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Filosofia Scyla Pinto Costa Pimenta Carmen Verusca Oliveira Santos Pereira Presidente Prudente Unoeste - Universidade do Oeste Paulista 2016 Pimenta, Scyla Pinto Costa. Filosofia. / Scyla Pinto Costa Pimenta, Carmem Verusca Oliveira Santos Pereira. - Presidente Prudente: Unoeste - Universidade do Oeste Paulista, 2016. 142 p.: il. Bibliografia. ISBN: 978-85-88755-09-3 1. Filosofia. 2. Organização. 3. Verdade. I. Pereira, Carmem Verusca Oliveira Santos. II. Título. CDD\22ª.ed 100 © Copyright 2016 Unoeste - Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Universidade do Oeste Paulista. Filosofia Scyla Pinto Costa Pimenta Carmem Verusca Oliveira Santos Pereira Reitora: Ana Cristina de Oliveira Lima Vice-Reitor: Brunno de Oliveira Lima Aneas Pró-Reitor Acadêmico: José Eduardo Creste Pró-Reitor Administrativo: Guilherme de Oliveira Lima Carapeba Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão: Adilson Eduardo Guelfi Diretor Geral: Augusto Cesar de Oliveira Lima Núcleo de Educação a Distância: Dayene Miralha de Carvalho Sano, Marcelo Vinícius Creres Rosa, Maria Eliza Nigro Jorge, Mário Augusto Pazoti e Sonia Sanae Sato Coordenação Tecnológica e de Produção: Mário Augusto Pazoti Projeto Gráfico: Luciana da Mata Crema Diagramação: Aline Miyamura Takehana e Luciana da Mata Crema Ilustração e Arte: Antônio Sérgio Alves de Oliveira, Fernanda Sutkus de Oliveira Mello e Luciana da Mata Crema Revisão: Renata Rodrigues dos Santos Colaboração: Vanessa Nogueira Bocal Direitos exclusivos cedidos à Associação Prudentina de Educação e Cultura (APEC), mantenedora da Universidade do Oeste Paulista Rua José Bongiovani, 700 - Cidade Universitária CEP: 19050-920 - Presidente Prudente - SP (18) 3229-3260 | www.eadunoeste.com.br P644f Catalogação na fonte: Rede de Bibliotecas Unoeste Scyla Pinto Costa Pimenta Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2008). Possui licen- ciatura em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador (1996) e bacharelado em Sociologia pela Universidade Federal da Bahia (2002), onde foi bolsista do CNPQ/PIBIC, pelo ECSAS (Núcleo de Estudos em Ciências Sociais e Saúde). Atua como professora temporária da Universidade Federal do Vale do Rio São Francisco (UNIVASF). Carmen Verusca Oliveira Santos Pereira Bacharel em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador (1998), especialista em Gestão Governamental pela Universidade do Estado da Bahia (2005). Atualmente, presta consultoria ao Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), nos estados da Bahia e Sergipe, na área de promoção comercial, organização de feiras, eventos nacio- nais e internacionais. Sobre as autoras Carta ao aluno O ensino passa por diversas e constantes transformações. São mudanças importantes e necessárias frente aos avanços da sociedade na qual está inserido. A Educação a Distância (EAD) é uma das alternativas de estudo, que ganha cada vez mais espaço, por comprovadamente garantir bons referenciais de qualidade na formação pro- fissional. Nesse processo, o aluno também é agente, pois organiza o seu tempo confor- me suas atividades e disponibilidade. Maior universidade do oeste paulista, a Unoeste forma milhares de profissio- nais todos os anos, nas várias áreas do conhecimento. São 40 anos de história, sendo responsável pelo amadurecimento e crescimento de diferentes gerações. É com esse mesmo compromisso e seriedade que a instituição iniciou seus trabalhos na EAD em 2000, primeiramente com a oferta de cursos de extensão. Hoje, a estrutura do Nead (Núcleo de Educação a Distância) disponibiliza totais condições para você obter os co- nhecimentos na sua área de interesse. Toda a infraestrutura, corpo docente titulado e materiais disponibilizados nessa modalidade favorecem a formação em plenitude. E o mercado precisa e busca sempre profissionais capacitados e que estejam antenados às novas tecnologias. Agradecemos a confiança e escolha pela Unoeste e estamos certos de que suas expectativas serão atendidas, pois você está em uma universidade reconhecida pelo MEC, que oportuniza o desenvolvimento constante de Ensino, Pesquisa e Extensão. Aqui, além de graduação, existe pós-graduação lato e stricto sensu, com mestrados e doutorado recomendados pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), prêmios conquistados em âmbito nacional por suas ações extensivas e pesquisas que colaboram com o desenvolvimento da cidade, região, estado e país; en- fim, são inúmeros os referenciais de qualidade. Com o fortalecimento da EAD, a Unoeste reforça ainda mais a sua missão que é “desenvolver a educação num ambiente inovador e crítico-reflexivo, pelo exercício das atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão nas diversas áreas do conhecimento cien- tífico, humanístico e tecnológico, contribuindo para a formação de profissionais cidadãos comprometidos com a responsabilidade social e ambiental”. Seja bem-vindo e tenha bons estudos! Reitoria Sumário Capítulo 1 A FilosoFiA e umA NovA leiturA do muNdo 1.1 Um Novo Olhar sobre o Mundo ....................................................................................12 1.2 Filosofia – Atitude e Reflexão .......................................................................................22 1.3 O Nascimento da Filosofia ...........................................................................................26 1.4 Um Rápido Olhar sobre os Clássicos .............................................................................30 1.4.1 Os Sofistas ..............................................................................................................30 1.4.2 Os Três Filósofos Clássicos – Sócrates, Platão e Aristóteles ..........................................31 Capítulo 2 o ser HumANo, um ANimAl que PeNsA e ArgumeNtA 2.1 O Ser Humano – Uma Análise Antropológica .................................................................43 2.2 O Ser Humano Também é um Ser Cultural ....................................................................45 2.2.1 As Influências da Cultura ..........................................................................................48 2.3 A Linguagem como Fundamentadora do Ser Pensante ...................................................52 2.3.1 A Linguagem Humana ..............................................................................................54 2.4 A Argumentação Filosófica ..........................................................................................55 2.4.1 A Democracia na Grécia Antiga e a Argumentação .....................................................58 Capítulo 3 CoNHeCimeNto e suAs diFereNtes FormAs de ComPreeNsão dA reAlidAde 3.1 O que Significa Conhecer? ...........................................................................................66 3.1.1 Diferentes Formas de Conhecimento .........................................................................69 3.1.2 A História do Pensamento Moderno ...........................................................................72 3.2 A Palavra ...................................................................................................................81 3.3 Trabalho como Atividade Humana ................................................................................84 3.3.1 Conceito e Perspectivas das Organizações .................................................................84 3.3.2 As Modernas Organizações e a Comunicação .............................................................86 Capítulo 4 As orgANizAções moderNAs - ANálise FilosóFiCA 4.1 Alguns Conceitos de Administração – A Escola Clássica ..................................................954.4.1 A Administração e as Novas Estruturas de Emprego ................................................. 102 4.2 Discussão dos Múltiplos Usos da Ética – Na Profissão, nas Organizações e na Sociedade 104 Capítulo 5 A vAlidAção dAs Asserções ou o ProblemA dA verdAde 5.1 Questões sobre a Verdade ......................................................................................... 114 5.2 Conceituando o nosso Conhecimento sobre a Verdade ................................................ 115 5.3 A Verdade – Pensando junto com Sócrates ................................................................. 116 5.4 As Possibilidades do Conhecimento da Verdade ........................................................... 120 5.4.1 Husserl – O Conhecimento do Mundo como Relação ................................................. 122 5.5 Concepções de Verdade ............................................................................................ 123 5.6 Do Dogmatismo à Atitude Crítica ............................................................................... 126 Referências .................................................................................................................... 134 Estudos Complementares ................................................................................................ 