Buscar

O PRIMEIRO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO - História do Direito Civil de 1823 a 1916

Prévia do material em texto

Dilson Jatahy Fonseca Neto
Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Pós-
graduado em Direito Tributário pelo IBET, Especialista em Direito Europeu e
Comunitário pela Universidad de Cantabria/ES, Advogado (licenciado) e
Conselheiro do CARF
O PRIMEIRO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO:
História do Direito Civil de 1823 a 1916
São Paulo, outubro de 2016
Todos os Direitos Reservados
® Dilson Jatahy Fonseca Neto
“No systema o methodo predominante é o dogmático; em
um codigo releva que o seja.
O codigo é o grau mais elevado a que se ergue o espirito
jurídico de um povo, no empenho de reduzir a unidade as
suas relações e instituições, de ordenar em uma grande lei
o seu direito positivo, não raro multiplo, esparso e
desconnexo, apezar dos tentamens públicos e particulares
dirigidos a colligil-o em ordem chronologica ou por
matéria.
É incontestavel a utilidade da codificação” (Parecer da
Comissão de Análise do Projeto de Felício dos Santos)[i]
“Mas os códigos civis não devem ser, como, de facto, não
são, construcções arbitrárias, nem imutáveis, destinadas á
perpetuidade, guardando, avaros, nas entranhas, as
mumias do direito para espantalho da humanidade. Elles
são, precisamente, os repositorios systematicos de uma
cerca classe de normas, traçadas sob o influxo desses
mesmos costumes, e têm por vantagem principal a
simplificação e a methodização dessas regras, de maneira
a adaptal-as melhor á pratica, promovendo a normalidade
das relações jurídicas na ordem civil, e, assim,
propiciando a evolução social.”[ii]
“Si ha necessidade claramente acusada pela consciencia
jurídica entre nós, é, creio eu, a da codificação das leis
civis.” (CLÓVIS BEVILAQUA)[iii]
Sumário:
APRESENTAÇÃO
1ª PARTE – CONTEXTO GERAL
CONTEXTO HISTÓRICO GERAL:
TEIXEIRA DE FREITAS: CONSOLIDAÇÃO E ESBOÇO:
NABUCO DE ARAÚJO:
JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS:
PROJETO DE 1889:
COELHO RODRIGUES:
OUTROS PROJETOS:
2ª PARTE – CÓDIGO CIVIL DE 1916
O PROJETO DE BEVILAQUA:
CRITICAS:
A REVISÃO:
A APROVAÇÃO DO CÓDIGO:
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – 1ª VEZ:
NO SENADO:
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – 2ª VEZ:
NO SENADO – 2ª VEZ:
DISCORDÂNCIAS:
OUTRAS ANOTAÇÕES:
3ª PARTE – BREVES ANOTAÇÕES BIOGRÁFICAS
ANTÔNIO COELHO RODRIGUES:
AUGUSTO TEIXEIRA DE FREITAS:
CLÓVIS BEVILAQUA:
POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS DE CLÓVIS BEVILAQUA:
BIBLIOGRAFIA DE BEVILAQUA:
EPITÁCIO DA SILVA PESSOA:
JOAQUIM DA COSTA BARRADAS:
JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS:
JOSÉ DE ALENCAR:
JOSÉ JOAQUIM SEABRA JUNIOR:
LAFAYETTE RODRIGUES
MANUEL FERRAZ DE CAMPOS SALLES:
NABUCO DE ARAÚJO
OLEGÁRIO HERCULANO DE AQUINO E CASTRO:
4ª PARTE – OUTROS ANEXOS
LEI DE 11 DE JANEIRO DE 1603:
REGIMENTO DO PAU-BRAZIL, ELABORADO EM 1605 PELO REI FILIPE III:
CARTA RÉGIA DE 28 DE JANEIRO DE 1808.
PARECER FINAL SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS CIVIS, DE TEIXEIRA DE FREITAS
COMPARAÇÃO ENTRE A CONSOLIDAÇÃO E O ESBOÇO DE CÓDIGO CIVIL
CARTA DE DESISTÊNCIA DE TEIXEIRA DE FREITAS – ELABORAÇÃO DO ESBOÇO
CARTA DE TEIXEIRA DE FREITAS – APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE CÓDIGO GERAL
NOTIFICAÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO DO CÓDIGO CIVIL COM TEIXEIRA DE FREITAS
EXPLICAÇÃO, POR NABUCO DE ARAÚJO EM 21/06/1856, SOBRE O DECRETO Nº 1.487
PARECER SOBRE O PROJETO DE FELÍCIO DOS SANTOS
CARTA DE DEMISSÃO DE FELÍCIO DOS SANTOS DA COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL
DEDICATÓRIA DE COELHO RODRIGUES PARA CAMPOS SALLES, 12 DE JULHO DE 1897:
MENSAGEM APRESENTADA PELO PRES. CAMPOS SALLES AO CONGRESSO NACIONAL
CARTA CONVITE PARA CLÓVIS BEVILAQUA
COMENTÁRIOS DE CLÓVIS BEVILAQUA SOBRE A EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS
COMENTÁRIOS DE CLÓVIS BEVILAQUA SOBRE O DIVÓRCIO
COMENTÁRIOS DE CLÓVIS BEVILAQUA SOBRE A MULHER
TRECHO DE “EM DEFESA DO CÓDIGO CIVIL BRAZILEIRO”, POR C. BEVILAQUA
BIBLIOGRAFIA:
NOTAS DE FIM
APRESENTAÇÃO
Em primeiro lugar, é importante anotar a todos os leitores que essa
obra se dedica, precipuamente, a fazer um apanhado histórico do Código
Civil de 1916. Há, efetivamente, menções a grandes problemas doutrinários,
discussões interessantes que pautaram a elaboração da primeira codificação
civil pátria. Tratam-se, entretanto, de comentários en passant, destinados
apenas a complementar a obra e demonstrar ou melhor esclarecer os fatos
históricos, esse sim o verdadeiro foco.
Feito o aviso acima, e tratando com aqueles que ainda estão
interessados, explico que o objeto do estudo ora desenvolvido não foi
escolhido ao acaso. Pelo contrário, trata-se de uma organização sistemática
dos estudos desenvolvidos para uma matéria específica do doutorado, quando
fiquei encarregado de estudar o projeto de Código Civil de CLÓVIS
BEVILAQUA. Pela primeira vez estudava o Código Civil de 1916 como obra
histórica. O tema me encantou.
A verdade é que a legislação civil pátria, especialmente no esforço
de seu estabelecimento e codificação, sempre apresentou grandes
dificuldades aos juristas e legisladores.
O Código Civil ora vigente é perfeito exemplo dessa afirmação:
tendo sido encomendada a sua elaboração em 1969 a uma comissão formada
por MIGUEL REALE, JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, AGOSTINHO ALVIM, SYLVIO
MARCONDES, EBERT CHAMOUN, CLÓVIS DO COUTO E SILVA e TORQUATO CASTRO, o
projeto inicial só foi apresentado ao Congresso em 1975. Foram,
efetivamente, necessários quase seis anos de trabalho para redigir e preparar
uma redação da Lei.
Recebido na Câmara dos deputados em 1975, ali tramitou por nove
anos até, enfim, ser aprovado e enviado ao Senado em 1984. No senado, por
sua vez, o projeto recebeu de imediato centenas de emendas; porém, somente
começou a ser verdadeiramente examinado em 1995, como anota o então
Senador JOSAPHAT MARINHO[IV]. Tendo em vista que esse “novo” Código Civil
só foi promulgado sob a forma da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
percebe-se que o projeto tramitou por quase vinte e sete anos antes de ser
sancionado, em 2002[v].
O problema, entretanto, acompanha o Brasil desde o seu nascimento,
ou melhor, independência.
O Brasil tornou-se “independente” de Portugal, sua metrópole, em
1822. Não podia, entretanto, permanecer sem legislação sob pena de cair no
caos e na desordem. Destarte, visando resolver o problema de forma ágil e
com menor impacto, o Imperador D. Pedro I determinou, pela Lei de 20 de
outubro de 1823, que continuasse vigente a Legislação promulgada pelos
Reis de Portugal até 1821. Previu, entretanto, que deveria ser organizado um
novo Código.
Dessa forma, até que entrasse em vigor a Lei nº 3.071/1916, vigeu
no Brasil, em essência, as Ordenações Filipinas. Este corpo legislativo, criado
por um rei espanhol para ser aplicado em Portugal, completava 314 (trezentos
e quatorze) anos de vigência no Brasil. Urgia, realmente, a renovação do
ordenamento, adequando-o à realidade dos usos e costumes do povo e do
tempo observados no Brasil do final do século XIX e início do século XX.
Ato contínuo àquela Lei de 1823, a Constituição Imperial de 1824
determinou expressamente que deveria ser elaborado, o quanto antes, um
Código Civil para o Brasil. Essa empresa foi de árduo trabalho, que envolveu
uma plêiade de grandes juristas ao longo das próximas nove décadas.
Não foram um ou dois trabalhos que se elaboraram ao longo desse
século XIX; é possível contar ao menos cinco tentativas oficiais que não
lograram êxito na conclusão da tarefa de apresentar uma codificação ao
Brasil.
Mesmo este, o Projeto de Código Civil de CLÓVIS BEVILAQUA, tardou
mais de uma década e meia em tramitação antes de ser finalmente convertido
em lei. Foi gerado, efetivamente, em 1899, quando da contratação,
elaboração e apresentação ao Governo Republicano, mas só nasceu em 01º de
janeiro de 1916, quando foi finalmente sancionado pelo então Presidente
Wenceslau Braz.
No centenário da sua promulgação, convém celebrá-la!
A celebração não recai apenas sobre a obra legislativa, que grande
avanço deu para a sociedade, estabelecendo regras mais atuais e buscando
trazer grandes avanços sociais e libertários para o povo brasileiro. Devem ser
homenageados, também, os esforços dos grandes homens, a evolução das
ideias e as discussões que abalaram o país duranteos longos anos de labor
legislativo. Portanto, imperioso estudar não apenas o processo de elaboração
e aprovação do Código Civil de 1916, mas também daqueles trabalhos
anteriores e de seus principais personagens.
Interessantíssimos debates podem ser enumerados, como aquele da
unificação do direito privado em um único código, tão defendido por
TEIXEIRA DE FREITAS, CARLOS DE CARVALHO, COELHO RODRIGUES, BRASÍLIO
MACHADO, LACERDA DE ALMEIDA e INGLÊS DE SOUSA[VI], de um lado, e
combatidos por outros, como o próprio CLÓVIS BEVILAQUA[VII].
Igualmente interessante é a existência de uma parte reservada aos
herdeiros necessários, na herança, o que limita o poder de disponibilidade do
testador. Se permaneceu a defesa desses herdeiros no Código de 1916, assim
como no de 2002, não foi por falta de opositores. Dentre os doutrinadores,
CLÓVIS BEVILAQUA indica o como principal opositor o Sr. REIS CARVALHO[VIII].
No Congresso Nacional, o projeto chegou a ser emendado, no Senado, para
permitir a livre disposição da integralidade dos bens; a emenda não passou na
Câmara, por voto de 76 deputados que rejeitavam-na, contra 45 a seu favor[ix].
