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ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível nº: 0163488-80.2010.8.19.0001 Apelante: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Apelada: Nestlé do Brasil Ltda. Desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto Apelação Cível. Direito do Consumidor. Chocolate Alpino vendido em forma líquida. Ação Civil Pública proposta com objetivo de retirar o produto do mercado ao argumento de não ser a fórmula adotada igual àquela do produto sólido, além de claramente diferirem os respectivos sabores. Suposta violação ao artigo 6º, III, do CDC. Direito à informação. 1 – A utilização, nos rótulos dos produtos, de referência a um sabor ou a um outro produto-mãe constitui prática disseminada no mercado mundial, conforme se depreende de salgadinhos com gosto de churrasco ou de ketchup, bem como de inúmeras marcas utilizadas para linhas de produtos: sorvete e condimento Leite Moça, bebida e sorvete Guaraná Antártica, sorvete e chocolate Prestígio, Cepacol líquido e em pastilha. 2- Obtida o registro da marca em uma específica classe, pode seu titular emprega-la em todos os produtos integrantes da referida classe, ainda que entre eles não haja qualquer traço comum de sabor. Já ao se utilizar de uma outra marca para destacar uma linha específica é do fabricante o interesse de observar consistência, gosto ou outras qualidades que aproximem os produtos, sob pena de perder a associação feita pelo consumidor entre a “submarca” e seu traço distintivo. 3- A perda deste traço distintivo, como por exemplo no caso de divergência acentuada entre os sabores, não constitui violação a qualquer direito do consumidor que embora hipossuficiente tem plenas condições de julgar sobre o desejo de ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 2 continuar a consumir certo produto a partir da sensação gustativa que este lhe proporciona. 4 – Chocolate Alpino que, de toda forma, fabricado em forma líquida, aproxima-se muitíssimo de sua forma sólida, segundo o paladar do juiz de primeiro grau e do relator, que experimentaram o produto em atividade instrutória insuscetível de delegação a um perito, se de sensação absolutamente subjetiva se está a cuidar. 5– Agravo Retido e Apelação a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº: 0163488-80.2010.8.19.0001, em que é apelante o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e apelada a Nestlé do Brasil Ltda. ACORDAM os Desembargadores da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em negar provimento ao agravo retido, e por unanimidade, à apelação, na forma do voto do Relator. RELATÓRIO O Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública contra a Nestlé Brasil Ltda. buscando a condenação da ré a se abster de comercializar, realizar oferta ou publicidade da bebida Alpino Fast, ou equivalente, retirando de seu rótulo e embalagem qualquer referência, direta ou indireta, ao chocolate Alpino, inclusive no que diz respeito ao nome dado ao achocolatado, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00, além de condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais aos consumidores individualmente considerados e à coletividade. Narra a inicial, em síntese, a ilegalidade da comercialização da bebida Alpino Fast ante a ausência de similitude entre o sabor do achocolatado e do chocolate Alpino, donde o evidente prejuízo causado ao consumidor, que adquire o produto na expectativa de experimentar o mesmo gosto que sente quando ingere o produto ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 3 em sua forma sólida. Diz ainda que se a própria Nestlé admite a impossibilidade de propiciar a igualdade de aromas e sabores entre os produtos, não poderia tê-la prometido em publicidades e na rotulagem do produto. Alega, diante da comprovada divergência de composição entre a bebida láctea e o chocolate, que o Alpino Fast é um produto inteiramente novo, daí porque a incorporação deste à popularidade do chocolate Alpino afronta flagrantemente a legislação consumerista. Sustenta, no mais, violação dos artigos 4º, 6º, inciso III, 30, 31 e 37, § 