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Introdução à Filosofia José Adir Lins Machado © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Imagens Adaptadas de Shutterstock e iStock. Todos os esforços foram empregados para localizar os detentores dos direitos autorais das imagens reproduzidas neste livro; qualquer eventual omissão será corrigida em futuras edições. Conteúdo em websites Os endereços de websites listados neste livro podem ser alterados ou desativados a qualquer momento pelos seus mantenedores. Sendo assim, a Editora não se responsabiliza pelo conteúdo de terceiros. Presidência Rodrigo Galindo Vice-Presidência de Produto, Gestão e Expansão Julia Gonçalves Vice-Presidência Acadêmica Marcos Lemos Diretoria de Produção e Responsabilidade Social Camilla Veiga 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Machado, José Adir Lins M149i Introdução à filosofia / José Adir Lins Machado. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2020. 192 p. ISBN 978-85-522-1674-2 1. Tales de Mileto. 2. Pitágoras de Samos. 3. Sócrates. I. Título. CDD 107 Jorge Eduardo de Almeida CRB-8/8753 Gerência Editorial Fernanda Migliorança Editoração Gráfica e Eletrônica Renata Galdino Luana Mercurio Supervisão da Disciplina Tatiana Gomes Martins Revisão Técnica Mateus Betanho Campana Tatiana Gomes Martins Sumário Unidade 1 Noções básicas de filosofia: indagar e questionar a realidade ................................................................................... 7 Seção 1 Senso Comum ..................................................................................... 9 Seção 2 Filosofia ..............................................................................................23 Seção 3 Ciência ...............................................................................................37 Unidade 2 Histórico do pensamento filosófico ..........................................................55 Seção 1 Filosofia antiga ..................................................................................57 Seção 2 Filosofia moderna .............................................................................70 Seção 3 Filosofia contemporânea .................................................................85 Unidade 3 Campos de estudo da Filosofia ...............................................................102 Seção 1 Epistemologia .................................................................................104 Seção 2 Política .............................................................................................118 Seção 3 Ética .................................................................................................130 Unidade 4 Identificação dos principais problemas e postulados filosóficos ...............................................................................147 Seção 1 Helenismo .......................................................................................149 Seção 2 Fenomenologia ..............................................................................161 Seção 3 Existencialismo ..............................................................................173 Palavras do autor Parafraseando José Ortega y Gasset (1883-1955), segundo o qual “o homem é ele e suas circunstâncias”, poderíamos afirmar que o homem é ele e os seus pensamentos (ORTEGA Y GASSET, 1967, p. 52; SANTOS, 1998/1999). Ou seja, não seríamos nada além de um cérebro emoldu- rado por um corpo. Nesse sentido, nossos projetos, sonhos, valores, etc., seriam reflexos dos nossos pensamentos. Daí a necessidade de filtrar (fazer passar pela crítica) tudo aquilo que vai nos compor. E é aqui que a disci- plina Introdução à Filosofia pretende ajudar você, despertando o seu senso crítico-reflexivo. Similarmente ao que acontece com uma mente que se abre a um novo conhecimento e não volta a ser a mesma, também no âmbito acadêmico, por meio das pesquisas e descobertas, o conhecimento se desenvolve, cresce e se transforma. Não se espera nada diferente de um acadêmico de nível superior que busca conhecimento suficiente para desempenhar bem a sua função, pois a ele caberá crescer, desenvolver-se e, de certo modo, transformar-se em outra pessoa. Tal transformação será mais perceptível quando vier acompa- nhada do desenvolvimento do senso crítico, reflexivo e profundo, possibili- tados pela filosofia, quando bem estudada. Desse modo, essa disciplina buscará ser uma ferramenta para o desenvol- vimento de sua visão crítica, auxiliando-o na compreensão e interpretação da realidade e oferecendo referenciais para as suas tomadas de decisões. Para isso, apresentaremos os diversos tipos de conhecimento por meio do estudo dos períodos históricos da filosofia, seus principais pensadores e a temática discutida por eles, as abordagens mais significativas das mais diversas áreas da atuação filosófica, refletindo acerca da contribuição das escolas e correntes da filosofia diante de problemáticas pontuais. Assim sendo, propomos, na primeira unidade, apresentar as noções básicas de filosofia distinguindo-a de outras modalidades de conheci- mento, quais sejam o senso comum e o conhecimento científico. Na segunda unidade, abordaremos as fases que compõem a história da filosofia; na terceira, serão apresentadas as áreas de estudos da filosofia; e, por fim, na quarta unidade, trataremos das correntes filosóficas. Cada unidade será norteada por uma Situação Geradora de Aprendizagem e cada seção por uma Situação Problema, visando maior assimilação e aplicabilidade dos conheci- mentos abordados. Por fim, o convidamos a refletir sobre o que disse René Descartes (1596-1650): [...] viver sem filosofar é como ter os olhos fechados sem jamais fazer esforço para abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que nossa vista descobre não é comparável à satis- fação que dá o conhecimento daquelas que se encontram pela filosofia; e seu estudo é mais necessário para regular nossos costumes e nos conduzir na vida que o uso dos nossos olhos para guiar nossos passos. (DESCARTES, 1997, p. 16) Unidade 1 José Adir Lins Machado Noções básicas de filosofia: indagar e questionar a realidade Convite ao estudo Caro aluno, possivelmente você já ouviu falar das meninas lobo, Amala e Kamala, encontradas, em 1920, nas proximidades de uma floresta na Índia. Supõe-se que elas haviam se afastado de seus pais e, embrenhando-se na floresta, foram “raptadas” por uma espécie de lobo que tem proximidade de convivência com humanos. Desse modo, com o passar do tempo, elas adaptaram-se à vida com os lobos. Esse caso é interessante, pois ilustra o quanto somos fruto da educação, do contexto, da cultura, etc., a que nos encontramos inseridos. Segundo relatos, essas meninas não falavam, apenas rosnavam, não caminhavam de modo ereto, comiam carne crua colocadas no chão e sem usar as mãos, uivavam para lua, não choravam e nem riam e não tinham nenhuma expressão facial. Não somos totalmente determinados pelos elementos externos, mas, com certeza, somos influenciados parcialmente, em maiores ou menores graus. Nossa infância, nossa família, nossa escola, nossos amigos, etc., tudo isso repercute em nosso modo de ser. A primeira repercussão se dá pelo senso comum, contudo, essa modalidade de conhecimento não é aúnica. A ela se somam visões religiosas, filosóficas e científicas, resultando em um amálgama de visões de mundo que, embora muito presentes, nem sempre são percebidas. Nessa primeira unidade trabalharemos, portanto, as seguintes modali- dades de conhecimento: senso comum (δόξα [doxa], para os gregos) e filosofia e ciência (επιστήμη [episteme], para os gregos), mostrando que o conhecimento transforma os nossos pensamentos e acaba nos transfor- mando também, assim como toda a nossa vida. Para isso, nos valeremos da contribuição do filósofo norte-americano Hilary Putnam (1926-2016) que problematiza a questão do conhecimento, da verdade e da certeza por meio de uma ficção conhecida como Cérebros em cuba (PUTNAM,1992, p. 28). Ele propõe imaginarmos que transplantes de cérebros já fossem possíveis e, assim como acontece com transplantes de corações, seria necessário preservá-los em condições especiais até o momento da cirurgia. Os cérebros, então, ficariam nas cubas de um laboratório cientí- fico e, para não parar o seu funcionamento/pensamento, seriam ligados a terminais nervosos (circuitos elétricos) que criariam, por intermédio de um programa de computador, uma realidade virtual. Desse modo, esses cérebros não teriam consciência de que se encontram nessa situação e jamais se reconheceriam vivendo uma realidade virtual e não real. E já imaginou se você fosse esse cérebro? Como você pode ter absoluta certeza de que você não se encontra nessa situação? 