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LETRAMENTO E GÊNEROS TEXTUAIS E-book 2 Cimara Apostólico Neste E-book: INTRODUÇÃO ����������������������������������������������4 GÊNEROS TEXTUAIS E DISCURSIVOS �� 6 Origem dos gêneros �������������������������������������������6 Polifonia, Dialogismo e Intertextualidade� ����������9 Polifonia� ����������������������������������������������������������10 Dialogismo� ������������������������������������������������������12 Intertextualidade� ��������������������������������������������14 Polifonia versus Intertextualidade ���20 Concepções de gêneros ������������������������ 23 Gêneros orais, escritos e letramento� ����������������37 CONSIDERAÇÕES FINAIS ����������������������43 Síntese ���������������������������������������������������������45 2 E-book 2 Gêneros Textuais e Discursivos: por uma Prática de Letramento E-book 2 Objetivo(s) de aprendizagem: • Compreender as implicações conceituais so- bre Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade. • Analisar as nuances entre polifonia e intertex- tualidade, sabendo distingui-las. • Ampliar seu campo de visão a partir do enten- dimento da teoria dos gêneros. • Discernir gêneros primários de secundários. • Cotejar os autores que tratam sobre ação/ope- ração da linguagem • Entender sobre as questões interacionistas constitutivas dos gêneros. 3 INTRODUÇÃO Na unidade anterior, tratamos sobre Letramento e percebemos sua relação com as práticas sociais e de interação entre indivíduos. Falamos sobre a concep- ção de texto e sua distinção entre as modalidades: fala e escrita. Explicamos um pouco sobre alfabeti- zação e suas conexões com o letramento. Este tópico foi elaborado não somente como subsí- dio ao entendimento das esferas e tipologias textuais, mas foi concebido para que você possa, por intermé- dio de teorias sobre gênero, ampliar seu repertório e se constituir, compreendendo os encadeamentos que se formam sob as perspectivas do Letramento e Gêneros discursivos e textuais. Gêneros textuais fazem parte da atividade humana podem ser orais e escritos. As classificações primá- rias e secundárias foram cotejadas e exemplificadas, tratando sobre níveis de complexidade e aspectos comunicativos e sociais. Há um esboço inicial sobre a origem dos gêneros, buscando em Aristóteles e em Platão o fio da meada para entender o nascimento dos gêneros. Polifonia, dialogia e intertextualidade são elementos do discur- so que facilitam a compreensão posterior. Arriscamos explanar brevemente sobre hibridização ou intertextualidade intergêneros e explicamos as concepções sobre gêneros que ajudarão você a co- nhecer as implicações conceituais envolvidas nos 4 gêneros textuais/discursivos: ora como imbricados, ora como distintos. O tratamento teórico dado pelos pesquisadores é fundamental, por isso, neste tópico, você observará diferentes olhares, diferentes pers- pectivas; afinal, os pontos e contrapontos ajudam a compor o entendimento sobre o tema. Fato é que nosso cotidiano é permeado por esses gêneros que são como “meios” que utilizamos para nos comunicar. Isso ocorre por intermédio de narra- tivas, relatos, exposições, argumentação, descrição, instrução e assim por diante. Não é possível definir o número de gêneros textu- ais que circulam em nossa cultura; são inúmeros, mas não infinitos. Essa indefinição se dá por causa da dinâmica social em que esse fenômeno ocorre, acompanhado por mudança das relações sociais, culturais, econômicas, tecnológicas etc. Caro estudante, direcione o olhar para a evidência de que os gêneros pertencem e integram o seu cotidia- no e para enfrentar as facetas que se apresentam é necessário conhecer. Esse é o primeiro passo para se apropriar. Preparado(a)? 5 GÊNEROS TEXTUAIS E DISCURSIVOS Origem dos gêneros A história dos gêneros remonta à Antiguidade Clássica (greco-romana) e surge por meio do pen- samento de Platão (aproximadamente 428-347 a.C.) e de Aristóteles (384 a 322 a.C.). Abrindo parênteses antes de continuar – as datas estão corretas –, a ‘era antes de Cristo’ é contada ao contrário. Muito bem, Platão concebeu os gêneros como comédia e tragédia. Angélica Soares explica que no livro 3 da República, Platão deixou: “a primeira referência, no pensamen- to ocidental, aos gêneros literários: a comédia e a tragédia se constroem inteiramente por imitação, os ditirambos apenas pela exposição do poeta e a epopeia pela combinação dos dois processos”. (SOARES, 2007, p.9). Vamos por partes: a imitação é a mimese, em que temos um texto base e os seguintes fazem alusão, referência a esse (ao longo deste tópico conhecere- mos a mimese por diferentes denominações). Os ditirambos representam uma espécie de poesia coral grega, que, na época, expressava entusiasmo e/ou delírio e a epopeia são poemas cuja narrativa tem 6 como objetivo descrever e exaltar os grandes feitos. Essa é uma explicação genérica para que você con- siga acompanhar o diálogo, mas ela não dá conta das ideias de Platão, considerando a larga escala temporal, ou seja, as descrições de determinadas palavras e conceitos vão se alterando, conforme a época em que são ditas. Irene Machado esclarece que esses dois gêneros: comédia e tragédia situam-se em esferas de domí- nios de obras representativas de juízo. E acrescenta “Ao gênero sério pertencia a epopeia e a tragédia: ao burlesco, a comédia e a sátira” (MACHADO, 2012, p.151). Aristóteles se contrapôs à classificação hierárquica de Platão porque tinha uma preocupação voltada à ordem estética dos gêneros. Ele discute a mime- se por diferentes perspectivas. Na obra “Poética”, classifica “os gêneros como obras da voz tomando como critério o modo de representação mimética. Poesia de primeira voz é representação da lírica; a poesia de segunda voz da épica, e poesia de terceira voz, do drama” (MACHADO, 2012, p.152), ou seja, ele dá ênfase às vozes presentes em cada uma das