1º, todos do Código de Defesa do Consumidor. Às fls. 27 foi proferida decisão pelo Juízo da 5ª Vara Empresarial que indeferiu o pedido de antecipação de tutela inaudita altera pars. Contra esta decisão, interpôs o Ministério Público agravo de instrumento (fls. 31/37), a que se negou provimento para manter a decisão a quo, conforme acórdão de fls. 475/480. Citada, ofereceu a Nestlé contestação (fls. 70/112), pela qual, inicialmente, pediu a expedição de ofícios aos Ministérios Públicos dos Estados do Rio Grande do Sul e da Paraíba, assim como aos PROCON’s dos Municípios de Santa Maria, Rio de Janeiro e São Paulo, perante os quais tramitam procedimentos administrativos com idêntica causa de pedir, determinando a suspensão de todos até que seja proferida uma decisão final na presente demanda ou, então, seja celebrado acordo com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC – junto ao Ministério da Justiça. No mérito, disse a Nestlé que antes de qualquer lançamento sempre procede a uma criteriosa pesquisa de aceitação do produto, certo de que o Alpino Fast teve sua fórmula aprovada por 92% dos participantes entrevistados como sendo “o” sabor representativo do bombom Alpino, e que o próprio sucesso na comercialização do produto já é capaz de demonstrar a idoneidade de tal pesquisa. Sustentou que o rótulo da bebida ostenta informação de que o produto Alpino Fast não contém pedaços do chocolate Alpino, e sim que são produtos da mesma família, e, portanto, com o mesmo sabor. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 4 Alegou ser devido o emprego da marca Alpino, de acordo com seu registro no INPI, que confere à Nestlé o direito de usá- lo em diversas categorias de produtos, nas quais se incluem bebidas, tais quais o produto Alpino Fast. Aduziu que dizer que o produto tem sabor de chocolate Alpino não equivale a dizer que se trata da versão líquida do bombom, assim como biscoitos de morango não contêm pedaços da fruta, salgadinhos sabor cebola não têm o bulbo da cebola e sucos sabor abacaxi não possuem abacaxi, sendo esta a realidade que se atém ao regramento do mercado consumidor de produtos alimentícios, ressaltando ainda que o sabor é um elemento subjetivo porque sensorial. Seguiu defendendo que por ser o produto objeto desta ação civil pública uma bebida láctea, seria quimicamente impossível aplicar idêntica fórmula do chocolate Alpino sólido, e que disso sempre estiveram cientes os consumidores. Afirmou que a presença no rótulo do Alpino Fast de todas as informações de sua composição, bem como de que o produto não é composto com pedaços do bombom Alpino, já demonstram que a Nestlé cumpre seu dever de informar, não sendo possível imputar-lhe, por isso, qualquer conduta correspondente a publicidade enganosa. Aduziu, por outro lado, que mesmo que ultrapassada a tese do caráter subjetivo e personalíssimo inerente ao sabor/paladar, sua conduta tipificaria, no máximo e em tese, informação insuficiente e publicidade inadequada, o que, em hipótese alguma, levaria à retirada do produto de circulação, mas sim à adequação da sua publicidade. Nesse contexto, disse também que, diante do fato de o produto não trazer qualquer prejuízo à saúde dos consumidores, o pedido do Ministério Públicode proibir a ré de comercializar seu produto invade deliberadamente a órbita privada dos consumidores, retirando destes o direito de escolha sobre o que querem e o que não querem consumir. Quanto à intervenção da ANVISA, limitou-se a aduzir a falta de competência daquela agência para tratar da matéria, já que, como dito, ausente nesta hipótese qualquer interesse à saúde dos consumidores, na raiz de sua legitimidade. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 5 No mais, rechaçou todos os pedidos indenizatórios, bem como o de inversão do ônus da prova, e, ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais. Juntou os documentos de fls. 113/367. Manifestação da Nestlé às fls. 368/370, informando a sustação dos efeitos da Resolução ANVISA 2247/10, concedida em sede de Mandado de Segurança. Às fls. 371/380, o Ministério Público juntou laudo confeccionado pela Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro em que foi atestada irregularidade do rótulo do produto objeto desta lide. Às fls. 386/407, a ré colacionou cópia da sentença prolatada nos autos de Mandado de Segurança impetrado contra o PROCON de Santa Maria, declarando a nulidade do ato daquele órgão que vedou a circulação e comercialização do Alpino Fast. Réplica às fls. 446/466. Decisão saneadora às fls. 498, pela qual restou indeferido o pedido de produção de prova pericial, e deferido o pedido de prova documental. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs novo agravo de instrumento, convertido em retido por decisão monocrática. Às fls. 524/539, trouxe a ré aos autos, conforme determinado pelo juízo de primeiro grau, as embalagens dos produtos da linha Alpino, tendo o Ministério Público se manifestado sobre elas às fls. 542/547. A sentença de fls. 586/592 julgou improcedente o pedido, deixando de condenar o Ministério Público ao pagamento dos ônus sucumbenciais, face à isenção prevista em lei. Entendeu o juízo a quo não cuidar a hipótese de propaganda enganosa ou outra conduta ilícita qualquer que pudesse justificar a procedência da ação, ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 6 porquanto, no rótulo do produto Alpino Fast, a ré não promete pedaços de chocolate Alpino, nem a forma líquida deste, mas, de maneira clara, adequada e suficiente, apenas o sabor do chocolate, o que está em perfeita consonância com as regras do Código de Defesa do Consumidor. Em apelação reitera o Ministério Público as razões do agravo retido, pugnando pela nulidade da sentença ante o cerceamento do seu direito de ação, já que a prova pericial requerida mostra-se essencial à demonstração da veracidade das alegações iniciais. No mérito, esclarece que o objetivo desta ação não é discutir se a bebida láctea em referência é satisfatória ou não ao gosto dos consumidores, e sim se a maneira como a Nestlé divulga seu produto no mercado é capaz de induzir o consumidor ao erro. Reitera a contradição de um produto com o nome de Alpino e rótulo com imagens dos bombons Alpino não conter o próprio chocolate Alpino. Sustenta que a apresentação do produto com essa marca facilitou e muito sua inclusão e venda no mercado consumidor, porém às custas da boa-fé, da hipossuficiência e da adequada informação que deve ser prestada aos consumidores. No mais, repisa os argumentos trazidos na inicial, em especial no que toca à afronta aos artigos 6º, inciso III, 31 e 37, § 1º, todos do Código de Defesa do Consumidor. Contrarrazões às fls. 607/627 Parecer da douta Procuradoria de Justiça às fls. 636/643, pelo conhecimento e provimento do agravo retido, a fim de que seja anulado o feito a partir do indeferimento da prova técnica requerida e, subsidiariamente, pelo conhecimento e provimento do apelo para que seja reformada a sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais. É o relatório. À douta revisão. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 7 VOTO Começando pelo agravo retido interposto, aquele que busca a anulação da sentença por cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da prova pericial, tem-se que a solução passa pela cuidadosa análise dos fundamentos descritos na inicial, em confronto com o pedido formulado e a resposta dada pela ré. De prova, com efeito, não se pode tratar em abstrato, senão à luz daquilo que resulta, como uma síntese, das alegações trazidas pelos contendores. Sabe-se que a inicial, cujo principal pedido é o de que seja a ré proibida de comercializar a bebida láctea Alpino Fast, ou pelo menos de que seja retirada da embalagem qualquer remissão ao chocolate Alpino, não acusa o produto de ser prejudicial à saúde ou de ter uma fórmula diferente daquela aprovada pelos órgãos de vigilância sanitária ou ainda que do produto constem ou faltem substâncias declaradas quando da apresentação do pedido de comercialização. O chocolate Alpino é vendido, sem fazer mal à saúde, segundo a fórmula que foi levada ao conhecimento das respectivas autoridades sanitárias. A irresignação do Ministério Público nasceu de uma crítica