9 Seção 1 Senso Comum Diálogo aberto Você sabia que, o planeta terra tem, aproximadamente, 4,5 bilhões de anos e que o ser humano, o Homo Sapiens, deve ter surgido entre 100 e 150 mil anos apenas? E que somente há 38 mil anos o ser humano aprendeu a falar? Ou seja, durante dois terços da existência da nossa espécie nós não nos comunicávamos verbalmente. O que, do ponto de vista anatômico-fisioló- gico, está relacionado à ausência do osso hioide. Nesse sentido, o que é a fala? É uma vibração das ondas que chegam até ao nosso ouvido e, por meio da ação de três ossos – martelo, bigorna e estribo – sobre a cóclea, damos sentidos a essas ondas. Portanto, poderíamos cogitar que jamais saberemos se todos nós ouvimos do mesmo jeito, sabemos apenas que damos o mesmo sentido às vibrações que chegam aos nossos ouvidos. Isso nos ajuda a percebermos que até mesmo as coisas mais básicas, aquelas que nos parecem inquestionáveis, podem sim ser questionadas. Esse é um dos papéis da filosofia, questionar até mesmo o que parece óbvio. Como diz Paulo Ghiraldelli, “é desbanalizar o banal” (GHIRALDELLI, 2019). E mais, você já percebeu que as letras não têm som algum e nem signifi- cado em si, mas que somos nós que atribuímos sons e sentidos a elas? Já se deu conta de que elas não passam de riscos ou sinais e que somente se tornam palavras quando as juntamos, as pronunciamos e as associamos a objetos e realidades que são construídas na nossa mente e que fazemos isso há apenas 6 mil anos? O mesmo pode estar acontecendo com o mundo à nossa volta, ele pode não ter nenhum sentido (o chamado niilismo nietzschiano – nihil em latim é nada, nenhum, sem), mas nós aprendemos a dar sentido a tudo o que nos cerca e passaremos o resto da vida fazendo isso sem perceber que o fazemos. Nietzsche (1844-1900) afirmava que o mundo tem apenas o significado que nós damos a ele. Depois disso, passamos a acreditar que ele sempre teve esse significado “em si” e não conseguimos perceber que na verdade esse signifi- cado foi construído (REALE, 2006, p. 14). Tais certezas podem ser religiosas, políticas, éticas, científicas, etc. Talvez devêssemos aprender com Sócrates, ele alegava não ter tantas certezas. É com essa premissa que gostaríamos que você tivesse contato com o conteúdo desta unidade, sobretudo, desta seção, pois nela vamos refletir sobre o senso comum. Para tal, propomos a seguinte situação: imagine 10 que um avião caiu no meio da floresta amazônica, e Peter – um curandeiro australiano analfabeto, nascido e criado em contato com a natureza – junto de Yussef – um israelita que estaria vindo passar férias no Brasil, após concluir o doutorado em ciência da computação em Harvard – sobreviveram à queda e agora enfrentam os desafios da floresta. Aparentemente, qual dos dois têm mais chances de sobrevivência? Você concorda que todas as modalidades de conhecimentos são impor- tantes e que, em determinados momentos da vida, nos valemos mais de umas ou de outras? Algo parecido com os nossos gostos musicais. Normalmente, dependendo do lugar onde nos encontramos e até mesmo do nosso estado emocional, um determinado tipo de música poderá parecer mais ou menos apropriado. Podemos afirmar que aqueles que se guiam pelo senso comum tendem a acreditar que o mundo só pode ser do modo que é apreendido por eles? Será que aqueles que se guiam pelo conhecimento científico não se consi- deram superiores e em melhores condições de oferecer respostas satisfatórias ao mundo? Isso até pode ocorrer, mas certamente não define uma forma de pensamento como superior a outra. Não pode faltar Algum dia você já se perguntou o que é o conhecimento? Pode ser que você ache tão natural conhecer as coisas que nem sequer se propôs tal pergunta. Em linguagem filosófica o conhecimento é um modo de compre- ender e explicar o mundo. Esse processo envolve o sujeito cognoscente (aquele que conhece) e o objeto cognoscível (aquele que é conhecido). O propósito desse processo é alcançar a verdade. Compreender é assimilar, apossar-se, captar o mundo fora da nossa mente e trazê-lo para dentro de nós, atribuindo-lhe significado; e explicar é expor esse significado, do modo mais verdadeiro possível. E o que é a verdade? O nosso conceito de verdade comporta compre- ensões oriundas das culturas latina, grega e hebraica. Em língua latina, verdade é véritas e significa relato fiel aos fatos, quando se descreve aquilo que realmente aconteceu. É uma narrativa fiel (passado). Em língua grega, verdade é aletheia e significa algo que não muda e que está sempre presente, ou seja, eterno e imutável (presente). Em língua hebraica, verdade é emunah e significa confiar e esperar naquilo que foi revelado e prometido, pois, nesse sentido, quem é fiel e verdadeiro cumpre com suas promessas (futuro). O conhecimento tanto pode ser prático quanto teórico. O conhecimento prático se efetiva por meio de uma única modalidade, a técnica (oriundo 11 de τέχνη, pronúncia: técne., palavra de origem grega correspondente ao conceito latino de arte). O conhecimento teórico ocorre de quatro modos diferentes: senso comum, religião, filosofia e ciência. Começaremos com o estudo acerca do senso comum. Dica Para você assimilar mais facilmente as modalidades de conhecimentos pode valer-se da própria mão: quatro dedos de um lado e um separado, correspondendo aos quatro conhecimentos teóricos (ou abstratos) e um prático (saber fazer). A arte e o artesanato são um saber fazer, assim como a técnica; trata-se, portanto, de um conhecimento prático. Existe uma anedota que relata o caso de um barqueiro analfabeto, a qual pode ilustrar o que pretendemos abordar. A anedota do barqueiro (ou da canoa, por vezes atribuída a Paulo Freire) apresenta o caso de um homem que nasceu e cresceu em um determinado lugar do interior e acabou não tendo acesso à escola. Entre outras coisas práticas, ele aprendeu a nadar e a remar, adquiriu um barquinho e, assim, desempenhava o seu ofício fazendo a travessia das pessoas de uma margem a outra de um rio. Um dia foi trans- portar um advogado e uma professora. Durante a travessia, os passageiros lhe deixaram claro que ele havia perdido grande parte de sua vida por não ter adquirido conhecimentos acadêmicos, técnicos, profissionalizantes, etc.; mas quando o barco começou a afundar, percebendo que nenhum dos passageiros sabia nadar, o barqueiro lamenta e informa que eles não perderão apenas grande parte das suas vidas, mas a vida toda. Ou seja,naquele momento, naquela situação, os diplomas e os títulos não ajudariam em nada, o conheci- mento mais importante era oriundo do senso comum: saber nadar, e ele era o único que sabia (FREIRE, 2019). É claro que isso não significa que não devamos nos esforçar para adquirir conhecimentos, mas que devemos respeitar todas as modalidades de conhe- cimento e, acima de tudo, respeitar os seres humanos pela dignidade que lhes é inerente independentemente do grau de escolaridade, do saldo bancário, ou dos seus traços físicos. O senso comum é a primeira modalidade de conhecimento, talvez tão antigo quanto a humanidade. É a primeira forma de compreensão do mundo, e nele se faz presente a racionalização (racionalização é o parâmetro último – também chamado de “paradigma da racionalidade” – utilizado para dar sentido às coisas) do grupo, da cultura (ou da sociedade) em que nos encon- tramos (SOUZA, 1998). Por isso a sua primeira manifestação se dá por meio 12 do mito (mytheo em grego é narrativa, relato), uma narrativa fantasiosa, porém, amparada em uma preocupação válida de explicar a realidade. O senso comum normalmente é transmitido pela tradição, pela oralidade e pelos costumes, por vezes, até de modo inconsciente. Para alguns, o senso comum é tão espontâneo que é considerado natural, é como se não pudesse ser diferente, ou seja, como se fosse a forma de conhecimento original, em si. Senso significa sentido; comum porque é compartilhado pela maioria das pessoas. É a “expressão para designar as crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em que todos os homens acreditam ou devem acreditar” (ABBAGNANO, 2007, p. 873). Desse modo, podemos entender o senso comum como sendo a capacidade que temos de darmos sentido ao mundo, às coisas e à realidade que os cerca. É um conhecimento oriundo e formado a partir do cotidiano. Gilberto Cotrim (1996, p. 45) afirma ser um conheci- mento sem fundamentação, ou seja, popular e corriqueiro. O senso comum tem como características (CHAUÍ, 2000, p. 315): • A subjetividade, que é a maneira como cada um vê e interpreta o mundo e os eventos em si. São as opiniões, muitas vezes aceitas sem um questionamento quanto às suas fundamentações racionais. • A espontaneidade, pois o senso comum não é resultante de nenhuma modalidade de conhecimento elaborada, analisada e refletida, mas surge a partir daquilo que se observa. Normalmente tem como ponto de partida os sentidos. • A imediaticidade, já que no senso comum não existe nada que faça a mediação, essa apropriação é direta, tal qual os sentidos captam. • A superficialidade, visto que o senso comum não aprofunda, não problematiza a reflexão abordada, fica apenas na superfície, na aparência, pois, como já foi dito, não existe a preocupação com a sua fundamentação. • A acriticidade: a palavra crítica tem o sentido de filtragem, purifi- cação. Nesse sentido, o senso comum não filtra seus conceitos, sendo, então, um pensamento sem crítica (o prefixo “a” na língua grega significa não, sem nenhum). Assim, recebe (ou percebe) o mundo e o aceita sem muitos questionamentos. 13 Assimile De acordo com Marilena Chauí: Em geral julgamos que a palavra crítica significa “ser do contra”, dizer que tudo vai mal, que tudo está errado, que tudo é feio ou desagradável. Crítica remete a mau humor, coisa de gente chata ou preten- siosa que acha que sabe mais que os outros. Mas não é isso que a palavra quer dizer. [...] A palavra crítica vem do grego e possui três sentidos principais: 1) capaci- dade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2) exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem prejulgamento; 3) atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra artística ou científica (Grifos da autora). (CHAUÍ, 2014, p. 17) Maria Lúcia A. Aranha e Maria Helena P. Martins nos lembram que Chamamos senso comum ao conhecimento adquirido pela tradição, herdado dos antepassados e ao qual acrescen- tamos os resultados da experiência vivida na coletividade a que pertencemos. Trata-se de um conjunto de ideias que nos permite interpretar a realidade, bem como de um corpo de valores que nos ajuda a avaliar, julgar e portanto agir (sic). (ARANHA; MARTINS, 1999, p. 35, grifos das autoras) Esse “conjunto de ideias” pode ser nosso, sem nos referirmos necessa- riamente às ideias de outras pessoas que se dedicaram mais ao tema e se aprofundaram, ou seja, dos estudiosos, pesquisadores e pensadores. Portanto, esse conjunto de ideias não exige fundamentação e pode exprimir opiniões e sentimentos individuais. Talvez você se pergunte: se as nossas opiniões não contam e se os primeiros pensadores/cientistas não dispunham de nenhuma teoria para corroborar as suas ideias, não tinham nenhum livro escrito para pesquisar, nenhum material didático para dar sustentação às suas visões, como teve início o conhecimento objetivo crítico-reflexivo? 