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Prévia do material em texto

A QG Feminista é uma revista digital gra-
tuita feita com trabalho voluntário de mulheres 
que escrevem e traduzem textos sobre diversos te-
mas importantes sobre a opressão feminina. 
 Este zine tem o intuito de mostrar alguns 
de nossos textos para que você venha conosco 
para a luta! Vamos juntas!
Número 12 - Abril de 2020
Acesse todos os nossos textos em: 
qgfeminista.org
Créditos
Autoras desta edição:
Cila Santos
Claire Heuchan
Elena de la Vara
fêmea brava
Gabrielle Polary
Melina Bassoli
Nathália Gouveia
Renata Dias
Susan Brownmiller
Tasia Aránguez Sánchez
Tradutoras desta edição:
Bruna Santiago
Ilustradoras desta edição:
Capa: Munique Bassoli
Páginas 4 e 5: 
Aline Lima | @notinlovve
Páginas 6 e 7: 
Thainá Rodrigues
Páginas 17, 21 e 23: 
Hariná de Moura Marques 
@ sementesselvagens
Página 30: fêmea brava
Páginas 36 e 37: 
Paula Cruz | @ thepaulacruz
Página 40: Paloma | @apalomart
Demais imagens: Melina Bassoli*
 * Com ideias de:
 - Página 11: Sapataria Radical
 - Página 19: Bruna Santiago
 - Página 33: Glitch Rodrigues
Convocação de ilustradoras:
fêmea brava
Revisão:
Ludmila Rodrigues
Diagramação e Projeto Gráfico:
Melina Bassoli
Produção e Distribuição:
Mariana Amaral
Idealização:
Cila Santos
Índice
Dos tais estereótipos 
de gênero
6
Feminilidade
11
Feminilidade e 
masculinidade
17
Um desabafo sobre 
feminilidade e a 
escolha que eu não tive
29
O que eu vou fazer com 
essa tal representatividade?
35
Sofisticação dos 
procedimentos estéticos
17
A falsa transgressão da 
feminilidade: outro 
privilégio masculino
29
Ninguém te ensinou 
como se ama uma mulher
38 
6
nota rápida sobre a feminilidade
 A feminilidade não é só estética, não está necessa-
riamente ligada à maquiagem e ao salto alto. Para compre-
ender o significado desse termo é preciso que se entenda 
como funciona a socialização feminina, que é o processo de 
repressão ao qual a mulher é submetida desde a infância, o 
que acaba por influenciar diretamente a sua subjetividade, 
sua visão sobre si mesma, seu papel para com os outros e, 
consequentemente, suas “escolhas” futuras. Podemos com-
preender feminilidade como o exercício dessa socialização, 
é sua consequência e está ligada à reprodução desses ideais 
impostos.
 Sendo assim, acreditar que uma mulher “descons-
truiu” isso por completo porque rejeita a imposição estética 
é ignorar a existência de uma estrutura social da qual mu-
lheres não podem simplesmente se livrar individualmente.
 A submissão ritualizada é, também, comporta-
mental: quando nos sentamos sempre de pernas cruzadas, 
quando nos esforçamos para manter uma postura delicada 
ou uma imagem dócil, quando não nos permitimos movi-
mentos bruscos, quando falamos baixo para não incomo-
dar, quando nos deixamos interromper, quando nem chega-
mos a falar, enfim, quando nos submetemos, estamos sendo 
femininas.
 Feminilidade é ocupar cada vez menos espaço, é agir 
o tempo todo com cuidado, é se contentar em se sentir de-
sejada sem desejar, é andar e sentar-se de bunda empinada, 
é se sacrificar pelos outros, é cuidar, é ter filhos para não 
parecer egoísta, é esforço naturalizado.
 A crítica à feminilidade não é só sobre maquiagem, 
muito menos é sobre a SUA maquiagem. É sobre consciên-
cia da própria repressão.
— Nathália Gouveia
7
8
dos tais estereótipos de 
gênero
E como isso constrói nossa sociedade machista
Por: Cila Santos
 Um estereótipo é um conjunto de ideias preconcebidas que for-
mamos sobre como uma determinada categoria deve ser.
 E estereótipos são um grande problema. Eles deslocam a atenção 
do observador do real valor do indivíduo para sua capacidade de aten-
der a performances. Cria diversos “clubes” que só aceitam integralmente 
aqueles que seguem todas as regras dos seus “manuais de instrução”.
 A grande jogada é que é quase impossível seguir à risca todas as 
regras que os estereótipos ditam. Porque essas regras estão sempre mu-
dando, se aperfeiçoando, se sofisticando. E as pessoas nunca conseguem 
se qualificar plenamente para os “clubes” que os estereótipos criam. E, de-
pendendo da importância social que estes clubinhos tenham, as pessoas 
se sentem excluídas, rejeitadas, solitárias, infelizes e fazem qualquer coisa 
para serem aceitas. Para não pagar esse preço social.
 Por exemplo, qual a expectativa, a imagem, o estereótipo que te-
mos HOJE (porque já mudou várias vezes) para a “mulher bela”? No ge-
ral, essa mulher deve ser: a) magra, b) branca; ter: c) cabelos lisos, d) “pele 
perfeita”, e) olhos claros, f) “traços delicados”… E estão sempre surgindo 
mais regras. Se uma mulher não atende a todos esses requisitos, ela é feia. 
Ou, pelo menos, não é tão bonita. E, se ela é feia, ela é rejeitada, porque a 
beleza é um conceito extremamente valorizado na nossa sociedade.
 E aí há meninas, desde a infância, vivendo em função de buscar 
essa aparência mágica, que crescem se martirizando, gastando tempo, 
dinheiro, saúde e vagando infelizes pela vida inteira com a autoestima 
arrasada, nunca se sentindo boas o bastante. Nunca se sentindo amadas. 
Nunca se sentindo bonitas.
 A sociedade cria os estereótipos, que são exaustivamente refor-
çados pela mídia como parte de uma estratégia de mercado. Pessoas in-
9
o clubinho do “masculino” para 
pessoas que nascem com pênis 
(meninos).
 Porém, o gênero é um 
pouco mais que isso, porque con-
tém em si uma armadilha. Obser-
ve, abaixo tem uma lista de pares 
de palavras que são característi-
cas humanas comuns a qualquer 
um. Para cada par de caracterís-
ticas, indique qual costuma ser a 
mais socialmente desejável, acei-
tável, valorizada, admirada, vista 
como positiva:
felizes se sentindo excluídas, ina-
dequadas pagam qualquer preço 
para mudar isso. E quanto mais 
regras malucas, quanto mais pes-
soas querendo se “incluir”, quan-
to mais problemas se criam, mais 
soluções se vendem. E o mercado 
lucra.
 O gênero é um tipo de 
estereótipo específico usado para 
as categorias do sexo. Formando 
o clubinho do “feminino”, que 
é empurrado para pessoas que 
nascem com vagina (meninas), e 
agitado / quieto
agradável / desagradável
asseado / desleixado
atento / desatento
ativo / passivo
aventureiro / comedido
bem-sucedido / fracassado
casto / promíscuo
competitivo / cooperativo
corajoso / medroso
cuidadoso / desastrado
descontraído / sério
despojado / vaidoso
discreto / indiscreto
fiel / infiel
forte / frágil
generoso / invejoso
grosseiro / carinhoso
herói / vítima
honesto / desonesto
inteligente / “burro”
invulnerável / vulnerável
leal / traidor
legal / chato
limpo / sujo
objetivo / subjetivo
ousado / covarde
racional / intuitivo
rápido / lento
realista / romântico
recatado / sensual
rude / delicado
trabalhador / ocioso
verdadeiro / falso
10
tantes e submetem mulheres, 
que são consideradas inferiores.