postada nas redes sociais, em que um consumidor não identificado, não atentando para o alerta, presente do rótulo até então, de que o produto não continha chocolate Alpino, reclamava da divergência de sabores entre o chocolate em seus diversos veículos, a saber a sua fórmula sólida de longa tradição e aquela líquida que havia acabado de adquirir. E todo conflito gira em torno deste ponto, consistente em saber se os dois produtos se assemelham e se, em caso negativo, estaria o fornecedor obrigado a retirar o produto derivado para não afrontar o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, cujo inciso III a todos assegura informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 8 características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Em muitas áreas do conhecimento é necessário, a fim de que se produza um julgamento correto, que se lance mão de especialistas, que se prestam a traduzir para o magistrado os detalhes técnicos que sua experiência jurídica não lhe permite alcançar. Jamais, porém, estiveram os juízes obrigados a transferir para outrem avaliações baseadas em conhecimentos inerentes à sua própria formação. Se um juiz precisa ouvir testemunha em língua estrangeira com a qual mantém afinidade, não se faz necessária a nomeação de um tradutor, como se sobre os juízes pairasse alguma desconfiança qualquer. O mesmo vale para juízes engenheiros – e há vários – que também podem fundamentar suas sentenças a partir das informações científicas que possuem, e que serão combatidas pelas partes e seus assistentes, eventualmente propiciando pelas instâncias superiores a nomeação de um perito da confiança do Tribunal. A fortiori, idêntica observação vale para elementos que possam ser reconhecidos como de conhecimento geral, ou pessoais, ou subjetivos. Se uma peça ofende ou não a imagem de certa pessoa não é coisa a ser determinada por um perito. Se um símbolo reproduz outro, violando possível propriedade imaterial, novamente não será o perito a definir. Não há como negar que tanto lá como aqui termina o conflito por depender, para sua solução, de um mero “eu acho”, nascido de uma convicção absolutamente pessoal do magistrado e que continuaria a ser pessoal, só que agora de terceiro, caso se atribuísse ao perito o poder de definir sobre a semelhança das fórmulas ou do gostodo chocolate Alpino vendido em suas formas sólida e líquida. A nomeação de um perito especialista em gastronomia, como a nomeação de um sommelier, pode ser relevante quando o objetivo é aferir a qualidade do produto ofertado ao público. Se o importador, por exemplo, adquiriu uma soja do tipo D e reclama ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 9 de estar recebendo uma do tipo A, não há como se atribuir ao juiz, exceto no caso de sua própria formação, o poder de deliberar sobre o cumprimento do contrato. Do mesmo modo, se o fornecedor e o consumidor divergem sobre o tempo de envelhecimento de certa bebida destilada, novamente faz-se necessária a nomeação de um perito. Isto se explica pela presença de variações objetivamente mensuráveis pelos especialistas, que serão capazes de detectar o tipo de grão de soja ou o tempo de envelhecimento da bebida entregue. Se um importador adquire de uma vinícola francesa o melhor de seus vinhos, é perfeitamente concebível, ainda aqui, trazer- se ao processo algum químico ou um sommelier para demonstração de que as garrafas entregues não eram da mesma qualidade contratada, ainda que ostentando, falsamente, o rótulo do produto diverso. Mas no caso concreto não se está tratando de qualidade neste sentido, de melhor ou pior produto. Reconhecida a divergência das fórmulas do chocolate Alpino em suas formas líquida e sólida, como feito pela ré, que também reconhece a impossibilidade de igualar os gostos, o que sobra para ser dimensionado é algo completamente estranho ao plano da técnica, qual seja a determinação da semelhança entre os gostos, que para este relator e para a eminente juíza de primeiro grau são bastante semelhantes. Se esta constatação já seria suficiente, há ainda um segundo fundamento para o desprovimento do agravo. Como se verá da fundamentação que segue, está este relator absolutamente convencido do equívoco do próprio ponto de partida, vale dizer, a obrigatoriedade de que o produto líquido seja idêntico em sabor ao produto em sua fórmula sólida. Na medida em que se defenderá a inexistência dessa obrigatoriedade, não há por que determinar a produção de uma prova, cujo objetivo seria justamente este, a determinação da semelhança ou dissemelhança entre os diversos sabores. Meu voto, portanto, é no sentido de se negar provimento ao agravo. