicos e particulares dirigidos a colligil-o em ordem chronologica ou por matéria. É incontestavel a utilidade da codificação” (Parecer da Comissão de Análise do Projeto de Felício dos Santos)[i] “Mas os códigos civis não devem ser, como, de facto, não são, construcções arbitrárias, nem imutáveis, destinadas á perpetuidade, guardando, avaros, nas entranhas, as mumias do direito para espantalho da humanidade. Elles são, precisamente, os repositorios systematicos de uma cerca classe de normas, traçadas sob o influxo desses mesmos costumes, e têm por vantagem principal a simplificação e a methodização dessas regras, de maneira a adaptal-as melhor á pratica, promovendo a normalidade das relações jurídicas na ordem civil, e, assim, propiciando a evolução social.”[ii] “Si ha necessidade claramente acusada pela consciencia jurídica entre nós, é, creio eu, a da codificação das leis civis.” (CLÓVIS BEVILAQUA)[iii] Sumário: APRESENTAÇÃO 1ª PARTE – CONTEXTO GERAL CONTEXTO HISTÓRICO GERAL: TEIXEIRA DE FREITAS: CONSOLIDAÇÃO E ESBOÇO: NABUCO DE ARAÚJO: JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS: PROJETO DE 1889: COELHO RODRIGUES: OUTROS PROJETOS: 2ª PARTE – CÓDIGO CIVIL DE 1916 O PROJETO DE BEVILAQUA: CRITICAS: A REVISÃO: A APROVAÇÃO DO CÓDIGO: NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – 1ª VEZ: NO SENADO: NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – 2ª VEZ: NO SENADO – 2ª VEZ: DISCORDÂNCIAS: OUTRAS ANOTAÇÕES: 3ª PARTE – BREVES ANOTAÇÕES BIOGRÁFICAS ANTÔNIO COELHO RODRIGUES: AUGUSTO TEIXEIRA DE FREITAS: CLÓVIS BEVILAQUA: POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS DE CLÓVIS BEVILAQUA: BIBLIOGRAFIA DE BEVILAQUA: EPITÁCIO DA SILVA PESSOA: JOAQUIM DA COSTA BARRADAS: JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS: JOSÉ DE ALENCAR: JOSÉ JOAQUIM SEABRA JUNIOR: LAFAYETTE RODRIGUES MANUEL FERRAZ DE CAMPOS SALLES: NABUCO DE ARAÚJO OLEGÁRIO HERCULANO DE AQUINO E CASTRO: 4ª PARTE – OUTROS ANEXOS LEI DE 11 DE JANEIRO DE 1603: REGIMENTO DO PAU-BRAZIL, ELABORADO EM 1605 PELO REI FILIPE III: CARTA RÉGIA DE 28 DE JANEIRO DE 1808. PARECER FINAL SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS CIVIS, DE TEIXEIRA DE FREITAS COMPARAÇÃO ENTRE A CONSOLIDAÇÃO E O ESBOÇO DE CÓDIGO CIVIL CARTA DE DESISTÊNCIA DE TEIXEIRA DE FREITAS – ELABORAÇÃO DO ESBOÇO CARTA DE TEIXEIRA DE FREITAS – APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE CÓDIGO GERAL NOTIFICAÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO DO CÓDIGO CIVIL COM TEIXEIRA DE FREITAS EXPLICAÇÃO, POR NABUCO DE ARAÚJO EM 21/06/1856, SOBRE O DECRETO Nº 1.487 PARECER SOBRE O PROJETO DE FELÍCIO DOS SANTOS CARTA DE DEMISSÃO DE FELÍCIO DOS SANTOS DA COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL DEDICATÓRIA DE COELHO RODRIGUES PARA CAMPOS SALLES, 12 DE JULHO DE 1897: MENSAGEM APRESENTADA PELO PRES. CAMPOS SALLES AO CONGRESSO NACIONAL CARTA CONVITE PARA CLÓVIS BEVILAQUA COMENTÁRIOS DE CLÓVIS BEVILAQUA SOBRE A EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS COMENTÁRIOS DE CLÓVIS BEVILAQUA SOBRE O DIVÓRCIO COMENTÁRIOS DE CLÓVIS BEVILAQUA SOBRE A MULHER TRECHO DE “EM DEFESA DO CÓDIGO CIVIL BRAZILEIRO”, POR C. BEVILAQUA BIBLIOGRAFIA: NOTAS DE FIM APRESENTAÇÃO Em primeiro lugar, é importante anotar a todos os leitores que essa obra se dedica, precipuamente, a fazer um apanhado histórico do Código Civil de 1916. Há, efetivamente, menções a grandes problemas doutrinários, discussões interessantes que pautaram a elaboração da primeira codificação civil pátria. Tratam-se, entretanto, de comentários en passant, destinados apenas a complementar a obra e demonstrar ou melhor esclarecer os fatos históricos, esse sim o verdadeiro foco. Feito o aviso acima, e tratando com aqueles que ainda estão interessados, explico que o objeto do estudo ora desenvolvido não foi escolhido ao acaso. Pelo contrário, trata-se de uma organização sistemática dos estudos desenvolvidos para uma matéria específica do doutorado, quando fiquei encarregado de estudar o projeto de Código Civil de CLÓVIS BEVILAQUA. Pela primeira vez estudava o Código Civil de 1916 como obra histórica. O tema me encantou. A verdade é que a legislação civil pátria, especialmente no esforço de seu estabelecimento e codificação, sempre apresentou grandes dificuldades aos juristas e legisladores. O Código Civil ora vigente é perfeito exemplo dessa afirmação: tendo sido encomendada a sua elaboração em 1969 a uma comissão formada por MIGUEL REALE, JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, AGOSTINHO ALVIM, SYLVIO MARCONDES, EBERT CHAMOUN, CLÓVIS DO COUTO E SILVA e TORQUATO CASTRO, o projeto inicial só foi apresentado ao Congresso em 1975. Foram, efetivamente, necessários quase seis anos de trabalho para redigir e preparar uma redação da Lei. Recebido na Câmara dos deputados em 1975, ali tramitou por nove anos até, enfim, ser aprovado e enviado ao Senado em 1984. No senado, por sua vez, o projeto recebeu de imediato centenas de emendas; porém, somente começou a ser verdadeiramente examinado em 1995, como anota o então Senador JOSAPHAT MARINHO[IV]. Tendo em vista que esse “novo” Código Civil só foi promulgado sob a forma da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, percebe-se que o projeto tramitou por quase vinte e sete anos antes de ser sancionado, em 2002[v]. O problema, entretanto, acompanha o Brasil desde o seu nascimento, ou melhor, independência. O Brasil tornou-se “independente” de Portugal, sua metrópole, em 1822. Não podia, entretanto, permanecer sem legislação sob pena de cair no caos e na desordem. Destarte, visando resolver o problema de forma ágil e com menor impacto, o Imperador D. Pedro I determinou, pela Lei de 20 de outubro de 1823, que continuasse vigente a Legislação promulgada pelos Reis de Portugal até 1821. Previu, entretanto, que deveria ser organizado um novo Código. Dessa forma, até que entrasse em vigor a Lei nº 3.071/1916, vigeu no Brasil, em essência, as Ordenações Filipinas. Este corpo legislativo, criado por um rei espanhol para ser aplicado em Portugal, completava 314 (trezentos e quatorze) anos de vigência no Brasil. Urgia, realmente, a renovação do ordenamento, adequando-o à realidade dos usos e costumes do povo e do tempo observados no Brasil do final do século XIX e início do século XX. Ato contínuo àquela Lei de 1823, a Constituição Imperial de 1824 determinou expressamente que deveria ser elaborado, o quanto antes, um Código Civil para o Brasil. Essa empresa foi de árduo trabalho, que envolveu uma plêiade de grandes juristas ao longo das próximas nove décadas. Não foram um ou dois trabalhos que se elaboraram ao longo desse século XIX; é possível contar ao menos cinco tentativas oficiais que não lograram êxito na conclusão da tarefa de apresentar uma codificação ao Brasil. Mesmo este, o Projeto de Código Civil de CLÓVIS BEVILAQUA, tardou mais de uma década e meia em tramitação antes de ser finalmente convertido em lei. Foi gerado, efetivamente, em 1899, quando da contratação, elaboração e apresentação ao Governo Republicano, mas só nasceu em 01º de janeiro de 1916, quando foi finalmente sancionado pelo então Presidente Wenceslau Braz. No centenário da sua promulgação, convém celebrá-la! A celebração não recai apenas sobre a obra legislativa, que grande avanço deu para a sociedade, estabelecendo regras mais atuais e buscando trazer grandes avanços sociais e libertários para o povo brasileiro. Devem ser homenageados, também, os esforços dos grandes homens, a evolução das ideias e as discussões que abalaram o país duranteos longos anos de labor legislativo. Portanto, imperioso estudar não apenas o processo de elaboração e aprovação do Código Civil de 1916, mas também daqueles trabalhos anteriores e de seus principais personagens. Interessantíssimos debates podem ser enumerados, como aquele da unificação do direito privado em um único código, tão defendido por TEIXEIRA DE FREITAS, CARLOS DE CARVALHO, COELHO RODRIGUES, BRASÍLIO MACHADO, LACERDA DE ALMEIDA e INGLÊS DE SOUSA[VI], de um lado, e combatidos por outros, como o próprio CLÓVIS BEVILAQUA[VII]. Igualmente interessante é a existência de uma parte reservada aos herdeiros necessários, na herança, o que limita o poder de disponibilidade do testador. Se permaneceu a defesa desses herdeiros no Código de 1916, assim como no de 2002, não foi por falta de opositores. Dentre os doutrinadores, CLÓVIS BEVILAQUA indica o como principal opositor o Sr. REIS CARVALHO[VIII]. No Congresso Nacional, o projeto chegou a ser emendado, no Senado, para permitir a livre disposição da integralidade dos bens; a emenda não passou na Câmara, por voto de 76 deputados que rejeitavam-na, contra 45 a seu favor[ix]. Antes de concluir esse breve prefácio, apresentamos as sapientíssimas palavras do próprio CLÓVIS BEVILAQUA, elaboradas no contexto da defesa de seu projeto contra os ataques dos críticos, mas que servem para demonstrar a importância daquela legislação e, ao mesmo tempo, a necessidade de sua constante revisão e alteração: “Mas, si é certo que os códigos não offerecem a mesma flexura dos costumes, convém não esquecer que essa possível dureza de fórmas é largamente compensara por outros predicados, cujo valor devemos aquilatar pela vehemencia com que a humanidade tem pugnado por obtel-os: a clareza e a precisão dos edictos, a segurança dos interesses e o cerceamento do arbítrio dos despositarios do poder. Além disso, os códigos não são monumentos megalithicos, talhados na rocha para se perpetuarem com a mesma feição dos primeiros momentos, erectos, imóveis, inerradicaveis, rujam em torno, muito embora, tempestades, esbarrondem-se impérios, soçobrem civilisações. O proprio Justiniano não pretendia a perpetuidade para sua obra, atributo que, diz ele, só á perfeição divina cabe alcançar (Cod. 1, 17, 1, 2, §18).” [x] Assim, o trabalho é dividido em quatro grandes partes. Na primeira parte, far-se-á um apanhado do contexto histórico em que se criou o