 Estereótipos de gêne-
ro são a base sobre a qual se 
constrói o machismo na nossa 
sociedade, onde tudo o que é 
entendido como “masculino” é 
dominante e superior, e tudo o 
que é entendido como “femini-
no” é dominado e inferior. É o 
princípio da ideia de desigual-
dade entre os sexos.
 Mulheres ganham me-
nos do que homens e possuem 
sempre as menores chances de 
ocupar cargos de chefias. São ex-
cluídas do mercado de trabalho 
por conta da maternidade. E são 
as principais responsáveis pelo 
cuidado com os filhos e com o 
lar. Mulheres são as principais 
cuidadoras dos pais e paren-
tes adoecidos e, na velhice, dos 
filhos com deficiência. São as 
principais vítimas da violência 
doméstica, são a maioria das ví-
timas de abuso sexual, estupro. 
Morrem como moscas, vítimas 
de seus próprios cônjuges. São 
traficadas, prostituídas. São ob-
jetificadas. Feminilidade é uma 
prisão. A sociedade enxerga mu-
lheres como seres de menor im-
portância. E os estereótipos de 
gênero reforçam isso. O tempo 
inteiro.
 Agora, usando o mesmo 
quadro, marque quais são con-
sideradas características “femi-
ninas” e quais são consideradas 
características “masculinas”,não 
só segundo o seu critério, mas 
principalmente de acordo com 
o senso comum, a sociedade, 
mídia, novelas, filmes, revistas e 
tudo o mais.
 Parece que o feminino 
não está muito bem cotado, não?
a) características que geralmente 
são atribuídas ao masculino são 
muito mais valorizadas, deseja-
das e aceitas que as do feminino;
b) características atribuídas ao 
feminino que são mais valori-
zadas geralmente existem em 
benefício ou em função dos ho-
mens (cuidado, beleza, sensuali-
dade);
c) características atribuídas ao 
“feminino” são como a via “ne-
gativa” (ou, no máximo, comple-
mentar) do masculino;
d) características atribuídas ao 
universo masculino são vistas 
socialmente como mais impor-
tantes e poderosas, estando aci-
ma das atribuídas ao feminino.
 E esse é o problema do 
gênero, ele cria uma relação hie-
rárquica entre homens e mulhe-
res. Na qual homens são mais 
valorizados, admirados, impor-
11
NÃO EXISTE 
ESSÊNCIA FEMININA
12
feminilidade
Introduzindo reflexões feministas sobre o assunto
Por: Susan Brownmiller (prólogo do livro Femininity)
Traduzido por: Bruna Santiago (versão não integral adaptada)
 Nós tínhamos um jogo em nossa casa chamado “pondo a mesa”, e 
eu era a ajudante de Mamãe. Garfos à esquerda do prato, facas e colheres 
à direita. Colocar os talheres ordenadamente, de acordo com o que eu 
me lembro, foi um dos meus primeiros deveres, e o evento era rico em 
significados. Quando uma faca ou um garfo caía no chão, significava que 
um homem estava inesperadamente vindo para o jantar. Uma colher que 
caísse anunciava a chegada surpresa de uma convidada. Não importava 
que esses visitantes nunca chegassem; eu aprendera uma regra de identi-
ficação de gênero. Homens eram sóbrios, afiados e formidáveis; mulheres 
eram suavemente curvas e seguravam a comida em um poço arredonda-
do. Fazia perfeito sentido, como a divisão de azul e rosa que eu via em 
bebês, uma forma ordenada de ver o mundo. Papai, que estivera fora o dia 
todo no trabalho e que amava matar o tempo em casa com seu cachim-
bo, tabaco e caixa de ferramentas, era garfo e faca. Mamãe e vovó, com 
suas amplas proporções e potes e panelas, eram colheres de sopa adultas, 
grandes e espaçosas. E eu era uma colher de chá, pequena e esguia, fácil 
de segurar e perfeita para comer pudim, minha sobremesa favorita.
 Ser boa no que era esperado de mim foi um dos meus primeiros 
projetos, não somente porque eu era recompensada por fazer as coisas 
corretamente, como a maioria das crianças são, mas também porque a 
excelência dava orgulho e estabilidade à minha existência infantil. Me-
ninas eram diferentes de meninos, e a expressão de tal diferença parecia 
caber a mim esclarecer. Terá minha amorosa e nervosa mãe, que me ves-
tia em aventais brancos de organdi e sapatilhas e que chorava lágrimas 
quentes quando eu os sujava, me dado minha primeira instrução? É cla-
ro. Terão minhas amáveis tias e meus amáveis tios com seus presentes de 
lindas bonecas e conjuntos de chá em miniatura colaborado para minha 
13
mulher orgulhosa e segura de si 
poderia suportar ignorar.
 “Não perca sua feminili-
dade” e “Não é incrível como ela 
consegue se manter feminina?” 
tinham implicações terríveis. 
Elas falavam de um fracasso de 
fim de linha tão irreversível que 
nada mais importava. A máqui-
na de fliperama deu tilt, o jogo 
acabou. Desqualificação estava 
marcada na testa de uma mu-
lher cuja feminilidade foi perdi-
da. Nenhum registro seria feito 
em seu nome, uma vez que ela 
destruíra seu direito inato em 
sua tentativa miserável e desele-
gante de imitar um homem. Ela 
andava num limbo, essa criatura 
desafortunada, e me ocorreu um 
dia que talvez eu a veja quando 
eu olhar no espelho. Se o perigo 
era tão palpável que avisos eram 
livremente distribuídos, será que 
a marca não estava na minha 
própria testa? Quaisquer desen-
tendimentos com a feminilidade 
que eu tivesse, mantinha para 
mim; quaisquer debilidades que 
a feminilidade impunha eram 
minhas e devia suportá-las sozi-
nha, porque não havia nenhum 
movimento de mulheres para fa-
zer as perguntas difíceis ou para 
descaradamente ignorar as re-
gras.
educação? É claro. Mas mesmo 
sem os brinquedos e as roupas 
apropriadas, lições na arte de ser 
feminina se espalhavam ao meu 
redor, e eu as absorvia todas: os 
contos de fada que eram lidos 
para mim à noite, os filmes aos 
quais eu assistia, as propagan-
das coloridas sobre as quais eu 
me debruçava antes mesmo de 
aprender a decifrar suas pala-
vras, as histórias em quadrinhos 
que eu lia escondida, as nove-
las de rádio que eu alegremente 
acompanhava sempre que tinha 
que ficar em casa com um res-
friado. Eu adorava ser uma ga-
rotinha, ou então eu adorava ser 
uma princesa encantada, porque 
era isso que eu acreditava ser.