representações: lírica, épica e drama e passa a se preocupar com o conteúdo e a forma. Pelo sentido etimológico das palavras, muitas vezes compreendemos sua conceituação e nas palavras: nascimento, origem, modalidade literária consegui- mos inferir o sentido inicial de gênero”: 7 [...] vem do latim (genus-eris), que significa tempo de nascimento, origem classe, espé- cie geração. E o que se vem fazendo, através dos tempos, é filiar cada obra literária a uma classe ou espécie, ou ainda é mostrar como certo tempo de nascimento e certa origem ge- ram uma nova modalidade literária. (SOARES, 2007, p.8) Vamos conversar sobre “voz” pela ótica de Bakhtin? Figura 1: Mikhail Mikhailovich Bakhtin 8 Polifonia, Dialogismo e Intertextualidade� Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em 17 de no- vembro de 1895, em Orel (Rússia), filósofo e pen- sador, além de teórico de artes e cultura da Europa. Bakhtin “foi considerado um dos maiores estudiosos da linguagem humana, suas obras sobre diversos temas influenciaram uma infinidade de pensadores de diversas áreas crítica da religião, estruturalismo, semiótica e marxismo” (ARAÚJO, s/d, p.1). Para saber mais, consulte Infoescola, cujo link se encontra nas referências. Seus trabalhos até hoje são de grande relevância para compreendermos as implicações da língua e literatura. Bakhtin traz em sua obra alguns conceitos-chave como: [...] signo ideológico, enunciado concreto/ enunciação, gêneros, polifonia, dialogismo, responsividade surgem não apenas da for- mação filosófica e linguística, mas também da formação dos livros literários dos diversos membros do Círculo e da maneira como eles, a partir dessa tradição que vincula língua e li- teratura, construíram os pilares da concepção bakhtiniana de linguagem. (BRAIT, 2010, p.20). Depreendemos da citação que os conceitos-chave não surgem somente da formação filosófica e lin- guística, mas pela intermediação dos membros do círculo (grupo de intelectuais revolucionários que 9 estudaram sobre a linguagem). Nesse sentido, é quesão fundadas as teorias acerca da linguagem. E é sobre polifonia que começamos nosso diálogo. Polifonia� Beth Brait (2010, p.20) explica que o conceito de po- lifonia é bastante complexo, por essa razão é impor- tante ler as obras de Dostoiévski para ampliar a com- preensão sobre esse conceito. Fiódor Dostoiévski (1821-1881), escritor russo que exerceu grande influência na filosofia moderna; foi autor de livros como “Os irmãos Karamázov”, “Crime e Castigo”, “O Idiota”, dentre outros. Para conhecer mais visite o site e-biografia, anotado nas referências. Conforme Koch, “o dialogismo é constitutivo da lin- guagem: A palavra é o produto da relação recíproca entre falante e ouvinte, emissor e receptor” (KOCH, 2011, p.64). É dialógico porque estabelece uma conversa entre quem fala e quem ouve. Ao que ela acrescenta: “Cada palavra expressa o ‘um’ em rela- ção com o outro”. (KOCH, 2011, p.64). Palavras são elementos mediadores do um e do outro. “Eu me dou verbal a partir do ponto de vista da comunidade a que pertenço. O Eu se constrói constituindo o Eu do Outro e por ele é constituído”. (KOCH, 2011, p.64). Pensemos juntos, estamos redigindo este material para alunos de Letras, certo? Você observou que foram mencionados Bakhtin, Koch, Fiorin, Machado, 10 Soares e outros? Isso responde: ‘Eu me dou verbal’ [...] e o ‘Eu e o Outro’. Imaginem o texto como uma teia de relações que são construídas pelo eu e pelo autor. O texto só tem existência a partir do momento em que o leitor come- ça a ler. Se ninguém lê são apenas palavras, ideias assentadas. Agora vejam as relações ‘Eu / Eu do Outro’ x ‘Eu do Outro / Eu’, isto é, nessas relações constitui-se e é constituído. Nesse momento, você está sendo constituído por quem? É o seu ‘Eu” sendo constituído pelo “Eu do outro”. Esse eu do outro é o autor do material didático que está sendo constituído pelos autores, exemplo Koch. Que foi constituída por Bakhtin que foi constituído por Aristóteles e assim por diante – é uma teia em que, ao mesmo tempo, em que afetamos somos afetados. São os vários “Eus” que nos constituem e que constituímos – a ideia de polifonia. Sabemos que foram escritos vários “Eus”, mas nesse caso não é possível colocar sinônimos, pois haverá prejuízo do sentido. Pausa para uma ‘conversinha’? Está acompanhan- do? Há um termo muito usado entre os acadêmi- cos “escavar” a questão. Tudo pode ser escavado e aprofundado e é essencial buscar complexidade, mas, concordam que precisa uma maturidade inte- lectual para avançar? Assim, paramos por aqui, mas deixamos uma caixa de diálogo para você pesquisar futuramente. 11 Fique atento “Ducrot explica que há dois tipos de polifonia, quando, no mesmo enunciado, se tem mais de um locutor – correspondendo neste caso ao que denominei intertextualidade explícita (discurso relatado, citações, referências, argumentação por autoridade, etc.); quando, no mesmo enun- ciado há mais de um enunciador, recobrindo, em parte, a intertextualidade implícita sendo, porém mais ampla: basta que se representem, no mes- mo enunciado perspectivas diferentes, sem a ne- cessidade de utilizar textos efetivamente existen- tes.” (DUCROT apud KOCH, 2011, p.65) Vamos discutir um pouco sobre dialogismo? Dialogismo� Em todo discurso, temos o escritor/falante ou o lei- tor/ouvinte, essas pessoas, para interagir, precisam compreender o que está sendo dito, mas esse pro- cesso não é tão simples como aparenta, pois cada um de nós temos experiências diferentes – lembram da leitura de mundo? Significamos e ressignifica- mos os discursos mediados por diferentes variáveis: culturais, sociais, políticas, econômicas e inclusive emocionais. Feito esse preâmbulo, o mais importante é saber que só há comunicação se houver compreensão. 