Código Civil. Não apenas o passado da legislação civil pátria, mas também dos projetos que foram desenvolvidos ao longo do século XIX. Ali, serão destrinchados os trabalhos de Teixeira de Freitas, de Nabuco de Araújo, de Joaquim Felício dos Santos e de Coelho Rodrigues. Também, ainda que apenas de passagem, será comentado sobre o projeto de 1889, encarregado a uma Comissão, e os esboços de José de Alencar e do Visconde de Seabra. A segunda parte terá por objeto o Código Civil de 1916 per si. Nesse sentido, faz-se um breve apontamento da elaboração do projeto, das discussões públicas sobre a sua redação e as críticas. Também, sobre o procedimento legislativo. Na terceira parte, que mais se aproxima a um anexo, são feitos breves apontamentos biográficos sobre alguns dos personagens envolvidos nesse processo legislativo, tais como do Presidente EPITÁCIO PESSOA ou do parlamentar JOSÉ JOAQUIM SEABRA JÚNIOR. Enfim, na quarta parte são transcritas trechos de cartas, pareceres, regimentos, comentários etc. São elementos que buscam trazer ao leitor acesso direto às fontes da época e dos personagens, com a mínima intervenção desse autor. Também é relevante anotar que, objetivando deixar a leitura mais leve e direta, alterei as “notas de rodapé” para “notas de fim”. Nesse sentido, a leitura deve ser mais fluente para o leitor que assim o desejar, que não ficará tentado a verificar cada fonte; mas continua tendo embasada para aqueles pesquisadores que buscam, por meio desse instrumento, ter acesso às fontes originais de onde obtive as informações. Em suma, esperamos que esse pequeno trabalho, verdadeiramente um opúsculo, sirva como via introdutória ao curioso, trazendo notícias interessantes e fatos que não se podem deixar apagar da memória jurídica nacional. Que, pelo exemplo histórico, incentive a continuidade dos estudos aprofundados do Direito Civil, levando, enfim, à melhoria constante propagada por um dos maiores juristas do século XX. 1ª PARTE – Contexto Geral Capítulo 1: Contexto Histórico Geral: A história do Brasil tem passagens extremamente interessantes, o que não é menos verdade quando se enfoca no prisma do desenvolvimento jurídico. Assim, antes de adentrarmos no estudo principal desse labor, é interessante trazer algumas outras observações históricas que demonstram algumas dessas ocorrências. A primeiro ato legislativo a tratar sobre o Brasil data de 24 de janeiro de 1506. Trata-se de uma Bula emitida pelo Papa Júlio II, nessa data, confirmando o Tratado de Tordesilhas, de 7 de junho de 1494[xi]. A matéria foi objeto de novo comando papal quando, em 7 de junho de 1514, o Papa Leão X emitiu nova Bula confirmando a anterior[xii]. O referido tratado atribuiu a D. Manuel, rei de Portugal, os direitos sobre as terras descobertas aquém da linha imaginária que passa 370 (trezentos e setenta) léguas a oeste do Cabo Verde[xiii]. Toda a terra além desse limite pertenceria à Espanha. O tratado, somado à bula, conferia aos portugueses certo volume de terra que seria descoberto no continente americano, onde se fundou a colônia brasileira. O primeiro comando legal que tratou, direta ou indiretamente, do Brasil foi, pois, de natureza internacional. Os subsequentes, de natureza canônica – que tinham, à época, igual caráter internacional, posto que “vinculante” a todas as nações católicas. Pouco depois, em 1516, o mesmo rei D. Manuel ordenou que seus oficiais fornecessem “machados e enchadas e toda mais feramenta ás pessoas que fossem povoar o Brasil” e que “procurassem e elegessem um homem pratico e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de assucar; e se lhe desse sua ajuda de custo, e tambem todo o cobre e ferro e mais coisas necessarias”[xiv]. Essas ordens demonstram, em iguais medidas, os sentimentos contraditórios que então prevaleciam na corte portuguesa em relação à nova colônia: por um lado, o desejo de dar início à ocupação das novas terras, recém descobertas; por outro, certo desinteresse pelas possessões. Efetivamente, Portugal tinha, à época, diversas colônias em desenvolvimento, não podendo os reis portugueses dispender enormes recursos nem gente de sua confiança na tarefa de colonizar e tornar produtivas as novas posses americanas. Tal quadro perdurou até a década de 1530. Nesse ano, Portugal enviou a primeira expedição com caráter real, i.e., financiada pelo governo monárquico, com o propósito de ocupar e povoar as terras descobertas. O líder dessa empreitada se chamava Martim Affonso de Souza. Militar português de origem nobre, reunia as características necessárias para a confiança dos reis: além de sangue, o costume e a habilidade do comando. Trazia entre suas posses três Cartas-régias, elaboradas em 20 de novembro de 1530. Diferente dos atos anteriores, que dispunham acerca do território que viria a ser o Brasil, essas Cartas-régias foram as primeiras que tiveram aplicabilidade em terras brasileiras[xv]. Interessa observar que essas três cartas-régias tratavam genericamente de todas as matérias necessárias à administração da colônia: direito administrativo, organização judiciária, direito processual etc. Eram diretas e curtas, devendo ser complementadas pela legislação de Portugal e, especialmente, por aquelas desenvolvidas pelo próprio Martim Affonso, que detinha poderes absolutos em terras coloniais[xvi]. A colônia se contentou, ao longo das próximas décadas com essa legislação inicial, proveniente de Portugal, além dos atos que se fizeram necessários à administração mais simples. Despiciendo discorrer de forma aprofundada sobre tais normas, vez que, pouco depois, sobrevieram acontecimentosque alteraram completamente o desenrolar da história: as Ordenações Filipinas. Trata-se, em verdade, de um dos corpos legislativos com a história mais interessante do qual se tem conhecimento. As Ordenações Filipinas foram promulgadas por rei espanhol em 1603, para reger o reino português na época da União Ibérica. Foi, posteriormente à separação das coroas em 1640, revalidada na terra lusitana com aplicabilidade em todas as suas colônias. Com a independência do Brasil de sua metrópole, teve novamente sua vigência prolongada, dessa vez pela Lei de 20 de outubro de 1823. Enfim, como tardasse a elaboração do Código Civil pátrio, com a queda da monarquia, a nova constituição republicana determinou a continuidade da aplicação das leis do império, em seu art. 83, enquanto não sobreviesse novo ordenamento. A questão foi bem exposta pelo grande Pontes de Miranda: “É deveras admiravel que a codificação acoimada de ‘desnecessaria, intempestiva e publicada com dólo’ (Lei de 25 de maio de 1773), ‘supeflua e machinada por astutos e infieis compiladores movidos por mútuos e particulares interesses’, segundo diria outra Lei, a de 25 de janeiro de 1775, permanecesse em vigor, fora da Europa, de 1603 até 31 de dezembro de 1916! Resistiu a tres mudanças políticas radicaes, – a de 1640, a de 1822 e a de 1889.”[xvii] Na verdade, a feitura das Ordenações Filipinas se coaduna com um momento peculiar da história portuguesa. Com o desaparecimento de D. Sebastião durante a batalha de Alcácer-Quibir, em 4 de agosto de 1578[xviii], o trono de Portugal ficou sem herdeiros diretos. Houve, então, disputa pelo trono entre os diversos parentes mais próximos. Assumiu, interinamente, o Cardeal D. Henrique, que, além de velho, não poderia deixar herdeiros posto que clérigo[xix]. Filipe II, rei da Espanha, era um dos contendores. Os demais, D. Catarina, mulher do Duque de Bragança; D. Antônio, filho natural de D. Luis, irmão de D. João III; o Duque de Sabóia; o Príncipe de Parma; e o Rei da França. O rei espanhol buscou reforçar o seu direito, apontando que era neto de D. Manuel, porém o eram diversos outros. Também apontou a ligação entre as duas coroas, a portuguesa e a espanhola[xx]. Aceitou afastar a ideia de que tentaria unificar os dois reinos. Pelo contrário, aceitou a exigência do Cardeal D. Henrique – propostas perante as Côrtes, reunidas em Almeirim –, confirmando que que os reinos seriam sempre inteiros, independentes e reger-se-iam por suas próprias leis e costumes. Não houve decisão naquele momento e, com a morte do Cardeal D. Henrique, Filipe II da Espanha invadiu Portugal com seus exércitos, buscando assim garantir o seu governo. Ao final, reafirmou seu intuito de manter a autonomia entre os reinos pelo Juramento de Tomar, perante as Côrtes novamente reunidas[xxi]. Nesse ambiente que ele tratou de codificar tais regramentos, sob o ponto de vista lusitano. Para isso, chamou juristas portugueses nesse ambiente que fez o regramento[xxii]. Ainda assim, muitos afirmam que as Ordenações Filipinas tiveram pouca inovação, restringindo-se a consolidar a legislação então vigente, proveniente das Ordenações Manuelinas (1531) e da Coleção de Leis Extravagantes, obra de D. Duarte Nunes de Leão, (aprovada em 1569)[xxiii]. Pouca influência teve, para o Brasil, essas discussões dinásticas na metrópole. O rei Filipe II jurara manter a administração de Portugal, bem como se suas colônias, em mãos de portugueses. Na Bahia, o novo rei foi aceito sem sobressaltos; em Pernambuco, chegou-se a aclamar D. Antônio, Prior de Crato, como rei, porém não houve ressonância; em São Paulo, sequer se observam discussões sobre o tema nas atas da vereação[xxiv]. De qualquer sorte, as Ordenações Filipinas mostraram-se conservadoras: moldada pelas Ordenações precedentes, manteve a mesma estrutura, dividindo-se em cinco livros. Aumentaram, isso sim, os títulos constantes em cada um deles, bem como as decisões das Côrtes, leis gerais e municipais ou forais supervenientes[xxv]. Os trabalhos de elaboração das Ordenações se iniciaram com o Alvará de 5 de junho de 1595, tendo como autores PEDRO BARBOSA, PAULO AFONSO, DAMIÃO DE AGUIAR e JORGE DE CABEDO[xxvi]. Mesmo com a morte de D. Filipe II, em 1598, prosseguiram sob a tutela de seu herdeiro, D. Filipe III da Espanha e II de Portugal. Concluído em 1603, este não quis retirar a