140 9 Amor ao saber – a palavra filosofia tem origem grega e é composta de duas ou- tras: philo, que deriva de philia e significa amor fraterno, amizade, respeito entre os iguais; sophia significa sabedoria e vem dela a palavra sopho, sábio. Apresentação Normalmente, a Filosofia é vista como algo distante da vida das pessoas comuns, interessando apenas aos intelectuais. A partir desse entendimento, há quem questione: para que serve a Filosofia? Esse conhecimento tem função prática na vida das pessoas? Por que estudar a disciplina de Filosofia no curso de Administração? Essas são algumas das respostas que alcançaremos ao final da nossa jornada! De imediato, devemos compreender que a Filosofia nos convida ao saber, ao bem usar dos argumentos e dos conceitos comuns em nossa vida prática e que exatamen- te por isso são pouco refletidos por nós. A Filosofia não pretende ser prática, entretanto aparece como ferramenta que pode ser utilizada para ajudar a resolver vários problemas cotidianos e organizacionais. O objetivo deste livro não é fazer uma história da Filosofia, e sim, por meio de um passeio pelos temas filosóficos, aprender caminhos para pensar a organização moderna a partir do conhecimento milenar da Filosofia e dissolver o entendimento equivocado sobre esta disciplina, que é uma procura amorosa da verdade, um amor ao saber. Este livro contém cinco capítulos, assim distribuídos: No primeiro capítulo, intitulado “A filosofia e uma nova leitura do mundo”, será realizada a apresentação da disciplina ao pensar filosófico, mostrando também seu conceito e os principais elementos constitutivos. As questões filosóficas que nos acompanharão nesse primeiro momento serão: o que é a Filosofia e qual a atitude do filosofar. O segundo capítulo, “O ser humano, um animal que pensa e argumenta”, cen- traliza uma discussão que tem um pouco de aspecto antropológico, pois está focada no ser humano. Quem é esse ser que questiona o mundo e a si mesmo? Discutiremos como a linguagem e a cultura se tornaram importantes para a diferenciação do animal humano no mundo. Já o capítulo 3, “Conhecimento e suas diferentes formas de compreensão da realidade”, coloca a discussão em torno das dimensões da linguagem, direcionada para a realização do trabalho e das organizações modernas. 10 O capítulo 4, “As organizações modernas – análise filosófica”, traz uma discussão sobre as organizações. O capítulo 5, “A validação das asserções ou o problema da verdade”, trata da verdade como um valor e um ponto chave para o conhecimento. A discussão será sobre a diferença entre ignorância, incerteza e insegurança, como elementos diferenciados na busca do conhecimento verdadeiro e também serão apresentadas algumas teorias sobre a verdade. Convidamos você a embarcar conosco nessa aventura rumo ao conhecimento filosófico, que a cada porto nos abrirá novos horizontes! Bons estudos! 11 A FilosoFiA e umA NovA leiturA do muNdo Capítulo 1 12 Enquanto nos arrumamos para nossa viagem, iremos também tratar de um tema que constitui a base do pensamento filosófico: a habilidade de pensar e argumen- tar – uma ocupação da Filosofia. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • identificar a origem e as características do pensamento filosófico; • interpretar a atitude filosófica como reflexão radical, totalizante e neces- sária acerca da realidade. O homem pode ser, ou treinado, disciplinado, instruído mecanicamente, ou ser em verdade ilustrado. Treinam-se os cães e os cavalos; e também os homens podem ser treinados. Entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar (KANT, 2004, p. 27). Introdução 1.1 Um Novo Olhar sobre o Mundo Quem faz Filosofia é filósofo. Mas o que você imagina quando ouve falar do filósofo? É comum a imagem de um homem distraído, muitas vezes deselegantemente, sem atenção às coisas cotidianas e que anda pela rua abordando transeuntes com per- guntas pouco práticas. Essa imagem do filósofo pode ser atribuída à história de dois de seus primeiros representantes: Tales de Mileto e Sócrates. O primeiro, Tales de Mileto, viveu no século VI a.C., seu interesse era o estudo das estrelas. Conta a lenda que um dia, olhando para o céu, tropeçou e caiu em uma vala. Como poderia ele conhecer o céu, se nem via o que estava a sua frente, per- guntou o serviçal que o acompanhava. Já o filósofo ateniense Sócrates, mais conhecido pela sua famosa frase “Só sei que nada sei!”, é descrito como um homem nada bonito, que andava amarrotado e despreocupado com as modas locais. Passeava vagarosamente pelas ruas da cidade abordando as pessoas e juntando jovens sedentos de saber. Sócrates buscava entender Tales – filósofo pré-socrático, nascido em Mileto, considerado um dos primeiros cientistas da história ocidental porque tentava compreender o mundo sem invocar os deuses. Entre seus feitos previu um eclipse solar, sabia medir a altura de grandes monumentos, como uma pirâmide, pelo comprimento da sobra e a altura do sol no horizonte. Também foi o primeiro a elaborar teoremas matemáticos. 13 sobre o homem, sobre o que ele era e o que poderia tornar-se. Questionava suas cren- ças. Questionava sobre a verdade, a mentira, o tempo, a razão, o belo e tantas outras palavras abstratas, perguntando “o que é isso?”. Saiba Mais FIGURA 1 – Pitágoras representado na Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, a qual reúne sábios de diferentes épocas como se fossem colegas de uma mesma academia. Lembra-se de Pitágoras? Aquele do teorema que leva seu nome, bastante estudado na Ma- temática? Lembra sim, o teorema que diz que em um triângulo retângulo, a soma do qua- drado dos catetos é igual ao quadrado da hi- potenusa. Pois bem, Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.) foi o primeiro filósofo a usar a palavra Filosofia como procura amorosa da verdade (philos-sophia), quando afirmou que a sabe- doria plena e completa pertence apenas aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se amantes do saber. Fonte: Wikimedia Commons (2012). Sócrates – foi o primeiro dos três filósofos clássicos do pensamento ocidental (os outros foram Platão e Aristóteles). Conduziu a transição do pensamento do perí- odo cosmológico (reflexão sobre o universo) para o antropológico (preocupação com a ética e a existência humana). O seu lema era “Conhece-te a ti mesmo”. De que maneira essa imagem do filósofo pode nos ajudar em nosso curso? De imediato, ela nos conduz a duas observações: A primeira é que ela distorce a imagem da Filosofia, já que se imagina o filó- sofo como aquele que se retém ao mundo contemplativo. O seu saber, decorrente dessa sua contemplação,é um saber distante e nada prático, ou seja, não serve para nada. A segunda é que a própria atitude do filósofo, que contempla e questiona as questões abstratas, modifica essa primeira impressão, pois são essas reflexões sobre as palavras abstratas que permitem o progresso científico. 14 Ora, tais ideias, como a de verdade, do pensamento racional, do co- nhecimento obtido por meio de métodos racionais, assim como a ideia de que há crescimento do saber graças ao acúmulo progressivo de conhecimentos, não são ideias científicas, e, sim filosóficas. Em outras palavras, os fundamentos teóricos das ciências não são científicos, mas filosóficos, e, sem a Filosofia, as ciências não seriam possíveis. Atenção A importância da Filosofia não para por aí! Ela também reflete sobre as paixões, os ví- cios, a liberdade, a vontade, os desejos, a honestidade, a justiça e as condutas morais ou éticas. A Filosofia também pode ser uma orientação para a virtude que é o princípio do bem viver! Essas questões são importantíssimas para a gestão em organizações, vamos observá-las mais de perto no Capítulo 3. Vamos retornar a nossa análise do filósofo como aquele que contempla a realidade e a critica. Será, então, que podemos dizer que a Filosofia nos convida a fazer uma nova leitura do mundo? Vamos investigar! Para entender melhor essa afirmação vamos pensar nas nossas relações co- tidianas simples, os cheiros que reconhecemos, o movimento de sentar em uma cadeira ou abrir uma porta, a resposta ao cumprimento de um amigo ou de alguém desconhe- cido. Aprendemos ao decorrer de nossas vidas a atribuir significados a algumas ações, cheiros, ruídos e responder adequadamente a elas. Se um cachorro vem para perto de nós balançando o rabinho, lemos o signi- ficado desse ato como uma demonstração de felicidade ou demonstração do seu afeto. Se, em outra situação, ele late e mostra os dentes, damos o significado de raiva e nervo- sismo. Já o ganido ou uivo do cão são interpretados como dor, lamento ou fome. Ler, interpretar ou significar o mundo são sinônimos e são os nossos sentidos (olfato, visão, paladar, audição, tato e a cinestesia) que nos orientam nessa atividade. Cinestesia – capacidade que temos de sentir e compreender o espaço em nossa volta por meio dos nossos movimentos e não pela visão. Ninguém duvida que a ciência é um conhecimento verdadeiro, conseguido por meio do rigor e método, que busca agir sobre a realidade. O que quase ninguém ob- serva é que o progresso científico, que permite esse conhecimento verdadeiro, tem como base questões que se fundamentam em um solo filosófico. É a Filosofia que pergunta o que é verdade, o que é certo, o que é vida ou viver! Assim, é ela que dá as bases para a análise científica, como bem observa a filósofa Marilena Chaui (2010, p.11): 15 QUADRO 1 – Diferenças no cotidiano do campo e da cidade Leite Vida Urbana Vida Rural O leite chega embalado, pasteurizado e pronto para o consumo. O leite precisa ser retirado, tem bastan- te nata e precisa ser fervido para não estragar. É associado ao consumo e à industrialização. É associado ao trabalho de ordenha da vaca, à relação de amamentação do bezerro. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). Nesse primeiro exemplo, podemos ver como o local onde se vive em um mesmo país pode orientar as vivências cotidianas e suas significações. Na zona urbana, o leite embalado simboliza a praticidade que o corre-corre desses ambientes nos conduz. É possível que uma criança urbana nem perceba a relação do leite que bebe com a relação de aleitamento entre a vaca e o bezerro, o que é improvável para uma criança da zona rural que comumente acompanha a ordenha. No segundo exemplo, vamos observar a bicicleta. No Brasil, a bicicleta é normalmente pensada como meio de recreação ou de esportes. Quando pequenos an- siamos por conseguir nos equilibrar sobre as suas duas rodas e poder passear, mas não a usamos, ou apenas ocasionalmente, como um meio de transporte. Observando a Figura 2, veremos o exemplo da cidade de Barcelona, na Es- panha. Lá, e também em outros lugares do mundo, a bicicleta não apenas é um meio de transporte utilizado por grande parte da população, ela é um meio de transporte público. Os cidadãos pagam uma taxa anual e podem utilizar as bicicletas para se locomover pela cidade. Além dos sentidos, a nossa leitura do mundo é feita a partir das experiências cotidianas, essas vivências dependem de vários condicionantes: a nossa idade, o lugar onde moramos, o nosso sexo e a nossa identidade sexual, o país e a época em que vi- vemos, também a nossa classe social e os grupos culturais dos quais fazemos parte. As nossas leituras são orientadas pelas nossas histórias de vida! Vamos observar dois exemplos com objetos presentes em nossa vida cotidiana. 16 A vivência que eles têm do espaço público, da dinâmica do trânsito, do respeito ao ciclista é construído baseado nessa relação do seu dia a dia com a bicicleta como meio de transporte. As pessoas vão ao trabalho de terno e gravata, de saltos e vestidos em suas bicicletas ou nas bicicletas públicas, deixando seus carros na garagem para os fins de semana e dias de passeio. Nessas cidades seria impossível imaginar um motorista jogando seu carro contra vários ciclistas como ocorreu aqui no Brasil. Grupo de ciclistas é atropelado em Porto Alegre A Delegacia de Delitos de Trânsito de Porto Alegre investiga o atropelamento de um gru- po de ciclistas ocorrido na noite de sexta-feira. Nove pessoas foram levadas ao Hospital de Pronto Socorro. Todas foram liberadas sem ferimentos graves, segundo o hospital. O atropelamento ocorreu por volta das 19h30 na esquina das ruas José do Patrocínio e Luiz Afonso, no bairro Cidade Baixa. O motorista fugiu do local. Inconformados, os ciclistas chegaram a fechar a avenida. Mais de 100 ciclistas participavam do evento pro- movido pelo movimento Massa Crítica quando um carro entrou no meio do comboio derrubando dezenas de participantes. Para o grupo, que publicou em seu blog vídeos com depoimento dos ciclistas e imagens das bicicletas destruídas, o atropelamento foi considerado um crime e não um acidente. [...]. Segundo a delegada Laura Rodrigues Lopes, a Brigada Militar localizou um automóvel Golf de cor preta abandonado cuja placa é a mesma identificada por testemunhas do atro- pelamento. De acordo com ela, as circunstâncias do atropelamento precisam ser investi- gadas. “O primeiro passo é apurar a autoria, mas antes de colher todos os depoimentos não dá para dizer o que provocou o atropelamento”, disse. Fonte: G1 (2011). FIGURA 2 – Ponto de bicicleta em Barcelona A placa indica as paradas existentes na cidade Na parada das bicicletas, com a carteirinha, os cidadãos liberam as bicicletas e podem uti- lizar por duas horas, podendo ser devolvidas na parada mais próxima. Fonte: Quatro cantos do mundo (2012). 17 Na maior parte de nossas vidas não ficamos procurando significado sobre as coisas do mundo, as nossas vivências cotidianas, que nos dão a lente para enxergar o mundo e para alcançar várias de suas interpretações, nos permite viver confiantes. Esse modo de estar no mundo é chamado de atitude natural e ele nos orienta a uma forma específica de conhecimento que é o senso comum. Esse conhecimento, por ser resul- tado de uma vivência prática, muitas vezes faz com que a leitura do mundo torne-se um pouco mecânica e passamos a aceitar as primeiras evidências que nos são apresentadas. Senso comum – conjunto de crenças, hábitos, opiniões e valores que herdamos e par- tilhamos do nosso grupo social (família, escola, trabalho, meios de comunicação, etc.). É um saber que não resulta apenas do aprendizado social, mas também das experiências individuais, e que aceitamos como verdadeiro, sem questionamento. Aceitamos os saberes do senso comum porque neles somos socializados e eles nos ajudam na resolução dos problemas práticos da vida cotidiana. Por ser um saber que resulta de nosso aprendizadosocial, temos a tendência de naturalizá-los e afirmá- -los como verdadeiros para todas as épocas, lugares e povos. Observe que senso comum é uma forma de conhecimento, mas é um saber empírico e imediato adquirido nas vivências práticas cotidianas, ou seja, é diferente do saber das ciências, porque a ciência se baseia em alguns critérios básicos, que podem ser descritos como: necessidade de verificação, técnicas de explicação e renúncia de juízos de valor. FIGURA 3 – O pôr do sol Fonte: Wikimedia Commons - Paul Charbonneau (2012). Quando falamos que o sol se põe, estamos lidando com o conheci- mento do senso comum, pois todos nós sabemos que é a Terra que gira em torno do sol. Naturalizar – é dizer que algo vem da natureza. Na sociedade humana quase nada é natural. O homem é um animal social e organiza as sociedades por meio de acordos fir- mados para o bem viver, de modo que as suas verdades são sociais e culturais. Quando damos uma crença como naturalizada, estamos dizendo que ela faz parte da natureza humana, e não que ela foi criada por ele. 18 Saiba Mais Caracterização do senso comum O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se dis- tingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do “conhecer”. [...] pode-se dizer que o conhecimento vulgar ou popular, latu sensu, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos: “é o saber que preenche a nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem haver refletido sobre algo” (BABINI, 1957, p. 21). O conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente: • superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode compro- var simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como “porque o vi”, “porque o senti”, “porque o disseram”, “porque todo mundo diz”; • sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária; • subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto os “por ouvir dizer”; • assistemático, pois esta “organização” das experiências não visa a uma sistematiza- ção das ideias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las; • acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica. Fonte: Lakatos; Marconi (1991, p. 76,77). O senso comum se impõe a todos do grupo por meio da educação e na- quelas horas em que precisamos resolver as coisas da vida cotidiana. Por isso, ele não é refletido e se impõe sem críticas ao grupo. É um saber irrefletido que se impõe sem crítica fazendo com que os valores e atitudes adotados sejam, muitas vezes, incoerentes e sustentadores de preconceitos. O senso comum, ao se constituir desse cotidiano compartilhado, forma um conjunto de saberes e opiniões que orienta de modo prático as pessoas de um dado grupo social. Normalmente esse saber é desqualificado, mas ele constitui uma herança cultural que tem a função de orientador nas atividades ligadas à sobrevivência imediata, tais como as formas de comer, as relações com a segurança, com os valores e também aos senti- mentos. Dessa forma, o senso comum é um conhecimento que orienta de modo prático as decisões cotidianas. 19 As ações diárias têm como base esse conhecimento que nós adquirimos pela família ou pela tradição do lugar onde vivemos, por isso não passam por uma reflexão crítica, nem por métodos e investigação. Porém, o senso comum, como boa forma de conhecimento e de coerência das verdades, tem um limite, que é quando as nossas crenças se chocam com o resultado de diferentes experiências que as contradizem. Preconceito – de modo geral, são conceitos ou opiniões formados antecipadamente. Para a Filosofia, são aquelas opiniões aceitas sem discussão ou análise prévia, que orien- tam o modo de agir e considerar as coisas. Normalmente, são internalizadas sem que as pessoas se deem conta disso. Saiba Mais Aparência e realidade Na vida cotidiana admitimos como certas muitas coisas que, depois de um exame mais minucioso, nos parecem tão cheias de contradições que só um grande esforço de pen- samento nos permite saber em que realmente acreditar. Na busca da certeza é natural começar pelas nossas experiências presentes e, num certo sentido, não há dúvida de que o conhecimento deriva delas. É possível, no entanto, que qualquer afirmação acerca do que nossas experiências imediatas nos permitem conhecer esteja errada. Parece-me que estou agora sentado numa cadeira, diante de uma mesa de determinada forma, so- bre a qual vejo folhas de papel manuscritas ou impressas. Se virar a cabeça observarei, pela janela, edifícios, nuvens e o Sol. Creio que o Sol está a uns cento e cinquenta mi- lhões de quilômetros da Terra; que é um globo incandescente, muitas vezes maior que a Terra; que, devido à rotação terrestre, nasce todas as manhãs, e continuará fazendo o mesmo no futuro, durante um tempo indeterminado. Creio que, se qualquer outra pes- soa normal entrar em meus aposentos verá as mesmas cadeiras, mesas, livros e papéis que eu vejo, e que a mesa que vejo é a mesma mesa que sinto pressionada contra meu braço. Tudo isso parece tão evidente que nem vale a pena ser mencionado, a não ser em resposta a quem duvide de que conheço alguma coisa. Não obstante, tudo isto pode ser posto em dúvida de um modo razoável, e requer em sua totalidade uma discussão mui- to cuidadosa antes que possamos estar seguros de que o expressamos de uma forma