Antes de concluir esse breve prefácio, apresentamos as
sapientíssimas palavras do próprio CLÓVIS BEVILAQUA, elaboradas no contexto
da defesa de seu projeto contra os ataques dos críticos, mas que servem para
demonstrar a importância daquela legislação e, ao mesmo tempo, a
necessidade de sua constante revisão e alteração:
“Mas, si é certo que os códigos não offerecem a mesma flexura dos
costumes, convém não esquecer que essa possível dureza de fórmas é
largamente compensara por outros predicados, cujo valor devemos
aquilatar pela vehemencia com que a humanidade tem pugnado por
obtel-os: a clareza e a precisão dos edictos, a segurança dos
interesses e o cerceamento do arbítrio dos despositarios do poder.
Além disso, os códigos não são monumentos megalithicos, talhados na
rocha para se perpetuarem com a mesma feição dos primeiros
momentos, erectos, imóveis, inerradicaveis, rujam em torno, muito
embora, tempestades, esbarrondem-se impérios, soçobrem
civilisações.
O proprio Justiniano não pretendia a perpetuidade para sua obra,
atributo que, diz ele, só á perfeição divina cabe alcançar (Cod. 1, 17,
1, 2, §18).” [x]
Assim, o trabalho é dividido em quatro grandes partes.
Na primeira parte, far-se-á um apanhado do contexto histórico em
que se criou o Código Civil. Não apenas o passado da legislação civil pátria,
mas também dos projetos que foram desenvolvidos ao longo do século XIX.
Ali, serão destrinchados os trabalhos de Teixeira de Freitas, de Nabuco de
Araújo, de Joaquim Felício dos Santos e de Coelho Rodrigues. Também,
ainda que apenas de passagem, será comentado sobre o projeto de 1889,
encarregado a uma Comissão, e os esboços de José de Alencar e do Visconde
de Seabra.
A segunda parte terá por objeto o Código Civil de 1916 per si. Nesse
sentido, faz-se um breve apontamento da elaboração do projeto, das
discussões públicas sobre a sua redação e as críticas. Também, sobre o
procedimento legislativo.
Na terceira parte, que mais se aproxima a um anexo, são feitos
breves apontamentos biográficos sobre alguns dos personagens envolvidos
nesse processo legislativo, tais como do Presidente EPITÁCIO PESSOA ou do
parlamentar JOSÉ JOAQUIM SEABRA JÚNIOR. 
Enfim, na quarta parte são transcritas trechos de cartas, pareceres,
regimentos, comentários etc. São elementos que buscam trazer ao leitor
acesso direto às fontes da época e dos personagens, com a mínima
intervenção desse autor.
Também é relevante anotar que, objetivando deixar a leitura mais
leve e direta, alterei as “notas de rodapé” para “notas de fim”. Nesse sentido,
a leitura deve ser mais fluente para o leitor que assim o desejar, que não
ficará tentado a verificar cada fonte; mas continua tendo embasada para
aqueles pesquisadores que buscam, por meio desse instrumento, ter acesso às
fontes originais de onde obtive as informações.
Em suma, esperamos que esse pequeno trabalho, verdadeiramente
um opúsculo, sirva como via introdutória ao curioso, trazendo notícias
interessantes e fatos que não se podem deixar apagar da memória jurídica
nacional. Que, pelo exemplo histórico, incentive a continuidade dos estudos
aprofundados do Direito Civil, levando, enfim, à melhoria constante
propagada por um dos maiores juristas do século XX.
1ª PARTE – Contexto Geral
Capítulo 1:
Contexto Histórico Geral:
A história do Brasil tem passagens extremamente interessantes, o
que não é menos verdade quando se enfoca no prisma do desenvolvimento
jurídico. Assim, antes de adentrarmos no estudo principal desse labor, é
interessante trazer algumas outras observações históricas que demonstram
algumas dessas ocorrências.
A primeiro ato legislativo a tratar sobre o Brasil data de 24 de
janeiro de 1506. Trata-se de uma Bula emitida pelo Papa Júlio II, nessa data,
confirmando o Tratado de Tordesilhas, de 7 de junho de 1494[xi]. A matéria
foi objeto de novo comando papal quando, em 7 de junho de 1514, o Papa
Leão X emitiu nova Bula confirmando a anterior[xii].
O referido tratado atribuiu a D. Manuel, rei de Portugal, os direitos
sobre as terras descobertas aquém da linha imaginária que passa 370
(trezentos e setenta) léguas a oeste do Cabo Verde[xiii]. Toda a terra além
desse limite pertenceria à Espanha. O tratado, somado à bula, conferia aos
portugueses certo volume de terra que seria descoberto no continente
americano, onde se fundou a colônia brasileira.
O primeiro comando legal que tratou, direta ou indiretamente, do
Brasil foi, pois, de natureza internacional. Os subsequentes, de natureza
canônica – que tinham, à época, igual caráter internacional, posto que
“vinculante” a todas as nações católicas.
Pouco depois, em 1516, o mesmo rei D. Manuel ordenou que seus
oficiais fornecessem “machados e enchadas e toda mais feramenta ás
pessoas que fossem povoar o Brasil” e que “procurassem e elegessem um
homem pratico e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de
assucar; e se lhe desse sua ajuda de custo, e tambem todo o cobre e ferro e
mais coisas necessarias”[xiv].
Essas ordens demonstram, em iguais medidas, os sentimentos
contraditórios que então prevaleciam na corte portuguesa em relação à nova
colônia: por um lado, o desejo de dar início à ocupação das novas terras,
recém descobertas; por outro, certo desinteresse pelas possessões.
Efetivamente, Portugal tinha, à época, diversas colônias em desenvolvimento,
não podendo os reis portugueses dispender enormes recursos nem gente de
sua confiança na tarefa de colonizar e tornar produtivas as novas posses
americanas.
Tal quadro perdurou até a década de 1530. Nesse ano, Portugal
enviou a primeira expedição com caráter real, i.e., financiada pelo governo
monárquico, com o propósito de ocupar e povoar as terras descobertas.
O líder dessa empreitada se chamava Martim Affonso de Souza.
Militar português de origem nobre, reunia as características necessárias para a
confiança dos reis: além de sangue, o costume e a habilidade do comando.
Trazia entre suas posses três Cartas-régias, elaboradas em 20 de novembro
de 1530.
Diferente dos atos anteriores, que dispunham acerca do território
que viria a ser o Brasil, essas Cartas-régias foram as primeiras que tiveram
aplicabilidade em terras brasileiras[xv].
Interessa observar que essas três cartas-régias tratavam
genericamente de todas as matérias necessárias à administração da colônia:
direito administrativo, organização judiciária, direito processual etc. Eram
diretas e curtas, devendo ser complementadas pela legislação de Portugal e,
especialmente, por aquelas desenvolvidas pelo próprio Martim Affonso, que
detinha poderes absolutos em terras coloniais[xvi].
A colônia se contentou, ao longo das próximas décadas com essa
legislação inicial, proveniente de Portugal, além dos atos que se fizeram
necessários à administração mais simples. Despiciendo discorrer de forma
aprofundada sobre tais normas, vez que, pouco depois, sobrevieram
acontecimentosque alteraram completamente o desenrolar da história: as
Ordenações Filipinas.
Trata-se, em verdade, de um dos corpos legislativos com a história
mais interessante do qual se tem conhecimento.
As Ordenações Filipinas foram promulgadas por rei espanhol em
1603, para reger o reino português na época da União Ibérica. Foi,
posteriormente à separação das coroas em 1640, revalidada na terra lusitana
com aplicabilidade em todas as suas colônias. Com a independência do Brasil
de sua metrópole, teve novamente sua vigência prolongada, dessa vez pela
Lei de 20 de outubro de 1823. Enfim, como tardasse a elaboração do Código
Civil pátrio, com a queda da monarquia, a nova constituição republicana
determinou a continuidade da aplicação das leis do império, em seu art. 83,
enquanto não sobreviesse novo ordenamento.
A questão foi bem exposta pelo grande Pontes de Miranda:
“É deveras admiravel que a codificação acoimada de ‘desnecessaria,
intempestiva e publicada com dólo’ (Lei de 25 de maio de 1773),
‘supeflua e machinada por astutos e infieis compiladores movidos por
mútuos e particulares interesses’, segundo diria outra Lei, a de 25 de
janeiro de 1775, permanecesse em vigor, fora da Europa, de 1603 até
31 de dezembro de 1916! Resistiu a tres mudanças políticas radicaes,
– a de 1640, a de 1822 e a de 1889.”[xvii]
Na verdade, a feitura das Ordenações Filipinas se coaduna com um
momento peculiar da história portuguesa. Com o desaparecimento de D.
Sebastião durante a batalha de Alcácer-Quibir, em 4 de agosto de 1578[xviii], o
trono de Portugal ficou sem herdeiros diretos. Houve, então, disputa pelo
trono entre os diversos parentes mais próximos. Assumiu, interinamente, o
Cardeal D. Henrique, que, além de velho, não poderia deixar herdeiros posto
que clérigo[xix].
Filipe II, rei da Espanha, era um dos contendores. Os demais, D.
Catarina, mulher do Duque de Bragança; D. Antônio, filho natural de D.
Luis, irmão de D. João III; o Duque de Sabóia; o Príncipe de Parma; e o Rei
da França. O rei espanhol buscou reforçar o seu direito, apontando que era
neto de D. Manuel, porém o eram diversos outros. Também apontou a ligação
entre as duas coroas, a portuguesa e a espanhola[xx].
Aceitou afastar a ideia de que tentaria unificar os dois reinos. Pelo
contrário, aceitou a exigência do Cardeal D. Henrique – propostas perante as
Côrtes, reunidas em Almeirim –, confirmando que que os reinos seriam
sempre inteiros, independentes e reger-se-iam por suas próprias leis e
costumes. Não houve decisão naquele momento e, com a morte do Cardeal
D. Henrique, Filipe II da Espanha invadiu Portugal com seus exércitos,
buscando assim garantir o seu governo. Ao final, reafirmou seu intuito de
manter a autonomia entre os reinos pelo Juramento de Tomar, perante as
Côrtes novamente reunidas[xxi].
Nesse ambiente que ele tratou de codificar tais regramentos, sob o
ponto de vista lusitano. Para isso, chamou juristas portugueses nesse
ambiente que fez o regramento[xxii]. Ainda assim, muitos afirmam que as
Ordenações Filipinas tiveram pouca inovação, restringindo-se a consolidar a
legislação então vigente, proveniente das Ordenações Manuelinas (1531) e
da Coleção de Leis Extravagantes, obra de D. Duarte Nunes de Leão,
(aprovada em 1569)[xxiii].
Pouca influência teve, para o Brasil, essas discussões dinásticas na
metrópole. O rei Filipe II jurara manter a administração de Portugal, bem
como se suas colônias, em mãos de portugueses. Na Bahia, o novo rei foi
aceito sem sobressaltos; em Pernambuco, chegou-se a aclamar D. Antônio,
Prior de Crato, como rei, porém não houve ressonância; em São Paulo, sequer
se observam discussões sobre o tema nas atas da vereação[xxiv].