glória, que pertencia ao seu pai. Fez publicar junto com as Ordenações, portanto, uma Lei de 11 de Janeiro de 1603, na qual dava esta explicação, além de determinada a aplicabilidade das ordenações a todos os senhorios de Portugal[xxvii]. Convém registrar que, quando da renovada independência de Portugal, uma Lei de 29 de janeiro de 1643 revalidou a aplicabilidade das Ordenações Filipinas[xxviii]. Registra-se, para não quedar em silêncio, a que as Ordenações Filipinas foram profundamente alteradas pela Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769. Nas palavras de ORLANDO GOMES, “Nenhuma reforma pombalina no campo da legislação teve alcance maior, por seu sentido autenticamente revolucionário”[xxix]. Efetivamente, essa Lei alterou a forma como as Ordenações Filipinas deveriam ser compreendidas, dando maior peso à “Boa Razão” (daí o seu nome), lógica, ética, espírito das leis, do que às opiniões dos doutores[xxx]. Estas continuaram vigendo em Portugal até 1867, com a aprovação de seu Código Civil, ou seja, por 264 anos. No Brasil, entretanto, só foram revogadas pelo Código Civil de 1916, Lei nº 3.071[xxxi]. Pode-se concluir, portanto, que essas Ordenações tiveram uma vida útil de mais de três séculos[xxxii]. Nesse caminho, considerando que as Ordenações Filipinas foram substituídas em Portugal, esse país europeu embalou na onda das codificações do século XIX. O mesmo não pode ser dito do Brasil. Como bem chamou atenção ORLANDO GOMES, o Brasil, diferente inclusive dos demais países ibero-americanos, perdeu aquele momento[xxxiii], permitindo que perdurasse aquela legislação no Brasil por outros cinquenta anos. Ainda na seara da legislação espanhola ao longo da União Ibérica, salta aos olhos o “Regimento do Pau-Brazil”, ordenamento elaborado ainda no ano de 1605, pelo mesmo rei Filipe III da Espanha, para regulamentar a extração daquela preciosa madeira. Curioso esse regimento[xxxiv]. Por um lado, nota-se o claro propósito de garantir a proteção ao próprio patrimônio do rei, estabelecendo o monopólio da exploração através de concessões. Esse intento decorre, como é anunciado no próprio início do regimento, da noticia da crescente dificuldade de encontrar o Pau-Brasil, sendo necessário viajar cada vez mais longe para dentro do território. Não se pode esquecer que o Pau-Brasil foi a primeira mercadoria de exploração na colônia brasileira. Uma fonte de enormes de riquezas, seu valor decorria da essência retirada da madeira, uma resina utilizada na fabricação de tinta vermelha. O nome da árvore, “pau-brasil” deriva da “brasa”, a madeira pegando fogo. O nome da colônia, “Brasil”, inclusive, provém dessa árvore[xxxv]. De outro lado, é possível anotar essa legislação como início da regulamentação ambiental no Brasil. Ainda que por motivos escusos, o rei buscou proteger a mata nativa, garantindo a utilização adequada das árvores derrubadas, bem como a forma adequada de cortá-las, procurando garantir a possibilidade de reflorestamento. Não se pode deixar de anotar, também, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Datada de 1707 e elaboradas no Brasil, foram o resultado de Sínodo realizado naquele ano, mas provieram de trabalho desenvolvido desde 1702[xxxvi]. Visaram regular a igreja católica na colônia e as questões eclesiásticas, mas são importante fonte de conhecimento para a sociedade daquela época. Um século depois, como desdobramento da Revolução Francesa, Napoleão entrou em guerra com a Inglaterra e determinou o bloqueio continental. Uma vez que Portugal não aderiu à ordem, as tropas Francesas invadiram o seu território com o objetivo de prender o príncipe regente. Este, por sua vez, com o apoio da mesmaInglaterra, fugiu para o Brasil com toda a sua Corte. Acontece que, chegando em terras tropicais, fez-se necessário abrir a colônia, agora sede do governo, para o comércio internacional. Fê-lo, então, por meio da Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808[xxxvii]. Foi, efetivamente, uma Lei feita pelo Governo Português. Contudo, além de ter sido elaborada no Brasil, referia-se ao Brasil e apenas aqui tinha vigência[xxxviii]. O verdadeiro desenvolvimento legislativo brasileiro só começou, entretanto, com a independência em relação a Portugal. Logo em 1823 foi publicada uma Lei que consolidou a Legislação Civil então vigente. No mesmo anos foi elaborada uma Constituição, aprovada em 11 de dezembro de 1823 e jurada pelo Imperador em 25 de março de 1824[xxxix]. Essa Constituição já previa a elaboração de um Código Civil, como será visto mais à frente, empreitada, entretanto, que somente se realizou em 1916. O Conselheiro TRISTÃO DE ALENCAR ARARIPE, desembargador de Relação da Corte, publicou em 1885 uma Consolidação das Leis Civis, buscando reorganizar a legislação vigente, como fizera TEIXEIRA DE FREITAS anos antes. De sua obra, contudo, ressalta a forte crítica feita à demora na elaboração de um Código Civil pátrio: “... leis de occasião accordo com a legislação preexistente; e dahi as contrariedades, antinomias, e essa multidão de leis e decretos, que desordenadamente compõem o que denominamos código civil patrio, simplesmente porque nesses numerosos actos se encontrão, e deles se desentranhão as regras da vida domestica, e das nossas relações civis sobre a propriedade, contratos e outros factos attinentes á fortuna privada e ás commodidades sociaes.”[xl] (...) “Na confusa aggregação das nossas leis civis, só ha uma verdade, e é, que o cidadão não tem normas certas para os seus actos nas relações familiares e contratuais. E esta desconsoladora verdade ainda mais se ostenta, quando consultamos as regras do processo, onde tudo é obscuro, complicado e muitas vezes futil.”[xli] Criticou, sobretudo, o fato de ainda viger no Brasil, à época, as Ordenações Filipinas. Ao seu ver, a situação apenas piora pelo fato de que o próprio Portugal já possuía um Código Civil e de que as nações vizinhas todas já disporem de igual codificação[xlii]. Efetivamente, muitos dos países vizinhos já tinham elaborado seus respectivos Códigos Civis à época, e outros ainda o fariam antes do Brasil, se não vejamos[xliii]: CC DA LUISIANA – 1808[XLIV]; CC DO HAITI – 1825; CC DO BOLÍVIA – 1830; CC DE SÃO DOMINGO – 1835; CC DA REPÚBLICA DOMINICANA – 1845; CC DO PERU – 1852; CC DO CHILE – 1855[XLV]; CC DA VENEZUELA – 1862[XLVI]; CC DO EQUADOR - 1867 CC DA NICARÁGUA – 1867 E NOVAMENTE EM 1904; CC DO URUGUAI – 1868; CC DA ARGENTINA – 1869; CC DO MÉXICO – 1870; CC DA COLÔMBIA- 1873; CC DA GUATEMALA – 1877; CC DE EL SALVADOR – 1880; CC DA COSTA RICA – 1887; CC DO PARAGUAI E CUBA – 1889; CC DE HONDURAS – 1891; CC DE CUBA – 1899; CC DO BRASIL – 1916; CC DO PANAMÁ – 1917; Observamos que a Luisiana é um dos estados que compõem os Estados Unidos da América. Sua estrutura legal, entretanto, difere do restante do país pela forma como foi colonizado. Ocupado inicialmente pelos Franceses, em 1700, foi cedido à Espanha em 1762. Durante os quarenta anos seguintes, a lei e os costumes espanhóis foram impostos na região. Em 1800 os Espanhóis acordaram em devolver o território à França, o que ocorreu apenas em fins de 1803. Nesse meio tempo, os Franceses venderam essa região aos EUA, de forma que houve duas transferências de posse nesse ano de 1803: primeiro da Espanha para a França e depois da França para os EUA. Finalmente, em 1812, se converteu no estado de Luisiana. No ano de 1806, já sob posse do governo dos EUA, dois juristas foram contratados para compilar a legislação civil vigente nesse território. O seu trabalho, contudo, se baseou largamente na versão preliminar do Código Napoleônico. Foi publicado como Código em 1808, tanto na língua inglesa quanto na francesa. Posteriormente, em 1825, uma comissão foi contratada para revisar e emendar o referido Código de 1808. De volta ao levantamento dos Códigos Civis, constata-se que estávamos igualmente atrasados em relação a diversos outros países, tais como[xlvii]: CC DA FRANCA (CÓDIGO NAPOLEÔNICO) – 1804; CC DA BÉLGICA – 1804; CC DE LUXEMBURGO – 1804; CC DE MÔNACO – 1818; CC DA HOLANDA – 1838; CC DA ROMÊNIA – 1865; CC DE PORTUGAL – 1867; CC DE QUEBEC (CANADÁ) – 1867; CC DA ESPANHA – 1889; CC DA ALEMANHA (BGB) – 1896[XLVIII]; CC DO JAPÃO – 1898[XLIX]; CC DA NORUEGA – 1907; CC da CHINA – 1911[L]; Curioso anotar a existência de outras codificações, ainda do século XVIII. Essas, entretanto, versavam sobre outras matérias além do Direito Civil: Codex Maximilianeus Bavaricus Civilis – Bavária, 1756; e Allgemeines Landrecht – Prússia, 1792. Percebe-se que a codificação foi um trabalho constante ao longo do século XIX. Enquanto todos esses países elaboravam suas próprias codificações, adequadas aos costumes regionais e práticas contemporâneas, vigiam no Brasil as Ordenações e leis portuguesas elaboradas até 25/04/1821, ainda que com algumas alterações, por outros noventa e seis anos, até 1917. Em Portugal, comparativamente, as Ordenações foram revogadas em 1876, pela entrada do Código Civil daquele país[li]. Enfim, o Brasil foi deixado para trás por boa parte das nações que compõem o Continente Americano, quiçá do hemisfério ocidental. Mas não à revelia dos seus grandes homens, que se esforçaram para resolver essa situação. Capítulo 2: História da Codificação no Brasil Independente: Assim que se declarou cortado o vínculo entre o Brasil e sua metrópole, Portugal, a população do país insipiente começou a se questionar quais seriam as regras e leis que regeriam o novo país. Para solucionar a questão, a Assembleia Geral Constituinte, já reunida, decretou a Lei de 20 de outubro de 1823, uma das seis que essa assembleia alcançou publicar[lii] e a primeira do Brasil, enquanto Estado independente, a tratar da matéria de Direito Privado[liii]. Composta de apenas dois artigos, expressa claramente quais leis que deveriam ser respeitadas dali por diante. Mais importantemente, previu a organização de um novo código, senão vejamos: Art. 