12 Esse é o indicador de interação, de participação no diálogo – e isso implica em se posicionar em relação às várias questões que nos circundam. Não necessariamente esse diálogo precisa ser es- tabelecido por vias diretas: pessoa-pessoa. Neste momento, estamos dialogando por meio desse texto e “isso quer dizer que a leitura de uma obra é social, mas também singular”. (FIORIN, 2016, p. 8). Figura 2: Social x Singular Os termos ‘social x singular’ representam, nesse contexto, que, ao mesmo tempo em que esse ma- terial sobre gêneros e letramentos é compartilhado, porque estabelecemos uma relação, um diálogo “uma vez que a compreensão não se dá sem que entremos numa situação de comunicação, e ainda com outros textos sobre a mesma questão” (FIORIN, 2016, p.8); a leitura, que você está fazendo é sin- gular, já que “como leitor, participa desse diálogo 13 mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material uma resposta ativa [...]” (FIORIN, 2016, p.9). Portanto, as relações dialógicas se estabelecem no contato do eu e do outro e do outro e do eu, assim, polifonia e dialogismo são conceitos indissociáveis. E o que é intertextualidade? Vamos ver? Intertextualidade� Essa comunicação com outros textos sobre a mesma questão são relações intertextuais. Para entender um pouco mais sobre esse conceito, vide quadro abaixo: Fique atento Intertextualidade “é introduzido como pertencen- te ao universo bakhtiniano por Julia Kristeva, em sua apresentação de Bakhtin na França, publica- da em 1967, na revista Critique. A semioticista diz que, para o filósofo russo, o discurso literário não é um ponto, um sentido fixo, mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de várias es- crituras, um cruzamento de citações. Como ela vai chamar texto o que Bakhtin denomina enun- ciado, ela acaba por designar intertextualidade a noção de dialogismo” (FIORIN, 2016, p.57). Importante observar que o termo intertextualida- de não consta na obra de Bakthin, mas Kristeva faz referência ao universo em que ela se baseou. 14 Fiorin (2016) menciona Roland Barthes, que difundirá esse conceito passando a denominar qualquer rela- ção dialógica como intertextualidade. Na perspectiva de Fiorin, esse entendimento é equivocado, já que Bakhtin traça “[...] distinção entre texto e enunciado” (FIORIN, 2016, p.57). Ao longo do curso, você vai observar que o aspecto semântico é bastante debatido entre os teóricos. É importante que você anote essas peculiaridades, que parecem detalhes, mas que são significativas do ponto de vista conceitual e linguístico. Não se trata de definir uma palavra, a compreensão que de- vemos ter é mais ampla: trata-se de conceitos que, pela sutileza, podem conduzir os pensadores mais experientes a equívocos. Fiorin embasa as relações de diálogo, partindo do pressuposto de que “se há uma distinção entre dis- curso e texto, poderíamos dizer que há relações dialógicas entre enunciados e entre textos”. Nessa direção, para ele há uma distinção entre intertextu- alidade e interdiscursividade; “quando um texto não mostra, no seu fio, o discurso do outro, não há inter- textualidade, mas há interdiscursividade” (FIORIN, 2016, p. 58). Vamos comparar dois trechos para melhor entendi- mento de intertextualidade: 15 No trecho do poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, temos: “Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.” No hino nacional, 2ª estrofe da parte II: “Do que a terra, mais garrida. Teus risonhos, lindos campos têm mais flores Nossos bosques têm mais vida Nossa vida no teu seio mais amores” Podemos perceber nesses trechos que um texto mostra no seu fio o discurso do outro, fazendo-nos concluir que há intertextualidade. É importante mencionar também que há outras distinções e concepções para Fiorin (2016), como intratextu- alidade; conceito cujo tratamento se dá no âm- bito da materialidade e da existência autônoma, como nos casos de paródia e estilização, porém, independentemente dessas distinções, tanto um como o outro representam a relação entre textos, o dialogismo, pois: 16 A orientação dialógicaé naturalmente um fe- nômeno próprio a todo discurso, trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. (BAKTHIN, 1988:88 apud FIORIN, 2016, p.21). Nessa relação dialógica entre textos, Koch e Elias (2012, p.114) elucidam que os gêneros podem assu- mir a forma de outro gênero, com base na finalidade da comunicação. A esse fenômeno dá-se o nome de hibridização ou intertextualidade intergêneros. Veja o exemplo abaixo: 17 Figura 3: Criação Fam Online A primeira observação é a de que se trata do gênero “história em quadrinho”, mas observe a proposta: alertar os consumidores sobre o risco do cigarro. E preste atenção ao uso de verbos. Modo impera- tivo: fume, faça, liberte-se; E por último veja que há 18 um anunciante. Quando você observa todos esses elementos juntos, sabe que se trata de um anúncio publicitário, mas o estranhamento se dá porque é apresentado em uma estrutura que se parece com a história em quadrinhos. Esse é o entendimento sobre intertextualidade intergêneros. Usa-se gêneros com funções diferentes para criar um efeito comunicacio- nal que chame a atenção e enriqueça a campanha. 