14 A primeira fundamentação do conhecimento se deu por meio da dialética, como veremos na próxima seção, uma técnica de argumentação pautada pelo embate de ideias que deveria aproximar os debatedores à verdade (aletheia). Era uma maneira de purificar as ideias de possíveis distorções. Trata-se de uma técnica que exige muita maturidade de quem debate, pois exige que se tenha um amor à verdade acima do apego às próprias opiniões. Imagine que um dos debatedores seja apegado às suas ideias e acabe não percebendo que ela é infundada, então, a dialética permitiria purificar esse conceito, deixan- do-o mais próximo da verdade. Nesse contexto era recomendável a busca da verdade, o amor à verdade, mas não o apego às próprias verdades (leia-se opiniões). Agora você entende o motivo pelo qual Sócrates dizia que é preciso amar a verdade, mas não a defender. Normalmente, os primeiros filósofos veem de modo bastante negativo as opiniões (doxa, para eles). Reflita A ausência de fundamentação racional não é exclusividade do senso comum, pois as interpretações míticas e religiosas do mundo também prescindem desse elemento. Via de regra, essas modalidades de conhe- cimento têm uma excessiva confiança no relato transmitido, ou por conta de uma mentalidade fantasiosa, ou, ainda, pela autoridade da pessoa que relata o fato. Podemos usar como exemplos tanto o poeta mítico quanto os profetas bíblicos. A filosofia tem como fundamentação o λόγος (logos, razão), a racionali- dade; ou seja, tudo aquilo que pode ser compreendido, analisado, que tem nexo, que tem lógica, que pode ser objeto de indagações filosó- ficas. Já a ciência se fundamenta na verificação, na comprovação; ou seja, só aceita como verdadeiro aquilo que é possível de ser averiguado a partir de critérios considerados científicos, etc. Você já pensou quanta coisa você aceita sem questionar se elas têm ou não uma base, uma fundamentação? Se é difícil, por exemplo, aceitar o mistério da Santíssima Trindade (do ponto de vista racional, logica- mente e não da fé), também não deveria ser fácil aceitar que, antes do Big Bang, toda a matéria do universo se condensava em uma minús- cula parte, do tamanho de uma cabeça de alfinete. Se os primeiros recusarem os segundos e os segundos rechaçarem os primeiros, não seriam ambos dogmáticos, presos às suas próprias compreensões e intolerantes com as diferenças? Segundo Aristóteles o processo de aquisição de conhecimentos segue um percurso: os nossos sentidos captam o mundo, o nosso cérebro registra o que foi captado e a nossa linguagem o expõe (ARANHA; MARTINS, 2008, 15 p. 109; FIORILLO, 2011, p. 28). Os conhecimentos tanto podem se originar via dedução (do geral para o particular, por exemplo, fórmulas matemáticas) quanto da indução (do particular para o geral, por exemplo, as experiências da física). Aristóteles chegou a admitir que a intuição poderia servir como funda- mentação do conhecimento (ARISTÓTELES apud REALE, 1990, p. 216). Segundo o Dicionário Abbagnano (2007, p. 851), aintuição pode ser definida como uma inspiração divina, um insight, uma iluminação interior que não comporta explicações. É algo que surge, aparentemente, do nada, espontaneamente. E, surpreendentemente, muitas descobertas ocorreram desse modo. Isso fez com que alguns filósofos – como Paul Feyerabend, Joseph Agassi e Jacques Monod, entre outros – viessem a questionar a necessidade de uma metodologia científica (REGNER, 1996). Temos, também, alguns pensadores que defendem a existência de temas que se tornaram científicos terem se originado a partir de reflexões pautadas pelo senso comum. Pode acontecer de o senso comum ser chamado de conhecimento empírico (empeiria em grego, εμπειρία, significa experiência), mas é recomendável tomar bastante cuidado com essa denominação, pois a partir da idade moderna o termo empírico passa a ser vinculado ao conhecimento adquirido por meio de experiências conduzidas metodologicamente mais do que experiências de vida, ou do cotidiano. E quando o senso comum é assim chamado refere-se à essa segunda conceituação. Dica • Acerca das descobertas intuitivas, há um livro intitulado O acaso e a necessidade, escrito por Jacques Monod que trata dessa questão e procura mostrar que muitas descobertas se deram por acaso (consulte as referências). • O filme O enigma de Kaspar Hauser, de 1974, do diretor alemão Werner Herzog, conta a história, supostamente real, de um menino encontrado numa praça de Nuremberg em 1828, com 15 anos de idade. Ele teria vivido isolado até essa idade e, portanto, tinha pouca influência da sociedade sobre o seu comportamento. Isso nos leva a refletir acerca de como o conhecimento é fruto do contexto. O senso comum, muitas vezes ocorre de modo intuitivo captando a realidade em um âmbito global, holístico (hólos em grego é todo, portanto, abrangente, captando tudo de uma só vez) e heurístico (procedimentos de resolução sem padronização, sem estratégias pré-definidas, realizados de modo automático). Pode ser eficaz, mas não consegue explicar como alcança os resultados pretendidos, apenas os alcança. 16 Exemplificando Conta-se que uma empresa de creme dental enfrentava um problema para se adequar aos padrões de qualidade exigidos pelo mercado: algumas caixinhas estavam sendo empacotadas sem o creme dentro. Para sanar esse problema contrataram profissionais da área da compu- tação, os quais, após longo de tempo de análise, estudo, verificação e muito investimento financeiro, desenvolveram uma balança hipersen- sível que foi acoplada logo abaixo da esteira e, assim, quando a caixinha vinha sem o tubo de creme, a balança acusava uma diferença de peso e a esteira automaticamente desligava. Cabia aos funcionários retirar a caixinha da esteira e religar a máquina. Depois de um tempo foi consta- tado que a balança estava desligada e ao buscar o motivo desse desli- gamento ouviram dos funcionários: essa balança estava atrapalhando o nosso trabalho, pois a todo momento parava a esteira; diante disso, resolvemos colocar um ventilador próximo da esteira e sempre que uma caixa vazia passa por ali o ventilador a empurra para fora da esteira. Esse relato serve para nos mostrar que não se deve menosprezar o conhecimento oriundo do senso comum. Outra história conta que alguns engenheiros desenvolveram uma máquina para ser usada na construção civil que servia para rebocar colunas arredondadas. Depois de um tempo perceberam que os funcio- nários não usavam mais a máquina por ser muito pesada e de difícil manuseio, mas cortaram o aro de uma bicicleta, colocaram ao redor da coluna, uniram as duas partes do aro com parafusos, colocaram ao lado dele dois suportes para poder levantá-lo, e desse modo rebocavam a coluna de forma homogênea, rápida, menos cansativa e mais barata. Mais um exemplo do conhecimento a partir do senso comum. Por fim, conta-se que astronautas norte-americanos, em certa ocasião, confidenciaram a astronautas russos que encontravam dificuldades para escrever seus relatórios no espaço, pois a tinta das canetas preci- sava da gravidade para poder ser usada. Então, os astronautas russos informaram que já haviam superado essa dificuldade. Os astronautas norte-americanos ficaram surpresos e quiseram saber como isso havia sido conseguido; ao que os russos informaram que havia sido muito simples, eles usavam lápis. Essas modalidades de conhecimento aqui tratadas já se encontram descritas no Mito da Caverna, de Platão (PLATÃO, 2001, p. 315). O mito nos apresenta a hipótese de homens que vivem no fundo de uma caverna sem jamais terem tido contato com o mundo externo, acorrentados pelos pés e pescoços, só conseguindo enxergar o fundo da caverna e tomando 17 as sombras projetadas como a realidade. Até que um dia um prisioneiro se liberta e conhece o mundo verdadeiro, além das sombras. A saída é íngreme, o percurso é difícil (ele simboliza a educação), mas é libertador. Todas as vezes que o prisioneiro enxerga alguma coisa, ele o faz a partir de uma ótica, de um ponto de vista e, portanto, por meio de uma modalidade de conhecimento. Dentro da caverna nós temos o mundo sensível, um mundo de sombras e ilusões. O que ele enxerga no fundo da caverna são as sombras projetadas pelos objetos, que representam as opiniões (doxa); ao se libertar e dirigir-se para fora da caverna ele se depara, ainda no seu interior, com a fogueira e os objetos iluminados por ela, é o momento das crenças (pistis). Fora da caverna é o mundo inteligível, um mundo de luz, de claridade, de cores, movimentos e de seres vivos. A vista dói e ele a protege com a mão e olha para um rio que reflete as imagens próximas, é o momento da ciência (episteme). Quando ele consegue olhar para as coisas em si, iluminadas pela luz do sol, ele atinge a compreensão da realidade como um todo, é o momento da filosofia. O sol, para ele, é o símbolo do bem, do belo e do verdadeiro. O Dicionário de filosofia Abbagnano (2007, p. 873) lembra que entre outros sentidos, o senso comum carrega “o significado de costume, gosto, modo comum de viver ou de falar”; e um pouco adiante “O senso comum é um juízo sem reflexão, comumente sentido por toda uma ordem, todo um povo, toda uma nação, ou por todo o gênero humano”; e ainda “crenças tradi- cionais do gênero humano, aquilo em que todos os homens acreditam ou devem acreditar”; por fim: Os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que intelec- tual. Esse sistema é constituído por tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. (ABBAGNANO, 2007, p. 873) Sem medo de errar Como afirmado: o senso comum forma um sistema mais prático do que intelectual e, portanto, diante da situação proposta, talvez tanto o curandeiro australiano quanto o jovem recém-formado, tenham as mesmas condições de sobreviver às dificuldades da floresta amazônica, pois a sobrevivência, nesse caso, envolve muitos fatores além de conhecimento. O curandeiro, estaria, supostamente, mais adaptado às agruras da vida na selva, mas a idade, resis- tência física, etc. também podem contribuir para a superação do desafio. 