De qualquer sorte, as Ordenações Filipinas mostraram-se
conservadoras: moldada pelas Ordenações precedentes, manteve a mesma
estrutura, dividindo-se em cinco livros. Aumentaram, isso sim, os títulos
constantes em cada um deles, bem como as decisões das Côrtes, leis gerais e
municipais ou forais supervenientes[xxv].
Os trabalhos de elaboração das Ordenações se iniciaram com o
Alvará de 5 de junho de 1595, tendo como autores PEDRO BARBOSA, PAULO
AFONSO, DAMIÃO DE AGUIAR e JORGE DE CABEDO[xxvi]. Mesmo com a morte de
D. Filipe II, em 1598, prosseguiram sob a tutela de seu herdeiro, D. Filipe III
da Espanha e II de Portugal. Concluído em 1603, este não quis retirar a
glória, que pertencia ao seu pai. Fez publicar junto com as Ordenações,
portanto, uma Lei de 11 de Janeiro de 1603, na qual dava esta explicação,
além de determinada a aplicabilidade das ordenações a todos os senhorios de
Portugal[xxvii].
Convém registrar que, quando da renovada independência de
Portugal, uma Lei de 29 de janeiro de 1643 revalidou a aplicabilidade das
Ordenações Filipinas[xxviii].
Registra-se, para não quedar em silêncio, a que as Ordenações
Filipinas foram profundamente alteradas pela Lei da Boa Razão, de 18 de
agosto de 1769. Nas palavras de ORLANDO GOMES, “Nenhuma reforma
pombalina no campo da legislação teve alcance maior, por seu sentido
autenticamente revolucionário”[xxix]. Efetivamente, essa Lei alterou a forma
como as Ordenações Filipinas deveriam ser compreendidas, dando maior
peso à “Boa Razão” (daí o seu nome), lógica, ética, espírito das leis, do que
às opiniões dos doutores[xxx].
Estas continuaram vigendo em Portugal até 1867, com a aprovação
de seu Código Civil, ou seja, por 264 anos. No Brasil, entretanto, só foram
revogadas pelo Código Civil de 1916, Lei nº 3.071[xxxi]. Pode-se concluir,
portanto, que essas Ordenações tiveram uma vida útil de mais de três
séculos[xxxii].
Nesse caminho, considerando que as Ordenações Filipinas foram
substituídas em Portugal, esse país europeu embalou na onda das
codificações do século XIX. O mesmo não pode ser dito do Brasil. Como
bem chamou atenção ORLANDO GOMES, o Brasil, diferente inclusive dos
demais países ibero-americanos, perdeu aquele momento[xxxiii], permitindo que
perdurasse aquela legislação no Brasil por outros cinquenta anos.
Ainda na seara da legislação espanhola ao longo da União Ibérica,
salta aos olhos o “Regimento do Pau-Brazil”, ordenamento elaborado ainda
no ano de 1605, pelo mesmo rei Filipe III da Espanha, para regulamentar a
extração daquela preciosa madeira.
Curioso esse regimento[xxxiv]. Por um lado, nota-se o claro propósito
de garantir a proteção ao próprio patrimônio do rei, estabelecendo o
monopólio da exploração através de concessões. Esse intento decorre, como é
anunciado no próprio início do regimento, da noticia da crescente dificuldade
de encontrar o Pau-Brasil, sendo necessário viajar cada vez mais longe para
dentro do território.
Não se pode esquecer que o Pau-Brasil foi a primeira mercadoria de
exploração na colônia brasileira. Uma fonte de enormes de riquezas, seu
valor decorria da essência retirada da madeira, uma resina utilizada na
fabricação de tinta vermelha. O nome da árvore, “pau-brasil” deriva da
“brasa”, a madeira pegando fogo. O nome da colônia, “Brasil”, inclusive,
provém dessa árvore[xxxv].
De outro lado, é possível anotar essa legislação como início da
regulamentação ambiental no Brasil. Ainda que por motivos escusos, o rei
buscou proteger a mata nativa, garantindo a utilização adequada das árvores
derrubadas, bem como a forma adequada de cortá-las, procurando garantir a
possibilidade de reflorestamento.
Não se pode deixar de anotar, também, as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia. Datada de 1707 e elaboradas no Brasil, foram o
resultado de Sínodo realizado naquele ano, mas provieram de trabalho
desenvolvido desde 1702[xxxvi]. Visaram regular a igreja católica na colônia e
as questões eclesiásticas, mas são importante fonte de conhecimento para a
sociedade daquela época.
Um século depois, como desdobramento da Revolução Francesa,
Napoleão entrou em guerra com a Inglaterra e determinou o bloqueio
continental. Uma vez que Portugal não aderiu à ordem, as tropas Francesas
invadiram o seu território com o objetivo de prender o príncipe regente. Este,
por sua vez, com o apoio da mesmaInglaterra, fugiu para o Brasil com toda a
sua Corte.
Acontece que, chegando em terras tropicais, fez-se necessário abrir a
colônia, agora sede do governo, para o comércio internacional. Fê-lo, então,
por meio da Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808[xxxvii].
Foi, efetivamente, uma Lei feita pelo Governo Português. Contudo,
além de ter sido elaborada no Brasil, referia-se ao Brasil e apenas aqui tinha
vigência[xxxviii].
O verdadeiro desenvolvimento legislativo brasileiro só começou,
entretanto, com a independência em relação a Portugal. Logo em 1823 foi
publicada uma Lei que consolidou a Legislação Civil então vigente. No
mesmo anos foi elaborada uma Constituição, aprovada em 11 de dezembro
de 1823 e jurada pelo Imperador em 25 de março de 1824[xxxix].
Essa Constituição já previa a elaboração de um Código Civil, como
será visto mais à frente, empreitada, entretanto, que somente se realizou em
1916.
O Conselheiro TRISTÃO DE ALENCAR ARARIPE, desembargador de
Relação da Corte, publicou em 1885 uma Consolidação das Leis Civis,
buscando reorganizar a legislação vigente, como fizera TEIXEIRA DE FREITAS
anos antes. De sua obra, contudo, ressalta a forte crítica feita à demora na
elaboração de um Código Civil pátrio:
“... leis de occasião accordo com a legislação preexistente; e dahi as
contrariedades, antinomias, e essa multidão de leis e decretos, que
desordenadamente compõem o que denominamos código civil patrio,
simplesmente porque nesses numerosos actos se encontrão, e deles se
desentranhão as regras da vida domestica, e das nossas relações civis
sobre a propriedade, contratos e outros factos attinentes á fortuna
privada e ás commodidades sociaes.”[xl]
(...)
“Na confusa aggregação das nossas leis civis, só ha uma verdade, e é,
que o cidadão não tem normas certas para os seus actos nas relações
familiares e contratuais.
E esta desconsoladora verdade ainda mais se ostenta, quando
consultamos as regras do processo, onde tudo é obscuro, complicado
e muitas vezes futil.”[xli]
Criticou, sobretudo, o fato de ainda viger no Brasil, à época, as
Ordenações Filipinas. Ao seu ver, a situação apenas piora pelo fato de que o
próprio Portugal já possuía um Código Civil e de que as nações vizinhas
todas já disporem de igual codificação[xlii].
Efetivamente, muitos dos países vizinhos já tinham elaborado seus
respectivos Códigos Civis à época, e outros ainda o fariam antes do Brasil, se
não vejamos[xliii]:
CC DA LUISIANA – 1808[XLIV];
CC DO HAITI – 1825;
CC DO BOLÍVIA – 1830;
CC DE SÃO DOMINGO – 1835;
CC DA REPÚBLICA DOMINICANA – 1845;
CC DO PERU – 1852;
CC DO CHILE – 1855[XLV];
CC DA VENEZUELA – 1862[XLVI];
CC DO EQUADOR - 1867
CC DA NICARÁGUA – 1867 E NOVAMENTE EM 1904;
CC DO URUGUAI – 1868;
CC DA ARGENTINA – 1869;
CC DO MÉXICO – 1870;
CC DA COLÔMBIA- 1873;
CC DA GUATEMALA – 1877;
CC DE EL SALVADOR – 1880;
CC DA COSTA RICA – 1887;
CC DO PARAGUAI E CUBA – 1889;
CC DE HONDURAS – 1891;
CC DE CUBA – 1899;
CC DO BRASIL – 1916;
CC DO PANAMÁ – 1917;
Observamos que a Luisiana é um dos estados que compõem os
Estados Unidos da América. Sua estrutura legal, entretanto, difere do restante
do país pela forma como foi colonizado. Ocupado inicialmente pelos
Franceses, em 1700, foi cedido à Espanha em 1762. Durante os quarenta anos
seguintes, a lei e os costumes espanhóis foram impostos na região.
Em 1800 os Espanhóis acordaram em devolver o território à França,
o que ocorreu apenas em fins de 1803. Nesse meio tempo, os Franceses
venderam essa região aos EUA, de forma que houve duas transferências de
posse nesse ano de 1803: primeiro da Espanha para a França e depois da
França para os EUA. Finalmente, em 1812, se converteu no estado de
Luisiana.
No ano de 1806, já sob posse do governo dos EUA, dois juristas
foram contratados para compilar a legislação civil vigente nesse território. O
seu trabalho, contudo, se baseou largamente na versão preliminar do Código
Napoleônico. Foi publicado como Código em 1808, tanto na língua inglesa
quanto na francesa. Posteriormente, em 1825, uma comissão foi contratada
para revisar e emendar o referido Código de 1808.
De volta ao levantamento dos Códigos Civis, constata-se que
estávamos igualmente atrasados em relação a diversos outros países, tais
como[xlvii]:
CC DA FRANCA (CÓDIGO NAPOLEÔNICO) – 1804;
CC DA BÉLGICA – 1804;
CC DE LUXEMBURGO – 1804;
CC DE MÔNACO – 1818;
CC DA HOLANDA – 1838;
CC DA ROMÊNIA – 1865;
CC DE PORTUGAL – 1867;
CC DE QUEBEC (CANADÁ) – 1867;
CC DA ESPANHA – 1889;
CC DA ALEMANHA (BGB) – 1896[XLVIII];
CC DO JAPÃO – 1898[XLIX];
CC DA NORUEGA – 1907;
CC da CHINA – 1911[L];
Curioso anotar a existência de outras codificações, ainda do século
XVIII. Essas, entretanto, versavam sobre outras matérias além do Direito
Civil:
Codex Maximilianeus Bavaricus Civilis – Bavária, 1756; e
Allgemeines Landrecht – Prússia, 1792.
Percebe-se que a codificação foi um trabalho constante ao longo do
século XIX. Enquanto todos esses países elaboravam suas próprias
codificações, adequadas aos costumes regionais e práticas contemporâneas,
vigiam no Brasil as Ordenações e leis portuguesas elaboradas até 25/04/1821,
ainda que com algumas alterações, por outros noventa e seis anos, até 1917.
Em Portugal, comparativamente, as Ordenações foram revogadas em 1876,
pela entrada do Código Civil daquele país[li].
Enfim, o Brasil foi deixado para trás por boa parte das nações que
compõem o Continente Americano, quiçá do hemisfério ocidental. Mas não à
revelia dos seus grandes homens, que se esforçaram para resolver essa
situação.
Capítulo 2:
História da Codificação no Brasil Independente:
Assim que se declarou cortado o vínculo entre o Brasil e sua
metrópole, Portugal, a população do país insipiente começou a se questionar
quais seriam as regras e leis que regeriam o novo país.