1º. As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos, e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua Magestade Fidelissima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se ausentou desta Côrte; e todas as que foram promulgadas daquella data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcantara, como Regente do Brazil, em quanto Reino, e como Imperador Constitucional delle, desde que se erigiu em Imperio, ficam em inteiro vigor na pare, em que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os negocios do interior deste Imperio, emquanto se não organizar um novo Codigo, ou não forem especialmente alteradas. Art. 2o Todos os Decretos publicados pelas Côrtes de Portugal, que vão especificados na Tabella junta, ficam igualemnte valiosos, emquanto não forem expressamente revogados. (grifamos) Tranquilizou a sociedade, confirmando a aplicação das Ordenações Filipinas, essa já com algumas alterações[liv], e demais leis não revogados, as quais esmiuçou em tabela anexa[lv]. Dessa forma, manteve a estabilidade em relação à propriedade, ao comércio e à família[lvi]. Ainda que se tratasse de “uma autoridade pro tempore”[lvii], estabeleceu, estreme de dúvidas, o regramento que deveria ser aplicado. Registra-se que a data de 25 de abril de 1821 não foi escolhida aleatoriamente. Foi nesse dia que D. João VI saiu do Brasil para retornar ao Portugal[lviii]. A Constituição de 1824 reiterou, menos de um ano depois, o comando de que se realizasse uma nova legislação, efetivamente apta a reger o novo País: deveriam ser organizados em pelo menos dois códigos, um civil e outro criminal. Já ali, na redação do art. 179, XVIII, observa-se a urgência da matéria: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis,e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (...) XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade. (grifamos) Parte do comando constitucional foi prontamente adimplido, uma vez que o Código Criminal do Império Brasileiro foi promulgado em 16 de dezembro de 1830[lix]. Registra-se, inclusive, que essa legislação brasileira serviu de forte inspiração para o Código Penal da Espanha, de 1848[lx]. O ordenamento pátrio, no que toca à seara criminal, foi logo complementado. Em 29 de novembro de 1832 foi promulgado o Código de Processo Criminal. Além desses sistemas, foram promulgadas leis especiais referentes a diversas outras matérias. Durante esse período, entretanto, o Poder Legislativo ficou inerte no que toca ao Código Civil. Na verdade, passaram-se treze anos do Código Criminal – e dezenove desde a Carta Constitucional – antes que FRANCISCO GÊ ACAIBA DE MONTEZUMA, no discurso de posse na Presidência do recém- criado Instituto dos Advogados Brasileiro em 1843, proclamasse a necessidade de melhoria da legislação vigente. Segundo clamou, tal esforço poderia e deveria ser feito através da nova instituição[lxi]. Em 1845, o advogado FRANCISCO INÁCIO DE CARVALHO MOREIRA, futuro Barão de Penedo, elaborou um trabalho denominado Da revisão geral e codificação das leis civis e do processo, no Brasil, o qual foi apresentado ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros[lxii]. Preocupava-se com a legislação esparsa e desordenada, entendendo ser indispensável atualizá-la em função dos tempos[lxiii]. Este, já bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo (1839) e com curso em Oxford, Inglaterra, viria a assumir a presidência do IAB em 1851[lxiv]. Não se tratou de um projeto, mas sim de um grito para chamar a atenção para o problema[lxv]. Nessa época, mais especificamente em 1850, foram aprovados diversos diplomas legais de grande importância na consolidação do Estado brasileiro[lxvi], como a Lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850, que proíbe o tráfico de escravos)[lxvii] e a Lei de Terras (Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que tratou da propriedade territorial rural no Brasil, e inovou ao separar as terras públicas das privadas[lxviii]). De todas, entretanto, salta aos olhos o Código Comercial, datado de 25 de junho de 1850, o primeiro trabalho original dessa natureza na América[lxix]. Na verdade, este Código Comercial teve início de gestação muitos anos antes. Ao começar a funcionar, em 1809, a Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação encomendou a JOSÉ DA SILVA LISBOA, Visconde de Cairu, a elaboração de um projeto de Código. Esse baiano efetivamente elaborou um esboço, denominado “Regras da Praça” ou “Bases do Regulamento Comercial”[lxx]. Com a independência, voltou a se observar, no Brasil, a lei portuguesa de 1769. Esta, por sua vez, aplicava subsidiariamente a legislação das “nações civilizados da Europa”[lxxi]. Em 14 de março de 1833, o governo regencial nomeou uma comissão com o fito específico de desenvolver um Código Comercial no Brasil. Um projeto foi discutido e melhorado ao longo de muitos anos até receber parecer positivo da Comissão Parlamentar em 29 de agosto de 1943[lxxii]. Participaram da comissão de elaboração JOSÉ ANTÔNIO LISBOA, INÁCIO RATTON, LOURENÇO WESTIN e GUILHERME MIDOSI[LXXIII], renomados comerciantes da época, bem como LIMPO DE ABREU, HONÓRIO JOSÉ TEIXEIRA e JOSÉ CLEMENTE PEREIRA[LXXIV]. Recebido o projeto, a Câmara dos Deputados se dividiu sobre a forma em que deveria ser discutido o Código. Uma parte dos legisladores defendia a votação do Código Comercial como bloco, uma vez que já fora discutido e debatido em diversas comissões e por diversos setores da sociedade, gerando assim celeridade no procedimento legislativo. Outra parte defendia a necessidade de efetiva discussão do projeto no Congresso, a verdadeira casa do povo. Argumentava exatamente que, se diversas comissões legislativas e mesmo populares tiveram a oportunidade de discutir o projeto e seus comandos, com ainda mais razão deveria a matéria ser discutida e debatida na casa dos legisladores, antes da votação final e definitiva[lxxv]. O Código Comercial foi finalmente promulgado, em 25 de junho de 1850, devido a um impulso legislativo dado por diversas pessoas. Ressaltam- se os nomes de EUSÉBIO DE QUEIRÓS, NABUCO DE ARAÚJO e IRINEU EVANGELISTA DE SOUZA[LXXVI], conhecido como Barão de Mauá. Em que pese não fosse jurista, IRINEU EVANGELISTA já era grande industrial à época, e recebia os dois primeiros – junto com outras importantes personalidades da época – em sua casa para realizar “reuniões caseiras” de reforma ao projeto de Código Comercial[lxxvii]. A promulgação dos Decretos nº 737 e nº 738, ambos de 25 de novembro de 1850, complementou a matéria. O primeiro determinou a ordem do juízo no processo comercial e vigorou até 1930[lxxviii]. O segundo, regulamentou os Tribunais do Comércio e o processo “das quebras”, matéria esta que seria novamente regulamentada pelo Decreto nº 917, de 24 de Outubro de 1890. Esse texto normativo, o Código Comercial, foi aprovado sessenta e seis anos do Código Civil, realidade não exclusiva do Brasil. A Espanha, por exemplo, só teve seu Código Civil aprovado pelo Real Decreto de 24 de julho de 1889[lxxix], enquanto o Código Comercial daquele país data de 1829[lxxx]. Igualmente, Portugal: seu Código Comercial foi promulgado em 1834[lxxxi], mas o Código Civil só foi aprovado em 1867. De qualquer sorte, EUSÉBIO DE QUEIRÓS efetivamente se preocupava com o estado da legislação[lxxxii]. Tendo assumido o Ministério da Justiça do Gabinete de 1848[lxxxiii], e vendo a crescente insatisfação social e após a aprovação do Código Comercial, ele propôs, em 1851, a adoção no Brasil do Digesto Português de Correa Telles[lxxxiv]. Há uma cópia digitalizada dessa obra portuguesa na biblioteca digital do senado nacional[lxxxv]. Nesse sítio da internet, a casa legislativa brasileira assim descreve o tratado: “Corrêa Telles, jurisconsulto e político português, foi Deputado às Cortes constituintes de 1821, onde se tornou notável por suas opiniões moderadas, tendo sido reeleito por diversas vezes. Seu Digesto Portuguez - concebido para servir de subsídio ao primeiro código civil português que surgiria apenas em 1867 - apresenta uma visão homogênea do Direito português, ainda que tenha invocado códigos estrangeiros, como o Código Napoleônico. A primeira edição, portuguesa, é de 1835. Esta é supostamente a primeira edição brasileira, na verdade, uma reimpressão.” Ao que consta, TEIXEIRA DE FREITAS editou, posteriormente, a obra de CORRÊA TELLES, com diversas notas doutrinária[lxxxvi]. Tratava-se, essa obra, de um trabalho expositivo em formato de codificação. Em que pese uma solução rápida, era, como bem opina PONTES DE MIRANDA, a mais conservadora possível[lxxxvii]. O Instituto dos Advogados do Brasil rejeitou a proposta[lxxxviii], a despeito de o Ministro ter deixado claro que seria necessário realizar as devidas alterações para adaptar a obra a esta Pátria[lxxxix]. Nos próximos anos, entretanto, houve um primeiro passo para resolver o problema da codificação civil. TEIXEIRA DE FREITAS foi contratado em 15 de fevereiro de 1855[xc], pelo então Ministro da Justiça, Cons. José Tomás Nabuco de Araújo para organizar o Direito então já vigente[xci]. Desse contrato nasceu a Consolidação das Leis Civis, em 1858[xcii]. Concluído e aprovado o trabalho de organização, o mesmo jurisconsulto baiano foi contratado para elaborar o Código Civil. O novo contrato data de 10 de janeiro de 1859, tendo como termo o dia 31 de dezembro de 1861. Foi prorrogado diversas vezes, à medida em que o trabalho se alongava. Interrompeu-se, entretanto, em 1865, totalizando 4.908 artigos[xciii] publicados. Desejava, TEIXEIRA DE FREITAS, ampliar o âmbito de sua legislação, reunindo todoo direito privado. O contrato somente foi rescindido, oficialmente, em 1872[xciv]. Esse trabalho, não aceito no Brasil, serviu como importante fonte para o Código Civil argentino[xcv]. Após o fim do vínculo com Teixeira de Freitas, o senador Nabuco de Araújo foi contratado para elaborar o Código Civil. Homem de mil atividades, inclusive políticas, iniciou os trabalhos