18 De todo modo, parece claro que o diploma de Harvard contribuiria pouco. Isso não significa, porém, que a busca de conhecimentos deva ser negligen- ciada e, sim, que todos os conhecimentos são importantes e que o contexto pode ser fundamental para determinar a relevância de um ou de outro. Há coisas que se revolvem intuitivamente; há coisas que se revolvem pragmatica- mente; e, certamente, também há coisas que se resolvem teoricamente. Não é sinônimo de sabedoria ou de educação tratar algumas modali- dades de conhecimentos com preconceito e menosprezo, ao contrário, é sinal de sabedoria não se considerar o dono da verdade, assim como já fazia Sócrates que não se sentia envergonhado em terminar um debate sem consi- derá-lo totalmente concluído. Um doutorem medicina pode ser considerado analfabeto em ciências políticas, por exemplo; um doutor em direito pode ser considerado analfabeto em biologia, um doutor em psicologia pode ser considerado analfabeto em teologia, e assim por diante. A arrogância intelectual coloca-nos muito próximos da ignorância intelectual, tornando-nos aquilo que criticamos (ignorar é não conhecer e, nesse momento, o arrogante ignora o limite do seu conhecimento). Já o oposto da arrogância intelectual, a aceitação dos limites do nosso conheci- mento, ou da nossa verdadeira condição, nos aproxima da sabedoria. Essa postura esteve presente em filósofos desde a antiguidade, como percebemos nas histórias relatadas de dois grandes vultos da filosofia antiga. Pitágoras não se considerava um sábio, apenas um amante da sabedoria; Sócrates não aceitou o título de homem mais sábio daquela época; e Hans Jonas (1984, p. 23) afirmava que o princípio da sabedoria é a humildade (SÈVE, 1990, p. 79). Para Aristóteles a busca pelo conhecimento começa pela dúvida, por isso caberia mais ao filósofo sugerir, propor, do que impor. Sócrates, Platão e Aristóteles pautavam-se na dialética (proposições, debates) e os sofistas pela erística (imposições, retórica) (ABBAGNANO, 2007, p. 269 e 340). O método que prevalece nas humanas é qualitativo, enquanto as exatas costumam primar pelo método quantitativo. Sendo assim, em pé de igual- dade, provavelmente o curandeiro teria maiores condições de sobrevivência. Mas, em última análise – e isso é o mais importante – toda essa história foi construída para que você jamais esqueça: todos os tipos de conhecimento devem ser respeitados, não existe um mais valioso do que o outro, já que depende do contexto considerado. E quanto mais sabedoria você tiver, mais você perceberá e se convencerá disso, conforme nos ensinaram os grandes sábios. 19 Avançando na prática Certezas, incertezas e “pseudo-certezas” Roger Bacon foi ridicularizado por ter afirmado que um dia as carroças andariam sem cavalos (o automóvel), que o homem andaria pelo ar (o avião) e por baixo das águas do mar (o submarino) (REALE, 1990, p. 595; HELFERICH, 2006, p. 108). Muitas coisas que foram ridicularizadas no passado hoje são muito comuns, outras que pareciam loucuras, hoje são consideradas científicas (GLEISER, 1997, p. 156). Por exemplo, que a terra se move (assista o filme Alexandria, baseado na vida de Hipatia, filósofa da Escola de Alexandria). E, por outro lado, muitas afirmações científicas do passado, hoje são ridicularizadas (lembremos que Aristóteles e Ptolomeu foram vistos pelos modernos como sinônimo de atraso). Por exemplo, o geocentrismo, a terra plana, o mundo sublunar e supralunar. Mas há, ainda, algumas que não são nem confirmadas e nem negadas, como a Teoria das Supercordas, uma hipótese científica que sustenta a possibilidade de o universo ter mais dimensões do que somos capazes de perceber. Diante disso, não seria possível indagar: qual é a fundamentação das nossas certezas? De onde elas proveem? Devemos, realmente, ser apegados a elas? Resolução da situação-problema Segundo Aristóteles “o ignorante afirma, o sábio duvida e o sensato reflete” (MAZAI, 2017). Isso serve para ilustrar a necessidade de sermos prudentes diante de nossas próprias convicções e estarmos sempre dispostos a aceitar novas mentalidades, novos pontos de vistas, novos valores, novas maneiras de ver o mundo e novas maneiras de se posicionar diante da vida, pois parece-nos que o conhecimento também tem um movimento próprio e que se relaciona com o movimento das culturas e das sociedades. A concepção de tempo dos gregos comportava a ideia de “eterno retorno”. Há uma ala de cientistas que acredita que o Big Bang, ao qual nos referimos, pode ser apenas um dentre os muitos que já ocorreram e que o universo se expande e se contrai, por exemplo. Assimile Caso tenha mais interesse sobre o tema, pesquise sobre a Teoria do Big Crunch. Essa teoria se baseia na hipótese do universo se expandir e se 20 contrair, voltando tudo ao começo, ou seja, vem ao encontro da ideia de “eterno retorno” dos gregos. Pode parecer fácil ver a ciência dos gregos antigos como ultrapassada, mas não nos atrevemos a dizer o mesmo dos cientistas da nossa época. Contudo, não devemos nos iludir achando que no futuro as concepções deles ainda encontrarão defensores. Talvez algumas delas sim, mas, possivelmente, não todas. Diante disso, é prudente respeitar todas as modalidades de conhecimento. O conhecimento científico é um dos mais convincentes e mais aplicável, mas poderá estar, substancialmente, alterado daqui a alguns anos. Por outro lado, concepções consideradas ingênuas nos dias atuais poderão ser ensinadas nas escolas do futuro. Portanto, senso comum, religião, filosofia e ciência devem ser tratadas, valorizadas e respeitadas do mesmo modo, sem destacar umas em detri- mento de outras, e conscientes de que o contexto impacta no seu uso e aplicabilidade. Faça valer a pena 1. Podemos entender o senso comum como sendo a capacidade reflexiva natural que temos, a qual nos leva a dar sentido ao mundo, às coisas e à realidade que nos cerca. É um conhecimento oriundo e formado a partir do cotidiano, das nossas vivências e dos nossos costumes. Sobre o senso comum, assinale a alternativa correta, considerando que ele é: a. Um conjunto de ideias cuja finalidade é a crítica ao saber estabelecido. b. Partilhado por todos os homens, tanto intelectuais quanto analfabetos. c. Confundido com as ideologias de uma classe ou de um grupo social. d. Um conjunto de ideias e práticas cegas e incompatíveis com a verdade. e. A forma mais pura de conhecimento por ser natural ao ser humano. 2. O senso comum é a primeira modalidade de conhecimento, talvez tão antigo quanto a humanidade. É a primeira forma de compreensão do mundo e nele se faz presente a racionalidade utilizada para dar sentido às coisas do grupo, da cultura, ou da sociedade em que nos encontramos. 21 Considerando os seus conhecimentos acerca do senso comum, analise as afirmativas a seguir: I. O senso comum pode servir como motivação inicial, espontânea e imaginativa para a obtenção de conhecimentos melhor elaborados. II. A estrutura inerente ao senso comum parte de processos pautados em erros e acertos, valendo-se de hipóteses e experimentações. III. Ainda que seja considerado acrítico e espontâneo, o senso comum serviu como orientação fecunda e relevante aos homens, em diferentes épocas. IV. Assim como os mitos, também o senso comum não contribui para a ciência, apenas para a imaginação, a fantasia e as superstições. Considerando o contexto apresentado, é correto o que se afirma em: a. I e II, apenas. b. II e III, apenas. c. III e IV, apenas. d. I e III, apenas. e. II e IV, apenas. 