 Conforme eu passava por 
uma adolescência turbulenta até 
uma maturidade turbulenta, a 
feminilidade se tornou cada vez 
mais uma exasperação, uma es-
tética sutil e brilhante que era 
desconcertantemente inconsis-
tente, ao mesmo tempo em que 
era minuciosa e exigentemente 
concreta, um código rígido de 
aparência e de comportamento 
definido por vários “faça” e “não-
-faça” que eram contra minha 
fibra rebelde A feminilidade era 
um desafio jogado ao sexo femi-
nino, um desafio que nenhuma 
14
aprovação deles. Ser insuficiente-
mente feminina é visto como um 
fracasso na identidade sexual es-
sencial, ou como um fracasso em 
se importar suficientemente con-
sigo mesma, porque uma mulher 
que deixa a desejar será avaliada 
(e avaliará a si mesma) como 
masculinizada ou assexuada ou 
simplesmente feia, já que foram 
homens que definiram esses ter-
mos.
 O mundo sorri favora-
velmente à mulher feminina: 
ele estende pequenas cortesias 
e diminutos privilégios. Ainda 
assim, a natureza desses contor-
 A feminilidade sempre 
pede mais. Ela deve constante-
mente reafirmar sua audiência 
por meio de uma demonstração 
ativa de diferença, mesmo que 
não exista na natureza, ou então 
ela deve aproveitar e aceitar uma 
variação natural e compor uma 
sinfonia rapsódica por cima das 
notas. Suponha que alguém não 
se importe, tenha outras coisas 
em mente, seja desajeitada ou 
desafinada apesar dos melhores 
treinamento e instrução. Falhar 
na diferença feminina é parecer 
não se importar com homens 
e arriscar a perda de atenção e 
15
nos competitivos é irônica, na 
melhor das hipóteses, porque 
uma mulher trabalha sua femi-
nilidade por meio da aceitação 
de restrições, da limitação de sua 
visão, da escolha do caminho in-
direto, da dispersão de sua con-
centração e do não emprego do 
seu potencial completo, como 
um homem faria com seus, cer-
tamente masculinos, interesses. 
Não é necessária uma grande 
epifania para uma mulher en-
tender o princípio feminino en-
quanto uma grande coleção de 
comprometimentos, pequenos 
e grandes, que ela deve simples-
mente fazer para se tornar uma 
mulher bem-sucedida. Se ela ti-
ver dificuldade de satisfazer as 
demandas da feminilidade, se 
suas ilusões vão contra o ímpeto 
dessa mulher, ou se ela for criti-
cada por seus defeitos e imper-
feições, tanto mais ela verá a fe-
minilidade como uma estratégia 
desesperada de conciliação, uma 
estratégia que ela pode não que-
rer ou não ter coragem de aban-
donar, porque o fracasso está à 
espreita em qualquer direção.
 O princípio masculino é 
melhor compreendido como um 
ethos de superioridade desenha-
do para inspirar sucesso confian-
te e direto ao ponto, enquanto o 
princípio feminino é composto 
de vulnerabilidade, da necessi-
dade de proteção, de formalida-
des de submissão e da evasão de 
conflitos — em suma, um apelo 
de dependência e de boa vontade 
que confere ao princípio mascu-
lino sua validação romântica e 
seu aplauso de admiração.
 A feminilidade agrada 
aos homens porque faz com que 
eles pareçam mais masculinos, 
por contraste; e, na verdade, con-
ferir aos homens uma porção ex-
tra e não merecida de distinção 
de gênero, um espaço incontes-
te onde respirar livrevementee 
sentir-se mais forte, sábio e com-
petente, é o dom especial da fe-
minilidade. A masculinidade é 
conhecida por agradar por meio 
de demonstrações de domínio e 
de competência, enquanto a fe-
mnilidade agrada por meio da 
sugestão de que essas preocupa-
ções, exceto em pequenas ques-
tões, estão além de seus intentos. 
Extravagância, imprevisibilidade 
e padrões de pensamento e de ra-
ciocínio que são dominados por 
emoções, como expressões cho-
rosas de sentimento e de medo, 
são considerados femininos pre-
cisamente porque elas se encon-
tram fora da rota estabelecida 
para o sucesso.
16
 A feminilidade serve para 
reafirmar aos homens que mu-
lheres precisam deles e se impor-
tam enormemente com eles. Ao 
incorporar o decorativo e o frí-
volo em sua definição de estilo, a 
feminilidade funciona como um 
antídoto eficaz à seriedade sem 
descanso, à pressão de trilhar seu 
caminho em um mundo severo 
e difícil. Em sua regra de evitar 
confronto direto e de suavizar as 
fissuras do conflito, a feminili-
dade opera como um sistema de 
valor de bondade, um código de 
consideração e de sensibilidade 
que, na sociedade moderna, está 
em falta.
 A expressão feminina 
é convencionalmente elogiada 
como uma melhoria da nature-
za da fêmea ou como a matéria 
bruta dessa mesma natureza 
moldada e colorida à perfeição. 
É possível explorar as origens 
da feminilidade em afetações 
emprestadas do status de classe 
alta, e na subjugação histórica 
das mulheres por meio da vio-
lência sexual, da religião e da 
lei, em que certos mitos sobre 
a natureza das mulheres foram 
levados adiante como fatos bio-
lógicos.
 O aspecto competitivo 
da feminilidade, a competição 
fêmea-contra-fêmea produzida 
pelo esforço de atrair e de segu-
rar homens, é a arena competi-
tiva principal (certamente é a 
única arena aprovada) da qual a 
mulher estadunidense é sincera-
mente encorajada a participar.
 Hinos à feminilidade, 
combinados com instrução, nun-
ca estiveram em falta. Diversas 
gerações de nós somos familia-
rizadas com coisas de mocinha, 
sabemos diversos refrões de bos-
sa-nova, samba-canção e pop 
rock sobre mulheres ideais (vide 
“Minha Namorada”, de Vinicius 
de Moraes; a famosa “Amélia”, de 
Ataulfo Alves; ou “Pelados em 
Santos”, dos Mamonas Assassi-
nas); e tomamos as dores de to-
das as músicas sertanejas escritas 
por um eu-lírico masculino rejei-
tado.
 A feminilidade é uma 
poderosa estética que é cons-
truída sobre o reconhecimento 
da impotência. Eu não tenho 
a intenção de projetar minhas 
decisões e escolhas particulares 
como o melhor caminho ou a 
última palavra, nem quero con-
denar as mulheres que praticam 
tal arte em formas diferentes 
das minhas, apenas quero dar 
um passo adiante em direção 
da consciência, na esperança de 
17
que um dia o ideal feminino não 
mais será usado para perpetuar a 
desigualdade entre os sexos e de 
que o exagero não será necessá-
rio para se estar segura em seu 
sexo biológico.
18
feminilidade e 
masculinidade
Por: fêmea brava
 Quando falamos em “feminilidade”, as pessoas tendem a imagi-
nar as mesmas características — doçura, delicadeza, gentileza, compre-
ensão. Se perguntamos como uma “mulher feminina” se veste, a resposta 
também não varia — saias justas, saltos, unhas pintadas, maquiagem, 
cabelo longo. Somos nós as criadas para nos vestir e comportar por meio 
da feminilidade, que nos é ensinada e imposta por toda a nossa vida. Por 
isso, somos levadas a crer que esta maneira de agir é inata, ou seja, que 
nascemos assim.