em 1873[xcvi]. Morreu em 19 de março de 1878, sem que tivesse concluído seu labor[xcvii]. Ao tempo de sua morte, o advogado Joaquim Felício dos Santos tomou para si o encargo da elaboração do Código Civil, após uma conversa privada com o então Ministro da Justiça[xcviii]. Apresentou o seu projeto, denominado Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro, em 1881[xcix]. Após prolongadas discussões em comissão de juristas, e mesmo na câmara, o projeto foi oficialmente abandonado no início de 1886[c]. Em junho de 1889 foi reunida uma comissão de doutos que, presidida pelo próprio D. Pedro II, tinha a intenção renovada de elaborar um Código Civil para o Brasil. O monarca planejava comemorar o jubileu de seu reinado com a aprovação do diploma e com a abolição da pena de morte[ci]. A proclamação da república deu fim a este projeto no nascedouro[cii]. A ideia, entretanto, não chegou a esmorecer. O novo Ministro da Justiça, Campos Sales, contratou um novo jurista para elaborar o Código ainda em 1890: Coelho Rodrigues[ciii]. O novo projetista mudou-se para a Suíça e, durante três anos, dedicou-se integralmente ao labor legislativo. O seu projeto foi entregue ao governo em 1893[civ]. A comissão indicada para avaliar o projeto concluiu pela sua inadequação[cv], mesmo resultado alcançado no Congresso Nacional[cvi]. Há notícias de outras tentativas de codificação no Brasil[cvii], as quais não chegaram a ter caráter oficial ou não foram devidamente aprofundadas. Antes de passar à análise – um pouco mais – pormenorizada desses projetos, interessante apontar o resumo, elaborado por PONTES DE MIRANDA, das fontes do direito civil no Brasil antes da entrada em vigor do Código Civil[cviii]: i) As leis: Além das leis propriamente ditas, elaboradas em Portugal até 1822 e dai em diante no Brasil, haviam também diversas fontes legislativas antigas, feitas pelos reis portugueses, tais como cartas de lei, cartas patentes, cartas régias, alvarás e provisões reais; ii) O Costume: As Ordenações, Livro III, Título 64 davam preferência aos “estylos da Côrte”, em especial os “assentos” da Casa de Suplicação. Durante o Império, o Supremo Tribunal tinha autoridade para tomar esses “assentos”, mas essa competência foi retirada quando da proclamação da República; iii) O Direito Canônico e o Direito Romano: Tratavam-se de fontes jurídicas subsidiárias. E, ainda assim, o Direito Canônico perdeu sua força como fonte após a proclamação da República. Por outro lado, o Direito Romano só teria aplicabilidade se estivesse em conformidade com a Lei da Boa Razão. iv) O Direito das Nações Civilizadas: Tratava-se, igualmente, de fonte subsidiária, devendo também estar de acordo com a Lei da Boa Razão. Enfim, passemos aos projetos! Capítulo 3: Teixeira de Freitas: Consolidação e Esboço: Consolidação das Leis Civis: O Código Comercial foi aprovado em 25 de junho de 1850. Findo esses esforços, já tendo o Código Penal sido elaborado e aprovado em 16 de dezembro de 1830, restava preparar a legislação civil. E, nesse contexto, voltaram-se os esforços para a criação de um Código Civil Brasileiro. Como já anotado, Eusébio de Queirós propôs a adoção do Digesto Português de Correa Telles como legislação civil no Brasil. Tendo o Instituto dos Advogados impugnado a ideia, dá-se azo à contratação de Teixeira de Freitas[cix]. Sondagens iniciais foram feitas ao jurisconsulto em 1854. Este respondeu ao Ministro NABUCO DE ARAÚJO em 10 de junho de 1854 com uma exposição manuscrita, destrinchando o seu plano de trabalho[cx]: “Ilmo. e Exmo. Sr. Tendo de indicar, por autorização de V. Exa.; que mais convenientes me parecem para a realização de uma – boa reforma – da nossa Legislação Civil; e tendo ao mesmo tempo de propor as condições, sob as quais empreendo desempenhar essa tão árdua, quão honrosa tarefa, passo a expor sucintamente o resultado de minhas meditações e estudos sobre esta matéria. A legislação existente deve ser bem conhecida, quando se quer fazer uma lei nova. A nossa Legislação Civil acha-se envolvida e dispersa em um imenso caos de Leis compiladas e extravagantes, que se remontam a épocas desviadas. Como, portanto, conhece-la sem rever toda essa massa enorme de Leis, a fim de a extrair e separar?”[cxi] A carta se prolonga, explicando a necessidade de separar a o sistema entre direito público e administrativo, do privado. Ao fim, explica que esse trabalho preliminar deve ser seguido de um trabalho legislativo, completando as lacunas e invertendo o direito, onde for mais adequado: daí nasceria o Código Civil. Também, que seria necessário ter todo um plexo de nova legislação, inclusive Comercial, porquanto o Código já aprovado invadia o Direito Civil. Em certo ponto afirma ser melhor nada fazer do que apresentar um código civil defeituoso. Enfim, o contrato foi firmado em 15 de fevereiro de 1855[cxii]. Contava Teixeira de Freitas com 38 anos. Foi contratado pelo então Ministro da Justiça, Cons. JOSÉ TOMÁS NABUCO DE ARAÚJO, ele próprio notável jurista, para organizar o Direito já vigente antes de se embrenhar no esforço hercúleo de elaborar um Código Civil[cxiii]. O contratante, Cons. NABUCO, conforme seu próprio filho, chegou a chamar TEIXEIRA DE FREITAS de “o máximo dos nossos jurisconsultos” perante o Senado, demonstrando assim a fé que depositava no contratado[cxiv]. A Consolidação das Leis Civis foi apresentada após três anos, em 1857[cxv], com 1.333 artigos[cxvi] e inúmeras notas de rodapé, algumas das quais bastante extensas, que servem para explicar e dar consistência ao trabalho de consolidação, mas que logrou converter-se em verdadeira obra didática[cxvii]. Mereceu tradução resumida para o francês no mesmo ano, pelas mãos de LA GRASSERIE[CXVIII]. O próprio jurisconsulto baiano ressaltou que não havia uma única menção à escravidão nesse trabalho[cxix], o que foi notado no parecer da comissão formada para sua análise. Esta, composta pelo VISCONDE DO URUGUAI, NABUCO DE ARAÚJO e pelo CAETANO ALBERTO SOARES, o mesmo com quem TEIXEIRA DE FREITAS se bateu no Instituto dos Advogados. O parecer final foi apresentado em 04 de dezembro de 1858, sendo totalmente favorável ao trabalho e louvando o seu autor. Foi publicado em 24 de dezembro do mesmo ano[cxx]. É importante indicar ao leitor, para conhecer melhor a obra, a própria introdução redigida por TEIXEIRA DE FREITAS, que descreveu os problemas da época. Também chama atenção o fato de a Consolidação vir dividida em Parte Geral e Parte Especial, que significa antecipação de quatro décadas em relação ao B.G.B.[cxxi] Em 1859, vendo a sua Consolidação esgotada, TEIXEIRA DE FREITAS pediu autorização ao governo imperial para mandar imprimir, às suas custas, uma segunda edição. Viria a fazer uma terceira edição em 1875[cxxii]. Publicou ainda, em 1877, uma obra denominada “Additamentos à Consolidação das Leis Civis”. Nesta, buscou responder às críticas feitas ao seu primeiro trabalho legislativo[cxxiii]. Esboço: Aprovado o texto da Consolidação das Leis Civis, em 04 de dezembro de 1858, o Ministro da Justiça foi autorizado, pelo Decreto nº 2.318, de 22 do mesmo mês, a contratar um jurisconsulto que escolhesse para elaborar um Projeto de Código Civil[cxxiv]. Ainda ocupava o cargo o Cons. NABUCO DE ARAÚJO, vindo a contratar, naturalmente, o jurista baiano para continuar os trabalhos. O contrato foi firmado em 10 de janeiro de 1859, sendo confirmado pelo Decreto nº 2.337, de 11 de janeiro de 1859[cxxv]. O contrato tinha como prazo inicial o dia 31 de dezembro de 1862[cxxvi]. TEIXEIRA DE FREITAS devia considerá-lo suficiente, já que fez constar uma cláusula, pela qualobteria maiores benefícios em caso de conclusão do projeto antes do prazo limite[cxxvii]. O Contrato também delimitava o escopo do projeto: deveria seguir a mesma divisão adotada na Consolidação, podendo modificá-la para incluir um terceiro livro, dedicado a tratar das sucessões, bem como do concurso de credores e das prescrições[cxxviii]. No ano seguinte, 1860, TEIXEIRA DE FREITAS fez uma comparação entre a Consolidação, já aprovada, e o projeto de código civil que que começava a tomar corpo[cxxix]. Pouco depois, em agosto do mesmo ano de 1860, começou a publicar o seu anteprojeto de Código Civil, trabalho ao qual – como já se observa da carta acima – denominou simplesmente “Esboço”. Assim intitulou sua obra porquanto jamais intencionou que aqueles artigos publicados fossem efetivamente convertidos em Lei. Eram, apenas, preparatórios, de onde seria retirada a redação final[cxxx]. Foram publicados um total de sete tomos, entre 1860 e 1865[cxxxi], totalizando 4.908 artigos[cxxxii]. Conteria, segundo previsões do próprio autor, mais de 5.216 artigos[cxxxiii]. O contrato chegou a ser prorrogado, antes do vencimento, para 30 de junho de 1864[cxxxiv]. Nesse aditivo, entretanto, ficou suspenso o pagamento dos vencimentos mensais, no valor de Rs. 1.200$000[cxxxv]. Foi constituída uma comissão, por decreto de 29 de dezembro de 1863, para examinar o projeto de código civil redigido por Teixeira de Freitas[cxxxvi]. Em Decreto de 23 de junho de 1864, estabeleceram-se as instruções para analisar a parte já publicada do Projeto, fazendo parte da Comissão o VISCONDE DO URUGUAI, NABUCO DE ARAÚJO, CAETANO ALBERTO SOARES, RIBAS, BRÁS FLORENTINO, FURTADO, MARIANI e LOURENÇO RIBEIRO[cxxxvii]. A comissão teve a participação do próprio TEIXEIRA DE FREITAS. Contou, ainda, com a presença do Imperador D. PEDRO II na sua sessão de abertura, em 20 de abril de 1865[cxxxviii]. Contudo, a análise do colegiado não superou o artigo 15 do anteprojeto[cxxxix], antes da suspensão dos trabalhos, em 31 de agosto de 1865, após dezessete sessões[cxl]. Os pareceres apresentados pelos membros da comissão, bem como as respostas do autor, foram impressos pela Typographia Nacional nesse mesmo ano, em livro com pouco mais de 150 laudas[cxli]. A obra, então interrompida, não mais foi retomada pelo autor[cxlii]. Sobre o Esboço, CLÓVIS BEVILAQUA comentou: “... procurando traduzir as relações de direito civil, em tôdas as suas infinitas variedades, por um preceito legal, foi mais longe do que convinha a uma obra legislativa. Daí a dispersão, que demorou a obra, e, afinal, inutilizou, para o fim imediatamente almejado, uma tão grande soma de esforço.”