3. O senso comum tem diversas características. Selecionamos algumas, entre elas, para que você estabeleça a correta relação entre as suas nomencla- turas e os respectivos significados. De acordo com as informações apresentadas na tabela a seguir, faça a associação das nomenclaturas contidas na Coluna A com seus respectivos significados, apresentados na Coluna B. Coluna A Coluna B Subjetividade Ocorre quando o sujeito, cognitivamente, se apropria do objeto de modo direto. Imediaticidade Opiniões aceitas, por vezes, sem um questionamento quanto às suas fundamentações. Acriticidade Ausência de um filtro que purifique os conceitos inerentes ao objeto cognoscível. Assinale a alternativa que apresenta a associação correta entre as colunas. a. 1-I; 2-II; 3-III. b. 1-II; 2-III; 3-I. 22 c. 1-III; 2-II; 3-I. d. 1-III; 2-III; 3-II. e. 1-II; 2-I; 3-III. 23 Seção 2 Filosofia Diálogo aberto Isaac Newton (1643-1727) afirmava que aquilo que nós conhecemos é uma gota e o que ignoramos é um oceano (BREWSTER, 1855, p. 413). Segundo Marcelo Gleiser (2014), se considerarmos tudo o que conhecemos como sendo uma ilha, então tudo o que desconhecemos estaria aoseu redor e, desse modo, quanto mais a ilha viesse a crescer mais cresceria os seus limites com o desconhecido, ou seja, a consciência de que ainda há muito por conhecer. Essa é a perspectiva da filosofia: uma atitude de busca de conheci- mento, mais do que uma convicção de sua posse. A situação que propomos a você é uma reflexão a partir de uma visão poética, uma religiosa e uma científica como diferentes formas de pensar a partir de diferentes “cérebros”. Convidamos você a refletir e analisar se há possíveis convergências e/ou divergências entre elas. De acordo com Willian Shakespeare, (1564-1616) “nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos! ” (SHAKESPEARE, 2002, p. 102); segundo a Bíblia, nós somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Segundo Peter Higgs (1929- ), em última instância (no mundo subatômico/bosônico), tudo se compõe de energia, com a possi- bilidade de, a partir de um determinado ponto, condensar-se em matéria, incluindo nós. Higgs apresentou essa possibilidade em 1964 e em 2013 ela foi confirmada (PIMENTA, 2013). Então nos perguntamos: pode ciência, religião e filosofia estarem todas corretas? Ou, então, todas erradas? Por meio dessa proposta veremos que houve um tempo em que as expli- cações eram bem diferentes das atuais. Houve um tempo em que o mito ocupava o lugar que hoje é da ciência, originando, posteriormente, um pensa- mento mais profundo, crítico e reflexivo que se debruçou sobre uma gama variada de assuntos e contou com a contribuição de importantes pensadores. Queremos mostrar, também, que as diversas modalidades de conhe- cimento podem se referir à mesma realidade, fazendo afirmações muito próximas, mas com uma linguagem diferente, com pontos de vistas baseados em recortes variados, embora guardem algo em comum: o objeto de reflexão. Essa afirmação assenta-se na constatação de que a visão científica muda de tempos em tempos, afirmações metafísicas podem se tornar ciência, teorias científicas foram abandonadas e as atuais poderão ser também abandonadas no futuro. Com a visão religiosa não é diferente, algumas religiões já foram extintas, outras estão surgindo. Também na esfera filosófica, encontramos 24 inúmeras afirmações se contrapondo umas às outras, temáticas sendo abandonadas, novas temáticas dominando os círculos de estudo e assim por diante. Embora de modo breve, faremos uma surpreendente viagem pelas princi- pais ideias e problemáticas inerentes à reflexão filosófica, com suas peculia- ridades e contribuições, trilhando um itinerário imprescindível para uma melhor compreensão da vida, do pensamento ocidental e, por extensão, da nossa cultura e civilização. Não pode faltar Os gregos antigos ficavam admirados diante da grandeza, da beleza e da ordem presentes no universo e na natureza. Atitude conhecida, em língua grega, como θαύμασεin (thaumazein), que significa espanto, admiração, encantamento. Esse foi o ponto de partida de toda a busca de conheci- mento como tentativa de compreensão daquilo que se passa ao nosso redor. O thaumazein, a princípio, origina o mito e, posteriormente, a filosofia; e a filosofia dará origem à ciência. Os mitos estiveram presentes em todos os povos e ainda encontramos mitos em nossas sociedades, embora com outras características. Há quem menospreze esse tipo de conhecimento e, equivocadamente, o associe às lendas e crendices infundadas. É preciso entender que tanto a palavra mito quanto a palavra lógos significam narrativa, porém o mito é visto como narrativa fantasiosa enquanto o lógos é narrativa plausível. Segundo Marilena Chauí (2000, p. 32), um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que o recebem como verdadeiro porque confiam naquele que narra, o que se assemelha ao que aconteceu com o povo judeu em relação aos seus profetas. É uma narrativa feita em público, baseada na autoridade e na confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade está relacionada ao fato dele ter testemunhado diretamente o que está narrando ou recebido a narrativa de quem testemu- nhou o ocorrido. Os gregos tiveram muitos narradores de mitos, mas os que mais se desta- caram foram dois: Homero e Hesíodo. Homero é considerado o poeta da 25 nobreza e Hesíodo o poeta dos camponeses, do homem simples, do traba- lhador. Homero é reconhecido como o primeiro educador da humanidade, pois transmitiu à civilização ocidental, por meio dos seus poemas épicos – a Ilíada, com 15.693 versos, e a Odisseia, com 12.110 – modelos, protótipos de homens virtuosos que ficaram imortalizados e foram seguidos desde então. Ele era um poeta cego, estrangeiro, possivelmente de Esmirna e supõe-se que tenha nascido entre os séculos VIII e IX a.C. Homero enfatizou as virtudes como a lealdade, a amizade, a justiça, a fidelidade, a coragem, a hospitalidade, etc. Note que, de acordo com o exposto na Odisseia, de Homero (FREDERICO, 2012), a hospitalidade também era considerada virtude antigamente, enquanto humildade, por exemplo, que é considerada virtude no pensamento cristão, não era virtude para os gregos, mas fraqueza (CHAUÍ, 2000, p. 449). Fica claro, então, que as virtudes podem variar circunstancial e temporalmente. Os poemas de Homero têm algumas peculiaridades que não se encon- tram nos mitos de outros povos, tais como: • Senso de harmonia, proporção, limite e medida. • Não se limita a narrar os fatos, buscando as suas causas, embora ainda em nível mítico-fantástico. • Procura apresentar a realidade de modo abrangente: deuses e homens, céu e terra, guerra e paz, bem e mal, alegria e dor, ou seja, a totalidade dos valores que regem a vida humana (REALE; ANTISERI, 2003). Para os gregos, o mundo, necessariamente, seguia uma ordem pré-estabe- lecida, ou seja, nem os homens e nem os deuses conseguiam fugir dela. Esse fato é ilustrado na figura das Moiras (ou parcas para os romanos; aquelas que costuravam o fio do destino de todos, homens e deuses.): Cloto, Láquesis e Átropos (Nona, Décima e Morta para os romanos) ou, ainda, na tragédia de Édipo. Exemplificando Você acredita em destino? Ou acredita que tudo acontece por acaso? As nossas decisões já estão previamente determinadas? Ou temos liber- dade para tomá-las? Temos como saber sobre isso com exatidão, com a mesma precisão matemática? Ou nunca saberemos? Há quem defenda tanto uma quanto outra dessas alternativas, ou seja, é uma temática existente há muito tempo sobre a qual até hoje não há consenso. 26 Embora Homero seja muito lembrado quando nos referimos à mitologia grega, não podemos nos esquecer de Hesíodo, pois ele também foi impor- tante e influente na sociedade do seu tempo. O poeta legou-nos duas obras significativas: Teogonia e O trabalho e os dias. Em Teogonia, Hesíodo relata o nascimento dos deuses e como eles coincidem com partes do universo e os fenômenos do cosmo. Dessa forma, a teogonia se torna cosmogonia, ou seja, explicação mítico-poética e fantástica da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos, a partir do caos originário, que foi o primeiro a se gerar. Esse pensamento foi abrindo caminho para a posterior cosmologia filosófica, que, em vez de usar a fantasia, buscou racionalmente um princípio primeiro, a origem (arquê) a partir da qual tudo foi gerado. Hesíodo foi trapaceado por seu irmão que subornou os juízes ficando com toda a herança que deveria ser dividida. Diante disso, o poeta vai sustentar que a verdadeira virtude não é se tornar herói de guerra, mas vencer na vida à custa de trabalho duro e esforçohonesto e digno. Esse é o tema do seu outro poema, O trabalho e os dias, no qual, em sintonia com a mentalidade grega vigente, afirma alguns princípios que seriam de grande importância para a constituição da ética filosófica e do pensamento antigo em geral. Nessa obra, Hesíodo exalta a justiça como valor supremo tornando-a até conceito ontoló- gico, além de moral e político. Percebemos que alguns elementos da mitologia já começam a fornecer condições para que o pensamento caminhasse em direção à plausibilidade e à logicidade. Ou seja, a razão, o lógos começa a preponderar. Ao fato de a filosofia ter nascido na Grécia foram atribuídas duas expli- cações: houve quem defendesse que ela teria surgido repentinamente e sem nenhuma influência de outros povos e aqueles que defenderam que ela teria se originado a partir da influência externa – pois a Grécia encontrava-se estrategicamente em uma encruzilhada de muitas nações e culturas e, por isso, teria conseguido sintetizar as diversas visões de mundo vigentes naquela época, ocasionando o surgimento da filosofia. A primeira versão recebeu o nome de Milagre Grego e a segunda recebeu o nome de Influência Oriental. Contudo, hoje nenhuma delas é muito bem aceita. O que mais se aceita é que a filosofia foi criação do gênio helênico, ou seja, não derivou de estímulos das civilizações orientais, embora tenham vindo do Oriente alguns conhecimentos científicos, astronômicos e matemá- tico-geométricos, que os gregos souberam repensar e recriar em dimensão teórica, enquanto os orientais os concebiam em sentido prevalentemente prático. Assim, se os egípcios desenvolveram e transmitiram a arte do cálculo, os gregos, particularmente a partir dos Pitagóricos, elaboraram uma teoria sistemática do número; e se os babilônios fizeram uso de observações 27 astronômicas particulares para traçar as rotas para os navios, os gregos as transformaram em teoria astronômica orgânica (REALE; ANTISERI, 2003). Quando se trata, portanto, de entender como aconteceu o surgimento da filosofia, o que mais se aceita é que a Grécia reuniu as fontes e condi- ções que favoreceram tal surgimento: um novo modo de compreender e explicar o mundo. A filosofia teria, então, surgido na Grécia porque justa- mente ali formou-se uma temperatura espiritual