 Mas a feminilidade não é inata, nem surge junto ao salto alto, ou 
à doçura, ou à maquiagem. A feminilidade não é também apenas esses 
rituais que podemos ou não fazer no nosso dia a dia. Antes, ela preci-
sa ser entendida como uma ferramenta de dominação de homens sobre 
mulheres. Como nos ensinou Simone de Beauvoir, em “O Segundo Sexo” 
(1949), e Margarita Pisano, em “O Triunfo da Masculinidade” (1980), a 
feminilidade não é a oposição da masculinidade, mas seu produto. Ela 
foi inventada para nos fazer aceitar a nossa própria opressão e, assim, le-
gitimar e perpetuar a masculinidade, que é a “forma de ser” relacionada 
aos homens, geralmente associada ao que é positivo no mundo: a explo-
ração, a agilidade, a racionalidade, a originalidade, o Neutro.
 A masculinidade, que é ensinada como característica masculina, 
representa o que é central, a referência, a razão, o poder de agir e criar, a 
vida pública. Para existir nessas condições, era necessário que mulheres 
ocupassem o lugar considerado oposto: a Outrice, a abnegação, a emo-
ção, o irracional, o cuidado, o que está no âmbito privado, o oculto, a 
natureza a ser explorada. O místico. Todas estas características foram 
embutidas em nossa personalidade e nos preparam para ocupar o espaço 
de dominadas, que homens não podem ocupar.
19
 O ciclo vicioso de depen-
dência disso, que, nos fazem crer, 
são duas formas de agir no mun-
do, uma relacionada às mulheres 
e outra, aos homens, se justifica 
para manter os homens no po-
der e as mulheres em condição 
de submissão, criadas para o lar 
e para o casamento. A femini-
lidade, portanto, representada 
pela artificialidade dos produtos 
e comportamentos associados ao 
“universo feminino”, é a própria 
submissão ritualizada.
 Cada cultura possui seus 
próprios “universos femininos” 
e eles, em geral, representam a 
fragilidade e a subserviência das 
mulheres. Os rituais são símbo-
los, estereótipos, que indicam o 
que a sociedade lê como inca-
pacidade e limitação de pensar, 
criar e agir — eles são um aler-
ta, uma placa em neon, paetês e 
plumas que dizem para o mundo 
que somos caça, e não caçador; 
e todo caçador precisa de uma 
presa. O que muitas mulheres 
defendem como “escolha” — de-
pilação, salto alto, maquiagem, 
rituais de “beleza” — é a ponta 
do iceberg do conceito de femi-
nilidade. Essas coisas indicam 
tudo o que fizeram de nós, pela 
dominação patriarcal, indicam e 
reafirmam nossas limitações.
Quando se 
diz que a 
MASCULINIDADE
é uma prisão, 
as pessoas 
geralmente 
concordam.
Mas se você 
disser que a 
FEMINILIDADE 
é uma prisão, 
de repente 
acham que você 
está atacando 
pessoalmente 
cada uma das 
pessoas que já 
“gostou” de usar 
batom alguma 
vez na vida.
20
um desabafo sobre 
feminilidade e a escolha 
que eu não tive
Por: Gabrielle Polary
 Lembro a primeira vez em que um adulto falou sobre os pelos 
que nasciam nas minhas pernas de menina. Eu tive excesso de hormônio 
durante a infância e, por conta disso, comecei a desenvolver característi-
cas sexuais secundárias ainda muito nova. Já era difícil ter seios grandes 
e pelos embaixo dos braços quando as minhas amigas ainda tinham seus 
corpos de criança, ainda que ninguém falasse nada. Tornou-se mais ár-
duo ainda quando um professor, de quem eu gostava muito, me chamou 
no canto da sala de aula para sugerir que eu depilasse minhas pernas. Ele 
falou sobre o quanto eu era bonita, assim como as minhas “coleguinhas”, 
mas salientou que nenhuma delas tinha as pernas peludas como eu. Na-
quele tempo, com meu olhar de menina, não consegui ver maldade. Hoje, 
consigo perceber como nós somos aliciadas para suprir as vontades 
do patriarcado desde muito cedo. Aquele dia foi só mais um na vida do 
meu então professor, mas a necessidade da depilação e o ódio pelo meu 
corpo foram coisas que eu carreguei comigo durante cada instante do 
resto da minha infância e da minha adolescência.
 Eu cresci como uma garota que gostava de se expor — fotos de 
biquíni aos montes nas redes sociais. Mesmo tendo adquirido um pro-
fundo apreço pelo estudo da história, da sociologia e da filosofia, nada 
disso garantiu minha salvação do discurso liberal de que a feminilidade 
poderia, de algum modo, me “empoderar”. Como li por aí certa vez, em-
bora o conhecimento seja emancipador, devemos desconfiar de todo tipo 
de ciência e teoria construídas nos moldes da supremacia patriarcal. Eles 
podem até nos contar sobre diversas tragédias acontecidas no mundo,mas eles nunca vão se importar em falar do cunho político da Caça às 
Bruxas ou da profundidade de “O Segundo Sexo”, escrito por Beauvoir, 
21
 Minha primeira depila-
ção foi aos 11 anos. Depois dela, 
passei muito tempo sem ir a fes-
tas com pelos aparentes nas per-
nas ou nos braços. Preferia usar 
calça jeans em dias calorentos 
do que aceitar a ideia de que me 
veriam com as pernas não depi-
ladas — sim, a menininha de 9 
anos que ouviu o pedido de um 
professor nunca deixou de exis-
por exemplo. Falar sobre Sartre é 
mais fácil, cabe melhor na grade 
curricular e não faz com que jo-
vens descubram sobre a materia-
lidade de sua opressão.
 O que eu quero dizer com 
isso é que eu nunca fiz o tipo “ga-
rota alienada”, de acordo com os 
moldes estereotipados. Ao contrá-
rio: eu sempre gostei de ler, de fa-
lar e de ser escutada na escola, nos 
cursos que fiz e em todos os espa-
ços que ia, era uma das primeiras 
da turma e todo mundo virava o 
rosto para mim, a fim de saber o 
que eu falaria frente a algum de-
bate considerado polêmico. Eu me 
considerava, então, muito cheia de 
poder. Mal sabia que, por mais es-
forçada que eu fosse em adquirir 
autoconfiança, jamais seria livre 
enquanto não me libertasse do 
peso que comecei a carregar quan-
do, com apenas 9 ou 10 anos, um 
homem adulto me “aconselhou” a 
depilar a perna. Por muito tempo, 
fizeram-me acreditar que não 
poderiam existir marcas piores 
do que aquelas deixadas pelas 
celulites e pelas estrias em meu 
corpo. Agora, posso dizer com 
convicção que não existe marca 
mais dolorosa do que a que o pa-
triarcado deixa em uma menina, 
ao socializá-la de forma cruel e 
ardilosa, por toda a sua vida.
22
tir aqui dentro e de falar comigo, 
pedindo que eu não a constran-
gesse outra vez. Todas nós que já 
nos depilamos, com pinça, com 
cera ou com o que quer que seja, 
sabemos que dói. A depilação é 
incômoda. Mas, pior que isso, é 
a dor de recusar um convite para 
ir a algum lugar que você queria 
muito, apenas porque a depilação 
não estava em dia. É a de ir a uma 
confraternização de família e ou-
vir da sua mãe, das suas tias e tios, 
das suas avós e avôs que você de-
veria “fazer” a sobrancelha com 
mais frequência. Essa dor é terrí-
vel, porque ela te diz, disfarçada 
de palavras de “carinho”, que você 
não vale mais do que o que a sua 
aparência mostra.