19 POLIFONIA VERSUS INTERTEXTUALIDADE Koch chama a atenção para o fato de que, “em ou- tras palavras, não há intertextualidade sem polifonia, mas o contrário não é verdadeiro”. Você se lembra do que é discurso indireto livre? A fala do narrador invade a da personagem. “O discurso indireto livre” constitui também um caso interessante de polifonia. Nele, mesclam-se as vozes de dois enunciadores na narrativa, personagem (E1) e narrador (E2). Daí de- riva a ambiguidade desse tipo de discurso, isto, é a dificuldade de distinguir o ponto de vista (perspectiva de onde se fala). (KOCH, 2011, p 73). Podcast 1 Na intertextualidade, observamos que a “alteridade é necessariamente atestada pela presença de um intertexto” (KOCH, 2011, p. 74). Lembra-se dos dois textos exaltando a terra? Eles estabelecem um diálo- go. Alteridade, linhas gerais, significa o que é distinto, é o Outro. Emmanuel Lévinas foi um filósofo lituano que estudou a complexidade do termo “alteridade”. Saiba mais No artigo “A concepção de alteridade em Lévinas: Caminhos para uma Formação mais Humana no Mundo Contemporâneo”, os autores Costa e Ca- 20 https://famonline.instructure.com/files/43017/download?download_frd=1 etano discutem o conceito de “Alteridade e suas implicações para a formação humana no mundo contemporâneo a partir da obra Humanismo do outro homem de Emmanuel Lévinas. A filosofia levinasiana é marcada por duas fases: na primei- ra sua preocupação é com a tradução e obser- vação da fenomenologia; logo após amadurece seus conceitos trazendo para tradição filosófica uma nova forma de pensar a filosofia a partir da ética da Alteridade, como filosofia primeira”. (COSTA, J. X. S; CAETANO, R. F., 2014, p.195) A intertextualidade ocorre também em situações de comunicação oral, trata-se de “textos anteriormente produzidos – provérbios, frases feitas, expressões estereotipadas ou formulaicas, de autoria anônima, mas que fazem parte de um repertório partilhado por uma comunidade de fala” (KOCH, 2011, p.75). Exemplo: “Vamos ler este texto agora, afinal nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”. Aqui é inserido, nesta frase, um trecho de um provérbio. Vamos analisar um exemplo ligado a estereótipo em relação a mulheres: No trânsito: “Só podia ser mulher – vai pilotar o fogão”. A nossa fala cotidiana é marcada por vários momentos em que fazemos menção a outros textos, sejam eles provérbios, tre- chos de músicas, pensamento de teóricos, discurso do senso comum, etc. Pelo que discutimos, é possível depreender que, na intertextualidade, há a ocorrência do fenômeno “po- lifonia” e nas palavras de Koch: “[...] todo caso de 21 intertextualidade é um caso de polifonia, não sendo, porém, verdadeira e recíproca: há casos de polifonia que não podem ser vistos como manifestações de in- tertextualidade”. Em outras palavras, não há polifonia sem intertextualidade, mas o contrário não é verda- deiro. Enfim, polifonia, dialogismo e intertextualidade são conceitos fundamentais para compreensão dos textos, os quais são formados pelas várias vozes do discurso e que ajudarão a entender as implicações dos gêneros textuais. Pudemos compreender essa teia de saberes pela lupa de Bakhtin, Brait, Koch, Fiorin, Machado e Soares, e todos sabemos que a língua é viva e em seu uso real se estabelece por meio de relações dialógicas, polifônicas e intertextuais. Na sequência, trataremos sobre gêneros e os aspec- tos discursivos-interacionistas. 22 CONCEPÇÕES DE GÊNEROS Os gêneros tradicionalmente eram situados no do- mínio da literatura. Então, falávamos sobre conto, crônica, fábula. As análises desses gêneros eram feitas com base em sua estrutura composicional e pareciam não ter uma relação direta com a experi- ência social dos falantes. Por meio das pesquisas e constructos teóricos de Bakthin, passou-se a compreender os enredamentos dos gêneros. “Tradicionalmente utilizada no domí- nio da retórica e da literatura, essa noção encon- trou, provavelmente pela primeira vez, uma exten- são considerável na obra de Bakhtin (1953-1979), à qual se referem inúmeros autores contemporâneos” (SCHNEWLY, 2004, p.25). A compreensão sobre gêneros, além do domínio re- tórico e literário (SCHNEWLY, 2004, p.25), encontra eco na obra de Bakhtin que tratará a respeito de cada esfera de troca social, dos elementos como conteú- do temático, estilo, composição e a necessidade da temática, dos participantes, das intenções comunica- tivas e da esfera de atuação para seleção do gênero. Schnewly (2004) aclara o conceito de gênero como instrumento, traçando três elementos centrais nessa definição: 23 1� Gênero escolhido por determinado número de parâmetros: finalidade, destinatários, conteúdo, ou seja, “há uma elaboração de uma base de orientação para uma ação discursiva” (SCHNEWLY, 2004, p.26). Essa definição mostra que a escolha de gênero não é e não pode ser aleatória: é preciso levar em con- sideração esses aspectos para que haja uma ação discursiva. 2� A esfera de troca, a qual definirá as possibilida- des de gêneros em função do lugar social em que a esfera se situa. 3� A flexibilidade dos gêneros que “mesmo sendo ‘mutáveis e flexíveis, [...] definem o que é dizível e (inversamente: o que deve ser dito define a escolha de um gênero). (SCHNEWLY, 2004, p.26) Então, o gênero define o que deve ser dito? E o que deve ser dito define a escolha do gênero? Parece confuso? Recorramos à Bakhtin para responder: “Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos; se tivéssemos de criá-los pela pri- meira vez no processo da fala; se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comu- nicação verbal seria quase impossível” (BAKTHIN, 1979, p.29 apud SCHNEWLY, 2004, p.27). De fato, seria quase impossível, já que gêneros e fala estão intrinsecamente relacionados. Agora que já avançamos um pouco mais, vamos conversar sobre gêneros e desenvolvimento da lin- guagem. Schnewly (2004) estabelece distinção en- tre gêneros primários e secundários com base em 24 circunstância de comunicação verbal espontânea x cultural. Cotejando o autor, em relação a essas definições, primário x secundário, Medeiros e Tomasi afirmam. Enquanto os gêneros primários têm relação direta com a situação em que são produzidos e funcionam em situações espontâneas de comunicação cotidiana; os secundários são resultado de circunstância de troca cultural e pertencem a situações culturais mais com- plexas, que tendem a explorar e a recuperar discursos primários e exigem, para seu do- mínio, aprendizagem (MEDEIROS; TOMASI, 2017, p.3). Os gêneros primários têm baixacomplexidade, já que permeiam nosso cotidiano, vêm das conversas que temos com nossos familiares, amigos, vizinhos, co- legas de trabalho, são os bilhetes, as