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 10 Passando ao recurso de apelação, não há dúvidas de que o direito à informação representa hoje um dos mais relevantes no âmbito da tutela do consumidor. Em primeiro lugar, tem o consumidor direito a tomar plena ciência dos perigos envolvidos em cada produto ou serviço posto a sua disposição. Em se tratando de alimentos, é preciso que lhe seja informada a respectiva composição para que saiba: quantas calorias está ingerindo, a quantidade de vitaminas, a existência de glúten, a presença de açúcar, etc. Cada item acima se prende a uma possível doença ou alergia de que padeça o consumidor. Do açúcar precisam saber os diabéticos, do sódio os hipertensos, do glúten os alérgicos, do ferro os anêmicos. Ao mesmo tempo em que carecem os produtos de informações destinadas a prevenir um mal, é também fundamental que os produtos sejam precisos na especificação do bem que são capazes de gerar. Quem acredita que o Ômega 3, por sua aptidão para aumentar o HDL, chamado de bom colesterol, deva ser consumido por pessoas com doenças cardíacas, espera que o produto vendido possua a substância e a quantidade anunciadas. E o mesmo vale para atletas em busca de suplementos alimentares ou idosos com osteoporose carentes de suprimento de cálcio. Podem os exemplos seguir por outros caminhos semelhantes. O suco de tomate deve possuir a fruta, o pão de centeio deve conter o cereal, o biscoito de mel deve possuir mel. Não é necessariamente uma questão de bom ou ruim, de bem ou mal, mas de dar ao consumidor o direito de escolher aquilo que ele simplesmente deseja ingerir. Este direito esbarra em algumas ressalvas. De um lado, temos as associações evidentemente comerciais, como já aludi no voto do agravo de instrumento. Quando se vende uma batata frita com sabor de churrasco, ninguém espera, nem mesmo o consumidor mais distraído, encontrar um pedaço de carne ou carne processada. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 11 Ele está perfeitamente ciente de que o que existe é a introdução de substâncias químicas que aproximam o paladar da sensação gustativa que se tem em uma churrascaria. Outras vezes, esta associação é rompida por um alerta feito pelos produtores de que a mercadoria tem sabor de cebola ou sabor de bacon, como se a evidenciar, a contrário senso, que não possui cebola e não possui bacon. O mercado vem admitindo esta segunda variação sem maiores questionamentos. O simples alerta de que o sabor é deste ou daquele produto é tido como bastante para a informação do consumidor, ainda que existam fotografias de cebola, de um toucinho ou de uma folha de hortelã. Mas que dizer do chocolate Alpino? Quando o inquérito civil público foi instaurado havia consignado no rótulo o alerta de que o produto não continha chocolate Alpino. Aliás, a primeira reclamação transcrita na inicial diz exatamente isto. Segundo o consumidor, após provar a bebida, deparou-se com o alerta “Este produto não contém chocolate Alpino”. Foi somente após a intercessão do Ministério da Saúde que o alerta foi retirado, por ter entendido a fornecedora ser ele mais um complicador do que um facilitador. Mas por que nós deveríamos permitir a comercialização de batatas sabor cebola e não permitir a venda do achocolatado sabor Alpino? Esta é uma indagação que este relator não logrou responder com os argumentos elencados nas diversas peças arroladas pelo Ministério Público. Se isto já bastaria para pôr em cheque o sucesso da pretensão, algumas outras considerações e reflexões reforçam este convencimento. A primeira delas é que reclamar da ausência de uma substância da natureza não é o mesmo que reclamar da presença ou ausência de uma fórmula. Explico: ao contrário do tomate, da canela, do sal, do açúcar ou da vitamina D, o chocolate Alpino não existe! O que existe é uma mistura de ingredientes levada ao público com este nome mas que pode ser alterada a qualquer momento, desde que aprovada a mudança pelos órgãos de vigilância sanitária. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 12 O consumidor não tem direito subjetivo a comprar a Coca-Cola com o gosto X. Aliás todos se lembram quando na década de 80, no que foi provavelmente uma grande jogada comercial, anunciou a Coca-Cola seu novo gosto, ao argumento de era necessário um reposicionamento diante do avanço de sua arquirrival, a Pepsi. E este fenômeno acontece com relativa frequência, porquanto as antigas e tradicionais marcas estão em permanente processo evolutivo, visando, dentre outras coisas, a ajustar-se a mudanças do gosto do consumidor, tendo-se por gosto não apenas o paladar, mas o desejo de consumir a mais variada gama de produtos com esta ou aquela qualidade. Se não tem o consumidor direito à manutenção da forma do produto original fica-se então sem saber por que motivo teria ele direito à forma do produto secundário ou derivado. E a resposta me parece clara, não se sabe por que este direito não existe, o que nos traz a uma nova série de argumentos, desta vez pertinentes ao Direito Marcário. Ao obter a propriedade sobre certa marca, está o titularautorizado a utilizá-la em diversos produtos dentro daquela mesma classe em que se deu o registro. Na classe 31, por exemplo, encontram-se os laticínios, de forma genérica, em que estaria a Nestlé autorizada a usar sua marca principal – Nestlé – de forma indistinta em todos os produtos. Esta utilização sinalizaria para o público a origem comum e o que ela representa em termos de qualidade, sem qualquer semelhança de gostos. Mas nada impede, e a prática indica, que o fornecedor escolha uma segunda marca para um nicho específico ou uma linha destacada de produtos. Neste caso o compromisso não é com a identidade perfeita de todos os produtos, seja em consistência ou em gosto, no caso dos laticínios. O compromisso é muito mais tênue e se prende à percepção de integrarem todos esses produtos uma faixa destacada e costurada por um fio comum que pode perfeitamente ser, no caso de laticínios, uma semelhança de gostos. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 13 Tudo isso se prende à própria essência da finalidade da marca. Esta, consoante explica Denis Borges Barbosa ( Proteção das Marcas, Ed. Lumen Juris), designa a origem de produtos e serviços. Mas o conceito de origem é tudo menos óbvio. Por origem não se garante o local de produção, que hoje pode estar aqui e ser transferido amanhã para um distante país asiático com mão de obra mais em conta. Também não significa uma garantia de que o produto seja fabricado por certa empresa, ao contrário do que possa parecer. Basta pensar que as marcas são livremente alienáveis, podem circular, caso em que o fabricante de hoje deixará de sê-lo amanhã. O sentido de origem, nas palavras textuais de Denis Borges, “é simplesmente o valor concorrencial resultante da coesão e consistência dos produtos e serviços vinculados à marca, que, na perspectiva do consumidor, minoram seu custo de busca de alternativas, e, da perspectiva do investidor, representam uma expectativa razoável de clientela.” Já a garantia de qualidade não é maior. José de Oliveira Ascenção explica: “Daqui resulta já que não há que confundir a marca com um sinal de qualidade. A marca não dá nenhuma garantia jurídica de qualidade. A qualidade do produto pode aumentar ou diminuir sem que isso tenha reflexos jurídicos; só terá reflexos mercadológicos. Não há também uma função de garantia. A proibição básica, que é fundamental neste domínio, de indução do publico a erro – manifestação do princípio mais geral da proibição da concorrência fundada no engano do consumidor – não leva a permitir extrapolar uma função de garantia ou de qualidade da marca. Também a