 Foi assim, ouvindo dis-
cursos aparentemente carinhosos 
de que eu era “linda, mas poderia 
ser ainda mais se…” (me depilas-
se, escovasse meus cabelos, pin-
tasse minhas unhas etc.), que eu 
me tornei uma adolescente exibi-
cionista. Com 14 anos, eu vestia 
roupas de academia só para tirar 
fotos e publicar no Instagram e no 
Snapchat, na ânsia de que as pes-
soas me dessem a validação que 
eu mesma não conseguia me dar. 
Mesmo sendo uma leitora assí-
dua, uma das primeiras da minha 
turma e tendo várias qualidades 
superiores a quaisquer padrões 
de beleza, eu sentia necessida-
de de exibir a minha aparência, 
porque me ensinaram a ser refém 
dela. Eu esperava que os likes e os 
comentários pudessem suprir o 
“está tudo bem” que eu não ouvi 
quando tinha apenas 9 anos, ex-
cesso de hormônio e dificuldade 
em respeitar minhas diferenças 
corporais na infância.
 Fiz dietas irresponsáveis 
e emagreci 12 kg em alguns me-
ses, aos 15 anos, acreditando que 
aquilo não era algo tão horrível 
assim, porque “se eu me sentisse 
bem estando mais magra”, deve-
ria fazê-lo. Era o discurso liberal 
batendo em minha porta, me fa-
zendo crer a qualquer custo que 
a feminilidade exacerbada e todo 
o meu exibicionismo eram esco-
lhas, e não consequências de uma 
infância roubada, de uma socia-
lização dolorosa e de todo o so-
frimento que as meninas passam 
apenas por serem… meninas em 
uma sociedade patriarcal e misó-
gina. Eu achava que me arrumar, 
vestir roupas justas e publicar 
várias fotos nas redes sociais era 
legal, porque acreditava fielmente 
que estava fazendo isso por mim, 
pelo meu próprio bem-estar, pelo 
meu “amor próprio” (com muitas 
e muitas e muitas aspas). Eu que-
23
eu achei que homens gostavam de 
mim pelo que eu era, quando eles 
só “curtiam” aquilo que eu publi-
cava no Instagram. Foi assim que 
eu mergulhei de cabeça em rela-
ções rasas e tive minhas primeiras 
frustrações ao ver que os homens 
não estavam interessados em re-
lacionamentos profundos, mas 
na superficialidade da feminili-
dade que me foi “ensinada” (mais 
como um adestramento). No cor-
po exposto nas fotos de biquíni 
que eu postei nos meus perfis em 
dias em que eu nem estava a fim 
de tomar um banho de pis-
 cina — apenas queria 
ter conteúdo para 
alimentar minhas 
redes e, conse-
quentemente, 
todas aque-
las pessoas 
que só que-
riam ver o 
meu corpo 
e nunca ti-
veram vontade de me 
conhecer como eu era. Com 
todas as minhas dores e ci-
catrizes, não só físicas, mas 
de vida. As internalizadas. 
As que eu expus aqui nes-
se texto, mesmo depois de 
anos dos acontecidos, por-
que ainda doem. Porque 
ria falar de amor sem nunca ter 
tido a chance de me amar verda-
deiramente.
 Foi assim que eu me per-
miti entrar em relacionamentos 
com homens que elogiavam meu 
intelecto querendo apenas usu-
fruir do meu corpo. Foi assim que 
24
aquela garotinha de 9 anos ain-
da fala comigo e ainda me pede 
para não sair de casa sem estar 
depilada. Mas, hoje, após co-
nhecer o feminismo radical, eu 
converso com a menina que um 
dia eu fui e digo que ela é muito 
mais. E sempre foi.
 Estaria mentindo se dis-
sesse que a solidão não foi, para 
mim, uma consequência da to-
mada de consciência. No cotidia-
no, eu me vejo muitas vezes só. 
Agora que sei quem sou e me po-
licio para não reproduzir os ide-
ais que me foram “enfiados goela 
abaixo” por muito tempo, não 
sirvo mais para muitas pessoas. 
Não sou “convite fácil” para saí-
das “leves”, porque sempre abro a 
boca para falar de assuntos con-
siderados “pesados” (a realida-
de dói, e as pessoas não querem 
ouvir o que não lhes acaricia os 
ouvidos). Não sou a amiga mais 
legal nas redes sociais, porque 
não posto mais selfies que mos-
tram mais os meus peitos do que 
o meu próprio rosto. Às vezes, 
isso dói. Dói descobrir que meu 
valor, para muitos, era o mesmo 
que o de um pedaço de carne. 
Mas é uma dor necessária. A dor 
de me separar de uma vida que 
não era minha. A dor de me des-
prender de um lugar que nunca 
me coube e que, não importa 
quanto esforço eu fizesse, jamais 
me caberia. Porque o patriarcado 
nunca está 100% satisfeito e sem-
pre cobra mais de nós. A femini-
lidade é uma ferramenta usada 
pelos homens para que nós, 
mulheres, os satisfaçamos e os 
enriqueçamos.
 Eu não optei pela femi-
nilidade. Eu segui o caminho 
dela porque não me deram ou-
tra escolha. Não me ensinaram 
a valorizar todas as minhas po-
tencialidades incríveis, mas se 
importaram constantemente em 
me lembrar de que eu deveria 
estar com a “beleza” em dia. Foi 
a teoria feminista de verdade 
— e não a apropriação que o 
liberalismo fez dela — que me 
apresentou um leque de opções 
até então desconhecidas. E é 
por isso que o feminismo luta: 
para que nós, mulheres e meni-
nas, tenhamos escolhas de ver-
dade. E não aquelas obrigações 
fantasiadas de “vontade própria” 
e “empoderamento” que o ca-
pitalismo e o patriarcado nos 
obrigam a cumprir. Desde muito 
cedo.
 Somos escravas de um 
sistema que nos odeia. Só o nos-
so amor, por nós mesmas e umas 
pelas outras, pode nos libertar.
25
NÃO,
AS MENINAS NÃO
AMADURECEM ANTES.
A SOCIEDADE É QUE AS CONVERTE EM
OBJETOS SEXUAIS DESDE PEQUENAS.
DIGA NÃO À
SEXUALIZAÇÃO DE MENINAS.
DEIXE AS CRIANÇAS EM PAZ.
26
essência feminina
 A feminilidade é uma construção patriarcal que pressupõe sub-
missão. A ideia de que mulheres são mais delicadas, mais frágeis, mais 
compreensivas, devem estar sempre “bonitas”… Tudo isso é construí-
do como uma marca de inferioridade na nossa sociedade.
 Contudo, a ideia de que existem qualidades e modos de vida 
inatos ao sexo feminino persiste. Mesmo entre as autodeclaradasfe-
ministas existem mulheres que exaltam a feminilidade como algo que 
pode ser valorizado e ressignificado. Isso funciona porque as mulheres 
compram a ideia de que somos seres mais emotivos e, portanto, menos 
racionais. Assim, reforça-se a ideia de que mulheres são mais sensíveis 
à religião, às superstições, às magias e a todo o misticismo em geral, e 
o mundo da razão e da ciência permanece masculino.