que é completamente verdadeira. Para tornar evidentes estas dificuldades, concentremos a atenção na mesa. Para a vista a mesa é retangular, escura e brilhante, enquanto que para o tato ela é lisa, fria e dura; quando a percuto, produz um som de madeira. Qualquer pessoa que a veja, sinta e ouça o seu som, estará de acordo com esta descrição, de tal modo que parece que não existe aqui dificuldade alguma; porém, a partir do momento em que tentarmos ser mais pre- cisos, começarão os nossos problemas. Embora eu acredite que a mesa é “realmente” da mesma cor em toda sua extensão, as partes que refletem a luz parecem muito mais 20 Apesar de nossas crenças cotidianas serem normalmente sustentadas pelo senso comum, temos também crenças filosóficas. Ah, você duvida? Então observe! Você acredita que as coisas que aprendeu no passado podem te ajudar em atividades futuras? A maioria das pessoas acredita. E mesmo que você não acredite, concorda com a existência do tempo e sua divisão em passado, presente e futuro? Essa é uma crença filosófica. Assim como acreditar na existência de almas imortais que ani- mam nossos corpos, que são finitos (tem fim). Também a existência ou não de Deus, o que é certo ou o que é errado, as condutas éticas e os vícios, a realidade do mundo em nossa volta, são questões filosóficas. Essas crenças que têm sua base filosófica se misturam com as crenças do senso comum, porque nós não refletimos sobre elas assumindo as verdades dadas pelo nosso aprendizado cotidiano. Mas quando o filósofo nos convida a fazer outra leitura do mundo, ele está nos chamando para fazer uma análise dessas nossas crenças cotidianas aprendidas desse saber que é o senso comum. O filósofo nos convida a olhar o mundo duvidando das nossas primeiras interpretações, nos convida a olhar o mundo com outros olhos, com olhos de criança. Fonte: Russel (2005). brilhantes que as outras partes, e algumas partes, devido ao reflexo, parecem brancas. Sei que, se me deslocar, as partes que refletirão a luz não serão as mesmas, de modo que a distribuição aparente das cores na superfície da mesa mudará. Por conseguinte, se várias pessoas contemplarem a mesa no mesmo momento, nenhuma delas verá exa- tamentea mesma distribuição de cores, porque nenhuma delas pode vê-la exatamente do mesmo ponto de vista, e qualquer mudança de ponto de vista produz uma mudança na forma como a luz é refletida. Para a maioria de nossos objetivos práticos estas diferenças não têm importância algu- ma, mas para o pintor são muito importantes. O pintor tem de perder o hábito de pen- sar que as coisas parecem ter a cor que o senso comum afirma que “realmente” têm, e habituar-se, ao invés disso, a ver as coisas tal como aparecem. Eis aqui a origem de uma das distinções que mais causam dificuldades na filosofia: a distinção entre “aparência” e “realidade”, entre o que as coisas parecem ser e o que elas são. O pintor deseja saber o que as coisas parecem ser, enquanto o homem prático e o filósofo desejam saber o que são. Contudo, o filósofo deseja este conhecimento com muito mais intensidade do que o homem prático, e sente-se muito mais perturbado pelo conhecimento das dificulda- des que existem para responder a este problema. 21 Pare e Reflita Como exemplo do nosso conhecimento do senso comum, convido você a analisar um assunto muito importante que é a ideia de raça como algo real. Essa ideia construída para justificar um momento histórico ainda é forte em algumas discussões, causando separações e problema na vida de muitas pessoas! Todo mundo fala em raça negra, ariana, branca, amarela ou vermelha. Mas você já pa- rou para pensar sobre isso? Vimos que o conjunto das crenças do senso comum não é igual para todos os grupos sociais. No entanto, algumas ideias do senso comum podem ser amplamente difundi- das, causando prejuízo a muitas pessoas. Vejamos, por exemplo, a formação do senso comum sobre raça. Ela começa após a Revolução Industrial (fim do século XVIII até fim do século XIX), quando os europeus buscavam explicar e descrever os habitantes e o mundo que estavam sendo “descobertos” com as grandes navegações. A noção que orientava tal explicação do mundo era chamada de evolucionismo. Na concepção do evolucionismo todas as sociedades humanas passavam por uma estrada de desenvolvimento em sua organização social e cultural, que partia de uma forma sim- ples (chamada “estado de natureza”) até alcançar uma forma mais complexa (a “civili- zação”). O parâmetro principal dessa avaliação era o desenvolvimento das suas técnicas materiais. Você tem dúvida de quem os europeus colocaram como os mais civilizados? Eles pró- prios, obviamente! Assim, o evolucionismo foi rapidamente utilizado para tentar provar a evolução da espécie humana e justificar as relações de poder por meio de uma hie- rarquia de tipos humanos, fazendo surgir duas ideias que sustentam até hoje o senso comum sobre a raça: o racialismo e o racismo. O racialismo é a ideia de que a humani- dade está dividida em raças com características fenotípicas e psicológicas distintas. E o racismo é a ideia de que essas supostas raças são diferentes porque tem capacidades e potencialidades também diferentes. Características fenotípicas – referem-se à aparência dos indivíduos, ou seja, a cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz, etc. O desenvolvimento das ideias racistas resultou na discriminação racial que significa na prática o tratamento desigual entre povos ou grupos fenotipicamente distintos. 22 1.2 Filosofia – Atitude e Reflexão Vamos iniciar este tópico com uma reflexão de Chaui (1995, p. 12): “Pergun- taram, certa vez, a um filósofo: ‘Para que a Filosofia?’. E ele respondeu: ‘Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações.’” Você já reparou como as crianças perguntam e questionam sobre tudo? É um tal de “por que?” para lá e para cá! Os adultos, às vezes, se aborrecem, pois estão fazendo outras coisas e precisam parar para responder a tantas questões. Os gregos antigos chamavam esse questionamento de thauma e é a isso que eles nos convidam! Quando a criança questiona “o que é?”, ela busca entender aquilo que ela está vivendo ou sentindo. Como o mundo ainda é novo para ela, tudo se torna motivo de questionamento e é a isso que a Filosofia nos convida. A esse espanto que, na verdade, é um distanciamento diante da vida que nos faz refletir sobre ela e sobre nós mesmos. Thauma – é o espanto, o assombro diante das coisas da vida, que leva o indivíduo a querer saber mais. É aquele estado de perplexidade que nos conduz à dúvida e a uma nova forma de pensar. Lembre-se Recorda quando falamos do senso comum? Junto com a orientação prática para as coisas da vida, o senso comum nos oferece uma sensação de familiaridade com o mundo. Essa sensação que nos põe em uma relação ingênua com o mundo, pois torna tudo familiar, evidente e inquestionável é a atitude natural. O thauma rompe essa relação naturalizada e familiar com as coisas, nos levando a estranhar o cotidiano e, assim, fazendo surgir o ques- tionamento filosófico. Por isso, para Aristóteles, o thauma é a origem e a raiz do filosofar. FIGURA 4 – Aristóteles Fonte: Wikimedia Commons (2012). Aristóteles – filósofo conhecido como o fundador da lógica e por suas discussões sobre a ética. Para ele, o objetivo da ética era a felicidade e ser feliz era ter uma vida digna. A virtude era uma atividade prática que se aprendia na vida social. Foi um pensador importan- te em várias áreas do conhecimento, como biologia, física, história natural, poética, além das áreas filosó- ficas, como ética, teoria política, estética e metafísica. Contribuiu tanto para a Filosofia quanto para outras áreas do conhecimento. 23 Vamos falar um pouco da atitude filosófica? Segundo acabamos de dizer, quando a Filosofia nos convida para olhar o mundo de um jeito novo, ela nos convida ao espanto diante das coisas comuns do nosso cotidiano, que foi exemplificado com a perguntinha das crianças: “por que”? A Filosofia é uma atitude de não aceitar como óbvia as situações cotidianas da vida, por isso dizemos que a primeira característica da atitude filosófica é negativa, ao questionar o nosso mundo cotidiano dizemos não ao senso comum, às suas crenças e opiniões impensadas. Observe que a ideia não é jogar fora todos os valores, opiniões e crenças que aprendemos em nossa vida, mas colocarmos todos eles em suspenso, ou em parênteses, para poder compreender melhor suas causas e sentido. Já a segunda característica é positiva! É o questionamento sobre o que, o porquê e o como das coisas. Saiba Mais Primeiro a Filosofia questiona as crenças e os preconceitos. Depois ela os coloca sobre a mesa para um exame atencioso e criterioso. O que a Filosofia quer é esse questionar! A atitude filosófica é essencialmente indagação, e é nesse momento de inda- gação sobre a origem e a causa do mundo das coisas e dos homens que surge a postura crítica. Crítica – vem do verbo grego krisein (o mesmo que leva à palavra crise) e significa entre outras coisas capacidade de julgar e decidir corretamente; exame das coisas sem pre- conceito ou prejulgamento; atividade de avaliar detalhadamente alguma coisa. A crítica da atitude filosófica se constrói baseada no susto inicial, na dúvida e no rigor de análise. Observe no quadro a seguir: Saiba Mais Vejamos o vocábulo crítica no Dicionário Escolar de Filosofia on-line da editora portu- guesa Plátano: Crítica O ato de examinar cuidadosamente uma obra, teoria ou opinião, procurando determi- nar se são boas ou verdadeiras e avaliando os argumentos ou ideias em que se apoiam. A filosofia é uma atividade crítica, pois procura-se sempre determinar se as ideias, teo- rias ou opiniões filosóficas propostas são verdadeiras e se se apoiam em bons argumen- tos. Para o filósofo, uma opinião que não seja sustentada por bons argumentos, ainda 24 Mas o que é refletir? Essa palavra vem do latim reflectere, refere-se a um voltar atrás, questionar o que já é conhecido. A filósofa brasileira Marilena Chaui observa que a reflexão acontece como um movimento de retorno em volta de si mesmo, pois ele inicia interrogando a própriaforma de pensar, como é possível o próprio pensamento (CHAUI, 2010, p. 21). Assim, refletir é algo como repensar o pensamento, é colocar o pensamento como objeto de análise. E refletir é importante para termos autonomia, condição para a crítica e a responsabilidade como ser social. FIGURA 5 – Reflexão filosófica Para ser filosófica, a reflexão precisa ser radical, rigorosa e de conjunto. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). que seja verdadeira, não passa de um preconceito. A crítica não tem de ser negativa. Podemos ser críticos concordando com as opiniões dos outros, desde que encontremos boas razões para concordar com elas. Mas ser crítico implica também ter abertura de espírito para discutir racionalmente as nossas próprias ideias e até para as abandonar, caso não existam boas razões a seu favor. A atitude da pessoa crítica opõe-se à atitude da pessoa dogmática (AIRES, 2003). Atenção Quando se fala em atitude filosófica a gente deve lembrar que: • essa atitude se inicia com o thauma, ou seja, na estranheza e espanto que os homens sentem diante do desconhecido; • é preciso duvidar das verdades do senso comum e problematizar o que é natural e familiar; • esse questionamento tem que ser radical (ir até a raiz) e rigoroso (não deve admitir ambiguidades, ideias contraditórias ou termos imprecisos); • as questões inicialmente se dirigem ao mundo e à relação que mantemos com ele, mas percebemos que na verdade elas dizem respeito a nossa capacidade de pensar. Como se volta sobre si, torna-se reflexão! 25 Observe que a reflexão filosófica não é aquilo que chamamos de “achismos” ou baseada apenas nos gostos pessoais, ela é um pensamento sistemático, ou seja, opera um raciocínio com ideias e enunciados precisos e encadeados de forma lógica, buscando comprovar o que se diz. Esse encadeamento lógico é que permite que o ques- tionamento do senso comum não caia em uma elaboração preconceituosa e também baseada em experiências cotidianas individuais. Saiba Mais A reflexão filosófica é diferente da reflexão que fazemos no dia a dia? Sim, é diferente por um motivo claro: a reflexão filosófica precisa ser radical, rigorosa e de conjunto. Veja transcrição, a seguir, sobre esse assunto: Características da reflexão filosófica, conforme Dermeval Saviani (apud ARANHA; MARTINS, 1995, p. 89-90): Radical: a palavra latina radix, radicis, significa “raiz” e, no sentido figurado, “funda- mento, base”. Portanto, a Filosofia é radical não no sentido corriqueiro de ser inflexível (nesse caso seria a antifilosofia!), mas na medida em que busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos de pensar e do agir. Por exemplo, a filosofia das ciências examina os pressupostos do saber científico, do mesmo modo que, diante da decisão de um vereador em aprovar determinado projeto, a filosofia política inves- tiga as raízes (os princípios políticos) que orientam a sua ação. Rigorosa: enquanto a “filosofia de vida” não leva as conclusões até as últimas consequên- cias, nem sempre examinando os fundamentos delas, o filósofo deve dispor de um mé- todo claramente explicitado a fim de proceder com rigor. Assim os filósofos inovam nos seus caminhos de reflexão [...]. São inúmeros os métodos filosóficos em que se apoiam os filósofos para desenvolver um pensamento rigoroso, fundamentado a partir de argumen- tação, coerente em suas diversas partes e, portanto, sistemático. De conjunto: a filosofia é globalizante, porque examina os problemas sob a perspectiva de conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si. Neste sentido a filosofia visa ao todo, à totalidade. Mais ainda, o objeto da filosofia é tudo, porque nada escapa a seu interesse. Daí sua função de interdisciplinaridade, ao estabelecer o elo entre as diver- sas formas de saber e agir humanos. Enquanto a atitude filosófica é um questionamento rumo a um saber sobre a realidade exterior, a reflexão filosófica volta-se para os seres humanos, sobre a realida- de interior a eles e suas relações, para o próprio pensamento (o que é pensar), para a linguagem (o que é falar?) e para a ação (o que é agir?). Podemos, então, afirmar que a Filosofia (embora seja teórica) é uma reflexão sobre a totalidade da experiência vivida, e como tal nunca termina, porque ela é sempre uma busca: 26 A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e de- finitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito (JASPERS, 1965, p. 101). Atenção Grandes questões da Filosofia De onde viemos? Para onde vamos? O que é o homem? Qual a atitude correta? Na Filosofia nenhuma dessas questões está encerrada, todas podem ser retomadas e discutidas a partir de outros olhares e perspectivas. A principal finalidade no ensino da Filosofia é auxiliar e estimular o pensamento crítico e metódico sobre as coisas da vida e do próprio homem. 1.3 O Nascimento da Filosofia É consenso que a Filosofia nasceu na Grécia com os filósofos anteriores a Sócrates, mais notadamente Tales de Mileto, embora tenha sido o seu contemporâneo Pitágoras que tenha cunhado o nome Filosofia. Nós já falamos sobre isso, mas não pa- ramos para refletir como nasceu a Filosofia, ou seja, como surgiu esse modo de pensar que sai do conhecimento vulgar e cotidiano, que passa pelos dois momentos da reflexão e se coloca frente à realidade de uma maneira crítica? Como surgiu esse modo de pensar que é também uma postura crítica frente ao mundo? Será que a Filosofia surgiu como um milagre na Grécia? Ou será que, por serem comerciantes, os gregos copiaram o conhecimento de outros lugares? Na história de como surgiu a Filosofia, essas duas ideias têm um fundo de verdade, porém não de- vem ser vistas como causas únicas. Vamos observar mais de perto tanto as contribuições do saber que foram recebidas de outros grupos, principalmente os orientais, quanto o chamado milagre na forma de pensar ocorrida pelos próprios gregos. Inicialmente, essas duas ideias sobre o nascimento da Filosofia eram fortes e se contradiziam, porém com o aprofundamento de estudos arqueológicos, históricos, linguísticos, ocorridos no século XIX, essas questões foram reanalisadas. A ideia de que os gregos absorveram o conhecimento dos povos, principal- mente os do oriente, foi afirmada na Antiguidade Clássica como uma forma de agregar valor ao conhecimento oriental ligado à cultura dos judeus na época. Embora coerente, já que os gregos em suas atividades comerciais tiveram contato com a sabedoria des- ses povos (como a agrimensura dos egípcios, a astrologia dos caldeus e babilônicos, a 27 genealogia dos persas), essa ideia não se justifica por si só, pois outros grupos também fizeram esses contatos comerciais e culturais e não desenvolveram a Filosofia. Vamos observar agora o “milagre grego”, assim chamado devido à ideia de que a Filosofia tinha surgido do nada, simplesmente porque os gregos eram um povo excepcional. Aqui está o maior erro dessa ideia, o milagre não deve ser entendido como um salto, um click, fruto da superioridade grega. A diferença ou o milagre que deu a possibilidade do nascimento da Filosofia na Grécia foi o modo como os seus sábios se apropriaram do conhecimento apreendido nos outros lugares, aliando-os aos conheci- mentos dos povos que já viviam no território que veio a se tornar a Grécia. Na busca de explicação para as coisas do mundo, os gregos inicialmente con- tavam com personagens e figuras mitológicas: heróis, ninfas, titãs habitavam o mundo junto com os humanos e influenciavam as suas vidas e a ordem do mundo. A natureza também indicava os acontecimentos vindouros e esses poderiam ser previstos a partir da sua observação pela pitonisa (uma espécie de oráculo ou adivinhação). Um exemplo fornecido pela professora Chaui (1995), que é bastante sig- nificativo em relação aos mitos, é que os sábios gregosaproveitaram as histórias mi- tológicas de outros povos, porém retiraram deles os aspectos apavorantes. Os deuses tornaram-se mais próximos dos humanos e a narrativa pôde ser mais racionalizada. A narrativa mítica grega ao trazer seres humanizados foi reformulando e racionalizando as histórias sobre as origens do mundo baseadas em geração divinas (cosmogonia), permitindo o surgimento da Filosofia como cosmologia. Mito – narrativa sagrada que explica o surgimento do mundo e a existência da humanidade. Cosmogonia – é formada por duas palavras gregas: cosmo - mundo ordenado; gonia - nascimento, geração. São narrações míticas sobre a origem ou geração do mundo, por meio da união dos deuses e, às vezes, de deuses e humanos (são genealogias). Cosmologia – logia/logos: pensamento racional. Assim, cosmologia significa teoria ou busca racional da ordem do mundo. Assim, as novidades foram apropriadas, e não apenas repetidas em outro território. Também as modificações históricas pelas quais a Grécia passava foram im- portantes orientações para o surgimento da Filosofia. Algumas transformações sociais e históricas foram de grande importância na modificação nas formas de pensamento. Para Vernant (1994), antropólogo e pesquisador da Grécia antiga, o surgi- mento da polis e da vida urbana foi decisivo. Ele observa que a língua, a divisão de po- deres e o surgimento da cidade (polis) foram as modificações sociais que influenciaram decisivamente o modo de pensar grego, abrindo espaço para o pensamento filosófico. 