mensagens de WhatsApp, etc. Os secundários são mais complexos e estruturados; são e-mails comerciais, artigos, rela- tórios científicos, trabalhos acadêmicos, romances, contos, crônicas, fábulas etc. Os gêneros textuais existem em função dos aspec- tos sociais e das esferas sociais de atividade. Esses usos não são isolados, dependem da compreensão do outro para que haja interação. Medeiros & Tomasi explicam que “A abordagem bakhtiniana, também conhecida como abordagem sociodialógica ou so- 25 ciodiscursiva, entendem a constituição e o funcio- namento em sua relação com a situação social de interação e a esfera social de atividade” (MEDEIROS; TOMASI, 2017, p. 2). Ao considerarmos que os gê- neros integram a nossa sociedade, seria, no mínimo estranho ter que ensinar e aprender sobre eles. Mas sabemos que não é bem assim. Além de Bakhtin, outros teóricos se debruçaram na pesquisa sobre interacionismo presente nos gêneros e, dentre eles, Medeiros menciona Bronckart, que tratava dos gêneros com uma abordagem socioco- municativa da linguagem: O interacionismo sociodiscursivo vê a con- duta humana como produto de socialização. Nossos resultados seriam o resultado da apro- priação de propriedades da atividade social mediada pela linguagem: as ações humanas têm significado numa interação quando há apropriação dos gêneros. O falante só inte- rage se domina o gênero. O interacionismo sociodiscursivo considera que é por meio da linguagem que o homem transforma o meio. (MEDEIROS, 2017, p.27) Os gêneros se situam em um ambiente sociocomuni- cativo mediados pela linguagem, mas, para que isso ocorra, o falante precisa dominar o gênero. Sem esse domínio, o indivíduo tem uma apropriação parcial. Daí compreender a essencialidade dessa pesquisa e es- tudo, já que gênero alcança o status da nossa própria 26 inserção no mundo social, pois é pela linguagem que o homem transforma o meio e é por intermédio dela que se dá o uso do gênero. Vamos pensar em uma metáfora para você compreender melhor? Imagine que você é um gênero textual. Como gêne- ro, você vai transitar pelos espaços sociais. Hoje à noite, você vai a um jantar de confraternização em um buffet muito chique, no qual estarão os direto- res da empresa em que trabalha e, olha a surpresa: você foi escolhido(a) para fazer a abertura da festa. Primeiramente, vamos pensar no vestuário. Sendo você mulher: Vai de chinelo? Moletom? Camiseta? Claro que não, você fará os ajustes – usará um con- junto social ou um vestido tubinho preto com alguns acessórios um pouco mais chamativos por ser noi- te. Fará uma maquiagem marcante, sem exageros. Usará salto fino, etc. No momento da abertura, você vai dizer: Gente, vamos aproveitar a festa. Beleza? No dia seguinte você será demitido(a). Para que isso não ocorra, será necessário fazer os ajustes; usar uma linguagem mais formal e um discurso mais detalha- do, mencionando, por exemplo, os índices de venda, avanços do ano, etc., dependerá do contexto. Vamos associar com um gênero que precisaria ter todo esse requinte acima? Uma dissertação de mes- trado: ela se revestirá com a melhor roupa, produ- zindo capítulos com uma consistente base teórica, utilizará os acessórios como as normas ABNT para que tudo fique perfeito, além disso, utilizará palavras opulentas, rebuscadas e eloquentes. 27 Voltando à exemplificação do vestuário; no outro dia, você acorda cedo e vai à praia. Usará o vestido tubi- nho? Não! Vai preferir um vestido soltinho de algodão ou malha e, por baixo, o maiô ou biquíni. Chegando ao ‘quiosque da caipirinha’, você utilizará uma linguagem formal e fará um longo discurso? Lembre-se: você ainda nem bebeu. Você vai simplesmente usar uma linguagem mais informal e concisa. Novamente, vamos associar com um gênero que terá essas características, uma receita, pode ser de caipirinha. Qual vocabulário e estrutura? Será utiliza- do um nível menos formal e precisará ter precisão e concisão, caso contrário o preparo ficará inadequado. Assim são os gêneros, eles trafegam pelos diferentes espaços e, cada vez que vão a um lugar novo, preci- sam se ajustar tanto na forma como no conteúdo. Também é importante observar o contexto, os enun- ciados, os falantes, os receptores e assim por diante. Em relação à ação de linguagem, ela é entendida por Medeiros como “um conjunto de operações de linguagem cujo resultado é o texto. [...] As operações não são lineares, sucedendo uma ordem rígida uma à outra, mas estão em interação”. (MEDEIROS, 2017, p. 27). E, para o autor, as operações envolvem algumas condições: 28 Figura 4: Condições das operações de linguagens O texto, os gêneros, assim como na metáfora do ves- tuário, devem ser situados, considerando todos esses aspectos que não se limitam meramente ao conteú- do, produtor e destinatário; não se pode compreender o espaço e tempo sem considerar que somos seres 29 sócio-históricos. Para melhor entendimento, leia o recorte do poema As três graças, de Drummond: Um doutor em estética do corpo, ao visitar o Museu do Prado, em Madri, achou que as Três Graças, de Rubens, sofriam de celulite, mais acentuada na Graça do centro. Procurou o diretor do museu e sugeriu-lhe que o quadro fosse submetido a um tratamento especial, de modo a ajustar os nus femininos aos cânones de beleza e higidez que hoje cultuamos. O dire- tor ouviu-o polidamente e responder que nada havia a fazer, pois as obras-primas do passado são intocáveis, salvo quando acidente ou aten- tado tornam imperativa a restauração. Além do mais, pode ser que no século XVII o que hoje chamamos de celulite fosse uma graça suplementar [...]