 Como feministas, deveríamos saber que é impossível ressig-
nificar o que foi feito para marcar uma hierarquia entre os sexos e es-
tarmos sempre atentas a discursos que preguem a existência de uma 
suposta essência feminina, ainda que possa ter a aparência de algo que 
traz poder às mulheres.
 Mulheres não se empoderam invocando pretensas essências 
místicas do feminino. Não somos seres místicos, somos seres huma-
nos, dotadas de razão e possuímos capacidade humana plena. Dizer 
que “mulheres são mais próximas da natureza”, “mulheres são cíclicas” 
etc. são estereótipos que animalizam e mistificam as mulheres. Tidas 
como seres míticos e místicos, e não humanas, as mulheres são consi-
deradas incompreensíveis.
 Daí surgem ideias de que mulheres são irracionais, fazem jo-
guinhos, são mentirosas por natureza e dizem coisas que não querem 
(como negar sexo a um homem: “é só um jogo, ela tá fazendo doce, ela 
quer, sim, pode ir…”), além de sustentar ideias conservadoras como 
“alma feminina” ou “cérebro feminino”. Toda a ideia de irracionalidade 
das mulheres serve aos homens, mesmo que a linguagem usada possa 
aparentar o contrário, como invocar um suposto “poder feminino”.
 Não caia nessa. Não existe essência feminina.
— Melina Bassoli
27
natureza feminina
Não acredito
que existam
qualidades, valores,
modos de vida
especificamente
femininos.
Isso seria admitir
a existência de
uma natureza
feminina!
Ou seja,
Aderir a um mito
inventado por homens
para prender mulheres
na sua condição
de oprimidas. 
Não se trata, para a
mulher, de se afirmar
como mulher,
mas de se tornar
ser humano na
sua integridade.
Por: Melina Bassoli. Trecho traduzido de:
beauvoir, simone. Tout compte fait (1978).
28
O que eu vou fazer com essa 
tal representatividade?
Por: Renata Dias
 A representatividade entra na agenda progressista como objetivo 
final de todas as ações, mesmo que esbarrem em várias problemáticas, 
que são o cerne da opressão dos corpos e acontecimentos. Podemos ob-
servar o body positive.
 Ultimamente, a representatividade abre um leque de exposição 
que não debate a problemática a fundo, o prêmio final é a exposição, o 
mostrar, o ser visto e cobiçado. E além disso, comercializado. Ela vem se 
metamorfoseando em um caráter unicamente visual, que também acaba 
gerando uma capitalização dessa representatividade.
 Não existe aprofundamento sobre o padrão de beleza, seus danos, 
o preconceito e a discriminação com o corpo gordo que vêm disfarçados 
de preocupação com a saúde. Existe algo que faça o corpo gordo ser con-
sumível.
 Falam em preocupação com a saúde, saúde essa que não sabem 
definir. Mesmo que a doença do corpo magro nunca seja atribuída ao seu 
tamanho, mas a outro sintoma.
 O movimento vem para chamar a atenção para a necessidade de 
as pessoas gordas não se encararem de maneira negativa, questionarem o 
padrão de beleza e a possibilidade da ocupação dos mesmos espaços das 
pessoas magras.
 As intenções declaradas são de combate ao padrão de beleza, con-
siderando o dano psicológico que causa. O movimento surgiu devido à 
necessidade da eliminação do padrão de beleza, entretanto, o desejo ocul-
to é de inclusão numa objetificação.
 A saúde não entra nessa equação, nunca entrou. Primeiro é a ca-
pacidade de atração e depois, somente depois, a saúde. Na verdade, ela 
não é o objetivo final, como é alardeado. Ela só é um instrumento para 
conseguir um fim, que é entrar no padrão de beleza, situar-se nele.
29
plicações. Querem que sejamos 
vistas, desejadas, fuckable*.
 Não podemos dizer que o 
aumento da autoestima não im-
porta. Claro que importa! Contu-
do, não parece mais um combate 
ao padrão de beleza, mas uma ten-
tativa ferrenha de fazer parte dele. 
O que se apresenta no momento 
é simplesmente uma ampliação 
de cardápio. E o mais triste é que 
estamos satisfeitas com isso.
*Palavra em inglês que designa, de 
forma pejorativa, uma pessoa con-
siderada sexualmente atrativa, algo 
como “comível” (“comíveis”, no con-
texto em questão), em português.
 Atualmente, a represen-
tatividade do corpo gordo toma 
um caráter de sensualidade e ex-
posição em seu âmago. E não vai 
além, na maior parte do tempo. 
A forma como o corpo desperta 
o desejo ainda é a moeda de va-
lor oculta que se apresenta sob a 
forma de representatividade ple-
na, pelo menos no caso do body 
positive.
 Ainda somos expostas 
como consumíveis, o movimen-
to incentiva que nos coloquemos 
sob esse consumo. Vem em um 
crescente de corpos e exposições, 
sem nenhum debate sobre as im-
30
mulheridade
 De Sojourner Truth a Simone de Beauvoir, há uma longa e 
orgulhosa tradição de feministas criticando o papel da feminilida-
de. Durante seu tempo como oradora abolicionista, Truth descons-
truiu a mulheridade com grande efeito, perguntando “e eu não sou 
uma mulher?”. Argumentando contra as hierarquias de raça e gêne-
ro que determinavam como a categoria de mulher era compreendida 
na sociedade estadounidense durante o pico do comércio de escravos 
transatlântico, Truth ofereceu sua própria história como testemunho 
da falsidade da feminilidade. Truth usou suas próprias força e persis-
tência como evidência empírica, afirmando que a mulheridade não é 
de forma alguma dependente de ou relacionada às características que 
constituem a feminilidade. Sua oposição ao essencialismo de gênero e 
à supremacia branca continua a influenciar as perspectivas feministas 
sobre a mulheridade até hoje.
— Claire Heuchen
(Trecho do texto “Womanhood: on sex, gender roles, and self-identification”, 
para o blog Sister Outrider, tradução de Bruna Santiago)
31
Sofisticação dos 
procedimentos estéticos
Uma guerra contra as mulheres
Por: Nathália Gouveia
 Naomi Wolf já nos alertava, em meados dos anos 1980, sobre o 
Mito da Beleza. Segundo a autora, cada movimento em direção à emanci-
pação feminina é podado por mais e mais exigências estéticas. A obriga-
toriedade feminina para com tais ritos é quase religiosa, o padrão de be-
leza é uma tortura silenciosa, a donzela de ferro que nos esmaga e perfura 
mais a cada movimento brusco em busca da liberdade.
 Saltos altos e saias justas nos impedem de nos movimentarmos 
adequadamente e destroem nossas colunas e postura, maquiagens preju-
dicam nossa pele e devoram nosso tempo. Usamos nossos salários meno-
res para pagar pela nossa tortura, tal como as bruxas de quem eram rou-
bados os bens para que deles fosse retirado o salário do carrasco. E parece 
que, quanto mais insubordinadas no comportamento, mais precisamos 
provar delicadeza e feminilidade através da nossa aparência.
 Desde a análise da autora Naomi Wolf, como a mesma muito pro-
vavelmente já previa, os procedimentos estéticos têm se sofisticado e, com 
isso, ficado cada vez mais ridículos. O padrão de beleza é plastificado, nos 
exige formas e atributos não humanos, ou seja, que só podem ser adqui-
ridos caso comprados. Isso tem ficado cada vez mais explícito.