28 As transformações linguísticas estão relacionadas com a ruptura de conceitos gregos, pois muitos desapareceram ou tiveram o seu sentido modificado. Como exem- plo, podemos ver a supressão da figura do rei, antes soberano que unificava e ordenava os diversos elementos do reino, quase divino e que reunia em si todo poder que era ma- nifesto e todos os planos do social. Sua queda fez aparecer duas forças sociais: as comu- nidades aldeãs e a aristocracia guerreira, cujas famílias também detinham monopólios religiosos. A existência recente dessas duas forças sociais opostas causou um período de desordem, mas que direcionou a uma série de reflexões morais e especulações políticas que fez surgir uma primeira forma de sabedoria atrelada à figura dos sábios, os quais tinham o objetivo de discutir e alertar sobre o mundo dos homens, seu entendimento e o fim dos conflitos. Observe que com a queda do rei soberano a realeza também se modificou. Surgiu o basileu, que não tinha funções militares nem políticas. A noção política – sus- tentada na palavra grega arché que significa “comando” – tornou-se independente do poder real e religioso e deu ao poder uma concepção humana, pois ele tornou-se re- sultado de uma escolha que envolvia confronto e discussão. O basileu ficou restrito ao poder religioso, ele passou a realizar algumas funções sacerdotais. A pergunta era: como, no plano social, a vida em comum pode se sustentar no conflito? Para resolvê-la, surgiram duas entidades divinas: Eris (poder de conflito) e Philia (poder de união), as quais afirmam os dois lados dessa discussão, que apesar de serem opostos são forças complementares. A política tornou-se o poder do combate codificado e sujeito a regras, ou seja, uma disputa oratória. A praça pública (ágora) virou o lugar dos combates de argumentos realizados pelos seus habitantes, chamados de iguais. Surgiu a cidade (polis) tendo como centro a ágora, espaço público, central e comum. O aparecimento da polis foi muito importante para a história do pensamento grego, pois deu uma nova forma à vida social e às relações entre os homens. São três as características que possibilitaram a polis tais modificações sociais. A primeira característica é que a palavra tornou-se preeminente sobre todos os outros instrumentos de poder. A palavra estava relacionada à divindade Peithó, que é a força da persuasão, e, desse modo, foi remetida a palavra dos rituais mágicos e aos ditos do rei (ánax). Com a mesma força, a palavra tornou-se o debate contraditório, a discussão. Enquanto isso, a argumentação da palavra pressupõe um público para quem ela se dirige. Para esse público ela se expõe, e o público como um juiz decide, escolhe sobre os dois discursos apresentados pelos oradores. O comando, antes sob o poder do rei, agora se encontrava submetido à arte da oratória. A publicidade das manifestações sociais é a segunda característica da polis. Na polis o domínio público fixa-se em seus dois sentidos: como setor de interesse co- mum que se opõe a assuntos privados, e como práticas abertas e realizadas à luz do dia, 29 em oposição aos processos secretos. A necessidade da publicidade coloca os processos e a conduta dos basileus sob o olhar e questionamento de todos. Há polis porque há domínio público. A divulgação e a democratização de todos os atos geram uma modificação social importante, pois interfere nas questões espirituais. Antes, os mistérios eram posse dos sacerdotes e famílias tradicionais, garantindo-lhes poder. Quando passaram a ser discutidos perderam tal áurea mágica, já não existia mais a imposição pela força de um prestígio familiar ou religioso. A publicidade também gera a divulgação da cultura e das leis entre os gre- gos, isso porque a escrita deixa de ser um saber especializado, tornando-se um bem comum a todo cidadão. As leis passam a ser escritas, podendo ser conhecidas, o que lhes assegura permanência e fixidez. O direito também se torna bem comum, uma regra geral que deverá ser aplicada a todos da mesma maneira. A terceira característica é a semelhança, que dá a polis uma unidade, por mais que sejam diferentes as suas classes, origens e funções, isso porque os cidadãos se concebem no plano político, cuja norma é a igualdade. Ao invés das relações hierár- quicas, instala-se um vínculo de união, tornando-se iguais (isoi). A polis será o lugar da isonomia, onde todos os cidadãos exercem igual poder, porque todos estão submetidos às mesmas leis, que é na realidade quem detém o poder. Nesse diálogo, Chaui (1995) acrescenta alguns detalhes aos tópicos apresen- tados por Vernant (1994) quanto às condições históricas que possibilitaram o surgimento da Filosofia. São elas: as viagens marítimas permitiram o conhecimento de lugares que an- tes eram vistos como moradia dos deuses e que gerou a constatação de que, na verdade, eram habitados por outros seres humanos, levando a um desencantamento ou desmistifi- cação do mundo, de modo que o mito já não podia oferecer mais todas as explicações. Ob- serva também que a invenção do calendário, da moeda, assim como a escrita alfabética, permitiu essa nova forma de abstração que abriu o pensamento filosófico. Esse foi o caldeirão de modificações sociais que possibilitou o nascimento da Filosofia. A Filosofia nasceu, então, como cosmologia e corresponde ao período dos pré- socráticos (final do século VII ao final do século V a.C.), quando os primeiros filósofos buscavam um princípio originário e racional como origem e causa das transformações das coisas do mundo. A explicação era racional e sistemática. Negavam que o mundo tivesse sido criado ou surgido do nada, formularam a noção de physis, que é a natureza eterna, a qual dá origem a todos os seres e que está em permanente mutação, que é o movimento (devir). Todos os filósofos pré-socráticos buscavam encontrar na natureza o que seria esse princípio primordial. 30 1.4 Um Rápido Olhar sobre os Clássicos Foram três os principais pensadores do período clássico: Sócrates, Platão e Aristóteles. Com os acontecimentos desencadeados pelo surgimento da polis, a oratória e as artes da controvérsia tornam-se indispensáveis na educação dos jovens. Vimos que a ágora tornou-se o lugar para opinar e votar nas assembleias públicas. Foi preciso, então, ensinar aos jovens como se comportar na ágora. Apareceram novos professores, entre eles Sócrates e os sofistas. 1.4.1 Os Sofistas “O bom orador é capaz de convencerqualquer pessoa sobre qualquer coisa” Górgias Os sofistas apareceram nesse cenário como os novos responsáveis por dar aos jovens uma educação que os preparassem para os debates políticos, distanciando da educação tradicional dada pelos antigos poetas. Um jovem bem educado era o bom orador, que soubesse falar em público e convencer na ágora. Entre os sofistas mais importantes temos Protágoras e Górgias. Apresenta- vam-se como mestres da retórica e da oratória, afirmavam serem importantíssimas para a vida na polis. Como andavam por diversas cidades e países tinham conhecimento de várias “verdades sociais” e as utilizavam em seus argumentos para vencer as disputas e discussões sobre política. Para os sofistas o que interessava era a conquista do parecer favorável dos ouvintes, pois tinham compromisso com a vitória nos embates argumen- tativos, e não com a verdade. Os grupos sociais que visitavam tinham diferentes formas de organização (familiar, política, jurídica, etc.), por isso criticavam a ideia de verdade universal e os princípios abstratos da justiça, e ainda ensinavam a inexistência de uma natureza social humana. O Estado deveria se apoiar em uma base individualista e artificial, pois a auto- ridade política seria de caráter egoísta. Ao destruírem velhos dogmas que sustentavam o pensamento grego, os so- fistas foram importantes para preparar o caminho das doutrinas posteriores. Para Tales de Mileto, a physis, esse princípio eterno e imutável que origina as transformações, era a água. Outros filósofos do período pensavam diferente, vejamos alguns: para Anaximandro era o ilimitado, para Anaxímenes era o ar, para Heráclito era o fogo, para Demócrito eram os átomos. 31 1.4.2 Os Três Filósofos Clássicos – Sócrates, Platão e Aristóteles Sócrates (470-399 a.C.), nascido em Atenas, também era um filósofo itine- rante. No entanto, criticava e se opunha aos sofistas, acusando-os de não terem amor pelo saber e que ao defenderem qualquer ideia corrompiam o espírito dos jovens. Porém, concordava com a crítica a antiga educação pautada no ideal do guerreiro bom e belo. Importante O que nos propunha Sócrates? O estudo do homem e o que ele pode vir a se tornar! Daí usar o lema que estava gravado no pórtico do templo de Apolo, patrono da sabedoria: Conhece-te a ti mesmo! Como método, Sócrates usava o diálogo (ou maiêutica, que significa “trazer à luz”), dizia que as pessoas deveriam chegar à verdade interrogando a elas mesmas. Antes de quererem persuadir os outros, era necessário conhecer a si próprios, condição de possibilidade aos outros conhecimentos. O filósofo deveria apenas indicar o caminho a seguir, como a parteira que orienta e assiste o parto, mas deixa que a mulher dê à luz. Assim, fazia perguntas sobre valores e ideias. Se alguém falava em coragem, ele perguntava “o que é isso?”