. (ANDRADE, 2012, p.56). O doutor em estética analisa a obra com o olhar atual, desconsiderando os moldes da época. No Barroco, época em que Peter Paul Rubens retratou ‘as três gra- ças’, o padrão era o sobrepeso; a robustez indicava saúde e aptidão para maternidade. Fechando a ideia de espaço e tempo; todas as vezes em que você for ler um gênero textual, é preciso se perguntar onde e em qual época ele foi escrito, caso contrário, não fará nenhum sentido. Em relação a lugar social: interação e circulação, por exemplo, um artigo de opinião em um jornal re- nomado deve considerar o público-alvo, o nível de 30 instrução dos leitores, assim como os papéis sociais tanto do emissor como do receptor. Mesmo sendo gênero artigo de opinião, o papel social do autor é o de jornalista e o receptor é o de leitor crítico, que não sucumbe passivamente à opinião do outro, mas a coteja, compara com os demais, contrapõe antes de formar a própria. O efeito que o destinador objetiva produzir no desti- natário são as intenções. A propaganda é um bom exemplo de gêneros focados em efeitos. Muitas ve- zes, no discurso o implícito – aquilo que está suben- tendido, mas não é claramente exposto – tem uma função impactante na linguagem. Vamos analisar as ideias acima, agora sob a ótica de Bakhtin? Muito bem, ele explica sobre os conteúdos; a estrutura; as configurações específicas. Quanto ao primeiro, ele afirma que os conteúdos se tornam “dizíveis pelo gênero (conversa, carta, palestra, entre- vista, resumo, notícia...) e não por frases ou orações.” Nessa direção, somente tem status de conteúdo as frases ou orações quando inseridas dentro de um contexto maior de gênero como no caso, a palestra, entrevista, conversa, etc. Em relação à estrutura, ela é classificada como narrativa, argumentativa, etc. O último item, as configurações e linguagem são o estilo: [...] os traços da posição enunciativa do lo- cutor e os conjuntos de sequências textuais e de tipos discursivos que constituem a es- trutura genérica (por exemplo, construir um 31 texto instrucional – ensinar a jogar xadrez – é diferente de construir um texto argumentativo– defender o jogo de xadrez como atividade importante para o desenvolvimento mental. (COSTA, 2014, p. 21) Nessa referência, o texto instrucional cujo objetivo, no exemplo dado, é explicar as etapas para que a pessoa consiga aprender a jogar xadrez tem uma intenção diferente do texto argumentativo cujo foco, seguindo essa mesma base, seria o de apontar por meio de argumentos a importância de se aprender a jogar, portanto, os objetivos do texto ajudam a definir o estilo. Além dessas abordagens, ele também trata sobre o domínio discursivo, estabelecendo distinção de diversidade discursiva, gênero e dimensão textual – elementos que retomaremos oportunamente. São tratados aspectos do lugar social da interação (sociedade, instituição, esfera cultural, tempo histó- rico) lugares sociais dos interlocutores ou enuncia- dores (relações hierárquicas, relações interpessoais, relações de poder e dominação, etc.) e finalidades da interação (intenção comunicativa do enunciado). Em síntese, os dois autores estabelecem pontos em comum cuja estrutura se ampara nos aspectos discursivos do gênero, afinal, a linguagem é uma atividade que demanda interações: 32 Bronckart, como já explicado, adota o interacionismo sociodiscursivo de Bakhtin. “Os textos seriam produ- to da atividade humana e estariam articulados aos interesses e condições de funcionamento das mais diversas formações sociais” (MEDEIROS, 2017, p.27). O interacionismo constitutivo dos gêneros situa-se nas várias esferas de circulação. Como dito, Bakhtin apresenta gêneros como necessidade de expressão e comunicação entre as pessoas em suas atividades e “apesar de os gêneros do discurso estarem sujeitos a serem padronizados, justamente para identificar um determinado grupo social, eles podem ser transfor- mados ou até dar lugar a novos gêneros, conforme o tempo ou o contexto” (HALMENSCHLAGER, 2015, p. 64). A autora menciona como exemplo o discurso pe- dagógico da década de 50 e década de 80. Ao que aproveitamos para lembrar a criança de várias legis- lações, decretos, estatutos, exatamente pela razão de as concepções sobre as questões sofrerem alteração ao longo do tempo. A autora acrescenta que “a partir dessas ideias, chega-se então, aos gêneros textuais que podem se repetir nos mais diversos gêneros de discurso”. (HALMENSCHLAGER, 2015, p. 64). Importante aclarar nossa discussão, apresentando a que gêneros textuais Bakhtin denominou gêneros discursivos. Consideramos que agora começa a fa- zer mais sentido para você porque tratamos sobre a abordagem do discurso primeiro. Discurso e texto se imbricam em uma relação mútua. 33 Koche explica que os gêneros textuais, na concepção de Bronckart (1999), constituem ações de linguagem que requerem do produtor uma série de decisões. A primeira é a escolha que deve ser feita a partir do rol de gêneros existentes, ou seja, ele optará por aquele que lhe parecer mais adequado ao contexto e a intenção comunicativa; a segunda decisão é a aplicação na qual o produto poderá acrescentar ao gênero escolhido ou recriá-lo. (KOCHE, 2014, p.12). Na ação da linguagem, toda manifestação verbal ocorrerá por intermédio de algum gênero; é importan- te observar que verbal significa oral e escrita. Vamos entender um pouco mais sobre isso no quadro abai- xo, antes de seguirmos nosso diálogo. Fique atento Linguagem verbal é uso da escrita ou da fala como meio de comunicação. Linguagem não-verbal é o uso de imagens, figu- ras, desenhos, símbolos, dança, tom de voz, pos- tura corporal, pintura, música, mímica, escultura e gestos como meio de comunicação. A linguagem não-verbal pode ser até percebida nos animais, quando um cachorro balança a cauda, quer dizer que está feliz ou coloca a cauda entre as pernas, medo, tristeza. INFOESCOLA. Disponível em: https://www.infoes- cola.com/comunicacao/linguagem-verbal-e-nao- -verbal. Acesso em: 13 jan.2019. 