particular e um clima cultural e político favoráveis. As fontes das quais derivou a filosofia helênica foram: a poesia, a religião e as condições sociopolíticas adequadas (REALE; ANTISERI, 2003). De acordo com Marilena Chauí (2000), as condições históricas que proporcionaram o surgimento da filosofia foram: • As viagens marítimas: que permitiram o contato com outros povos e outras explicações de mundo, gerando questionamentos sobre os as explicações míticas. • A invenção do calendário, da moeda e da escrita alfabética: a utili- zação de um calendário que gerou a percepção de que a natureza tinha um ciclo e que nem tudo derivava do capricho dos deuses. Além disso, essas três iniciativas impulsionaram o pensamento abstrato. • O surgimento da vida urbana e a criação da política: que favore- ceram o debate, a argumentação e a percepção de que criar leis também podia ser uma prerrogativa humana e não exclusividade divina. Pode-se dizer que o contexto para o surgimento da filosofia estava pronto e isso incluía um enfraquecimento gradual dos elementos míticos e as ideias de que a composição do cosmos era unicamente de elementos naturais; que havia uma ordem no mundo, regida pelo lógos (razão); que a matéria (natureza, physis) seria eterna, ou seja, que não teve começo e não terá fim, portanto, que não houve o momento da criação; que o tempo é circular e cíclico, ou seja, que de tempos em tempos, tudo se repete; que tudo se relaciona ao arquê (primeiro princípio); e, por fim, a ideia de que o próprio homem é um microcosmo também regido pelo logos. Assimile Entre os fatores que impulsionaram o surgimento da filosofia estão os seguintes elementos: a compreensão de que a verdade deve ser justi- ficada racionalmente, um discurso público e dialogado, baseado na troca de opiniões com argumentos persuasivos; o uso da escrita alfabé- tica; as viagens marítimas e a evolução do comércio e do artesanato; a crença de que havia uma substância básica que estava por trás de todas 28 as transformações na natureza e a busca por leis naturais que fossem eternas. Baseados nessas ideias, os gregos fizeram uma retomada dos temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-argumentativas. Dessa forma, compreende-se que a diversidade e a organização dos fenômenos naturais têm uma explicação própria do mundo da natureza e que pode ser compreendida racionalmente, ou logicamente. Assim, a filosofia surge com uma proposta diferente, uma maneira de ver e interpretar o mundo original. Marilena Chauí (2000, p. 16) nos lembra que: A filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conte- údos, das formas, das significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é política, mas interpre- tação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder. Não é história, mas interpretação do sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo. Conheci- mento do conhecimento e da ação humanos, conheci- mento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento da mudança das formas do real ou dos seres, a filosofia sabe que está na História e que possui uma história. (CHAUÍ, 2000, p. 16) O primeiro filósofo foi Tales de Mileto (625-558 a.C.), para quem tudo se inicia a partir da água, ou seja, ela é o início (arquê, ou arché, ou arkhé) de tudo. Seus seguidores, contudo, embora discordassem de que fosse a água, concordavam com a ideia de que deveria existir um arquê. Para Anaximandro de Mileto (610-547 a.C.) o arquê era o ápeiron, algo infinito, insurgido e imortal. Anaxímenes de Mileto (585-528 a.C.) postulou que esse ápeiron fosse o ar (pneuma ápeiron). Para Pitágoras de Samos (580-497 a.C.), tudo poderia ser reduzido a números, pois as coisas manifestariam externamente a estrutura numérica que lhes fosse inerente. Nesse sentido, um número não seria, apenas, uma unidade quantitativa, mas teria, também, uma forma, uma figura e, por isso, os números seriam o princípio de onde emanaria toda 29 a natureza. Para Xenófanes de Cólofon (570-475 a.C.), o arquê é a terra; para Anaxágoras de Clazômena (500-428 a.C.) os corpos compõem-se de homeo- merias (partes iguais, semelhantes); para Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), o mundo seria constituído por quatro princípios: água, ar, terra e fogo; e para Demócrito de Abdera (460-370 a.C.), a realidade é constituída de átomos, infinito número de corpos, invisíveis pela pequenez e pelo volume, incriados, indestrutíveis e imutáveis. Os principais problemas discutidos pelos pré-socráticos foram a cosmologia, um estudo acerca da ordem presente no mundo (aquilo que hoje chamamos de “leis da física”) – a palavra kosmos, significa ordem, na língua grega; e questões relacionadas à física – Physis em grego é natureza e a maioria desses filósofos escreveram livros intitulados Sobre a natureza. Entre os pré-socráticos destacam-se Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) e Parmênides de Eleia (530-460 a.C.), que mudam o conteúdo da reflexão filosófica. Eles não trataram diretamente do arquê, mas da possibilidade, ou não, de conhecermos as coisas. Para Heráclito, não é possível conhecermos, pois tudo está mudando o tempo todo, caracterizando-se como cético, mas Parmênides discordava e defendia que a mudança é apenas aparente, pois as coisas mantêma sua essência. Desse modo, o primeiro afirma o devir (mudança) e o segundo o ser. Portanto, com Heráclito e Parmênides, duas novas problemáticas iniciaram-se: uma relacionada ao ser, a ontologia (ser em grego é to on, transliterado para o alfabeto latino como ontos, daí a origem do termo ontologia: estudo do ser); e outra relacionada ao conhecimento, a gnosiologia (gnose em grego é conhecimento) ou epistemologia (episteme, em grego, é ciência). No século V a.C. temos o período de esplendor máximo da democracia ateniense, conhecido como “Século de ouro” ou “Século de Péricles”. Atenas havia vencido a guerra contra os Persas e isso fez com que os seus costumes passassem por profundas transformações (MELLO, 1976, p. 39-40). A democracia permitia que o debate de questões de interesse público se reali- zasse na ágora (praça), permitindo a percepção de que o próprio homem poderia ser a fonte da lei e que para vencer os debates era necessário ter clareza das ideias e bons argumentos. Assim, foi com o intuito de ensinar retórica (falar bem, persuadir com eloquência) aos filhos da nobreza, que surgiram os sofistas (sophos, sábio). Eles se autointitulavam “mestres da sabedoria” e foram os primeiros a cobrar para ensinar. Os sofistas ficaram rotulados negativamente, considerados quase sinônimo de impostor ou demagogo devido ao fato de não terem compromisso com a verdade – apenas com a arte de convencer os adversários, com uma boa argumentação – e por defenderem que tudo era relativo, tudo era convenção. Contudo, o fato de deslocarem a reflexão cosmológica para a antropológica (antropós em grego 30 é homem, ou seja, estudo sobre o homem, nesse caso, especificamente, como o homem pode ser feliz) foi considerado um aspecto relevante do pensa- mento sofista. Os sofistas também deram início, reflexivamente, a mais dois problemas filosóficos: a ética e a política. No campo da ética, eles associaram a felicidade a uma vida de prazer, poder e riqueza. No campo da política, afirmavam que essa área da atividade humana era fruto de uma convenção, um acordo. Sócrates, Platão e Aristóteles discordaram de tais afirmações. Reflita Os sofistas privilegiaram a reflexão sobre o ser humano e a conquista da felicidade mais do que a cosmológica. Para eles, o homem seria feliz caso desfrutasse de prazer, poder e riqueza. Certamente essas coisas são muito boas, mas será que existe necessariamente uma conexão entre elas e o desfrute da felicidade? Os sofistas são contemporâneos de Sócrates, o qual iniciou os seus estudos com eles, mas que depois acabou rompendo por não concordar com uma série de pensamentos sustentados pelos sofistas. Entre as principais contri- buições de Sócrates está o fato de superar o relativismo dos sofistas afirmando a existência da verdade e da essência de tudo como uma razão de ser. O seu compromisso com a verdade se firmou ainda mais depois que Querefonte, seu amigo de infância, consultou o oráculo da pitonisa no templo de Apolo, em Delphos, buscando saber quem seria a pessoa mais sábia do mundo e recebeu de pitonisa a resposta de que era Sócrates. Quando informado desse fato, procurou se certificar conversando com todas as pessoas que poderiam ser consideradas sábias. A partir dessas conversas, Sócrates percebeu que tais pessoas, acreditavam tudo saber, mas ignoravam que havia algo a mais do que sabiam, enfim, elas desconheciam a própria ignorância. Sócrates percebeu que ele sabia tanto quanto essas pessoas, mas, além disso, sabia que não conhecia tudo, ou seja, tinha algo a mais: a consciência de sua ignorância. Daí vem a sua conhecida frase: “Só sei que nada sei” (PLATÃO, 1987, p. 30). Essa frase parece contra- ditória, mas o seu sentido é “sei que não sei tudo”. Para Chauí (2000), no entanto, essa frase faz parte do método socrá- tico que por meio de perguntas, mostrava às pessoas que elas não tinham respostas para aquilo que acreditavam que sabiam. Quando pediam a resposta a Sócrates, ele dizia que também não sabia e afirmava “só sei que nada sei”, mostrando que a consciência da ignorância é o começo da filosofia. Sócrates não queria a opinião, queria a essência das coisas, pois, segundo ele, a opinião muda, mas a essência permanece. Assim, ele entendia que sua missão era 31 ajudar os homens a viver bem, encontrando a sabedoria e a virtude, ou seja, a sua preocupação não era com os princípios supremos do universo, mas com o valor do conhecimento humano (MONDIN, 