. Alguns se aborreciam porque esperavam que ele desse as respostas, mas ele apenas respondia: “só sei que nada sei”. Ao fazer essas questões, Sócrates levantava dúvidas sobre a crença e os valores dos atenienses, já tão abalada pelos sofistas. Parada Obrigatória A condenação de Sócrates Sócrates fazia as pessoas, principalmente os jovens, pensarem sobre a vida na polis e isso não era bom para os poderosos de Atenas. Tornou-se um perigo. Foi acusado de corromper os jovens, difundir ideias contrárias a religião tradicional e violar as leis. Deram para ele duas opções: o exílio ou a morte. 32 FIGURA 6 – “A morte de Sócrates”, de David – 1787 Sócrates toma a taça de cicuta e continua falando aos seus amigos. Fonte: Wikimedia Commons (2012). Levado à praça pública, Sócrates não se defendeu, pois defender-se seria aceitar as acusações. Ele preferia a morte a renunciar aos seus pensamentos. Foi conde- nado a morrer bebendo cicuta. Seu julgamento é relatado por Platão, seu discípulo, na obra Apologia de Sócrates, em que seus discípulos o defendem contra Atenas. Platão (428-347 a.C.) era filho da aristocracia ateniense, criado no conforto e participando dos jogos sociais. A partir do encontro com o mestre, quando tinha 20 anos, apaixonou-se pelo jogo do debate e da discussão filosófica. Em 387 a.C. fundou sua escola, a Academia, consagrada a deusa Atena. Seus interesses eram os estudos da Filosofia especulativa, da política e da matemática. Na entrada da Academia, que era situada em um jardim, tinha escrito a frase de Pitágoras “Não entre quem não saiba geometria”. As mulheres também podiam frequentar a Academia, o que não era comum naquela época. Aos 28 anos, Platão participou ao lado de Sócrates da injustiça que o mestre sofreu, o que causou um enorme desprezo pela democracia e pelas massas, mais forte do que a sua posição aristocrática poderia produzir. Para ele, tornara-se necessário des- truir a democracia e substituí-la por um governo dos mais sábios e melhores; porém, como tinha aprendido com Sócrates, era necessário fundamentar os seus argumentos em conceitos claros e seguros. Após a morte de Sócrates, Platão saiu de Atenas por pouco mais de 10 anos, conhecendo vários lugares, suas culturas e seus saberes. Foi o discípulo que primeiro levou o método da conversação para a forma literária, ao retratar as discussões socráti- cas. Também é famosa a sua Apologia de Sócrates, obra em que narra as circunstâncias da morte do mestre e se coloca em sua defesa. 33 Observa-se nos discursos platônicos dois impulsos que podem ser resumidos como uma vontade rumo ao conhecimento (aspiração ao saber/ciência) e uma concepção racional e objetiva do mundo do homem. Para Platão, a Filosofia deveria ser realizada como uma cultura ativa, uma sabedoria que se mistura com a atividade concreta da vida, tanto ciência quanto vida cotidiana, tanto teoria quanto prática. Além da defesa ao seu mestre, Platão escreveu três obras de grande impor- tância política: A República, O Político, e As Leis. Suas teorias e conceitos éticos são desen- volvidos sustentados em um sistema metafísico e moral, em que a política aparece como a arte de tornar os homens mais justos e virtuosos. A República, obra mais importante de Platão, trata de muitos assuntos que ainda hoje são debatidos, tais como: comunismo, socialismo, feminismo, controle da na- talidade, educação e psicanálise. Nessa obra, o autor busca restabelecer uma concepção filosófica de justiça sustentada em um Estado ideal, que é considerado uma individuali- dade suprema, embora só exista pelos indivíduos que o integram. Assim, o Estado surge dos desejos e necessidades humanas e decorre da cooperação entre seus membros para alcançarem esse fim. FIGURA 7 – Platão e Aristóteles, detalhe de “A Escola de Atenas”, de Rafael Sanzio. Fonte: Wikimedia Commons (2012). Aristóteles (384-322 a.C.) foi o principal discípulo de Platão, entrou na Academia com 17 anos. Tornou-se o instrutor dos reis dos reis, Alexandre da Macedônia. Já com mais de 50 anos fundou a sua escola, o Liceu, que diferenciava da escola do seu mestre porque se direcionava mais à biologia e às ciências naturais. Discordou em vários pontos das teorias platônica, principalmente no que se refere ao sistema político, que é desassociada de uma ética, já que a política é entendida como uma ciência independente. Fundou o sistema base dos estudos de lógica, que utiliza o silogismo, como em: “Todos os homens são mortais; Sócrates é homem; logo, Sócrates é mortal”. A sua obra A Política foi escrita após um minucioso trabalho de pesquisa dos governos mais importantes do seu tempo e das constituições que a sustentavam, o que lhe dá o caráter de um tratado sobre a arte do governo. Nessa obra, afirmava que o fim último da política é o bem coletivo. O go- verno que ele descreve não é fixo a todas as polis gregas, mas deve ser adaptado às necessidades de cada povo. Assim, desde a sua origem, o Estado estaria direcionado à busca da satisfação dos desejos e necessidades dos indivíduos, sendo a única forma de alcançá-las. Isso porque, a vida do homem seriaeminentemente uma vida política. 34 Saiba Mais O que é ser um animal político? O homem difere dos outros animais por ser racional, isso significa que ele pode utilizar a linguagem e o sentimento de associação para conviver com os seus semelhantes. Assim, o homem é naturalmente um animal político, só alcançando o bem coletivo por meio do Estado. Sem o Estado e a vida social, o homem é apenas uma besta. O Estado está antes do indivíduo e é a sua influência que tira o homem dessa condição bestial e o eleva a uma categoria superior, pois é ele quem permite a satisfação intelectual e moral dos homens. Para alcançar o bem-estar dos cidadãos, o Estado deveria tratá-los como in- divíduos, pois concebia que as diferenças entre os homens geravam diferentes aptidões e necessidades. O alcance e a sua satisfação exigiam certo grau de liberdade. Assim, a melhor forma de governo era a que melhor correspondesse às necessidades de cada povo. Importante “Aristóteles definiu o Estado como uma organização coletiva de cidadãos, e definiu este (cidadão) como o indivíduo que tem direito de participar do governo. Acreditava que o traço característico da cidadania consistia na participação dos indivíduos nas assem- bleias, no exercício ativo dos direitos políticos. A cidadania determina a capacidade de governar e ser governado.” (DIAS, 2008, p. 25). O que é era ser cidadão para Aristóteles? Nem todos os que habitavam a polis eram cidadãos. Para ser cidadão era preciso ser administrador, guerreiro ou sacerdote, possuir terra e ter tempo para cumprir seus de- veres junto ao Estado. Dicas GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MACHADO, Fernando Luís. Os novos nomes do racismo: especificação ou inflação con- ceptual?. Sociologia, Problemas e Práticas [online]. Oeiras, n.33, p. 9-44, set. 2000. ISSN 0873-6529. Doze homens e uma sentença (Twelve Angry Men). Diretor: Sidney Lumet. Duração: 96 min. Gênero: Policial, drama. Ano: 1957. 35 Sintetize Para que as ideias estudadas se tornem um conhecimento filosófico é preciso refletir so- bre elas. Faça seus resumos respondendo as perguntas sugeridas e torne-se um amante do saber! 1. A Filosofia é um convite para contemplar o mundo diferente, fale um pouco sobre as duas partes da reflexão filosófica. 2. Anote duas ou três diferenças entre o senso comum e a Filosofia. 3. Como surgiu a Filosofia? Escreva em poucas palavras o que você entendeu sobre esse momento. Resumo Neste capítulo, conhecemos um pouco a história do nascimento da Filoso- fia, na Grécia, e fomos apresentados aos seus três clássicos antigos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Aprendemos a diferenciar o senso comum do pensamento filosófico, que é reflexivo e se apoia na atitude filosófica e nos convida a conhecer o mundo. Anotações 36 Textos Complementares Nascimento da Filosofia A Filosofia nasceu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição (os mitos religiosos) lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da Natureza, os acontecimentos hu- manos e as ações dos seres humanos podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. Em suma, a Filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas, ao contrário, podia ser conhecida por todos, por meio das operações mentais de raciocínio, que são as mesmas em todos os seres humanos. O nascimento se deu, portanto, quando aqueles pensado- res compreenderam que o conhecimento depende apenas do uso correto da razão ou do exercício correto do pensamento, permitindo que a verdade possa ser conhecida por todos. Esses pensadores descobriram também que a linguagem respeita as exigências do pensamento e que, por esse mesmo motivo, os conhecimentos verdadeiros podem ser publicamente transmitidos e ensinados a todos. Fonte: Chaui (2010, p. 40-41). Filosofia como busca da verdade O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz. E a verdade o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas signifi- cações do ser verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito. No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse confli- to ao extremo, porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensa- dores e ao processo que o torna transparente a si mesmo. 