Para solucionar a questão, a Assembleia Geral Constituinte, já
reunida, decretou a Lei de 20 de outubro de 1823, uma das seis que essa
assembleia alcançou publicar[lii] e a primeira do Brasil, enquanto Estado
independente, a tratar da matéria de Direito Privado[liii].
Composta de apenas dois artigos, expressa claramente quais leis que
deveriam ser respeitadas dali por diante. Mais importantemente, previu a
organização de um novo código, senão vejamos:
Art. 1º. As Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos, e
Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quaes o
Brazil se governava até o dia 25 de Abril de 1821, em que Sua
Magestade Fidelissima, actual Rei de Portugal, e Algarves, se
ausentou desta Côrte; e todas as que foram promulgadas daquella
data em diante pelo Senhor D. Pedro de Alcantara, como Regente do
Brazil, em quanto Reino, e como Imperador Constitucional delle,
desde que se erigiu em Imperio, ficam em inteiro vigor na pare, em
que não tiverem sido revogadas, para por ellas se regularem os
negocios do interior deste Imperio, emquanto se não organizar um
novo Codigo, ou não forem especialmente alteradas.
Art. 2o Todos os Decretos publicados pelas Côrtes de Portugal, que
vão especificados na Tabella junta, ficam igualemnte valiosos,
emquanto não forem expressamente revogados. (grifamos)
Tranquilizou a sociedade, confirmando a aplicação das Ordenações
Filipinas, essa já com algumas alterações[liv], e demais leis não revogados, as
quais esmiuçou em tabela anexa[lv]. Dessa forma, manteve a estabilidade em
relação à propriedade, ao comércio e à família[lvi]. Ainda que se tratasse de
“uma autoridade pro tempore”[lvii], estabeleceu, estreme de dúvidas, o
regramento que deveria ser aplicado.
Registra-se que a data de 25 de abril de 1821 não foi escolhida
aleatoriamente. Foi nesse dia que D. João VI saiu do Brasil para retornar ao
Portugal[lviii].
A Constituição de 1824 reiterou, menos de um ano depois, o
comando de que se realizasse uma nova legislação, efetivamente apta a reger
o novo País: deveriam ser organizados em pelo menos dois códigos, um civil
e outro criminal. Já ali, na redação do art. 179, XVIII, observa-se a urgência
da matéria:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis,e Politicos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio,
pela maneira seguinte.
(...)
XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal,
fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade. (grifamos)
Parte do comando constitucional foi prontamente adimplido, uma
vez que o Código Criminal do Império Brasileiro foi promulgado em 16 de
dezembro de 1830[lix]. Registra-se, inclusive, que essa legislação brasileira
serviu de forte inspiração para o Código Penal da Espanha, de 1848[lx].
O ordenamento pátrio, no que toca à seara criminal, foi logo
complementado. Em 29 de novembro de 1832 foi promulgado o Código de
Processo Criminal. Além desses sistemas, foram promulgadas leis especiais
referentes a diversas outras matérias.
Durante esse período, entretanto, o Poder Legislativo ficou inerte no
que toca ao Código Civil. Na verdade, passaram-se treze anos do Código
Criminal – e dezenove desde a Carta Constitucional – antes que FRANCISCO
GÊ ACAIBA DE MONTEZUMA, no discurso de posse na Presidência do recém-
criado Instituto dos Advogados Brasileiro em 1843, proclamasse a
necessidade de melhoria da legislação vigente. Segundo clamou, tal esforço
poderia e deveria ser feito através da nova instituição[lxi].
Em 1845, o advogado FRANCISCO INÁCIO DE CARVALHO MOREIRA,
futuro Barão de Penedo, elaborou um trabalho denominado Da revisão geral
e codificação das leis civis e do processo, no Brasil, o qual foi apresentado
ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros[lxii]. Preocupava-se com a
legislação esparsa e desordenada, entendendo ser indispensável atualizá-la
em função dos tempos[lxiii]. Este, já bacharel pela Faculdade de Direito de São
Paulo (1839) e com curso em Oxford, Inglaterra, viria a assumir a presidência
do IAB em 1851[lxiv].
Não se tratou de um projeto, mas sim de um grito para chamar a
atenção para o problema[lxv].
Nessa época, mais especificamente em 1850, foram aprovados
diversos diplomas legais de grande importância na consolidação do Estado
brasileiro[lxvi], como a Lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581, de 4 de setembro
de 1850, que proíbe o tráfico de escravos)[lxvii] e a Lei de Terras (Lei nº 601,
de 18 de setembro de 1850, que tratou da propriedade territorial rural no
Brasil, e inovou ao separar as terras públicas das privadas[lxviii]). De todas,
entretanto, salta aos olhos o Código Comercial, datado de 25 de junho de
1850, o primeiro trabalho original dessa natureza na América[lxix].
Na verdade, este Código Comercial teve início de gestação muitos
anos antes. Ao começar a funcionar, em 1809, a Junta de Comércio,
Agricultura, Fábricas e Navegação encomendou a JOSÉ DA SILVA LISBOA,
Visconde de Cairu, a elaboração de um projeto de Código. Esse baiano
efetivamente elaborou um esboço, denominado “Regras da Praça” ou “Bases
do Regulamento Comercial”[lxx].
Com a independência, voltou a se observar, no Brasil, a lei
portuguesa de 1769. Esta, por sua vez, aplicava subsidiariamente a legislação
das “nações civilizados da Europa”[lxxi].
Em 14 de março de 1833, o governo regencial nomeou uma
comissão com o fito específico de desenvolver um Código Comercial no
Brasil. Um projeto foi discutido e melhorado ao longo de muitos anos até
receber parecer positivo da Comissão Parlamentar em 29 de agosto de
1943[lxxii].
Participaram da comissão de elaboração JOSÉ ANTÔNIO LISBOA, INÁCIO
RATTON, LOURENÇO WESTIN e GUILHERME MIDOSI[LXXIII], renomados comerciantes
da época, bem como LIMPO DE ABREU, HONÓRIO JOSÉ TEIXEIRA e JOSÉ CLEMENTE
PEREIRA[LXXIV].
Recebido o projeto, a Câmara dos Deputados se dividiu sobre a
forma em que deveria ser discutido o Código. Uma parte dos legisladores
defendia a votação do Código Comercial como bloco, uma vez que já fora
discutido e debatido em diversas comissões e por diversos setores da
sociedade, gerando assim celeridade no procedimento legislativo. Outra parte
defendia a necessidade de efetiva discussão do projeto no Congresso, a
verdadeira casa do povo. Argumentava exatamente que, se diversas
comissões legislativas e mesmo populares tiveram a oportunidade de discutir
o projeto e seus comandos, com ainda mais razão deveria a matéria ser
discutida e debatida na casa dos legisladores, antes da votação final e
definitiva[lxxv].
O Código Comercial foi finalmente promulgado, em 25 de junho de
1850, devido a um impulso legislativo dado por diversas pessoas. Ressaltam-
se os nomes de EUSÉBIO DE QUEIRÓS, NABUCO DE ARAÚJO e IRINEU EVANGELISTA
DE SOUZA[LXXVI], conhecido como Barão de Mauá.
Em que pese não fosse jurista, IRINEU EVANGELISTA já era grande
industrial à época, e recebia os dois primeiros – junto com outras importantes
personalidades da época – em sua casa para realizar “reuniões caseiras” de
reforma ao projeto de Código Comercial[lxxvii].
A promulgação dos Decretos nº 737 e nº 738, ambos de 25 de
novembro de 1850, complementou a matéria. O primeiro determinou a ordem
do juízo no processo comercial e vigorou até 1930[lxxviii]. O segundo,
regulamentou os Tribunais do Comércio e o processo “das quebras”, matéria
esta que seria novamente regulamentada pelo Decreto nº 917, de 24 de
Outubro de 1890.
Esse texto normativo, o Código Comercial, foi aprovado sessenta e
seis anos do Código Civil, realidade não exclusiva do Brasil. A Espanha, por
exemplo, só teve seu Código Civil aprovado pelo Real Decreto de 24 de julho
de 1889[lxxix], enquanto o Código Comercial daquele país data de 1829[lxxx].
Igualmente, Portugal: seu Código Comercial foi promulgado em 1834[lxxxi],
mas o Código Civil só foi aprovado em 1867.
De qualquer sorte, EUSÉBIO DE QUEIRÓS efetivamente se preocupava
com o estado da legislação[lxxxii]. Tendo assumido o Ministério da Justiça do
Gabinete de 1848[lxxxiii], e vendo a crescente insatisfação social e após a
aprovação do Código Comercial, ele propôs, em 1851, a adoção no Brasil do
Digesto Português de Correa Telles[lxxxiv].
Há uma cópia digitalizada dessa obra portuguesa na biblioteca
digital do senado nacional[lxxxv]. Nesse sítio da internet, a casa legislativa
brasileira assim descreve o tratado:
“Corrêa Telles, jurisconsulto e político português, foi Deputado às
Cortes constituintes de 1821, onde se tornou notável por suas opiniões
moderadas, tendo sido reeleito por diversas vezes. Seu Digesto
Portuguez - concebido para servir de subsídio ao primeiro código
civil português que surgiria apenas em 1867 - apresenta uma visão
homogênea do Direito português, ainda que tenha invocado códigos
estrangeiros, como o Código Napoleônico. A primeira edição,
portuguesa, é de 1835. Esta é supostamente a primeira edição
brasileira, na verdade, uma reimpressão.”
Ao que consta, TEIXEIRA DE FREITAS editou, posteriormente, a obra de
CORRÊA TELLES, com diversas notas doutrinária[lxxxvi].
Tratava-se, essa obra, de um trabalho expositivo em formato de
codificação. Em que pese uma solução rápida, era, como bem opina PONTES
DE MIRANDA, a mais conservadora possível[lxxxvii].
O Instituto dos Advogados do Brasil rejeitou a proposta[lxxxviii], a
despeito de o Ministro ter deixado claro que seria necessário realizar as
devidas alterações para adaptar a obra a esta Pátria[lxxxix].
Nos próximos anos, entretanto, houve um primeiro passo para
resolver o problema da codificação civil. TEIXEIRA DE FREITAS foi contratado
em 15 de fevereiro de 1855[xc], pelo então Ministro da Justiça, Cons. José
Tomás Nabuco de Araújo para organizar o Direito então já vigente[xci]. Desse
contrato nasceu a Consolidação das Leis Civis, em 1858[xcii].
Concluído e aprovado o trabalho de organização, o mesmo
jurisconsulto baiano foi contratado para elaborar o Código Civil. O novo
contrato data de 10 de janeiro de 1859, tendo como termo o dia 31 de
dezembro de 1861. Foi prorrogado diversas vezes, à medida em que o
trabalho se alongava.
Interrompeu-se, entretanto, em 1865, totalizando 4.908 artigos[xciii]
publicados. Desejava, TEIXEIRA DE FREITAS, ampliar o âmbito de sua
legislação, reunindo todoo direito privado. O contrato somente foi
rescindido, oficialmente, em 1872[xciv]. Esse trabalho, não aceito no Brasil,
serviu como importante fonte para o Código Civil argentino[xcv].