[cxliii] De qualquer sorte, o contrato foi prorrogado novamente em 1865. Em 1867, entretanto, o ilustríssimo jurisconsulto enviou carta ao então Ministro da Justiça, Cons. Dr. MARTIM FRANCISCO RIBEIRO DE ANDRADA, desistindo do trabalho, a menos que pudesse reformular completamente a estrutura do código que elaborava[cxliv]. O pedido foi, inicialmente, recusado pelo novo Ministro da Justiça. Este, em relatório desse ano (1867), exaltou os trabalhos realizados e renovou sua confiança no jurisconsulto[cxlv]. TEIXEIRA DE FREITAS enviou nova carta, datada de 20 de setembro do mesmo ano de 1867[cxlvi], apresentando uma ideia inovadora: elaborar um Código Geral de Direito, reunindo as linhas básicas de todas do direito privado e mesmo do direito público[cxlvii]. Além dessa obra geral, deveria ser elaborado um Código Civil que abarcaria também as instituições comerciais[cxlviii]. Seria dividido em dois livros[cxlix]: (i) Das causas jurídicas: a. Pessoas; b. Bens; e c. Fatos. (ii) Dos efeitos jurídicos: O pedido de reformar todo o projeto foi aceito pelo Conselho de Estado em 1868[cl], especialmente nas pessoas de JOSÉ TOMÁS NABUCO DE ARAÚJO, FRANCISCO DE SALES TORRES HOMEM e VISCONDE DE JEQUITINHONHA: “A secção reconhece que a codificação proposta é uma cousa nova. Mas na legislação, como na sciencia, as idéas por novas não devem ser repellidas in limine, mas pensadas e estudadas. Que inconvencientes ha em que o Governo ajude e facilite a grande concepção do autor? Não pede elle augmento de despeza. Não é de uma lei que elle está encarregado, mas de um projecto sujeito ao exame de uma commissão, e que pode ser rejeitado, si não preencher o seu fim. Haverá demora, mas uma demora compensada pela possibilidade de uma invenção que póde dar gloria ao autor e ao paiz.”[cli] O projeto, entretanto, não chegou às mãos do Imperador por resistência do então Ministro da Justiça[clii]. Ocupava o cargo, à época (16/07/1868 a 09/01/1870), JOSÉ DE ALENCAR. Ele apresentou, em 1869, um Relatório à assembleia legislativa, declarando que entendia rescindido o contrato com TEIXEIRA DE FREITAS. Fundamentou seu posicionamento no fato de que o projeto não fora apresentado no prazo estabelecido[cliii]. Afirmou: “Em minha humilde opinião não só o engenhoso e vasto plano ultimamente delineado pelo bacharel Augusto Teixeira de Freitas, mas também o esboço anterior, são, como elementos legislativos, frutos muito prematuros, embora como trabalhos científicos revelem as altas faculdades do autor, e sua opulenta literatura jurídica. Um código civil não é obra da ciência e do talento unicamente; é sobretudo a obra dos costumes, das tradições, em uma palavra da civilização brilhante ou modesta de um povo... Releva dirigir estes trabalhos de codiciação a um resultado mais profício.”[cliv] A verdade é que o Ministro já publicava críticas ao Consolidador desde 1860[clv]. Finalmente, passados novos anos sem qualquer posição nova e nenhum projeto definitivo, outro Ministro da Justiça, Cons. MANUEL ANTÔNIO DUARTE DE AZEVEDO, rescindiu oficialmente o contrato em 18 de novembro de 1872[clvi]. O trabalho não aproveitado de TEIXEIRA DE FREITAS acabou virando uma das minas de ideias de onde bebeu DALMACIO VELEZ-SARSFIELD, autor do projeto aprovado de Código Civil argentino[clvii], elaborado entre 1869 e 1871[clviii]. Conforme o próprio argentino, ele se serviu: “sobre todo, del projecto de Codigo Civil que está trabajando para el Brasil el Señor Freitas, del cual he tomado muchissimos artículos. Yo he seguido el método tan discutido por el sábio jurisconsulto brasileño en su extensa y doctissima introducción á la recopilación de las leys del Brasil, separándome em algunas partes para haver mas perceptible la conexion entre los libros y títulos, pues el método de la legislación, como lo dice el mismo señor Freitas, puede separarse un poco de la filiación de las ideas”[clix]. O trabalho de TEIXEIRA DE FREITAS foi importante, também, para a redação do Código Civil Chileno, por ANDRÉS BELLO[CLX] e do Código Civil do Uruguai[clxi]. Capítulo 4: Nabuco de Araújo: JOAQUIM NABUCO, filho do Senador e jurisconsulto NABUCO DE ARAÚJO, registrou o período em que seu pai se dedicou ao labor codificador: “É essa a mais dolorosa pagina que me cabe escrever em sua Vida, porque é a história de um naufragio, a que só podem fazer justiça os que compreendem essa fórma de consumição intellectual: a da obra que se prolonga e se desdobra de si mesma indefinidamente; que se não póde acabar em nenhuma das partes sem acabar o conjuncto; que é preciso refazer sempre; que se não póde deixar de aperfeiçoar sem faltar á probidade do pensador, do artista, do jurisconsulto, que é fazer o melhor, dar todo o seu gênio, empregar a vida que fosse em corrigir o traço imperfeito, em dar relevo ao detalhe despercebido. É esse um verdadeiro supplicio infinito, como os imaginados para o Hades: a anciedade pelo que resta a fazer, a attenção que nem um instante se desopprime, impede o allivio, a satisfação, a consciencia da obra creada, que é o gozo supremo do artista, o seu imortal descanço.”[clxii] O filho-biógrafo apontou, ainda e com razão, que NABUCO estava ligado ao Código Civil de todas as formas: não apenas fora ele quem contratou e aprovou a Consolidação das Leis Civis, como também foi ele quem contratou, incentivou e apoiouTEIXEIRA DE FREITAS ao longo de toda a elaboração do Esboço. Era nele, inclusive, que o jurista baiano, conterrâneo, confiava seus desabafos frente ao desafio da obra[clxiii]. Relatou também que seu pai havia sido sondado pelo então Ministro da Justiça, EUSÉBIO DE QUEIRÓS, EM 1851, para enfrentar o desafio da codificação. Procurava este, naquele, uma pessoa apta e disposta ao labor. Nabuco de Araújo, entretanto, não se sentiu apto à época[clxiv]. Passados vinte e um anos desde essa primeira proposta, e uma vez que o contrato com TEIXEIRA DE FREITAS foi formalmente rescindido, o Governo Imperial – representado pelo novo Ministro da Justiça, Conselheiro Duarte Azevedo – procurou no Senador Baiano um autor digno da obra. Nabuco de Araújo, enfim, aquiesceu ao convite, firmando o contrato em 3 de Dezembro de 1872, aprovado pelo Decreto nº 5.164, de 11 de dezembro de 1872[clxv], para começar em 1º de Janeiro do ano seguinte. Como remuneração, receberia mensalmente 2:000$, não podendo advogar, e mais um prêmio de 100:000$ ao final da elaboração do projeto, fosse ou não aceito[clxvi]. Ainda conforme o contrato, essa obra deveria ser “precedida ou seguida de um titulo unico, independente della, contendo disposições ácerca da publicação, efeitos e aplicação das Leis do Império”[clxvii]. Por sua vez, apresentou assim o seu plano: “Depois de muito pensar, cheguei á firme convicção de que seria temeridade substituir ou modificar, sem estudo, o methodo que serviu de base ao contracto de 10 de Janeiro de 1859, methodo luminosamente defendido na Introdução á Consolidação das Leis Civis e aprovado pelo Governo Imperial, depois de exame de uma Commissão... O que se póde prometter é que o Projecto não exorbite do objeto do Codigo Civil, que não confunda a legislação com a doutrina; que, por causa do valor scientifico, não sacrifique o valor pratico, que convem a uma legislação que é a mais intimamente ligada á vida real do povo, e deve, quanto fôr possível, estar ao alcance d’elle.”[clxviii] Enfim, fora contratado para elaborar um Código que viesse a ser aprovado e servisse como Lei no Brasil[clxix]. Homem de mil atividades, inclusive políticas, iniciou efetivamente os trabalhos logo em 1873[clxx]. Findo o prazo inicial de cinco anos[clxxi], pediu prorrogação do contrato, sob a proposta de que as mensalidades pagas após a extensão do acordo fossem deduzidas do prêmio final[clxxii]. Explicou em carta ao então Ministro da Justiça, Sr. Gama Cerqueira: “Devo participar a V. Ex. que não me é possível concluir o codigo civil no prazo contratado, precisando de uma prorrogação de oito mezes, a qual peço ao Governo Imperial. Fiz todos os esforços que pude para concluir esse compromisso de honra, mas fui impedido por frequentes incommodos de saude, bem proprios da minha idade, e provocados por trabalho todo árduo e difficil. Não deve V. Ex. estranhar esse facto. O profundo jurisconsulto Visconde de Seabra, encarregado do codigo civil, por decreto de 8 de agosto de 1840, só deu conta dele em 1857, e sem exposição de motivos ou commentarios. Outro grande jurisconsulto, o Sr. Teixeira de Freitas, de capacidade muito superior á minha, contrato o Codigo Civil, por tres annos, em 1859, e até 1872 não o executou, exonerando-se delle nesse anno. O Governo Imperial, outrosim, concedeu um anno de prorrogação ao illustre conselheiro Ribas para o trabalho da consolidação do processo civil.”[clxxiii] O Código Civil a que se refere, elaborado pelo Visconde de Seabra, é o Português, de 1867. A prorrogação solicitada foi concedida. Não lhe dispuseram a continuar pagando os vencimentos, entretanto, sendo-lhe autorizado a advogar[clxxiv]. Morreu em 19 de março de 1878, antes que a prorrogação solicitada, e concedida por um ano, se exaurisse[clxxv]. Também, sem que tivesse concluído seu labor[clxxvi]. Deixou poucos artigos redigidos (118 do Título Preliminar e 182 da Parte Geral), mas vastas anotações preparatórias[clxxvii]. O Ministro da Justiça, Conselheiro Lafayette, anotou no seu relatório anual (1878) que recebeu da família do finado jurista os trabalhos desenvolvidos. O próprio filho do Conselheiro anotou: “Illm. Exm. Sr. – Encarregado por minha mãe e irmãos de examinar os manuscriptos deixados por meu pae, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex. que o projecto do código civil por ele contrata com o Governo Imperial não se acha concluído. – Entre aquelles papeis, ha dous livros definitivamente redigidos, contendo todas as disposições ácerca da publicação, effeito e aplicação das leis do Império e a parte geral do codigo: o mais consta de notas, apontamentos, projectos especiaes de Lei, que sómente com tempo e trabalho poderão ser reunidos systematicamente pondo-me eu para esse fim á disposição do Governo Imperial. – Quando V. Ex. tiver em seu poder essa parte definitivamente redigida, poderá avaliar o plano, modo de execução, o methodo de trabalho adoptado por meu pae.”