1982). Desse modo, Sócrates adotou como lema a frase que se encontrava do pórtico do templo de Apolo, em Delphos: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. Por meio de perguntas, Sócrates procurava mostrar como as opiniões não se sustentavam – atitude conhecida como ironia, sinalizando que Sócrates se subestimava proposi- talmente (ABBAGNANO, 2007, p. 585) – e levava as pessoas a refletir por conta própria (maiêutica, em grego, é parir, dar à luz). Sócrates dizia que a sua missão era ajudar as pessoas a dar à luz as suas ideias (ABBAGNANO, 2007, p. 637). Mas esse método (dialético) incomodava muita gente, pois trazia à tona as suas vaidades. Com isso, ele começou a angariar adversários. “Considerava que a sua missão era expor a ignorância dos outros quanto à verdadeira natureza dessas virtudes (justiça, coragem e bondade) e era conhecido por constranger os sábios da época ao revelar a confusão implícita em seus pensamentos morais” (LAW, 2008, p. 242). Assimile O método socrático é a dialética que se subdivide em dois momentos: a ironia, palavra que significava, naquela época, interrogatório; e a maiêu- tica, palavra que significa parto, dar à luz. A mãe de Sócrates era uma parteira e, por isso, ele diz ter a mesma missão de sua mãe: ela ajudaria as mulheres a darem à luz aos seus filhos e ele ajudaria as pessoas a darem à luz as suas ideias. Para Sócrates, a essência do homem é a sua alma (psykhé, em grego) e a alma, para ele, é a razão, a consciência. A busca do bem, do belo e do verda- deiro, seria a essência da alma. Quem conhece o bem, pratica-o, assim, só age mal quem ignora o bem. Essa tese é conhecida como “racionalismo ético”. O homem deve conhecer e praticar o bem, buscando a virtude – a excelência, aquilo que é melhor. Segundo Sócrates, “não é das riquezas que nasce a virtude, mas das virtudes nasce a riqueza” (PESSANHA, 1999, p. 57). As virtudes da alma se manifestam no autodomínio, “no domínio de si mesmo nos estados de prazer, dor e cansaço, no urgir das paixões e dos impulsos” (REALE, 1990, p. 91). Trata-se de fazer a racionalidade prevalecer sobre a animalidade, tornar a alma senhora do corpo. Somente quando age desta maneira o homem estaria, segundo Sócrates, sendo verdadeiramente livre. Sócrates foi acusado de corromper a juventude e não acreditar nos deuses da cidade (segundo Reale e Antiseri [2003], a verdadeira causa era ressenti- mento e manobra política) e por isso foi levado à julgamento e condenado 32 à morte. Ele ficou um mês na prisão esperando a morte e numa madrugada foi acordado por Críton, um discípulo rico que, após subornar os guardas, o incitava a fugir. Mesmo tendo sido injustamente condenado ele se recusou a fugir, alegando que não conseguiria conviver com a consciência de ter agido mal. Tomou o copo de cicuta e morreu na presença de grande parte de seus discípulos. Sócrates teve muito discípulos e entre eles podemos citar Antístenes (fundador do cinismo), Euclides, o grande geômetra, e Platão, o primeiro pensador a criar um sistema filosófico. Muito do que se sabe sobre Sócrates foi devido aos escritos de Platão, relatados, sobretudo, nas obras Apologia de Sócrates e A república e O banquete. Sem medo de errar Depois do exposto, retomamos o problema apresentado esperando que tenha ficado mais claro que é possível conhecer/interpretar o mundo de diversas maneiras e em cada época tem prevalecido um determinado tipo de conhecimento. Mas os conhecimentos suplantados não desaparecem, eles continuam existindoconcomitantemente com os demais. Portanto, poderíamos afirmar que todos tratam da mesma realidade a partir de óticas diferentes. O mito, enquanto um modo de explicar o mundo que antecede a filosofia e a ciência foi a explicação do mundo dominante por, aproximadamente, duzentos anos no chamado mundo ocidental (os mitos começam com Homero no século XIII a. C. e a filosofia surgiu no século VI a.C.). Depois disso, a filosofia passou a ser a explicação mais aceita e assim permaneceu por, aproximadamente, novecentos anos. Posteriormente a religião se serviu da filosofia para a teologia e tornou-se a explicação dominante por uns mil anos. A ciência, a partir de Galileu Galilei e do Iluminismo, suplantou a religião e, já há uns quinhentos anos, é a explicação com maior legitimidade na atualidade. A religião possui dogmas (verdades de fé inquestionáveis) e a ciência possui axiomas (verdades científicas). A filosofia não possui uma verdade pré-estabelecida, mas constrói as suas bases pelo questionamento, pelo diálogo, pelo consenso e pelo entendimento. A sua metodologia é se orientar por tudo aquilo que é compreensível racionalmente e que tem clareza, nexo, lógica (a palavra “lógica”, por exemplo, se origina de logos, de onde também se origina o sufixo “logia”, presente em muitas áreas do conhecimento, tais como biologia, antropologia, psicologia, etc.). Assim, é uma prerrogativa do pensamento filosófico o respeito pelo ponto de vista do outro e o modo de 33 vida do diferente, enfim, que se aceite a pluralidade social e política. Nesse sentido, quem é apegado às suas ideias não será um bom filósofo, pois o verdadeiro filósofo jamais se considera detentor de verdades eternas. Desse modo, “verdades eternas”, “verdades inquestionáveis”, “verdades irrefutáveis” são termos que não coadunam com a postura filosófica. As afirmações de Shakespeare, do livro do Gênesis e de Higgs denotam que somos os nossos pensamentos, os nossos projetos, os nossos anseios, enfim, a essência do ser humano é aquilo que passa por sua racionalidade, por sua mente. O homem é o seu pensamento. Tal como já nos definiu Aristóteles, ou seja, “animais racionais” e como nos lembrou Descartes, em seu clássico “penso, logo existo”. Desse modo, mais uma vez podemos nos convencer de que o contexto onde nos encontramos, a época em que vivemos, os relacio- namentos que estabelecemos, os conhecimentos que adquirimos, e assim por diante, vão repercutir naquilo que nos tornamos. Assim, à filosofia, portanto, cabe indagar a vida, a sociedade e os valores estabelecidos; questionar a realidade de modo crítico e profundo para que possíveis incongruências sejam resolvidas e uma sociedade mais justa e perfeita possa, progressivamente, ser projetada e estabelecida, de acordo com os sãos princípios da moral e da razão. Essa está entre as maiores contribui- ções que recebemos dos grandes filósofos. Avançando na prática Brilho eterno de uma mente sem lembranças Você já pensou se a psicologia evoluísse ao ponto de nos oferecer técnicas que permitissem apagar da nossa memória tudo aquilo que nos incomoda? Esse é o enredo do filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004), que conta a história de Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), dois namorados que, depois de alguns conflitos, decidem solicitar os serviços da Lacuna, uma empresa que oferece a possibilidade de uma nova vida para seus clientes, apagando as memórias indesejadas. Algumas questões para refletirmos: primeiro, se nós somos os nossos pensamentos, então apagá-los não impacta em destruirmos um pouco de nós mesmos? Segundo, as coisas que nos incomodam não podem nos trazer alguma contribuição positiva? 34 Resolução da situação-problema Vale lembrar que os problemas filosóficos (existenciais) não contam com a mesma exatidão da matemática, por exemplo. Portanto, existe, para essa situação, um número considerável de possíveis respostas. Mesmo que a nossa essência seja os nossos pensamentos, isso não quer dizer que apagá-los nos reduziria, pois, se assim fosse, o esquecimento também o faria, e nós esquecemos constantemente muitas coisas que acontecem conosco e continuamos sendo quem somos, não é mesmo? Mas, por que algumas coisas nós jamais esquecemos? Uma hipótese é a que o nosso cérebro guarda aquilo que mais nos interessa. Considerando essa hipótese, talvez, fosse recomendável que fizéssemos um autoexame para tentar descobrir o que mais temos guardado em nossos pensamentos e verificar se são vivências que nos favorecem ou que nos prejudicam. E ainda: por que temos nos interessado por esses pensamentos? Aqui, pode entrar a contribuição da filosofia, caso, nos valendo dela, busquemos a razão última, o motivo dos nossos interesses. Eles revelarão quem somos nós. Esse seria um caminho para o autoconhecendo, como bem nos recomendava Sócrates, por meio da sua máxima “conhece-te a ti mesmo”. Além disso, talvez não nos seja recomendável apagar a dor, pois ela pode se tornar fonte de crescimento. Por exemplo, Tales, o primeiro filósofo, foi achincalhado por seus contemporâneos, os quais sustentavam que o seu conhecimento tinha pouca utilidade. Tales não se esqueceu disso, mas também não se abateu, apenas esperou o momento exato de agir e pôde mostrar a utilidade de seu conhecimento. Em 585 a. C., (GLEISER, 1998, p. 45), por exemplo, ao prever uma boa safra com bastante antecedência, Tales arrendou todos os moinhos que beneficiavam azeitonas e acabou enriquecendo. Portanto, a premissa básica do filme – apagar da mente aquilo que nos incomoda e nos causa dor e sofrimento – pode não ter o efeito esperado, pois somos resultado de nossas experiências e pensamentos. Em vez disso, pode ser mais interessante superar o que nos aflige e mantê-lo como lição de vida. A filosofia estoica, que conheceremos em breve, dedica-se a esse assunto. Faça valer a pena 1. Popularmente se diz, em tom de brincadeira, que a filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual, se permanece tal e qual. Saltam aos olhos dois equívocos dessa singela galhofa: filosofia não é ciência e, uma vez bem estudada, não se permanece tal e qual. 35 Tendo por base as características da filosofia, analise as afirmativas: I. Busca identificar-se com o senso comum. II. Debruça-se sobre questões insolúveis. III. Propõe-se a debater teorias diferentes entre si. IV. O seu objetivo é proporcionar paz de espírito. V. Pauta-se pelo estabelecimento de verdades eternas. Estão corretas as alternativas: a. I, II e IV, apenas. b. I, III e V, apenas. c. III, IV e V, apenas. d. I e V, apenas. e. II e III, apenas. 