Após o fim do vínculo com Teixeira de Freitas, o senador Nabuco de
Araújo foi contratado para elaborar o Código Civil. Homem de mil
atividades, inclusive políticas, iniciou os trabalhos em 1873[xcvi]. Morreu em
19 de março de 1878, sem que tivesse concluído seu labor[xcvii].
Ao tempo de sua morte, o advogado Joaquim Felício dos Santos
tomou para si o encargo da elaboração do Código Civil, após uma conversa
privada com o então Ministro da Justiça[xcviii]. Apresentou o seu projeto,
denominado Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro, em
1881[xcix]. Após prolongadas discussões em comissão de juristas, e mesmo na
câmara, o projeto foi oficialmente abandonado no início de 1886[c].
Em junho de 1889 foi reunida uma comissão de doutos que,
presidida pelo próprio D. Pedro II, tinha a intenção renovada de elaborar um
Código Civil para o Brasil. O monarca planejava comemorar o jubileu de seu
reinado com a aprovação do diploma e com a abolição da pena de morte[ci]. A
proclamação da república deu fim a este projeto no nascedouro[cii].
A ideia, entretanto, não chegou a esmorecer. O novo Ministro da
Justiça, Campos Sales, contratou um novo jurista para elaborar o Código
ainda em 1890: Coelho Rodrigues[ciii]. O novo projetista mudou-se para a
Suíça e, durante três anos, dedicou-se integralmente ao labor legislativo. O
seu projeto foi entregue ao governo em 1893[civ]. A comissão indicada para
avaliar o projeto concluiu pela sua inadequação[cv], mesmo resultado
alcançado no Congresso Nacional[cvi].
Há notícias de outras tentativas de codificação no Brasil[cvii], as quais
não chegaram a ter caráter oficial ou não foram devidamente aprofundadas.
Antes de passar à análise – um pouco mais – pormenorizada desses
projetos, interessante apontar o resumo, elaborado por PONTES DE MIRANDA,
das fontes do direito civil no Brasil antes da entrada em vigor do Código
Civil[cviii]:
i) As leis:
Além das leis propriamente ditas, elaboradas em Portugal até 1822 e
dai em diante no Brasil, haviam também diversas fontes legislativas
antigas, feitas pelos reis portugueses, tais como cartas de lei, cartas
patentes, cartas régias, alvarás e provisões reais;
ii) O Costume:
As Ordenações, Livro III, Título 64 davam preferência aos “estylos da
Côrte”, em especial os “assentos” da Casa de Suplicação. Durante o
Império, o Supremo Tribunal tinha autoridade para tomar esses
“assentos”, mas essa competência foi retirada quando da proclamação
da República;
iii) O Direito Canônico e o Direito Romano:
Tratavam-se de fontes jurídicas subsidiárias. E, ainda assim, o Direito
Canônico perdeu sua força como fonte após a proclamação da
República. Por outro lado, o Direito Romano só teria aplicabilidade se
estivesse em conformidade com a Lei da Boa Razão.
iv) O Direito das Nações Civilizadas:
Tratava-se, igualmente, de fonte subsidiária, devendo também estar de
acordo com a Lei da Boa Razão.
Enfim, passemos aos projetos!
Capítulo 3:
Teixeira de Freitas: Consolidação e Esboço:
Consolidação das Leis Civis:
O Código Comercial foi aprovado em 25 de junho de 1850. Findo
esses esforços, já tendo o Código Penal sido elaborado e aprovado em 16 de
dezembro de 1830, restava preparar a legislação civil. E, nesse contexto,
voltaram-se os esforços para a criação de um Código Civil Brasileiro.
Como já anotado, Eusébio de Queirós propôs a adoção do Digesto
Português de Correa Telles como legislação civil no Brasil. Tendo o Instituto
dos Advogados impugnado a ideia, dá-se azo à contratação de Teixeira de
Freitas[cix].
Sondagens iniciais foram feitas ao jurisconsulto em 1854. Este
respondeu ao Ministro NABUCO DE ARAÚJO em 10 de junho de 1854 com uma
exposição manuscrita, destrinchando o seu plano de trabalho[cx]:
“Ilmo. e Exmo. Sr.
Tendo de indicar, por autorização de V. Exa.; que mais convenientes
me parecem para a realização de uma – boa reforma – da nossa
Legislação Civil; e tendo ao mesmo tempo de propor as condições, sob
as quais empreendo desempenhar essa tão árdua, quão honrosa tarefa,
passo a expor sucintamente o resultado de minhas meditações e estudos
sobre esta matéria.
A legislação existente deve ser bem conhecida, quando se quer fazer
uma lei nova. A nossa Legislação Civil acha-se envolvida e dispersa em
um imenso caos de Leis compiladas e extravagantes, que se remontam
a épocas desviadas. Como, portanto, conhece-la sem rever toda essa
massa enorme de Leis, a fim de a extrair e separar?”[cxi]
A carta se prolonga, explicando a necessidade de separar a o sistema
entre direito público e administrativo, do privado. Ao fim, explica que esse
trabalho preliminar deve ser seguido de um trabalho legislativo, completando
as lacunas e invertendo o direito, onde for mais adequado: daí nasceria o
Código Civil. Também, que seria necessário ter todo um plexo de nova
legislação, inclusive Comercial, porquanto o Código já aprovado invadia o
Direito Civil. Em certo ponto afirma ser melhor nada fazer do que apresentar
um código civil defeituoso.
Enfim, o contrato foi firmado em 15 de fevereiro de 1855[cxii]. Contava
Teixeira de Freitas com 38 anos. Foi contratado pelo então Ministro da
Justiça, Cons. JOSÉ TOMÁS NABUCO DE ARAÚJO, ele próprio notável jurista, para
organizar o Direito já vigente antes de se embrenhar no esforço hercúleo de
elaborar um Código Civil[cxiii].
O contratante, Cons. NABUCO, conforme seu próprio filho, chegou a
chamar TEIXEIRA DE FREITAS de “o máximo dos nossos jurisconsultos” perante
o Senado, demonstrando assim a fé que depositava no contratado[cxiv].
A Consolidação das Leis Civis foi apresentada após três anos, em
1857[cxv], com 1.333 artigos[cxvi] e inúmeras notas de rodapé, algumas das
quais bastante extensas, que servem para explicar e dar consistência ao
trabalho de consolidação, mas que logrou converter-se em verdadeira obra
didática[cxvii]. Mereceu tradução resumida para o francês no mesmo ano, pelas
mãos de LA GRASSERIE[CXVIII].
O próprio jurisconsulto baiano ressaltou que não havia uma única
menção à escravidão nesse trabalho[cxix], o que foi notado no parecer da
comissão formada para sua análise. Esta, composta pelo VISCONDE DO
URUGUAI, NABUCO DE ARAÚJO e pelo CAETANO ALBERTO SOARES, o mesmo com
quem TEIXEIRA DE FREITAS se bateu no Instituto dos Advogados. O parecer
final foi apresentado em 04 de dezembro de 1858, sendo totalmente favorável
ao trabalho e louvando o seu autor. Foi publicado em 24 de dezembro do
mesmo ano[cxx].
É importante indicar ao leitor, para conhecer melhor a obra, a
própria introdução redigida por TEIXEIRA DE FREITAS, que descreveu os
problemas da época. Também chama atenção o fato de a Consolidação vir
dividida em Parte Geral e Parte Especial, que significa antecipação de quatro
décadas em relação ao B.G.B.[cxxi]
Em 1859, vendo a sua Consolidação esgotada, TEIXEIRA DE FREITAS
pediu autorização ao governo imperial para mandar imprimir, às suas custas,
uma segunda edição. Viria a fazer uma terceira edição em 1875[cxxii]. Publicou
ainda, em 1877, uma obra denominada “Additamentos à Consolidação das
Leis Civis”. Nesta, buscou responder às críticas feitas ao seu primeiro
trabalho legislativo[cxxiii].
Esboço:
Aprovado o texto da Consolidação das Leis Civis, em 04 de
dezembro de 1858, o Ministro da Justiça foi autorizado, pelo Decreto nº
2.318, de 22 do mesmo mês, a contratar um jurisconsulto que escolhesse para
elaborar um Projeto de Código Civil[cxxiv]. Ainda ocupava o cargo o Cons.
NABUCO DE ARAÚJO, vindo a contratar, naturalmente, o jurista baiano para
continuar os trabalhos. O contrato foi firmado em 10 de janeiro de 1859,
sendo confirmado pelo Decreto nº 2.337, de 11 de janeiro de 1859[cxxv].
O contrato tinha como prazo inicial o dia 31 de dezembro de
1862[cxxvi]. TEIXEIRA DE FREITAS devia considerá-lo suficiente, já que fez
constar uma cláusula, pela qualobteria maiores benefícios em caso de
conclusão do projeto antes do prazo limite[cxxvii].
O Contrato também delimitava o escopo do projeto: deveria seguir a
mesma divisão adotada na Consolidação, podendo modificá-la para incluir
um terceiro livro, dedicado a tratar das sucessões, bem como do concurso de
credores e das prescrições[cxxviii].
No ano seguinte, 1860, TEIXEIRA DE FREITAS fez uma comparação
entre a Consolidação, já aprovada, e o projeto de código civil que que
começava a tomar corpo[cxxix].
Pouco depois, em agosto do mesmo ano de 1860, começou a
publicar o seu anteprojeto de Código Civil, trabalho ao qual – como já se
observa da carta acima – denominou simplesmente “Esboço”. Assim intitulou
sua obra porquanto jamais intencionou que aqueles artigos publicados fossem
efetivamente convertidos em Lei. Eram, apenas, preparatórios, de onde seria
retirada a redação final[cxxx].
Foram publicados um total de sete tomos, entre 1860 e 1865[cxxxi],
totalizando 4.908 artigos[cxxxii]. Conteria, segundo previsões do próprio autor,
mais de 5.216 artigos[cxxxiii].
O contrato chegou a ser prorrogado, antes do vencimento, para 30 de
junho de 1864[cxxxiv]. Nesse aditivo, entretanto, ficou suspenso o pagamento
dos vencimentos mensais, no valor de Rs. 1.200$000[cxxxv].
Foi constituída uma comissão, por decreto de 29 de dezembro de
1863, para examinar o projeto de código civil redigido por Teixeira de
Freitas[cxxxvi]. Em Decreto de 23 de junho de 1864, estabeleceram-se as
instruções para analisar a parte já publicada do Projeto, fazendo parte da
Comissão o VISCONDE DO URUGUAI, NABUCO DE ARAÚJO, CAETANO ALBERTO
SOARES, RIBAS, BRÁS FLORENTINO, FURTADO, MARIANI e LOURENÇO
RIBEIRO[cxxxvii].
A comissão teve a participação do próprio TEIXEIRA DE FREITAS.
Contou, ainda, com a presença do Imperador D. PEDRO II na sua sessão de
abertura, em 20 de abril de 1865[cxxxviii]. Contudo, a análise do colegiado não
superou o artigo 15 do anteprojeto[cxxxix], antes da suspensão dos trabalhos, em
31 de agosto de 1865, após dezessete sessões[cxl]. Os pareceres apresentados
pelos membros da comissão, bem como as respostas do autor, foram
impressos pela Typographia Nacional nesse mesmo ano, em livro com pouco
mais de 150 laudas[cxli].