34 https://www.infoescola.com/artes/mimica/ https://www.infoescola.com/comunicacao/linguagem-verbal-e-nao-verbal/ https://www.infoescola.com/comunicacao/linguagem-verbal-e-nao-verbal/ https://www.infoescola.com/comunicacao/linguagem-verbal-e-nao-verbal/ Podcast 2 Os gêneros textuais, os quais podem ser repetidos nos mais diferentes gêneros do discurso, ocorrem no âmbito do verbal, por essa razão Marcuschi explica: É impossível não se comunicar verbalmente por algum gênero, assim como é impossível não se comunicar verbalmente por um texto. Isso porque toda a manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero textual. Daí a centralidade da noção de gênero textual no trato sociointerati- vo da produção linguística. Em consequência, estamos submetidos a tal variedade de gêne- ros textuais, a ponto de sua identificação pa- recer difusa e aberta, sendo eles inúmeros, tal como lembra Bakhtin (1979), mas não infinitos (MARCUSCHI, 2008, p.154 apud MEDEIROS, 2017, p. 29). Os gêneros são inúmeros, mas não infinitos. Em uma perspectiva pragmática, os falantes dispõem das formas da língua que são a seleção vocabular, a estrutura das sentenças, os aspectos gramaticais e das formas dos enunciados que são a estrutura composicional. Esses elementos serão aprofunda- dos oportunamente, mas vejamos a citação para continuarmos a compor o entendimento: 35 https://famonline.instructure.com/files/43018/download?download_frd=1 O falante disporia, então, além das formas da língua (= recursos linguísticos, lexicais, fraseológicos, gramaticais...), das formas dos enunciados (=construção/estruturação composicional de gênero: narração, relato, argumentação, explicação na comunicação discursiva do conteúdo cujos sentidos deter- minam as escolhas que o sujeito concretiza a partir do conhecimento empírico que tem dos gêneros à sua disposição (por exemplo, conversa, carta, palestra, entrevista, resumo, notícia...). (COSTA, 2014, p.22) Esse conhecimento empírico se dá por intermédio dos conceitos abordados no tópico anterior: pela al- fabetização, pelo ler e escrever, pela leitura de mundo e pelo letramento. São essas bases empíricas que propiciam ao indivíduo redigir uma carta nos vários níveis de estrutura e linguagem os quais o gênero requer, que ajuda o estudante universitário a fazer os resumos dos diferentes conteúdos e assim por diante. Letramento e gêneros textuais ocorrem em um pro- cesso simultâneo: são elementos ativos da nossa cultura; ao mesmo tempo em que o indivíduo está sendo letrado, ele está assimilando e se aproprian- do dos gêneros, expandindo-os, aplicando-os em contexto real de uso. E é sobre oralidade, escrita e letramento que conversaremos nesta última seção. 36 Gêneros orais, escritos e letramento� Nesta seção, vamos recorrer às pesquisas de Luiz Antônio Marcuschi, com base no livro da Fala para a escuta, o qual indicamos para leitura. Sintetizando, o autor apresentará subsídios para compreensão das implicações entre fala e escrita, rompendo o paradig- ma dicotômico oral x escrito, dando um tratamento de uso fundado nós próprios gêneros textuais coti- dianos. Ele também propõe uma nova abordagem para trabalho em sala de aula. Vale a pena conferir! Com esse preâmbulo, iniciamos nossa discussão sobre o tema. Todos sabemos sobre os prejulga- mentos que ocorrem acerca ‘da fala e da escrita’; os questionamentos se centram nos erros gramaticais cometidos. Outro aspecto importante e, também, do nível do senso comum é a consideração do gênero escrito como superior, hegemônico ao da fala; isso se ainda forem considerados como tal. Há uma in- clinação a lembrar dos escritos: artigo de opinião, receita, bilhete, crônica, conto, fábula. Vamos refletir um pouco sobre isso: Artigo de opinião é escrito. E o debate? Não tem estrutura próxima? Não se situa em posicionar favorável ou contra de- terminada questão com bases argumentativas con- sistentes? E ao pensarmos na receita escrita? Na televisão, assistimos a vários programas que fazemuso da receita escrita, criando e recriando, com base nesta, outros gêneros de caráter oral. E o bilhete? 37 Encontra seu contraponto no recado. Podemos tanto escrever um bilhete como deixar um recado oral. O WhatsApp apresenta essa flexibilidade de tráfego entre oral e escrito. E as crônicas, contos, fábulas? Quantas vezes nossas narrativas não são permeadas por esses, em que, parcial ou integralmente, trans- formamos o escrito em oral, estabelecendo redes intertextuais. Retomando o exemplo do bilhete/recado, deve-se observar que, quando os utilizamos, não pensamos em microestruturas como: local, data, destinatário, emitente, aspectos do conteúdo, etc.; o uso é social, escrevemos um bilhete ou damos um recado com o objetivo de expressar sentimentos, comunicar ações, fatos que compõem o nosso dia a dia, daí que todos esses eventos se concretizam pelo Letramento. Não nos preocupamos com esses detalhes porque eles já estão incorporados, portanto, não seria possível elaborar a estrutura do bilhete sem termos tido essa experiência cultural. Hoje, é impossível investigar oralidade e le- tramento sem uma referência direta ao papel dessas duas práticas na civilização contem- porânea. De igual modo, já não se podem ob- servar satisfatoriamente as semelhanças e diferenças entre fala e escrita (o contraponto formal das duas práticas acima nomeadas sem considerar a distribuição de seus usos na vida cotidiana). (MARCUSCHI, 2001, p.15) 38 O autor situa a observação inicial nos aspectos orais e de letramento, não só por estar tratando com mais ênfase sobre a fala, mas também por ser a fala an- terior à escrita; de qualquer forma, ele estabelecerá uma ponte com a escrita. No momento, interessa- -nos, sobretudo, que a citação culminará em uma abordagem sobre práticas sociais e de letramento “Mais do que uma simples mudança de perspectiva, isto representa a construção de um novo objeto de análise e uma nova concepção de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais” (MARCUSCHI, 2001, p.15). Esse novo objeto de análise se situa em torno do Letramento, conjuntos de práticas sociais