2. Durante o século VI a. C, o comércio entre os vários Estados gregos cresceu em importância, e a riqueza gerada levou a uma melhoria das cidades e das condições de vida. O centro das atividades era em Mileto, uma cidade-Estado situada na parte sul da Iônia, hoje a costa mediterrânea da Turquia. Foi em Mileto que a primeira escola de filosofia pré-socrá- tica floresceu. Sua origem marca o início da grande aventura intelectual que levaria, 2 mil anos depois, ao nascimento da ciência moderna. De acordo com Aristóteles, Tales de Mileto foi o fundador da filosofia ocidental. (GLEISER, 1998, p. 43) Sobre a passagem da atividade mítica para a filosófica, na Grécia, assinale a alternativa correta. a. Os mitos foram incorporados pela filosofia e mantidos como base da sua especulação teórica e metodológica. b. Os mitos gregos são demonstrações de um intelecto primitivo, vigente em sociedades selvagens. c. A narrativa fantasiosa dos mitos foi importante para difundir um saber prático para a vida cotidiana. 36 d. As epopeias míticas clássicas podem ser vistas como expressões cultu- rais de uma mentalidade filosófica. e. O que causou a superação do mito pela filosofia foi o contato dos gregos com a sabedoria dos povos orientais. 3. Quando nos propomos a compreender como aconteceu o surgimento da filosofia, embora haja quem defendaque surgiu espontaneamente como um milagre e outros que a vejam oriunda da influências dos povos vizinhos, do oriente próximo, hoje o que mais se aceita é que a Grécia reuniu as fontes e condições que favoreceram tal surgimento: um novo modo de compreender e explicar o mundo. Assinale a alternativa que apresenta o surgimento das disciplinas filosóficas em sua correta ordem cronológica. a. Antropologia, cosmologia e ontologia. b. Ontologia, antropologia e cosmologia. c. Cosmologia, epistemologia e antropologia. d. Epistemologia, gnosiologia e ontologia. e. Cosmologia, ontologia e epistemologia. 37 Seção 3 Ciência Diálogo aberto Nesta seção abordaremos mais uma modalidade de conhecimento, sendo ela, hoje, considerada a mais convincente, a mais útil e a mais promissora. É aquela que mais tempo toma dos bancos escolares o que mostra a sua valori- zação. Estamos nos referindo à ciência, uma forma de conhecimento que se propõe abordar o “como”. Como o mundo surgiu, como a luz se propaga, como nos tornamos o que somos hoje, como as coisas funcionam e assim por diante. Segundo alguns filósofos, a ciência não se propõe refletir sobre a essência do mundo (com indagações como: por que o mundo existe?), não trata de questões transcendentais (Deus, por exemplo), não aborda temáticas exclusivamente ideais ou utópicas, mas trata daquilo que é real, concreto, mensurável, verificável, demonstrável, etc. A ciência foi gestada no ventre da filosofia e só no começo da idade moderna se tornou emancipada. Praticamente todos os filósofos pré-so- cráticos, desde Tales até Demócrito, contribuíram com a ciência em algum aspecto. Platão e Aristóteles contribuíram com diversas áreas da ciência, tais como a psicologia, a antropologia, a astronomia, a física, a biologia, etc. Para demonstrar que filosofia e ciência caminhavam juntas, podemos lembrar que Galileu Galilei, o pai da ciência moderna, apesar de médico, matemático e astrônomo, lutou por muito tempo para adquirir o título de filósofo. Ele dizia: “estudei mais anos de filosofia do que meses de medicina e como sou considerado médico, nada mais justo do que ser também considerado um filósofo” (ROVIGHI, 1999, p. 48). De acordo com a compreensão dos iluministas a fé não estaria mais dando conta de explicar o funcionamento do mundo e, para eles, com base, na razão, a ciência poderia assumir esse propósito. Porém, hoje há quem questione se a ciência também não acabou por se distanciar dessa incum- bência (HABERMAS, 2009). Diante disso, apresentamos a nossa situação-problema. Vamos refletir a partir da afirmação feita por William Shakespeare (1564-1616) em sua peça Hamlet. Nela, ele sustenta que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia” (SHAKESPEARE, 2005, p. 36). Será que tais misté- rios ainda persistem? Será que a ciência realmente dará conta deles? Ou será que quanto mais conhecermos mais perceberemos que ainda há muito mais para ser conhecido? 38 Desse modo, prezado aluno, vamos analisar as especificidades da ciência, como se dá a relação entre ciência e técnica, qual parâmetro pode nos sinalizar que está havendo progresso científico e, por último, se há a possibilidade de a ciência acabar, também, incorrendo numa espécie de mito do cientificismo. Por meio desta seção, esperamos contribuir com a sua reflexão e melhor compreensão do mundo, com o seu conhecimento e, consequentemente, com o seu crescimento acadêmico e humano. Não pode faltar Existe uma disciplina chamada História da ciência que busca mostrar como o conhecimento científico surgiu, como foi se desenvolvendo ao longo do tempo. É consenso entre os estudiosos dessa área que o mito gesta a filosofia e a filosofia gesta a ciência. O caráter científico dessa reflexão filosófica nascente está na busca de compreensão do mundo a partir da razão. Os gregos não faziam experiências, sua ciência era feita a partir da obser- vação e da reflexão. A experimentação começou a fazer parte do método de aquisição de novos conhecimentos a partir de Francis Bacon (1561-1626) e Galileu Galilei (1564-1642). Francis Bacon é o pai do método experimental e Galileu Galilei é o pai da ciência moderna. A experimentação é acrescentada, sem excluir a observação e a reflexão, a fim de permitir maior universalização aos conhecimentos científicos. Entre as especificidades da ciência estão os princípios da objetividade, universalidade e da aplicabilidade, que buscam tornar o conhecimento neutro, universal e necessário. Esse aspecto universal pode ser facilmente observado nas ciências naturais. Por exemplo, a água entra em ebulição quando atinge 100º celsius estando ao nível do mar. Isso significa que essa explicação pode ser identificada e aplicada em vários lugares e em momentos diferentes sem que haja uma mudança explicativa. O aspecto da objetividade tem a ver com a exatidão, com a positividade. Outro exemplo para ajudar: a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º. Portanto, o resultado da soma precisa ser, necessariamente, 180º, não pode ser 179º e nem 181º. O oposto ao universal é o particular, e o aposto do necessário é contingente (ao acaso, acidentalmente). A ciência busca a verdade e, para tal, pode se valer de caminhos distintos. Um dos caminhos é a dedução, ou método dedutivo. Esse é um método que parte de uma afirmação geral e dela extrai conclusões particulares, aplica algo que é compreendido universalmente aos casos particulares. Por exemplo, se 39 todo cisne é branco, fica sem sentido perguntarmos qual é a cor do cisme que morreu na manhã de ontem. É um método utilizado pela matemática, sendo, as suas fórmulas um exemplo por excelência. Outro caminho para novos conhecimentos é a indução, ou método indutivo. Esse método faz o percurso contrário do anterior; pois ele parte de observações particulares – de muitas delas, por sinal – para então extrair uma lei universal. Por exemplo, jogam-se vários objetos para cima e se observa que todos eles caem ao chão. Então, conclui-se que todo objeto jogado ao alto tende a seu ponto de repouso. Perceba que não foram jogados todos os objetos, mas, mesmo assim, infere-se tal afirmação. Assimile A palavra “caminho” em grego é οδος (transliterado para hodos) e signi- fica “para”, “por meio de”, também é μετα (meta), portanto, método é, etimologicamente, um “caminho para”, ou seja, um percurso que se faz, aqui, no caso, para alcançar o conhecimento verdadeiro. É bastante comum que cada corrente filosófica tenha um método diferente. Mas esses dois métodos não foram os primeiros existentes. Possivelmente, o primeiro tenha sido o método dialético. Esse método começa com Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), segundo o qual “a guerra é a mãe de todos os seres”, ou seja, o confronto, o embate entre as coisas: o frio e o quente, a luz e a treva, a alegria e a dor, o doce e o amargo, etc. Quem mais propagou o método dialético foi Sócrates (470-399 a.C.) e, para ele, a dialética acontecia por meio da discussão de pontos de vistas diferentes. A dialética exige muita maturidade e autocontrole, pois os debatedores não podem ser apegados aos seus pontos de vistas mais do que à procura da verdade. Nesse processo, dialética lhes permitia a percepção da fragilidade de suas opiniões e os levaria a querer lapidá-las para se aproximarem mais da verdade. Para Sócrates, nós devemos amar a verdade e buscá-la sempre, o que não significa defendê-la, já que isso pressupõe que a temos, e a postura de um sábio é não se considerar dono da verdade, o detentor dela, e sim desejá-la ardentemente. Nesse sentido, cabe ao verdadeiro filósofo sugerir, supor, refletir, questionar, mas não afirmar. Talvez por isso, Sócrates fazia questão de deixar claro que não sabia tudo e que, também, não se incomodava em terminar um diálogo sem chegar a uma conclusão. Quando isso acontecia, esse diálogo era considerado aporético (sem conclusão). Platão retomou a discussão iniciada por Heráclito
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