A obra, então interrompida, não mais foi retomada pelo autor[cxlii].
Sobre o Esboço, CLÓVIS BEVILAQUA comentou:
“... procurando traduzir as relações de direito civil, em tôdas as suas
infinitas variedades, por um preceito legal, foi mais longe do que
convinha a uma obra legislativa. Daí a dispersão, que demorou a
obra, e, afinal, inutilizou, para o fim imediatamente almejado, uma tão
grande soma de esforço.”[cxliii]
De qualquer sorte, o contrato foi prorrogado novamente em 1865.
Em 1867, entretanto, o ilustríssimo jurisconsulto enviou carta ao então
Ministro da Justiça, Cons. Dr. MARTIM FRANCISCO RIBEIRO DE ANDRADA,
desistindo do trabalho, a menos que pudesse reformular completamente a
estrutura do código que elaborava[cxliv].
O pedido foi, inicialmente, recusado pelo novo Ministro da Justiça.
Este, em relatório desse ano (1867), exaltou os trabalhos realizados e renovou
sua confiança no jurisconsulto[cxlv].
TEIXEIRA DE FREITAS enviou nova carta, datada de 20 de setembro do
mesmo ano de 1867[cxlvi], apresentando uma ideia inovadora: elaborar um
Código Geral de Direito, reunindo as linhas básicas de todas do direito
privado e mesmo do direito público[cxlvii]. Além dessa obra geral, deveria ser
elaborado um Código Civil que abarcaria também as instituições
comerciais[cxlviii]. Seria dividido em dois livros[cxlix]:
(i) Das causas jurídicas:
a. Pessoas;
b. Bens; e
c. Fatos.
(ii) Dos efeitos jurídicos:
O pedido de reformar todo o projeto foi aceito pelo Conselho de
Estado em 1868[cl], especialmente nas pessoas de JOSÉ TOMÁS NABUCO DE
ARAÚJO, FRANCISCO DE SALES TORRES HOMEM e VISCONDE DE JEQUITINHONHA:
“A secção reconhece que a codificação proposta é uma cousa nova.
Mas na legislação, como na sciencia, as idéas por novas não devem
ser repellidas in limine, mas pensadas e estudadas.
Que inconvencientes ha em que o Governo ajude e facilite a grande
concepção do autor?
Não pede elle augmento de despeza.
Não é de uma lei que elle está encarregado, mas de um projecto
sujeito ao exame de uma commissão, e que pode ser rejeitado, si não
preencher o seu fim.
Haverá demora, mas uma demora compensada pela possibilidade de
uma invenção que póde dar gloria ao autor e ao paiz.”[cli]
O projeto, entretanto, não chegou às mãos do Imperador por
resistência do então Ministro da Justiça[clii]. Ocupava o cargo, à época
(16/07/1868 a 09/01/1870), JOSÉ DE ALENCAR. Ele apresentou, em 1869, um
Relatório à assembleia legislativa, declarando que entendia rescindido o
contrato com TEIXEIRA DE FREITAS. Fundamentou seu posicionamento no fato
de que o projeto não fora apresentado no prazo estabelecido[cliii]. Afirmou:
“Em minha humilde opinião não só o engenhoso e vasto plano
ultimamente delineado pelo bacharel Augusto Teixeira de Freitas, mas
também o esboço anterior, são, como elementos legislativos, frutos
muito prematuros, embora como trabalhos científicos revelem as altas
faculdades do autor, e sua opulenta literatura jurídica. Um código
civil não é obra da ciência e do talento unicamente; é sobretudo a
obra dos costumes, das tradições, em uma palavra da civilização
brilhante ou modesta de um povo... Releva dirigir estes trabalhos de
codiciação a um resultado mais profício.”[cliv]
A verdade é que o Ministro já publicava críticas ao Consolidador
desde 1860[clv].
Finalmente, passados novos anos sem qualquer posição nova e
nenhum projeto definitivo, outro Ministro da Justiça, Cons. MANUEL ANTÔNIO
DUARTE DE AZEVEDO, rescindiu oficialmente o contrato em 18 de novembro de
1872[clvi].
O trabalho não aproveitado de TEIXEIRA DE FREITAS acabou virando
uma das minas de ideias de onde bebeu DALMACIO VELEZ-SARSFIELD, autor do
projeto aprovado de Código Civil argentino[clvii], elaborado entre 1869 e
1871[clviii]. Conforme o próprio argentino, ele se serviu:
“sobre todo, del projecto de Codigo Civil que está trabajando para el
Brasil el Señor Freitas, del cual he tomado muchissimos artículos. Yo
he seguido el método tan discutido por el sábio jurisconsulto brasileño
en su extensa y doctissima introducción á la recopilación de las leys
del Brasil, separándome em algunas partes para haver mas
perceptible la conexion entre los libros y títulos, pues el método de la
legislación, como lo dice el mismo señor Freitas, puede separarse un
poco de la filiación de las ideas”[clix].
O trabalho de TEIXEIRA DE FREITAS foi importante, também, para a
redação do Código Civil Chileno, por ANDRÉS BELLO[CLX] e do Código Civil do
Uruguai[clxi].
Capítulo 4:
Nabuco de Araújo:
JOAQUIM NABUCO, filho do Senador e jurisconsulto NABUCO DE
ARAÚJO, registrou o período em que seu pai se dedicou ao labor codificador:
“É essa a mais dolorosa pagina que me cabe escrever em sua Vida,
porque é a história de um naufragio, a que só podem fazer justiça os
que compreendem essa fórma de consumição intellectual: a da obra
que se prolonga e se desdobra de si mesma indefinidamente; que se
não póde acabar em nenhuma das partes sem acabar o conjuncto; que
é preciso refazer sempre; que se não póde deixar de aperfeiçoar sem
faltar á probidade do pensador, do artista, do jurisconsulto, que é
fazer o melhor, dar todo o seu gênio, empregar a vida que fosse em
corrigir o traço imperfeito, em dar relevo ao detalhe despercebido. É
esse um verdadeiro supplicio infinito, como os imaginados para o
Hades: a anciedade pelo que resta a fazer, a attenção que nem um
instante se desopprime, impede o allivio, a satisfação, a consciencia
da obra creada, que é o gozo supremo do artista, o seu imortal
descanço.”[clxii]
O filho-biógrafo apontou, ainda e com razão, que NABUCO estava
ligado ao Código Civil de todas as formas: não apenas fora ele quem
contratou e aprovou a Consolidação das Leis Civis, como também foi ele
quem contratou, incentivou e apoiouTEIXEIRA DE FREITAS ao longo de toda a
elaboração do Esboço. Era nele, inclusive, que o jurista baiano, conterrâneo,
confiava seus desabafos frente ao desafio da obra[clxiii].
Relatou também que seu pai havia sido sondado pelo então Ministro
da Justiça, EUSÉBIO DE QUEIRÓS, EM 1851, para enfrentar o desafio da
codificação. Procurava este, naquele, uma pessoa apta e disposta ao labor.
Nabuco de Araújo, entretanto, não se sentiu apto à época[clxiv].
Passados vinte e um anos desde essa primeira proposta, e uma vez
que o contrato com TEIXEIRA DE FREITAS foi formalmente rescindido, o
Governo Imperial – representado pelo novo Ministro da Justiça, Conselheiro
Duarte Azevedo – procurou no Senador Baiano um autor digno da obra.
Nabuco de Araújo, enfim, aquiesceu ao convite, firmando o contrato
em 3 de Dezembro de 1872, aprovado pelo Decreto nº 5.164, de 11 de
dezembro de 1872[clxv], para começar em 1º de Janeiro do ano seguinte. Como
remuneração, receberia mensalmente 2:000$, não podendo advogar, e mais
um prêmio de 100:000$ ao final da elaboração do projeto, fosse ou não
aceito[clxvi].
Ainda conforme o contrato, essa obra deveria ser “precedida ou
seguida de um titulo unico, independente della, contendo disposições ácerca
da publicação, efeitos e aplicação das Leis do Império”[clxvii].
Por sua vez, apresentou assim o seu plano:
“Depois de muito pensar, cheguei á firme convicção de que seria
temeridade substituir ou modificar, sem estudo, o methodo que serviu
de base ao contracto de 10 de Janeiro de 1859, methodo
luminosamente defendido na Introdução á Consolidação das Leis
Civis e aprovado pelo Governo Imperial, depois de exame de uma
Commissão... O que se póde prometter é que o Projecto não exorbite
do objeto do Codigo Civil, que não confunda a legislação com a
doutrina; que, por causa do valor scientifico, não sacrifique o valor
pratico, que convem a uma legislação que é a mais intimamente
ligada á vida real do povo, e deve, quanto fôr possível, estar ao
alcance d’elle.”[clxviii]
Enfim, fora contratado para elaborar um Código que viesse a ser
aprovado e servisse como Lei no Brasil[clxix].
Homem de mil atividades, inclusive políticas, iniciou efetivamente
os trabalhos logo em 1873[clxx]. Findo o prazo inicial de cinco anos[clxxi], pediu
prorrogação do contrato, sob a proposta de que as mensalidades pagas após a
extensão do acordo fossem deduzidas do prêmio final[clxxii]. Explicou em carta
ao então Ministro da Justiça, Sr. Gama Cerqueira:
“Devo participar a V. Ex. que não me é possível concluir o codigo
civil no prazo contratado, precisando de uma prorrogação de oito
mezes, a qual peço ao Governo Imperial. Fiz todos os esforços que
pude para concluir esse compromisso de honra, mas fui impedido por
frequentes incommodos de saude, bem proprios da minha idade, e
provocados por trabalho todo árduo e difficil.
Não deve V. Ex. estranhar esse facto.
O profundo jurisconsulto Visconde de Seabra, encarregado do codigo
civil, por decreto de 8 de agosto de 1840, só deu conta dele em 1857, e
sem exposição de motivos ou commentarios.
Outro grande jurisconsulto, o Sr. Teixeira de Freitas, de capacidade
muito superior á minha, contrato o Codigo Civil, por tres annos, em
1859, e até 1872 não o executou, exonerando-se delle nesse anno. O
Governo Imperial, outrosim, concedeu um anno de prorrogação ao
illustre conselheiro Ribas para o trabalho da consolidação do
processo civil.”[clxxiii]
O Código Civil a que se refere, elaborado pelo Visconde de Seabra,
é o Português, de 1867.
A prorrogação solicitada foi concedida. Não lhe dispuseram a
continuar pagando os vencimentos, entretanto, sendo-lhe autorizado a
advogar[clxxiv].
Morreu em 19 de março de 1878, antes que a prorrogação solicitada,
e concedida por um ano, se exaurisse[clxxv]. Também, sem que tivesse
concluído seu labor[clxxvi]. Deixou poucos artigos redigidos (118 do Título
Preliminar e 182 da Parte Geral), mas vastas anotações preparatórias[clxxvii].