37 Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade. Eis por que a filosofia não se transforma em credo. Está em contínua pugna consigo mesma. Fonte: Jaspers (1965, p. 101). O valor da Filosofia Devemos procurar o valor da filosofia, de fato, em grande medida na sua própria incerteza. O homem sem rudimentos de filosofia passa pela vida preso a pre- conceitos derivados do senso comum, a crenças costumeiras da sua época ou da sua na- ção, e a convicções que cresceram na sua mente sem a cooperação ou o consentimento da sua razão deliberativa. Para tal homem o mundo tende a tornar-se definitivo, finito, óbvio; os objetos comuns não levantam questões, e as possibilidades incomuns são re- jeitadas com desdém. Pelo contrário, mal começamos a filosofar, descobrimos, [...], que mesmo as coisas mais cotidianas levam a problemas aos quais só se podem dar respos- tas muito incompletas. A filosofia, apesar de não poder dizer-nos com certeza qual é a resposta verdadeira às dúvidas que levanta, é capaz de sugerir muitas possibilidades que alargam os nossos pensamentos e os libertam da tirania do costume. Assim, apesar de diminuir a nossa sensação de certeza quanto ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento quanto ao que podem ser; remove o dogmatismo algo arrogante de quem nunca viajou pela região da dúvida libertadora, e mantém vivo o nosso sentido de admiração ao mostrar coisas comuns a uma luz incomum. À parte a sua utilidade ao mostrar possibilidades insuspeitas, a filosofia tem valor – talvez o seu principal valor – por via da grandeza dos objetos que contempla, e da libertação de objetivos limitados e pessoais que resulta desta contemplação. A vida do homem instintivo está fechada no círculo dos seus interesses privados: a família e os amigos podem ser incluídos, mas o mundo exterior não é tido em consideração exceto na medida em que possa ajudar ou prejudicar o que pertence ao círculo dos desejos instintivos. Em tal vida há algo de febril e limitado, em comparação com a qual a vida filosófica é calma e livre. O mundo privado dos interesses instintivos é pequeno, locali- zando-se no seio de um mundo grande e poderoso que, mais cedo ou mais tarde, terá de deixar o nosso mundo privado em ruínas. A menos que possamos alargar de tal modo os nossos interesses que incluam todo o mundo exterior, somos como uma guarnição numa fortaleza sitiada, sabendo que o inimigo impede a fuga e que a rendição última é inevitável. Em tal vida não há paz, mas antes um conflito constante entre a insistência do desejo e a impotência da vontade. Temos de escapar desta prisão e deste conflito, de um modo ou de outro, para a nossa vida ser grandiosa e livre. Fonte: Russel (2005). 38 A virtude é uma prática […] em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e, somentemais tarde exibimos a atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver repetidamente ou repetidamente ouvir que ad- quirimos estes sentidos; ao contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Essa asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fa- zerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamen- te em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má. Fonte: Aristóteles (2001, p. 35-36). Anotações 39 Atividades 1. Leia a afirmação e reflita sobre a importância do conhecimento filosófico. Anote sua reflexão em seu portfólio. “Em outras palavras, os fundamentos teóricos das ciências não são científicos, mas filosóficos, e, sem a Filosofia, as ciências não seriam possíveis.” (CHAUI, 2010, p. 11). 2. Vimos no capítulo 1 que a nossa primeira forma de estar no mundo é o senso comum. Escreva uma síntese sobre essa forma de vivenciar e naturalizar o mundo. 3. Escreva em seu portfólio um pequeno resumo sobre as características positiva e ne- gativa da atitude filosófica. 4. Alguns teóricos observam que a atitude filosófica é radical, rigorosa e de conjunto. Releia o seu livro e escreva com suas palavras o que essas características significam. 5. Leia o trecho abaixo sobre o nascimento da Filosofia e faça uma análise crítica em seu portfólio. Existem duas teorias que explicam o porquê da filosofia ter nascido na Grécia. A primeira delas afirma que o aparecimento da filosofia se deu através de influências da sabedoria oriental, com a qual os gregos tiveram contato em suas viagens. A outra teoria diz que o povo grego foi tão excepcional, que foram capazes de criar a filosofia de forma espon- tânea e única. 40 Anotações 41 o ser HumANo, um ANimAl que PeNsA e ArgumeNtA Capítulo 2 42 Tudo aquilo que vamos tratar neste capítulo são as nossas vivências cotidia- nas, pois iremos filosofar sobre nós, seres humanos! Você já parou para pensar o que nos possibilitou essa magnífica capacidade de pensar e interferir sobre o mundo? O ser humano é o único animal que consegue significar o que vê e vivencia. Vamos olhar isso mais de perto. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • reconhecer o ser humano como biológico e cultural; • perceber a linguagem como fundamentadora do ser pensante; • identificar a capacidade de argumentar como própria do ser humano; • identificar a importância da cultura na análise filosófica; • compreender a necessidade da abstração para o pensar reflexivo. Sim, agora já sabemos o que é a Filosofia, como ela começou e seus três principais autores da Grécia antiga. Sabemos que a Filosofia é um convite a ver o mundo de uma nova forma, repensando o nosso senso comum e construindo uma avaliação crítica sobre o que nos rodeia. Também vimos no capítulo anterior que a Filosofia faz grandes questões que, como é próprio desse tipo de pensamento, nunca estão completamente respon- didas. São elas: de onde viemos? para onde vamos? o que é o homem? qual a atitude correta? Introdução Neste capítulo, vamos nos ater mais profundamente à questão sobre o que é o homem. Você lembra que questão nasce do momento em que a reflexão filosófica volta-se sobre si e questiona sobre quem é esse ser que pensa, o que o distingue dos outros seres, se ele teria ou não uma essência diferenciada? O que é o ser humano? O que é o homem? Essa que é a principal questão filosófica surge de uma reflexão sobre o próprio homem e sua relação com os outros, sobre o que somos e/ou podemos nos tornar. A sua importância está no fato de que qualquer outra questão, formas de pensar e de agir será sustentada pela concepção do que é o ser humano. Grandes questões – você poderá encontrar alguns textos falando apenas das três pri- meiras questões, porém a questão sobre “qual a atitude correta” permeia os textos dos grandes clássicos e dos modernos filósofos. Esse tema que discute a questão ética vai ser discutido no capítulo 4 e é de extrema importância para o trabalho do administrador. 43 A reflexão filosófica se sustenta na figura do ser humano que questiona e busca explicar o mundo e a si mesmo. A habilidade de pensar e argumentar é uma característica essencial do ser humano, assim como a possibilidade de conhecer e agir sobre o mundo que está ao seu redor. Observe que a pergunta sobre o homem é essencialmente uma questão an- tropológica, visto que é essa a ciência que investiga a humanidade e suas relações com outros no mundo, em todo tempo e lugar. 2.1 O Ser Humano – Uma Análise Antropológica Muitos filósofos e pensadores buscaram solução para a questão da natureza humana. Será que o ser humano tem uma natureza diferente dos outros animais? O ho- mem é um animal primata, o único que habita ou é capaz de habitar todas as regiões do planeta, por que será? O senso comum nos mostra muitas diferenças, mas sabemos que o filósofo não se atém apenas ao que pensa e diz o senso comum, vamos então colocar nossas lentes para ver o mundo mais nítido e investigar. Vamos filosofar! Primata - grupo de mamíferos com um provável ancestral comum. Compre- ende lêmures, lóris, társios, macacos, símios e homens. Como já foi dito que essa é essencialmente uma questão antropológica, nada melhor do que outra pergunta antropológica para começar: você sabia que o aumento do cérebro humano coincide com o período das primeiras ferramentas de pedra? Pois é, isso aconteceu há 2,5 milhões de anos e foi quando surgiu o gênero homo. Ferramenta – qualquer objeto usado para facilitar uma tarefa. Observe que quando chimpanzés usam varetas para cutucar uma fruta ou para pescar estão usando ferra- mentas. Homo – gênero de mamíferos bípedes, no qual se inclui o ser humano (Homo sa- piens), único representante sobrevivente da família dos Hominídeos. 44 Saiba Mais Paleoantropólogos (são aqueles que estudam a origem e a evolução da atual espécie humana) encontraram pegadas de três homens que passearam sobre as cinzas de um vulcão, na Tanzânia, há 36 milhões de anos. O estudo do peso e distância dos passos não deixam dúvidas que já eram passos do homem. A segunda característica em importância é o crescimento do cérebro, que como já vimos está atrelado ao uso das mãos para a manufatura e a utilização de instru- mentos. Construir instrumentos só pode ser possível porque os hominídeos estão com as mãos livres tanto para carregar comida quanto para se proteger utilizando galhos e pedras. FIGURA 8 – Homo sapiens Então, se o aumento do cére- bro humano tem a ver com o fabrico das primeiras ferramentas de pedra fica fácil imaginar que o uso do trabalho nos dá pistas na busca que estamos procurando entender. Observe que para o homem po- der usar as mãos carregando ferramentas é necessário que ele não as utilize como meios de locomoção, ou seja, eles precisa- vam se locomover utilizando apenas dois pés, e não pés e mãos. Os primeiros ho- minídeos viviam em savanas e para buscar alimentos, sem se tornar um, era necessá- rio que se modificassem. Essas mudanças foram graduais e duraram tantos e tantos anos, gerando modificações anatômicas dos pés a cabeça dos primeiros humanos. O bipedalismo torna, assim, uma facilidade e uma possibilidade de preservação. O bipedalismo é considerado a primeira característica importante na nossa busca pela distinção do ser humano. Note que os seres humanos não são os únicos que possuem essa capacidade, mas são os únicos
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