[clxxviii] Concluiu, entretanto, que não poderia tomar nenhuma ação sobre a matéria antes de deliberação legislativa[clxxix]. Percebe-se destas que o político tomava como referência os Códigos existentes, em especial o Chileno, o Português, o Austríaco e o da Luisiânia. Igualmente, fazia referências ao Esboço de Teixeira de Freitas e a doutrina estrangeira, inclusive um Cours d’Institutes et d’Histoire du Droit Romain, de P. Namur[clxxx]. Um novo Ministro da Justiça, Conselheiro MANOEL PINTO DE SOUZA DANTAS, anotou em seu relatório anual: “O lamentavel passamento do notavel jurisconsulto a quem fôra incumbido esse trabalho veio adiar por mais tempo o preenchimento de uma lacuna que cada vez se torna mais sensível. Basta recordar a deplorável anomalia de ainda nos regermos pelas Ordenações da antiga metropole, que já conseguiu divorciar-se dessa legislação defeituosa e antiquada, substituindo-a por uma codificação systematica e mais adaptada ás necessidades da época e aos progressos da jurisprudencia.”[clxxxi] Como conclusão, porquanto não deixou registro escrito de seus estudos, a obra “legislativa” de Nabuco de Araújo, ou melhor dizendo, o seu projeto de Código Civil, não tem grande utilidade para o estudo da história do direito, mas apenas para a história da codificação. Ainda assim, é notícia interessante e que não pode passar desapercebida pelos cultores do direito civil. Capítulo 5: Joaquim Felício dos Santos: Conta o próprio JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS, advogado mineiro, que se encontrava um dia de junho, do ano de 1878, na casa do então Ministro da Justiça, Sr. LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA. Ali, questionou o ilustríssimo jurista acerca das intenções do governo federal para a elaboração do Código Civil. Lembrara-lhe tema, posto que o Conselheiro Nabuco morrera recentemente[clxxxii]. Ao final da conversa, dispôs-se o mineiro a elaborar, por liberalidade, um projeto com que auxiliar o governo, sugestão recebida com vozes de incentivo pelo ministro[clxxxiii]. Curioso anotar que esse Ministro recebeu também, à mesma época, do Visconde de Seabra – o mesmo que elaborou o Código Civil Português – proposta de elaborar um código brasileiro. A proposta do Visconde de Seabra, entretanto, foi rechaçada devido a uma polêmica jornalística acerca da sua nacionalidade portuguesa[clxxxiv]. De qualquer sorte, o Min. LAFAYETTE foi logo substituído pelo Sr. MANOEL PINTO DE SOUZA DANTAS. Em 18 de abril de 1880, Feliciano dos Santos enviou carta ao novo ministro, perquirindo acerca da utilidade dos trabalhos que empreendia. Uma vez que o próprio Sr. DANTAS leu ao Senado dita carta, em 21 de julho do mesmo ano, entendeu o emitente que deveria continuar seu labor[clxxxv]. FELICIANO DOS SANTOS apresentou o seu projeto em 1881, mesmo sem contrato ou mesmo incumbência oficial, sob o título de Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro, com um total de 2.762 artigos[clxxxvi]. O seu projeto ficou assim dividido[clxxxvii]: Parte Geral: - Das pessoas; - Das Coisas; e - Dos Atos Jurídicos em Geral. Parte Especial: - Das pessoas; - Das Coisas;e - Dos Atos Jurídicos em Particular. Uma comissão foi formada para analisar o projeto[clxxxviii], nomeada em 4 de julho de 1881[clxxxix]. Era integrada pelos Professores FRANCISCO JUSTINO GONÇALVES DE ANDRADE e ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS, da Faculdade de São Paulo, e ANTÔNIO COELHO RODRIGUES, da Faculdade de Recife[cxc], bem como por ANTÔNIO FERREIRA VIANA[CXCI] e LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA[CXCII]. Foi dirigida ao redator do projeto, à época, uma carta informando sobre o recebimento do projeto pelo Imperador, e sobre a nomeação da comissão. Declarou-se útil, nessa missiva, a presença do projetista: “(...) o Governo Imperial acolheu com satisfação a louvavel tentativa com que deu Vm. uma prova irrecusavel do seu amor ao trabalho e zelo pelo bem publico. Cabe-me ainda previnil-o de que a mencionada comissão terá de reunir-se brevemente, sendo de muita utilidade a presença de Vm. para ministrar-lhe os esclarecimentos que ella entender necessarios.”[cxciii] O parecer, elaborado em 27 de setembro de 1881[cxciv], foi negativo. A comissão explicou que a obra apresentada tinha grande valia e grande mérito, mas que não cumpria os requisitos necessários para se converter em Lei[cxcv]. Ainda assim, esse parecer anotou diversas qualidades, entre outras: (i) A equiparação do estrangeiro ao nacional, na aquisição e exercício dos direitos civis; (ii) Melhoria na condição jurídica da mulher; (iii) Atém-se à liberdade religiosa, sobretudo no tocante ao casamento; e (iv) Plenitude da regulamentação acerca da propriedade[cxcvi]. Menos de dois meses depois, em 9 de novembro de 1881, a comissão “provisória” – tinha apenas o propósito de analisar o projeto – foi convertida em comissão permanente. Passava a existir, a comissão, até que um projeto adequado fosse concluído. Para presidente, foi nomeado o Sr. LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA. Os demais membros foram mantidos na comissão, acrescentando-se, apenas, o Bacharel JOAQUIM FELICIANO DOS SANTOS, redator do projeto original[cxcvii]. A comissão foi logo desfalcada pela saída dos Profs. RIBAS e JUSTINO. Pouco depois, pelo próprio Felício dos Santos, que apresentou pedido de demissão em 6 de março de 1882[cxcviii]. Da sua carta de desligamento, anota- se certo desconforto pela forma como os trabalhos da comissão vinham sendo levados[cxcix]. Apenas dez dias depois, em 16 de março de 1882, o Bel. FELÍCIO DOS SANTOS apresentou o seu projeto à Câmara dos deputados. Poucos dias depois, em 24 do mesmo mês, foi firmado, pelos Deputados ANTÔNIO FELÍCIO DOS SANTOS – seu sobrinho –, MATTA MACHADO, J. VIEIRA DE ANDRADE, MONTANDON, AFFONSO CELSO JUNIOR E SOARES, uma posposta para que o projeto fosse levado a uma comissão especial, ao que foi direcionado à Comissão de Justiça Civil para parecer[cc]. Não logrou êxito na Câmara, adormecendo o projeto na Comissão[cci]. Por fim, com a nomeação de LAFAYETTE PEREIRA para o ministério, em 24 de maio de 1883, cessaram as atividades concernentes ao Código Civil de FELICIANO DOS SANTOS. Somente em 27 de fevereiro de 1886, entretanto, foi legalmente dissolvida[ccii]. Entre 1884 e 1887 Feliciano dos Santos publicou um Comentário em cinco volumes sobre o seu trabalho[cciii]. Em 1891, enquanto Senador, JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS conseguiu reapresentar seu projeto ao Congresso[cciv]. Talvez esperasse que, já no período republicano, tivesse chances de aprová-lo. Nesse caminho, inclusive, o então Ministro da Fazenda T. DE ALENCAR ARARIPE, autoriza nova publicação da obra pela Imprensa Nacional[ccv]. O projeto, entretanto, novamente não obteve resultados conclusivos. Devido à larga discussão e à oposição de Campos Salles, bem com à contratação de Coelho Rodrigues, em outubro do mesmo ano decidiu-se pela retirada do Projeto de Lei para aguardar o novo trabalho a ser apresentado[ccvi]. Quando o projeto de Coelho Rodrigues foi apresentado, o Senado optou por este, abandonando finalmente a obra de Felício dos Santos[ccvii]. Capítulo 6: Projeto de 1889: Em 1889, antes da proclamação da República, o VISCONDE DE OURO PRETO organizou um novo ministério. Foi indicado para a pasta da Justiça CÂNDIDO DE OLIVEIRA. Menos de um mês após ser nomeado, em 01 de junho de 1889[ccviii], o Ministro constituiu uma comissão para criar um novo Projeto de Código Civil. Faziam parte da comissão, AFONSO AUGUSTO MOREIRA PENA, OLEGÁRIO HERCULANO DE AQUINO E CASTRO, JOSÉ DA SILVA COSTA e ANTÔNIO COELHO RODRIGUES[CCIX], bem como MANOEL PINTO DE SOUZA DANTAS e JÚLIO DE ALBUQUERQUE BARROS[CCX]. A comissão foi estabelecida de forma que coube, a cada um de seus membros, a elaboração de uma parte especifica do Código. COELHO RODRIGUES, por exemplo, ficou encarregado do Direito de Família[ccxi]. Já JÚLIO DE ALBUQUERQUE BARROS, o Barão de Sobral, ficou encarregado de elaborar a Lei de Introdução[ccxii]. Chegaram a se reunir oito vezes, sob a presidência do próprio Imperador D. Pedro II[ccxiii], em uma sala cedida para tanto no Paço[ccxiv]. Interessante anotar o comentário que fez COELHO RODRIGUES sobre essas reuniões, e a crítica expressa: “Esta comissão, que trabalhava com louvavel assiduidade, sob a presidencia do Imperador, até ás vesperas da problamação da Republica, aproveitou bem o seu tempo e pena é que o receio de avolumar de mais este trabalho me impeça de introduzir nelle o resumo do seu, com a devida venia dos companheiros, que collaboraram nella sem remuneração do nosso Governo, cujo espirito de economia só se tem feito sentir, até hoje, em relação ao Codigo Civil.”