O Ministro da Justiça, Conselheiro Lafayette, anotou no seu relatório
anual (1878) que recebeu da família do finado jurista os trabalhos
desenvolvidos. O próprio filho do Conselheiro anotou:
“Illm. Exm. Sr. – Encarregado por minha mãe e irmãos de examinar
os manuscriptos deixados por meu pae, tenho a honra de levar ao
conhecimento de V. Ex. que o projecto do código civil por ele contrata
com o Governo Imperial não se acha concluído. – Entre aquelles
papeis, ha dous livros definitivamente redigidos, contendo todas as
disposições ácerca da publicação, effeito e aplicação das leis do
Império e a parte geral do codigo: o mais consta de notas,
apontamentos, projectos especiaes de Lei, que sómente com tempo e
trabalho poderão ser reunidos systematicamente pondo-me eu para
esse fim á disposição do Governo Imperial. – Quando V. Ex. tiver em
seu poder essa parte definitivamente redigida, poderá avaliar o plano,
modo de execução, o methodo de trabalho adoptado por meu
pae.”[clxxviii]
Concluiu, entretanto, que não poderia tomar nenhuma ação sobre a
matéria antes de deliberação legislativa[clxxix].
Percebe-se destas que o político tomava como referência os Códigos
existentes, em especial o Chileno, o Português, o Austríaco e o da Luisiânia.
Igualmente, fazia referências ao Esboço de Teixeira de Freitas e a doutrina
estrangeira, inclusive um Cours d’Institutes et d’Histoire du Droit Romain,
de P. Namur[clxxx].
Um novo Ministro da Justiça, Conselheiro MANOEL PINTO DE SOUZA
DANTAS, anotou em seu relatório anual:
“O lamentavel passamento do notavel jurisconsulto a quem fôra
incumbido esse trabalho veio adiar por mais tempo o preenchimento
de uma lacuna que cada vez se torna mais sensível. Basta recordar a
deplorável anomalia de ainda nos regermos pelas Ordenações da
antiga metropole, que já conseguiu divorciar-se dessa legislação
defeituosa e antiquada, substituindo-a por uma codificação
systematica e mais adaptada ás necessidades da época e aos
progressos da jurisprudencia.”[clxxxi]
Como conclusão, porquanto não deixou registro escrito de seus
estudos, a obra “legislativa” de Nabuco de Araújo, ou melhor dizendo, o seu
projeto de Código Civil, não tem grande utilidade para o estudo da história do
direito, mas apenas para a história da codificação. Ainda assim, é notícia
interessante e que não pode passar desapercebida pelos cultores do direito
civil.
Capítulo 5:
Joaquim Felício dos Santos:
Conta o próprio JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS, advogado mineiro, que
se encontrava um dia de junho, do ano de 1878, na casa do então Ministro da
Justiça, Sr. LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA. Ali, questionou o ilustríssimo
jurista acerca das intenções do governo federal para a elaboração do Código
Civil. Lembrara-lhe tema, posto que o Conselheiro Nabuco morrera
recentemente[clxxxii].
Ao final da conversa, dispôs-se o mineiro a elaborar, por liberalidade,
um projeto com que auxiliar o governo, sugestão recebida com vozes de
incentivo pelo ministro[clxxxiii]. 
Curioso anotar que esse Ministro recebeu também, à mesma época, do
Visconde de Seabra – o mesmo que elaborou o Código Civil Português –
proposta de elaborar um código brasileiro. A proposta do Visconde de
Seabra, entretanto, foi rechaçada devido a uma polêmica jornalística acerca
da sua nacionalidade portuguesa[clxxxiv].
De qualquer sorte, o Min. LAFAYETTE foi logo substituído pelo Sr.
MANOEL PINTO DE SOUZA DANTAS. Em 18 de abril de 1880, Feliciano dos
Santos enviou carta ao novo ministro, perquirindo acerca da utilidade dos
trabalhos que empreendia. Uma vez que o próprio Sr. DANTAS leu ao Senado
dita carta, em 21 de julho do mesmo ano, entendeu o emitente que deveria
continuar seu labor[clxxxv].
FELICIANO DOS SANTOS apresentou o seu projeto em 1881, mesmo sem
contrato ou mesmo incumbência oficial, sob o título de Apontamentos para o
Projeto de Código Civil Brasileiro, com um total de 2.762 artigos[clxxxvi].
O seu projeto ficou assim dividido[clxxxvii]:
Parte Geral:
- Das pessoas;
- Das Coisas; e
- Dos Atos Jurídicos em Geral.
Parte Especial:
- Das pessoas;
- Das Coisas;e
- Dos Atos Jurídicos em Particular.
Uma comissão foi formada para analisar o projeto[clxxxviii], nomeada em
4 de julho de 1881[clxxxix]. Era integrada pelos Professores FRANCISCO JUSTINO
GONÇALVES DE ANDRADE e ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS, da Faculdade de São
Paulo, e ANTÔNIO COELHO RODRIGUES, da Faculdade de Recife[cxc], bem como
por ANTÔNIO FERREIRA VIANA[CXCI] e LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA[CXCII]. Foi
dirigida ao redator do projeto, à época, uma carta informando sobre o
recebimento do projeto pelo Imperador, e sobre a nomeação da comissão.
Declarou-se útil, nessa missiva, a presença do projetista:
“(...) o Governo Imperial acolheu com satisfação a louvavel tentativa
com que deu Vm. uma prova irrecusavel do seu amor ao trabalho e
zelo pelo bem publico. Cabe-me ainda previnil-o de que a mencionada
comissão terá de reunir-se brevemente, sendo de muita utilidade a
presença de Vm. para ministrar-lhe os esclarecimentos que ella
entender necessarios.”[cxciii]
O parecer, elaborado em 27 de setembro de 1881[cxciv], foi negativo. A
comissão explicou que a obra apresentada tinha grande valia e grande mérito,
mas que não cumpria os requisitos necessários para se converter em Lei[cxcv].
Ainda assim, esse parecer anotou diversas qualidades, entre outras:
(i) A equiparação do estrangeiro ao nacional, na aquisição e
exercício dos direitos civis;
(ii) Melhoria na condição jurídica da mulher;
(iii) Atém-se à liberdade religiosa, sobretudo no tocante ao
casamento; e
(iv) Plenitude da regulamentação acerca da propriedade[cxcvi].
Menos de dois meses depois, em 9 de novembro de 1881, a comissão
“provisória” – tinha apenas o propósito de analisar o projeto – foi convertida
em comissão permanente. Passava a existir, a comissão, até que um projeto
adequado fosse concluído. Para presidente, foi nomeado o Sr. LAFAYETTE
RODRIGUES PEREIRA. Os demais membros foram mantidos na comissão,
acrescentando-se, apenas, o Bacharel JOAQUIM FELICIANO DOS SANTOS, redator
do projeto original[cxcvii].
A comissão foi logo desfalcada pela saída dos Profs. RIBAS e JUSTINO.
Pouco depois, pelo próprio Felício dos Santos, que apresentou pedido de
demissão em 6 de março de 1882[cxcviii]. Da sua carta de desligamento, anota-
se certo desconforto pela forma como os trabalhos da comissão vinham sendo
levados[cxcix].
Apenas dez dias depois, em 16 de março de 1882, o Bel. FELÍCIO DOS
SANTOS apresentou o seu projeto à Câmara dos deputados. Poucos dias
depois, em 24 do mesmo mês, foi firmado, pelos Deputados ANTÔNIO FELÍCIO
DOS SANTOS – seu sobrinho –, MATTA MACHADO, J. VIEIRA DE ANDRADE,
MONTANDON, AFFONSO CELSO JUNIOR E SOARES, uma posposta para que o
projeto fosse levado a uma comissão especial, ao que foi direcionado à
Comissão de Justiça Civil para parecer[cc].
Não logrou êxito na Câmara, adormecendo o projeto na Comissão[cci].
Por fim, com a nomeação de LAFAYETTE PEREIRA para o ministério, em
24 de maio de 1883, cessaram as atividades concernentes ao Código Civil de
FELICIANO DOS SANTOS. Somente em 27 de fevereiro de 1886, entretanto, foi
legalmente dissolvida[ccii].
Entre 1884 e 1887 Feliciano dos Santos publicou um Comentário em
cinco volumes sobre o seu trabalho[cciii].
Em 1891, enquanto Senador, JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS conseguiu
reapresentar seu projeto ao Congresso[cciv]. Talvez esperasse que, já no
período republicano, tivesse chances de aprová-lo. Nesse caminho, inclusive,
o então Ministro da Fazenda T. DE ALENCAR ARARIPE, autoriza nova
publicação da obra pela Imprensa Nacional[ccv].
O projeto, entretanto, novamente não obteve resultados conclusivos.
Devido à larga discussão e à oposição de Campos Salles, bem com à
contratação de Coelho Rodrigues, em outubro do mesmo ano decidiu-se pela
retirada do Projeto de Lei para aguardar o novo trabalho a ser
apresentado[ccvi].
Quando o projeto de Coelho Rodrigues foi apresentado, o Senado
optou por este, abandonando finalmente a obra de Felício dos Santos[ccvii].
Capítulo 6:
Projeto de 1889:
Em 1889, antes da proclamação da República, o VISCONDE DE OURO
PRETO organizou um novo ministério. Foi indicado para a pasta da Justiça
CÂNDIDO DE OLIVEIRA. Menos de um mês após ser nomeado, em 01 de junho
de 1889[ccviii], o Ministro constituiu uma comissão para criar um novo Projeto
de Código Civil. Faziam parte da comissão, AFONSO AUGUSTO MOREIRA PENA,
OLEGÁRIO HERCULANO DE AQUINO E CASTRO, JOSÉ DA SILVA COSTA e ANTÔNIO
COELHO RODRIGUES[CCIX], bem como MANOEL PINTO DE SOUZA DANTAS e JÚLIO DE
ALBUQUERQUE BARROS[CCX].
A comissão foi estabelecida de forma que coube, a cada um de seus
membros, a elaboração de uma parte especifica do Código. COELHO
RODRIGUES, por exemplo, ficou encarregado do Direito de Família[ccxi]. Já
JÚLIO DE ALBUQUERQUE BARROS, o Barão de Sobral, ficou encarregado de
elaborar a Lei de Introdução[ccxii].
Chegaram a se reunir oito vezes, sob a presidência do próprio
Imperador D. Pedro II[ccxiii], em uma sala cedida para tanto no Paço[ccxiv].
Interessante anotar o comentário que fez COELHO RODRIGUES sobre essas
reuniões, e a crítica expressa:
“Esta comissão, que trabalhava com louvavel assiduidade, sob a
presidencia do Imperador, até ás vesperas da problamação da
Republica, aproveitou bem o seu tempo e pena é que o receio de
avolumar de mais este trabalho me impeça de introduzir nelle o resumo
do seu, com a devida venia dos companheiros, que collaboraram nella
sem remuneração do nosso Governo, cujo espirito de economia só se
tem feito sentir, até hoje, em relação ao Codigo Civil.”[ccxv]
ABELARDO LOBO relata que o Min. CÂNDIDO DE OLIVEIRA lhe contou,
certa vez, que o monarca planejava comemorar o jubileu de seu reinado, em
1890, com a promulgação do Código Civil e com a abolição da pena de
morte[ccxvi].
Foi dissolvida a comissão pelo Aviso de 20 de novembro de 1889,
i.e., imediatamente após a proclamação da república[ccxvii]. Fê-lo, o Governo
Provisório, sob a alegação de que as Leis Civis deveriam ser competência dos
estados, e não da União[ccxviii]. Ainda assim, já havia sido elaborado bastante
trabalho[ccxix].