que, fun- dadas na língua e no texto, apresentam uma relação dinâmica, interativa de uso. Oralidade e escrita são instrumentos essenciais e podem ser vistos “como essencial à sobrevivência” (MARCUSCHI, 2001, p.16). Importante também observar que não há uma hie- rarquia da escrita, fala ou ao contrário. Em relação à escrita ela está em todos os espaços: independen- temente de ser alfabetizado ou não, o indivíduo está imerso nessa cultura letrada Até mesmo os analfabetos em sociedades com a escrita, estão sob a influência do que contemporaneamente, se convencionou cha- mar de práticas de letramento, isto é um pro- cesso histórico e social que não se confunde com a realidade representada pela alfabeti- zação regular e institucional [...] deve-se ter 39 imenso cuidado diante da tendência à esco- larização do letramento. (MARCUSCHI, 2001, p.18) De fato, essa escolarização é uma propensão insti- tucional por algumas razões, como querer manter padrões enraizados, confundir alfabetização e letra- mento, desvalorizar o aprendizado que ocorre em si- tuações informais, fora do muro da escola, considerar que só a escola tem o poder de ensinar e até mesmo por haver um reducionismo em termos de entendi- mento da evolução semântica dos termos implicados nessa discussão (e para finalizarmos) vamos citar uma breve distinção traçada por Marcuschi (2001, p.21) para esses três conceitos: O letramento é uma aprendizagem que ocorre em contextos informais; a alfabetização, historicamente ocorre na escola, mas saber ler e escrever pode ser aprendido em outros espaços. A escolarização é uma prática formal que tem na alfabetização uma de suas práticas. O autor (2001, p.25) também apresenta diferencia- ção entre práticas sociais (oralidade/letramento) e modalidades de uso da língua (fala e escrita). Para ele, oralidade possui fins comunicativos “sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso”. (MARCUSCHI, 2001, p.25). Voltemos ao bi- lhete; escrever para a mãe e para o chefe perpassará do informal para o formal. 40 O letramento englobará situações mínimas de apro- priação, inclusive, como as estabelecidas pelos anal- fabetos “Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz uso formal da escrita” (MARCUSCHI, 2001, p.25). Importante atentar ao fato de que, para ele, ‘Letrado’ vai além do uso formal da escrita, sendo necessária a participação ativa nos eventos. Quanto à fala, essa é situada no plano da oralidade e “caracteriza-se pelo uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os aspectos prosódicos, envolvendo ainda uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo e a mímica” (MARCUSCHI, 2001, p.25). Nesse sentido, a fala não se restringe aos sons, mas o não-som ex- presso pelos gestos, como franzir a testa, mostrando preocupação, algum movimento do corpo, expres- sando descontração, alguma mímica, denotando desagrado em relação ao outro são representações da fala. A escrita, que ele concebe como modalidade com- plementar à fala, “pode manifestar-se do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita ideográfi- ca) ou unidades iconográficas [...]” (MARCUSCHI, 2001, p.26). Daí podemos concluir que as imagens, fotos são atribuídas como escrita, haja vista serem iconográficas. 41 Naturalmente, esse é apenas o fio do novelo e po- deríamos continuar essa conversa por horas, mas, como algumas questões são antes discutíveis a de- finíveis, paramos aqui e, conforme indicado, você poderá se aprofundar nessa e outras questões lendo as referências. No próximo tópico, conheceremos mais sobre a he- terogeneidade linguística, abordando os domínios sociais e capacidades da linguagem; os níveis da linguagem e as esferas sociais de circulação. 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS O surgimento dos gêneros nos deu uma pista acerca de sua relação com a fala e o discurso e as esferas de domínios representativas de juízo. Adentrando pelas questões polifônicas, pudemos compreender as várias vozes que compõem nos- sos atos de fala e escrita e sabemos que somos constituídos pelo eu e pelo outro, a quem também constituímos nessa relação dialógica de significação e ressignificação dos discursos mediados pelas va- riáveis culturais, sociais, políticas, etc. A intertextualidade que, em linhas gerais, pertence ao universo relacional de diálogo entre dois textos, mostrou na interdiscursividade a ausência do fio do discurso do outro, assim como teve seu contraponto nas orientações dialógicas como fenômeno próprio a todo discurso. Tratamos brevemente sobre hibridização ou intertex- tualidade intergêneros para ajudá-lo a estruturar uma concepção de gêneros cuja estrutura e função não precisam necessariamente ser rígidos. Isso significa entender que a partir de um gênero são estabeleci- dos outros tantos e variados, que sabemos serem inúmeros, mas repetindo: finitos. 43 Entendemos também que intertextualidade não é âmbito da escrita, mas ocorre também em situações de oralidade. Estudamos gênero como instrumento e desenvol- vimento da linguagem na perspectiva Bakhtiniana e ficamos centrados no questionamento: o gênero define o que deve ser dito ou o que deve ser dito define a escolha do gênero. Por fim, estabelecemos uma ponte entre os gêneros e o letramento, previamente tratados, mas que pas- saram a fazer mais sentido quando discutimos sobre práticas sociais: oralidade/letramento e modalidades de uso da língua: fala e escrita. 44 Síntese Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos Plausíveis.São Paulo: Cia das Letras, 2012. ARAÚJO. Felipe. Biografia Bakhtin. In: Infoescola. Disponível em: https://www.infoescola.com/biogra- fias/mikhail-bakhtin. Acesso em: 6 jan. 2019. BRAIT, Beth. 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CONSIDERAÇÕES FINAIS Síntese bt_foward 15: Page 1: bt_foward 18: bt_foward 17: Page 46: Page 47: Page 48:
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