[ccxv] ABELARDO LOBO relata que o Min. CÂNDIDO DE OLIVEIRA lhe contou, certa vez, que o monarca planejava comemorar o jubileu de seu reinado, em 1890, com a promulgação do Código Civil e com a abolição da pena de morte[ccxvi]. Foi dissolvida a comissão pelo Aviso de 20 de novembro de 1889, i.e., imediatamente após a proclamação da república[ccxvii]. Fê-lo, o Governo Provisório, sob a alegação de que as Leis Civis deveriam ser competência dos estados, e não da União[ccxviii]. Ainda assim, já havia sido elaborado bastante trabalho[ccxix]. Capítulo 7: Coelho Rodrigues: Conta COELHO RODRIGUES que, tendo recebido notícias de que o Governo Provisório pretendia deixar aos Estados a incumbência de elaborar cada um suas Leis Civis, correu para demonstrar às autoridades o grande prejuízo que isso poderia causa, mormente em relação às questões de família. Nesse contexto, foi incumbido pouco depois de redigir um projeto de lei para criar o casamento civil. Resultou, desse labor, o Decreto nº 181/1890[ccxx]. Ainda em 1889, o novo Ministério da Justiça do Governo Republicano, confirmou como atribuição do Congresso Nacional o poder- dever de legislar sobre as normas civis, no prazo de cinco anos. Aos estados cabia o direito de fazer alterações, adaptando a Lei federal às suas respectivas realidades[ccxxi]. Em 15 de Junho de 1890, CAMPOS SALES, o mesmo Ministro da Justiça que dissolveu a Comissão de 1889, voltou atrás em sua tese de soberania dos Estados e contratou ANTÔNIO COELHO RODRIGUES para elaborar um novo projeto de Código Civil[ccxxii]. O contrato foi firmado em 12 de julho de 1890[ccxxiii], mas o jurista dispunha de três anos para elaborar um projeto, contados de 1º de setembro de 1890[ccxxiv]. Segundo relata o próprio contratado, a intenção inicial do Governo era um prazo de um ano, o que ele demonstrou ser pouco; conseguiu o prazo de três anos, com a promessa de encurtá-lo tanto quanto possível. COELHO RODRIGUES também explica que a postergação do início do contrato para setembro visava lhe garantir um prazo mínimo para liquidar o seu escritório e pôr os negócios em ordem, o que lhe permitiria viajar à Europa e dedicar-se integralmente à empresa. Nesse contexto, registra que aceitar realizar o projeto de Código Civil foi um péssimo negócio do ponto de vista econômico, pois à época tinha renda mensal superior a um conto de réis exclusivamente dos cargos e comissões que tinha, sem contar com os rendimentos do escritório de advocacia[ccxxv]. Na sua cláusula segunda, o contrato estabeleceua seguinte orientação para o jurista: “O contractante consolidará, quanto convenha, o direito vigente, reformará o que convier alterar, substituir ou supprimir, e accrescentará o que faltar á legislação actual, de acôrdo com a experiência das nacções civilizadas e com as necessidades da situação do Brasil”[ccxxvi] Decidido a distanciar-se da política e da advocacia, para dedicar-se exclusivamente à elaboração do Código[ccxxvii], o novo contratado viajou então para a Suíça, onde elaborou o projeto. Inspirou-se profundamente no Código Civil de Zurich[ccxxviii]. Por outro lado, COELHO RODRIGUES anotou que a sua mudança para o país europeu também trouxe contratempos: ainda em agosto de 1891 teve um “incommodo” que o impedia de ficar sentado, de forma que só pode continuar o labor após adquirir uma mesa que o permitia escrever em pé; ainda, o frio inverno fez com que aumentasse o consumo de café e de charuto, bem como os dias curtos exigiam a iluminação por luz de gás, elementos que, em conjunto, o debilitaram[ccxxix]. Concluiu o seu projeto em 28 de agosto de 1892, mas só findou a revisão em 11 de janeiro de 1893[ccxxx], na cidade de Genebra[ccxxxi]. A sua mudança para o estrangeiro, entretanto, teve repercussão negativa em solo pátrio. Para os juristas da época, o distanciamento da realidade brasileira e a influência europeia tão direta – quando já era suficientemente forte deste lado do Atlântico – viriam a desabonar o projeto[ccxxxii]. O próprio autor, por outro lado, demonstrou que receava a forma como o projeto seria recebido no Brasil. Efetivamente, afirma que – mesmo com o projeto pronto – só anunciou a sua conclusão em 16 de janeiro de 1893, quando recebeu notícia da demissão do então Ministro da Justiça, o sr. FERNANDO LOBO. Explicou em seus comentários ao seu próprio projeto que esse Min. era conterrâneo e amigo íntimo de Felício dos Santos[ccxxxiii]. Não sem razão o seu receio. Conforme seus relatos, o seu retorno ao solo nacional não pareceu ter sido bem visto. Por um lado, tendo chegado no Rio de Janeiro no dia 22 de fevereiro de 1893, tentou se reunir com o Presidente já nesse mesmo dia, e novamente no dia 23, para apresentar pessoalmente o projeto, sempre sem resultado. Visitando então o Ministro da Justiça no dia 23, foi recebido sem atenção, e o mesmo sequer quis receber o manuscrito, solicitando que o projetista o levasse ao Diretor da Typographia Nacional. Este, enfim, tampouco foi encontrado nas primeiras tentativas, só sendo recebido no dia 25. De qualquer sorte, remeteu o jurista ao diretor das oficias de impressão, que postergou-as até o dia 28 de março[ccxxxiv]. De qualquer sorte, o projeto foi entregue impresso ao governo ainda nesse ano de 1893[ccxxxv], com 2.734 artigos[ccxxxvi] e a seguinte estrutura[ccxxxvii]: Parte Geral: - Das pessoas; - Dos bens; - Dos atos e fatos jurídicos; Parte Especial: - Das obrigações; - Da posse, da propriedade e dos outros direitos reais; - Do direito de família; - Direito das Sucessões. A Comissão encarregada de analisar o Projeto só foi constituída em 31 de maio de 1893[ccxxxviii]. Sob a relatoria do Dr. TORRES NETTO, do Instituto dos Advogados, foi contrária à sua aceitação[ccxxxix]. Houve vasta discussão, com resposta do autor, réplica pela Comissão e, inclusive, tréplica do Sr. COELHO RODRIGUES[CCXL]. Este atacou a idoneidade dos membros da Comissão, argumentando que eles não eram isentos para analisar o projeto, visto que se tratavam de inimigos pessoais seus[ccxli]. O governo de FLORIANO PEIXOTO, não tendo o projeto sido aceito pela comissão, também não o aceitou[ccxlii]. Efetivamente, o Min. da Justiça, FERNANDO LOBO, não o remeteu ao Congresso e tampouco pagou o prêmio acordado na contratação[ccxliii]. Este, sendo Senador pelo Piauí, reapresentou seu trabalho ao Senado[ccxliv]. Uma comissão especial foi nomeada para analisar o projeto, comparando-o àquele de FELÍCIO DOS SANTOS[CCXLV]. Essa Comissão parlamentar concluiu favoravelmente à obra de COELHO RODRIGUES, decidindo que ela serviria de base para um Código Civil. Chegou a receber parecer positivo, constituindo-se o Projeto nº 35 do Senado, datado de 06 de novembro de 1896[ccxlvi], no qual se autorizou a contratação de um jurista ou de uma comissão, para rever o projeto de COELHO RODRIGUES[CCXLVII]. A Câmara dos Deputados, entretanto, não deu o devido andamento à proposta do Senado[ccxlviii], de sorte que, ao final dos trabalhos, o Congresso reiterou a posição de rejeitar o projeto[ccxlix]. O autor chegou mesmo a propor ação judicial contra a União. A lide, contudo, também restou decidida em seu desfavor[ccl]. Esse projeto, todavia, teve grande influência na elaboração do Código de CLÓVIS BEVILAQUA, como nos conta MOREIRA ALVES[CCLI]. O próprio autor do Código aprovado escreveu, sobre o Projeto de Coelho Rodrigues: “Trabalho de incontestável merecimento, estava, perfeitamente nas condições de se converter em lei”[cclii]. Inclusive, na carta-convite que enviara EPITÁCIO PESSOA ao novo codificador, incitava-o a utilizar o trabalho de COELHO RODRIGUES como base[ccliii]. Igualmente, PAULO LACERDA anota que o projeto era “de grande merecimento” e que foi infeliz “a recusa governamental e o acirramento dos ânimos, qual si se tratasse de questão de outra natureza”, que não de falhas jurídica do projeto[ccliv]. Enfim, é interessante anotar que COELHO RODRIGUES publicou uma versão de seu projeto em 1897, precedida de comentários sobre o mesmo e sobre os projetos anteriores. Dele, é possível notar que – a despeito de todo o acontecido – ele mantinha um claro carinho pela empreitada[cclv]. Capítulo 8: Outros projetos: JOSÉ DE ALENCAR: Anota V. BARBUY[CCLVI] que JOSÉ DE ALENCAR esboçou um projeto de Código Civil, o qual pode ser encontrado em sua obra “Esboços Jurídicos”. O seu projeto era dividido em: TÍTULO PRELIMINAR – Do estado civil – Noção – Divisão Capítulo I – Da lei civil Capítulo II - Dos direitos civis Seção I - Noções geraes Seção II - Das condições dos direitos Capítulo III - Do registro civil TÍTULO I - Das pessoas Capítulo I - Do modo da existência Capítulo II - Do tempo da existencia Capítulo III - Do lugar da existência TÍTULO II - Da liberdade Capítulo I - Do modo Capítulo II - Do tempo Capítulo III - Do lugar TÍTULO III - Da propriedade Capítulo I - Do modo da propriedade Capítulo II - Do tempo da propriedade Capítulo III - Do lugar da propriedade. Ainda segundo esse pesquisador, “José de Alencar não admitiu, no projeto inacabado de Código Civil em apreço, a existência de direitos reais, considerando que não existe direito real, sendo, com efeito, todo direito pessoal, posto que todo ele recai sobre uma pessoa, ainda que tenha por objeto uma coisa (artigo 10 da seção I do Capítulo II do Título Prelminar).”[cclvii] De qualquer sorte, registra que esse esboço foi muito pouco desenvolvido pelo romancista. Não há registro, por outro lado, de que esse projeto tenha sido desenvolvido com qualquer caráter oficial. Não foi contratado para o projeto nem o oferecera ao governo. Ainda assim, tem valor como doutrina, apontando a posição e a opinião jurídica de um grande personagem da história brasileira. VISCONDE DE SEABRA: O VISCONDE DE SEABRA foi um dos principais autores do Código Civil português de 1867[cclviii]. Anota CLÓVIS BEVILAQUA que o projeto daquele tinha, em sua redação original, continha diversas disposições acerca do direito das ações e do processo. A comissão revisora no país europeu se opôs à inovação, tanto que o Código foi aprovado sem essas matérias[cclix]. Enfim, o VISCONDE DE SEABRA ofereceu ao Imperador os primeiros trabalhos de um projeto de Código Civil. As fontes divergem em relação ao ano: (i) se em 1871[cclx], antes da contratação de Nabuco de Araújo e pouco após a aprovação do Código Civil Português; ou (ii) se em 1881[cclxi], após a morte de Nabuco, à época da apresentação do Projeto de Feliciano dos Santos. De qualquer sorte, o manuscrito do VISCONDE continha apenas 392 artigos. Não houve, entretanto, qualquer
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