 Além de base, pó e corretivo, surgiram mais uns mil produtos di-
ferentes só para “trabalhar a pele”; chegamos ao ponto em que até mesmo 
as sombras e iluminações de nossos traços devem ser manipuladas e mol-
dadas. Existem produtos extraordinariamente parecidos que são utiliza-
dos ao mesmo tempo, com a finalidade de deixar as mulheres com aquela 
belíssima aparência emborrachada, sem poros, com sombreados que só 
têm efeito de ilusão de ótica em alguns ângulos, outros, não.
 A fixação em relação aos cílios e sobrancelhas também é um tan-
to assustadora, os pelos faciais deixam de ser apenas características que 
32
mo, racismo e misoginia seretro-
alimentam em constante simbio-
se, toda aparente inclusão custa 
caro. Se antes as mulheres negras 
nem eram vistas como mulheres 
completas, agora, que consegui-
ram ascender profissionalmente 
um pouco mais como as brancas, 
as indústrias têm também a mis-
são de controlá-las e tirar-lhes 
tempo e dinheiro. Mulheres gor-
das estão vivendo uma situação 
semelhante, uma representativi-
dade cheia de poréns.
 Não se deixem levar, cui-
dem de seus corpos com amor e 
não com punições, não adianta 
ter uma aparência “bem cuida-
da” quando todos os milhões de 
produtos e procedimentos para 
alcançá-la são de origem e inten-
ção duvidosas. Cuidem de vocês 
e de seus odiados corpos, hidra-
tem-se por inteiro, se afeiçoem ao 
próprio cheiro, façam exercícios. 
Suas peles, cabelos e unhas me-
recem atenção pela potência que 
têm de denunciar, por exemplo, 
uma falha na alimentação.
 A aparência não é sua 
melhor virtude, seu corpo é ma-
ravilhosamente funcional, não o 
impeça de se movimentar, coçar, 
chorar e se alimentar. Mais do 
que sua casa, seu corpo é, literal-
mente, você.
complexificam nossas expressões 
e protegem os nossos olhos para 
serem mais um fardo, mais uma 
parte do corpo que deve ser mi-
nuciosamente adulterada. Cílios 
compridos para “abrir o olhar”, 
sobrancelhas retiradas e depois 
redesenhadas, sei lá para quê.
 As exigências em relação 
ao corpo também transcenderam 
a pura obsessão pela magreza dos 
anos 1990 e início dos anos 2000; 
ser extraordinariamente magra já 
não basta, existe um desenho es-
pecífico no qual, aparentemente, 
precisamos nos encaixar. Este é 
tão fora da realidade que nem as 
mulheres de biotipo magro con-
seguem alcançar naturalmente.
 Os cuidados com os cabe-
los também se complexificaram; 
são criados cada vez mais produ-
tos e, com eles, novas “necessi-
dades”, que antes nem passavam 
pelas nossas mentes. Alisar ou 
cachear os cabelos não é mais su-
ficiente. O ondulado perfeito está 
em alta e, por mais que a beleza 
dos pelos da cabeça agora pareça 
mais democrática pelo fato de as 
indústrias incluírem cabelos ca-
cheados e crespos, existe uma ob-
sessão pela “fibra” perfeita, brilho, 
definição e tinturas em degradê.
 Enquanto vivermos em 
uma sociedade em que capitalis-
33
34
a falsa transgressão da 
feminilidade: outro 
privilégio masculino
Nossa opressão não é brincadeira
Por: Elena de la Vara, para o Tribuna Feminista
Traduzido por: Bruna Santiago
 A feminilidade não é menos opressiva e não se transforma em um 
elemento de liberdade porque os homens decidiram que gostariam de 
participar dela.
 Vemos cada vez mais homens que se maquiam, colocam sapatos 
de salto e adotam demais elementos de “beleza” que são considerados 
femininos. Isso não seria ruim, se apenas fizesse parte da liberdade de 
cada pessoa acerca do que fazer com seu físico, o que vestir ou deixar de 
vestir e como quer viver. O problema surge no momento em que esse fato 
é utilizado para anular uma mensagem, concretamente a crítica feminista 
à feminilidade.
 A maquiagem, os saltos, a roupa e os acessórios, que, em geral, 
sabemos que são usados para criar uma determinada imagem “sexy”, ou 
seja, coisificada, têm uma razão de ser em nossa sociedade, e é a de man-
ter a ideia da mulher como objeto sexual. Servem para colocar a imagem 
acima da pessoa. Servem para incentivar a ideia de que tal pessoa não 
está bem como é, senão que deve se modificar e se adaptar para agradar 
às demais.
 Essa é uma regra social que nós mulheres recebemos durante 
toda a nossa vida e que supõe de nós uma dependência. Para nós, a li-
bertação não está em usar maquiagem vendendo-a como algo divertido 
por ter várias cores. A libertação passa justamente por não depender 
disso e por deixar de fomentar esses elementos como uma aspiração 
para as mulheres. Desde que nascemos, as mulheres recebemos de for-
ma constante a ideia de que valemos tanto quanto o reconhecimento 
35
trutura sexual desigual de que é 
composto. Não é, portanto, um 
tipo de personalidade que surge 
livremente de cada pessoa; pelo 
contrário, é um mandato social 
que nos inculca e que cala, em 
toda a realidade do mundo em 
que vivemos, uma opressão. É, 
portanto, necessário estabelecer 
uma crítica sobre a mesma, isto é, 
sobre o gênero, para poder alcan-
çar uma real igualdade.
 A hipersexualização não 
se converte em algo bom só por-
que vocês, homens, decidiram 
coisificar a si mesmos também. 
É a hipersexualização que confi-
gura a nós, mulheres, como cor-
pos, e não como sujeitos. É o que 
nos impede, definitivamente, de 
sermos consideradas pessoas, 
tanto quanto homens. Não neu-
tralizem nossas reivindicações 
para poderem se sentir mais cô-
modos, em nome de uma falsa 
transgressão.
 Homens, não transfor-
mem nossa opressão em seu 
parque de diversões. 
 Vocês podem dispor vo-
luntária e livremente desse sis-
tema de aparência por causa de 
privilégio, e não de avanço so-
cial.
em nível físico que conseguimos 
obter dos homens.
 No sistema patriarcal, 
essa é nossa razão de ser: subor-
dinar-nos aos homens. Estar o 
que popularmente se entende 
por “bonita” é um imperativo so-
cial que condiciona a percepção 
que temos de nós mesmas e nos-
sas aspirações. Até o ponto em 
que muitíssimas mulheres são 
incapazes de se deixar ver sem 
maquiagem ou sem determina-
do tipo de roupa. Mulheres, in-
dependentemente de sua idade, 
que se envergonham ao olhar 
seu reflexo no espelho e que 
necessitam ocultar-se por trás 
de uma máscara de cor, cremes 
anti-idade, saltos, roupas incô-
modas, mas que cumprem com 
alguns clichês, para se sentirem 
com confiança suficiente para 
se mostrarem ao mundo. Defi-
nitivamente, todo um sistema 
que cria repúdio a quem somos, 
condenando-nos a um cárcere de 
produtos industriais de beleza e 
de operações estéticas para ser-
mos qualquer coisa, menos nós 
mesmas.
 A feminilidade existe 
como instrumento que o patriar-
cado utiliza para manter a es-
36
37
 Algumas mulheres afirmam que a 
feminilidade as empodera; alguns homens 
afirmam estar reinventando a masculinidade 
que os oprime; algumas pessoas afirmam que 
é necessária uma feminilização da política. 
Essas afirmações me são desconcertantes.
...
 O espaço da feminilidade está dentro 
da lógica masculinista. (...) A feminilidade não 
é um espaço autônomo que nos permita eman-
cipar-nos ou que se possa reinventar: a femini-
lidade “é uma construção simbólica e valórica 
desenhada pela masculinidade e nela contida, 
como parte integrante” (Margarita Pisano). 
...
 Tentaram nos convencer de que a fe-
minilidade nos oferece uma forma alternativa 
de poder. As mulheres se agarram ao pequeno 
poder do amor e da maternidade, que não são 
mais do que um disfarce. No entanto, o poder 
exercido por governantes, militares e outros 
homens é claro, forte, violento, reconhecível.
...
 O principal avanço do feminismo são 
os espaços nos quais pensamos e atuamos 
com outras mulheres, nos quais rompemos 
com a feminilidade e nos conhecemos como 
seres humanas completas.
— Tasia Aránguez Sánchez
(Trechos do texto “La trampa de la feminidad y las 
nuevas masculinidades”, para a Tribuna Feminista, 
tradução de Bruna Santiago)
38
ninguém te ensinou como se 
ama uma mulher
Por: Cila Santos
 Eu sei, é difícil.
 Ninguém te ensinou como se ama uma mulher. Tudo o que você 
aprende sobre como uma mulher deve ser é o oposto do que te ensinam 
sobre o que é admirável: força, inteligência, agilidade, assertividade, co-
ragem. O mundo é um apanhado de símbolos que valoriza tudo o que 
dizem que uma mulher não deve ser. Tudo começou a dar errado porque 
você não nasceu um homem. Porque você não é consumidor. É forne-
cedora. E vai dar trabalho. A princesinha. Sempre frágil. Esperando um 
príncipe que te aceite, que te ame. Que venha te salvar.
 Você foi criada para implorar amor. Para ser uma “mocinha com-
portada e boazinha”. Senão “ninguém vai gostar de você”. Aliás, você foi 
ensinada que ninguém vai gostar de você por muitosmotivos: se você for 
feia, se você for desafiadora, se você for muito inteligente. Te mostraram 
que você precisa de aceitação e validação o tempo todo. Você foi critica-
da a vida inteira. E você aprendeu a criticar também. Aprendeu a odiar 
outras mulheres. A julgá-las. Por sua roupa, seu comportamento, sua apa-
rência. O tempo todo.
 É difícil se amar assim, eu sei. Se esperam que você seja burra, 
bela, frágil e acessível. Se você não pode ser humana, natural, amar seu 
corpo como ele é. Com pelos, com manchas, com formas. Se o mundo 
exige um esforço enorme para que você atenda às expectativas do que te 
dizem que é ser mulher. E se você não corresponde, te rejeitam, te criti-
cam, te rebaixam, riem de você, fazem piada, debocham, duvidam. E o 
tempo todo tentam te colocar no seu lugar. Seu lugar de menina bonita 
esperando marido.
 Homens também não são ensinados a amar mulheres. Mas, antes, 
a desejá-las, cobiçá-las como troféus, consumi-las como objetos. Não são 
ensinados a admirá-las. Não são ensinados a vê-las e aceitá-las em sua 
39
seja capaz de olhar para além das 
imperfeições que passaram a sua 
vida inteira inventando que você 
tem.
 Você tem emoções, sen-
timentos, ideias, amigos, família, 
conquistas, derrotas. Tem histó-
rias para contar. Tem realizações. 
Tem aquilo que você é capaz de 
fazer tão bem, com tanto carinho. 
E tem seus erros, seus dias ruins. 
Como qualquer um.
 Você é uma pessoa.
 E você merece se amar. 
De verdade. Merece se libertar 
dessa prisão maldita chamada 
feminilidade e beleza. Chamada 
submissão. Amar cada pedaço do 
seu corpo, ilimitadamente. Amar 
sua voz, a maneira como você 
sorri. Amar as suas boas e más 
ideias. Amar o que você produz. 
Você merece amar a pessoa ma-
ravilhosa que você é. Incondicio-
nalmente.
 Você merece amar ou-
tras mulheres. Admirá-las. Criar 
laços legítimos de união. Ser ca-
paz de criar vínculos verdadeiros, 
compartilhar tantas coisas em 
comum. Ter o aconchego de boas 
amigas que vão saber como você 
se sente, porque passaram pelas 
mesmas dores. Porque compar-
tilham da sua biologia. Porque 
compartilham da sua socializa-
plenitude. Como companheiras. 
São ensinados a avaliar seus cor-
pos, a explorar sua mão de obra, a 
esperar sua submissão, sua servi-
dão. A ignorar suas mentes, dese-
jos, particularidades.
 Não, também não é fá-
cil para um homem amar uma 
mulher. A mulher por quem ele 
aprende a ansiar não existe de 
verdade. É um amontoado de es-
tereótipos e frases feitas. É um ser 
mutilado, depilado, fantasiado. 
Que não sangra, não escarra, não 
diz “não”. É alguém que deve estar 
ali por ele, pra ele. Servil.
 Ninguém é ensinado a 
amar mulheres como elas são.
 Então, eu sei. É difícil se 
olhar no espelho e se ver como 
uma pessoa. Quando a vida intei-
ra você foi vista como um pedaço 
de carne. “Feia de corpo, mas bo-
nita de rosto”, “feia, mas gostosa”, 
“bonita e inteligente”, “burra, mas 
gostosa”, “bacana, mas muito feia”. 
É doloroso. Homens são pessoas. 
Mulheres são um objeto sempre 
avaliado em função de como se 
parecem.
 E eu tenho certeza de que 
você é tantas outras coisas. Você, 
mulher, é uma pessoa. E eu sei 
que isso parece meio óbvio, mas 
essa é uma percepção importan-
te para que você olhe para si e 
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 E você merece ser amada. 
Por pessoas que olhem nos seus 
olhos, não para os seus seios. Que 
gostem do que você diz e faz, e não 
de como você aparenta. Você me-
rece alguém que vai amar o que 
você é, porque isso é o que 
você vai levar para sua 
vida inteira. Alguém 
que seja capaz de 
admirar sua in-
teireza e todas 
as transforma-
ções do seu corpo 
e da sua mente.
 Sim, eu sei 
que nada nem 
ninguém nos en-
sina como é pos-
sível amar mulhe-
res, como pessoas, 
como seres huma-
nos. Mas mulheres são 
isso: pessoas. Não são 
divas, princesas, rainhas, 
beldades, sagradas, divinas. São 
maravilhosas e admiráveis pes-
soas, com qualidades e defeitos 
como qualquer um, espalhadas 
por aí, pela metade da população 
do mundo, esperando e merecen-
do respeito. Admiração genuí-
na. E, apesar de tudo o que nos 
ensinaram e de ser difícil, para 
amar de verdade mulheres basta 
enxergá-las como elas são.
ção. Mulheres não são inimigas. 
Não são competidoras. Nenhum 
homem na Terra merece ter a 
possibilidade de afeto entre duas 
mulheres abalada por causa dele.
este zine é o resultado do
 trabalho de várias mulheres.
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