representação intelectual que os consumidores possam fazer de um nível de qualidade associado a uma marca, que é importantíssima nas decisões das empresas e dos consumidores, é uma ocorrência meramente de facto, a que não estão associados efeitos jurídicos.” Antônio Luis Figueira Barbosa (Marcas e outros signos na realização das mercadorias) acentua algo na mesma linha: “Parece necessário precisar o sentido da garantia de qualidade quando ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 14 referido às marcas. Não se trata de uma garantia técnica, contendo precisas especificações relacionadas às matérias-primas e insumos usados na produção ou, ainda, ao desempenho do produto em seu uso pelo consumidor. Portanto, não há a possibilidade de uma diferenciação entre mercadorias amparada por uma metodologia real e objetiva, na medida em que a própria qualidade não se especifica. Mas trata-se de uma garantia do produto em si e por si, proveniente de sua tradição no mercado, ainda que o produtor recentemente tenha se iniciado no negócio.” Em resumo, quem compra o chocolate Alpino não tem direito a uma fórmula, ou a que o chocolate seja fabricado pela Nestlé, ou seja fabricado no Brasil. A marca tampouco garante uma semelhança de gosto ou de qualidade. Seu objetivo é mais sutil, como disse acima e agora repito. Visa-se apenas indicar que o produto pertence a uma mesma família, tem uma certa origem, ressalvado o direito do consumidor de discordar e abandonar a marca. Por fim, uma nova série, e me parece a última, de argumentos contra a pretensão do Ministério Público decorre da compreensão perfeita do modo de funcionar do mercado nas sociedades capitalistas. Se estamos a tratar de gosto, e não de um insumo existente in natura, a sobrevivência do achocolatado Alpino depende da percepção pelo mercado consumidor de que ele se aproxima dos chocolates em sua forma sólida. Nenhuma empresa ou produto consegue preservar sua posição mercadológica com base exclusivamente na primeira venda, decorrente da atração proporcionada pelo nome famoso. O mercado é hipossuficiente mas não mentalmente incapaz, de modo que é com bastante tranquilidade que se submete ao julgamento popular o paladar do produto combatido, e que será retirado do mercado, seguramente, se o resultado geral não for satisfatório. Parece bastante claro que o fornecedor é o maior interessado na aproximação do sabor de seus diversos veículos, vez que do contrário, sendo eles completamente diversos, sofrerá a marca derivada uma pronta perda do seu potencial de identificação porquanto ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 15 não associarão os consumidores aquele nome a qualquer subgrupo de produtos com algo em comum. Portanto, e já caminhando para a conclusão, se de mal ou bem não se está a tratar; se, isto é, ninguém sustenta ou sugere que o produto seja nocivo ou benéfico para a saúde, é preciso atentar para a desnecessidade de uma correspondência plena entre as duas formas, o que me parece verdadeiramente óbvio. Voltando aos exemplos anteriores, ninguém que experimente o sorvete do Leite Moça ou do Guaraná Antártica terá a sensação do produto em sua forma básica. E os exemplos podem se multiplicar quase ao infinito: pense-se no Galak, no Baton e no Prestígio, produtos que são vendidos na forma de chocolate e de sorvete. Em todos esses casos o que se garante ao consumidor é quando muito uma aproximação ou semelhança entre o produto original e seu derivado. Uma aproximação que deve ser analisada de forma larga se o próprio mercado, como juiz supremo da qualidade dos produtos, saberá rejeitar eventual fraude. E aqui se volta ao julgamento do agravo de instrumento. Entrando-se na seara dos sentidos e deixando o plano do Direito, a convicção do relator e de sua família ao experimentar o chocolate Alpino foi a mesma da eminente juíza de primeiro grau: embora não fosse necessário, o chocolate em sua forma líquida assemelha-se muitíssimo àquele em sua forma sólida. É possível que não se goste da fórmula com suas mudanças e que jamais se volte a comprá-lo. Mas é indubitável aos olhos do relator (melhor