Capítulo 7:
Coelho Rodrigues:
Conta COELHO RODRIGUES que, tendo recebido notícias de que o
Governo Provisório pretendia deixar aos Estados a incumbência de elaborar
cada um suas Leis Civis, correu para demonstrar às autoridades o grande
prejuízo que isso poderia causa, mormente em relação às questões de família.
Nesse contexto, foi incumbido pouco depois de redigir um projeto de lei para
criar o casamento civil. Resultou, desse labor, o Decreto nº 181/1890[ccxx].
Ainda em 1889, o novo Ministério da Justiça do Governo
Republicano, confirmou como atribuição do Congresso Nacional o poder-
dever de legislar sobre as normas civis, no prazo de cinco anos. Aos estados
cabia o direito de fazer alterações, adaptando a Lei federal às suas respectivas
realidades[ccxxi].
Em 15 de Junho de 1890, CAMPOS SALES, o mesmo Ministro da Justiça
que dissolveu a Comissão de 1889, voltou atrás em sua tese de soberania dos
Estados e contratou ANTÔNIO COELHO RODRIGUES para elaborar um novo
projeto de Código Civil[ccxxii].
O contrato foi firmado em 12 de julho de 1890[ccxxiii], mas o jurista
dispunha de três anos para elaborar um projeto, contados de 1º de setembro
de 1890[ccxxiv].
Segundo relata o próprio contratado, a intenção inicial do Governo era
um prazo de um ano, o que ele demonstrou ser pouco; conseguiu o prazo de
três anos, com a promessa de encurtá-lo tanto quanto possível. COELHO
RODRIGUES também explica que a postergação do início do contrato para
setembro visava lhe garantir um prazo mínimo para liquidar o seu escritório e
pôr os negócios em ordem, o que lhe permitiria viajar à Europa e dedicar-se
integralmente à empresa. Nesse contexto, registra que aceitar realizar o
projeto de Código Civil foi um péssimo negócio do ponto de vista
econômico, pois à época tinha renda mensal superior a um conto de réis
exclusivamente dos cargos e comissões que tinha, sem contar com os
rendimentos do escritório de advocacia[ccxxv].
Na sua cláusula segunda, o contrato estabeleceua seguinte orientação
para o jurista:
“O contractante consolidará, quanto convenha, o direito vigente,
reformará o que convier alterar, substituir ou supprimir, e
accrescentará o que faltar á legislação actual, de acôrdo com a
experiência das nacções civilizadas e com as necessidades da situação
do Brasil”[ccxxvi]
Decidido a distanciar-se da política e da advocacia, para dedicar-se
exclusivamente à elaboração do Código[ccxxvii], o novo contratado viajou então
para a Suíça, onde elaborou o projeto. Inspirou-se profundamente no Código
Civil de Zurich[ccxxviii].
Por outro lado, COELHO RODRIGUES anotou que a sua mudança para o
país europeu também trouxe contratempos: ainda em agosto de 1891 teve um
“incommodo” que o impedia de ficar sentado, de forma que só pode
continuar o labor após adquirir uma mesa que o permitia escrever em pé;
ainda, o frio inverno fez com que aumentasse o consumo de café e de
charuto, bem como os dias curtos exigiam a iluminação por luz de gás,
elementos que, em conjunto, o debilitaram[ccxxix].
Concluiu o seu projeto em 28 de agosto de 1892, mas só findou a
revisão em 11 de janeiro de 1893[ccxxx], na cidade de Genebra[ccxxxi].
A sua mudança para o estrangeiro, entretanto, teve repercussão
negativa em solo pátrio. Para os juristas da época, o distanciamento da
realidade brasileira e a influência europeia tão direta – quando já era
suficientemente forte deste lado do Atlântico – viriam a desabonar o
projeto[ccxxxii].
O próprio autor, por outro lado, demonstrou que receava a forma
como o projeto seria recebido no Brasil. Efetivamente, afirma que – mesmo
com o projeto pronto – só anunciou a sua conclusão em 16 de janeiro de
1893, quando recebeu notícia da demissão do então Ministro da Justiça, o sr.
FERNANDO LOBO. Explicou em seus comentários ao seu próprio projeto que
esse Min. era conterrâneo e amigo íntimo de Felício dos Santos[ccxxxiii].
Não sem razão o seu receio. Conforme seus relatos, o seu retorno ao
solo nacional não pareceu ter sido bem visto. Por um lado, tendo chegado no
Rio de Janeiro no dia 22 de fevereiro de 1893, tentou se reunir com o
Presidente já nesse mesmo dia, e novamente no dia 23, para apresentar
pessoalmente o projeto, sempre sem resultado. Visitando então o Ministro da
Justiça no dia 23, foi recebido sem atenção, e o mesmo sequer quis receber o
manuscrito, solicitando que o projetista o levasse ao Diretor da Typographia
Nacional. Este, enfim, tampouco foi encontrado nas primeiras tentativas, só
sendo recebido no dia 25. De qualquer sorte, remeteu o jurista ao diretor das
oficias de impressão, que postergou-as até o dia 28 de março[ccxxxiv].
De qualquer sorte, o projeto foi entregue impresso ao governo ainda
nesse ano de 1893[ccxxxv], com 2.734 artigos[ccxxxvi] e a seguinte estrutura[ccxxxvii]:
Parte Geral:
- Das pessoas;
- Dos bens;
- Dos atos e fatos jurídicos;
Parte Especial:
- Das obrigações;
- Da posse, da propriedade e dos outros direitos reais;
- Do direito de família;
- Direito das Sucessões.
A Comissão encarregada de analisar o Projeto só foi constituída em
31 de maio de 1893[ccxxxviii]. Sob a relatoria do Dr. TORRES NETTO, do Instituto
dos Advogados, foi contrária à sua aceitação[ccxxxix]. Houve vasta discussão,
com resposta do autor, réplica pela Comissão e, inclusive, tréplica do Sr.
COELHO RODRIGUES[CCXL]. Este atacou a idoneidade dos membros da Comissão,
argumentando que eles não eram isentos para analisar o projeto, visto que se
tratavam de inimigos pessoais seus[ccxli].
O governo de FLORIANO PEIXOTO, não tendo o projeto sido aceito pela
comissão, também não o aceitou[ccxlii]. Efetivamente, o Min. da Justiça,
FERNANDO LOBO, não o remeteu ao Congresso e tampouco pagou o prêmio
acordado na contratação[ccxliii].
Este, sendo Senador pelo Piauí, reapresentou seu trabalho ao
Senado[ccxliv].
Uma comissão especial foi nomeada para analisar o projeto,
comparando-o àquele de FELÍCIO DOS SANTOS[CCXLV]. Essa Comissão parlamentar
concluiu favoravelmente à obra de COELHO RODRIGUES, decidindo que ela
serviria de base para um Código Civil. Chegou a receber parecer positivo,
constituindo-se o Projeto nº 35 do Senado, datado de 06 de novembro de
1896[ccxlvi], no qual se autorizou a contratação de um jurista ou de uma
comissão, para rever o projeto de COELHO RODRIGUES[CCXLVII]. A Câmara dos
Deputados, entretanto, não deu o devido andamento à proposta do
Senado[ccxlviii], de sorte que, ao final dos trabalhos, o Congresso reiterou a
posição de rejeitar o projeto[ccxlix].
O autor chegou mesmo a propor ação judicial contra a União. A lide,
contudo, também restou decidida em seu desfavor[ccl].
Esse projeto, todavia, teve grande influência na elaboração do Código
de CLÓVIS BEVILAQUA, como nos conta MOREIRA ALVES[CCLI]. O próprio autor do
Código aprovado escreveu, sobre o Projeto de Coelho Rodrigues: “Trabalho
de incontestável merecimento, estava, perfeitamente nas condições de se
converter em lei”[cclii]. Inclusive, na carta-convite que enviara EPITÁCIO PESSOA
ao novo codificador, incitava-o a utilizar o trabalho de COELHO RODRIGUES
como base[ccliii].
Igualmente, PAULO LACERDA anota que o projeto era “de grande
merecimento” e que foi infeliz “a recusa governamental e o acirramento dos
ânimos, qual si se tratasse de questão de outra natureza”, que não de falhas
jurídica do projeto[ccliv].
Enfim, é interessante anotar que COELHO RODRIGUES publicou uma
versão de seu projeto em 1897, precedida de comentários sobre o mesmo e
sobre os projetos anteriores. Dele, é possível notar que – a despeito de todo o
acontecido – ele mantinha um claro carinho pela empreitada[cclv].
Capítulo 8:
Outros projetos:
JOSÉ DE ALENCAR:
Anota V. BARBUY[CCLVI] que JOSÉ DE ALENCAR esboçou um projeto de
Código Civil, o qual pode ser encontrado em sua obra “Esboços Jurídicos”.
O seu projeto era dividido em:
TÍTULO PRELIMINAR – Do estado civil – Noção –
Divisão
Capítulo I – Da lei civil
Capítulo II - Dos direitos civis
Seção I - Noções geraes
Seção II - Das condições dos direitos
Capítulo III - Do registro civil
TÍTULO I - Das pessoas
Capítulo I - Do modo da existência
Capítulo II - Do tempo da existencia
Capítulo III - Do lugar da existência
TÍTULO II - Da liberdade
Capítulo I - Do modo
Capítulo II - Do tempo
Capítulo III - Do lugar
TÍTULO III - Da propriedade
Capítulo I - Do modo da propriedade
Capítulo II - Do tempo da propriedade
Capítulo III - Do lugar da propriedade.
Ainda segundo esse pesquisador,
“José de Alencar não admitiu, no projeto inacabado de Código Civil
em apreço, a existência de direitos reais, considerando que não existe
direito real, sendo, com efeito, todo direito pessoal, posto que todo ele
recai sobre uma pessoa, ainda que tenha por objeto uma coisa (artigo
10 da seção I do Capítulo II do Título Prelminar).”[cclvii]
De qualquer sorte, registra que esse esboço foi muito pouco
desenvolvido pelo romancista. Não há registro, por outro lado, de que esse
projeto tenha sido desenvolvido com qualquer caráter oficial. Não foi
contratado para o projeto nem o oferecera ao governo.
Ainda assim, tem valor como doutrina, apontando a posição e a
opinião jurídica de um grande personagem da história brasileira.
VISCONDE DE SEABRA:
O VISCONDE DE SEABRA foi um dos principais autores do Código Civil
português de 1867[cclviii]. Anota CLÓVIS BEVILAQUA que o projeto daquele tinha,
em sua redação original, continha diversas disposições acerca do direito das
ações e do processo. A comissão revisora no país europeu se opôs à inovação,
tanto que o Código foi aprovado sem essas matérias[cclix].
Enfim, o VISCONDE DE SEABRA ofereceu ao Imperador os primeiros
trabalhos de um projeto de Código Civil. As fontes divergem em relação ao
ano: (i) se em 1871[cclx], antes da contratação de Nabuco de Araújo e pouco
após a aprovação do Código Civil Português; ou (ii) se em 1881[cclxi], após a
morte de Nabuco, à época da apresentação do Projeto de Feliciano dos
Santos.
De qualquer sorte, o manuscrito do VISCONDE continha apenas 392
artigos. Não houve, entretanto, qualquer

Continue navegando