dizer ao paladar do relator) que a fabricante tentou e conseguiu fabricar um produto próximo daquele em sua forma original, conquistando assim o direito de ostentar em sua embalagem a marca Alpino, sem que daí resulte qualquer prejuízo para os consumidores. Na falta de vínculo entre o achocolatado e a família Alpino, um vínculo que pode ser meramente remoto, será o mercado a rejeitá-lo. E dessa opinião compartilham outros magistrados provocados a enfrentar o mérito do “sabor” do produto: ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 16 “... entendo que não houve propaganda enganosa, posto que o produto oferecido ao consumidor não é o chocolate Alpino em sua forma líquida, mas uma bebida láctea. Esta evidentemente temem sua composição uma série de componentes que tornam impossível a identificação precisa com o produto derivado originário. Assim como a bebida láctea ou iogurte de morango, por exemplo, não contém o mesmo sabor da fruta...” (Fls. 406/407 – III Juizado Especial Cível da Comarca de João Pessoa/PB). “... não comungo das reclamações no sentido de que a identidade visual do produto induz o consumidor a acreditar que o produto contenha o chocolate. A mera referência visual ao chocolate não significa que o produto contém tal substância... a informação de que os biscoitos tenham sabor de churrasco não leva o consumidor a acreditar que os pacotes contenham pedaços de carne em seu interior. A Lei 8078/90 não dispensa o consumidor da leitura das embalagens, rótulos e contratos. E, no caso vertente, não resta dúvida de que a embalagem do produto é expressa em afirmar que a bebida não contém chocolate Alpino” (Fls. 508/509 – II Juizado Especial Cível da Comarca de Volta Redonda/RJ). “... entendo que o tão só fato de a bebida láctea comercializada pela parte ré apresentar o nome „Alpino‟, em alusão ao bombom da mesma marca, não induz o consumidor a acreditar que o mesmo traz o referido bombom em sua composição, mas sim que apresenta sabor semelhante ao do bombom Alpino. O mesmo fato se observa nos casos de outros produtos comercializados por diversas empresas, tais como “batata sabor churrasco”, “bolo sabor laranja”, “chiclete sabor melancia”, em que, evidentemente, não se exige, para afastar alegação de propaganda enganosa, que os mesmos levem em sua composição o elemento ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 0163488-80.2010.8.19.0001 – AC – Ação Civil Pública – Alpino Fast – propaganda enganosa (voto) EG 17 identificador do sabor anunciado, mas apenas a semelhança de sabor” (Fls. 510/514 – II Juizado Especial Cível da Comarca de Duque de Caxias/RJ). “... restou incontroverso nos autos que o produto em questão não leva em sua composição o chocolate Alpino, que derretido, quer em pedaços. Contudo, tenho que este fato não acarreta lesão aos consumidores. Com efeito, diferentemente de um produto natural industrializado, o chocolate alpino nada mais é do que a combinação de ingredientes que resultam em um sabor característico. Sendo assim, não vejo qualquer irregularidade em se denominar um produto como pertencente à “família alpino”, desde que o sabor remeta àquele que lhe é característico. Em outro giro, e exemplificamente, figuraria conduta ilegal denominar um produto de “carne bovina” quando na verdade não o fosse. Todavia, perfeitamente possível denominar um produto de „Alpino Fast‟ desde que a combinação de ingredientes, agora dentro de seu segmento, ou seja bebida láctea, e não chocolate sólido, remeta ao sabor característico. (...) O mesmo mercado penalizará a demandada caso os consumidores em sua maioria não reconheçam na bebida o sabor que esperavam. A pena virá no seu fraco consumo e na forma de prejuízos financeiros à empresa, que via no produto excelente fonte de receitas” (Fls. 515/516 – Juizado Especial Civil da Comarca de Ourinhos/SP). Meu voto, destarte, é no sentido de se negar provimento a ambos os recursos. Rio de Janeiro, 11 de junho de 2013. EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO NETO Desembargador Relator 2013-06-17T16:31:44-0300 GAB. DES EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO