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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 COMUNICAÇÃO: A ORIGEM DO TERMO .............................................................. 3 1.1 Os fundamentos científicos da comunicação social .............................................. 6 2 COMUNICAÇÃO E HISTÓRIA ................................................................................. 9 3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ..................................................................................... 15 3.1 Modalidades da língua ........................................................................................ 18 3.2 Adequação linguística ......................................................................................... 19 4 MODALIDADES DE FALA E GRAU DE FORMALIDADE ...................................... 20 4.1 Gêneros de cunho oral, textual e híbrido ............................................................ 24 4.2 Discurso................................................................................................................26 4.3 Diálogo..................................................................................................................26 4.4 Intencionalidade discursiva .................................................................................. 27 4.5 Marcas de subjetividade ...................................................................................... 29 4.6 O papel da subjetividade ..................................................................................... 32 5 CONCEPÇÃO INTERACIONISTA E LINGUAGEM ................................................ 37 6 TEXTO E INTERAÇÃO .......................................................................................... 41 6.1 Intertextualidades implícita e explícita ................................................................. 43 7 COMUNICAÇÃO ESCRITA .................................................................................... 45 7.1 O surgimento da escrita ...................................................................................... 45 8 GÊNEROS E TIPOS TEXTUAIS ............................................................................ 48 8.1 Apontamentos iniciais.......................................................................................... 48 8.2 Gêneros textuais ................................................................................................. 51 8.3 Tipos textuais ...................................................................................................... 54 8.4 Texto e Textualidade ........................................................................................... 59 8.5 Intertextualidade .................................................................................................. 60 8.6 Paródia.................................................................................................................61 3 8.7 Paráfrase..............................................................................................................64 8.8 Estilização ........................................................................................................... 69 8.9 Apropriação ......................................................................................................... 71 9 O TEXTO ACADÊMICO ......................................................................................... 72 9.1 Fichamento .......................................................................................................... 72 9.2 Resumo................................................................................................................77 9.3 A Resenha ........................................................................................................... 80 9.4 Resenha Crítica ................................................................................................... 81 9.5 Resenha Descritiva ............................................................................................. 82 10 O TEXTO COMERCIAL ........................................................................................ 83 10.1 As Cartas Comerciais ........................................................................................ 83 11 E-MAILS ................................................................................................................ 86 11.1 Internet................................................................................................................86 11.2 O E-mail Propriamente Dito ............................................................................... 86 11.3 E-mails Comerciais............................................................................................ 88 11.4 E-mails Pessoais ............................................................................................... 89 11.5 Qualidades do Texto ......................................................................................... 90 11.6 Unidade..............................................................................................................90 11.7 Adequação ........................................................................................................ 91 11.8 Concisão......... .................................................................................................. 91 11.9 Clareza...............................................................................................................91 11.10 Coerência ........................................................................................................ 92 11.11 Ênfase e Vigor ................................................................................................. 94 11.12 Elegância ......................................................................................................... 94 11.13 Objetividade .................................................................................................... 95 12 DOMÍNIO DA INFORMAÇÃO ............................................................................... 96 13 FERRAMENTAS DO REDATOR .......................................................................... 97 4 13.1 Gramáticas ........................................................................................................ 97 13.2 Dicionários ......................................................................................................... 98 13.3 Livros de Redação e Estilo ................................................................................ 98 13.4 Textos de Consulta da Área .............................................................................. 98 14 ESTILO E ESTÉTICA ........................................................................................... 99 14.1 Estilística e Eficácia Redacional ........................................................................ 99 14.2 Estilística Fraseológica .................................................................................... 100 15 ESTÉTICA .......................................................................................................... 102 15.1 Tipos de Estética (Estilos) utilizados ............................................................... 103 15.2 Correspondência Oficial .................................................................................. 103 15.3 Outros Documentos Considerados Oficiais ..................................................... 108 15.4 Correspondência Empresarial ......................................................................... 111 15.5 Correspondências Particulares ....................................................................... 113 15.6 Relatórios ........................................................................................................114 16 NORMAS GERAIS PARA REDAÇÃO ................................................................ 114 17 REDAÇÃO OFICIAL E REDAÇÃO EMPRESARIAL ........................................... 115 17.1 Redação Oficial ............................................................................................... 116 17.2 Características Específicas ............................................................................. 118 17.3 Pronomes de Tratamento ................................................................................ 118 17.4 Fechos para Comunicações Oficiais ............................................................... 118 17.5 Identificação do Signatário .............................................................................. 119 18 ORATÓRIA, RETÓRICA E ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÕES................... 120 18.1 ORATÓRIA: ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL....................................................................................................... 122 18.2 FATORES QUE COLABORAM PARA UMA APRESENTAÇÃO BEM SUCEDIDA...............................................................................................................123 18.3 Sugestões para Organizar uma Apresentação ................................................ 124 5 18.4 Exercite sua fala com vocabulário e estruturas de frases distintas ................. 127 3 1 COMUNICAÇÃO: A ORIGEM DO TERMO https://escolaeducacao.com.br Antes mesmo de você se interessar em estudar e pesquisar comunicação, o ato de comunicar já fazia parte da sua vida intensamente, não é mesmo? As tradicionais interações face a face e os antigos meios, como carta, jornal, telégrafo, telefone, rádio e televisão, têm dividido com ou cedido espaço para as interações via internet nos computadores e em seguida nos celulares smartphones. Hoje, você está conectado durante boa parte do seu dia. Interage com os amigos no WhatsApp, vê o que eles fazem no Facebook, no Instagram ou no Snapchat, certo? Então, mesmo que não fosse um estudante de comunicação, seria interessante conhecer mais sobre esse tema. Afinal, ele faz parte e interfere nas vivências diárias de cada um. Mas você sabe o que é, de fato, comunicação? Para começar uma discussão sobre o conceito de comunicação, é preciso recorrer à etimologia da palavra, ou seja, à sua origem. João Pedro Sousa (2006), em Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media, alerta para o fato de que esse não é um conceito simples de delimitar. Isso ocorre pela sua amplitude e também porque diversas formas de comunicação ocorrem a todo momento, intencionalmente ou não. Afinal, o mundo está cheio de significados, e as pessoas estão frequentemente interpretando os acontecimentos de diversas formas. 4 A raiz da palavra é latina: communicatione significa “ação comum” ou “participar”. Communicatione deriva de commune, que quer dizer “comum”. Assim, ao tornar algo comum, seja uma informação, uma emoção ou uma experiência, ocorre a comunicação. No contexto do cristianismo antigo, quando o isolamento era valorizado como um caminho para encontrar Deus, havia duas correntes que lidavam com essa questão de formas diferentes. Uma era a dos anacoretas. Eles acreditavam na importância da solidão radical e viviam de forma individual. A outra era a dos cenobitas. Eles apostavam na vida em comunidade, em conventos ou mosteiros, também chamados de cenóbios, palavra que significa “lugar onde se vive em comum”. No mosteiro, surgiu uma nova prática, chamada de communicatio, referente a “tomar a refeição da noite em comum”. Dessa forma, communicatio significava não simplesmente ir jantar, mas sim o momento da quebra do isolamento, de juntar o grupo para fazer algo em comum. Por isso, o sentido de communicatio era diferente da noção de comer de uma comunidade primitiva (MARTINO, 2013). Esse sentido original de comunicação implica alguns pontos que são úteis para o entendimento dos conceitos atuais. Um aspecto é o de que comunicação não significa toda e qualquer relação, mas aquelas que têm o isolamento como pano de fundo. Além disso, existe a intenção de quebrar o isolamento. A ideia de uma realização em comum também está presente. O que dizem os dicionários sobre o conceito de comunicação (MARTINO, 2013, p. 15)? 1. Fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém, com alguma coisa ou entre coisas. 2. Transmissão de signos por meio de um código (natural ou convencional). 3. Capacidade ou processo de troca de pensamentos, sentimentos, ideias ou informações por meio de fala, gestos, imagens, seja de forma direta ou pelos meios técnicos. 4. Ação de utilizar meios tecnológicos (comunicação telefônica). 5 5. A mensagem, informação (a coisa que se comunica: anúncio, novidade, informação, aviso, etc.). 6. Comunicação de espaços (passagem de um lugar a outro), circulação, transporte de coisas: “vias de comunicação – artérias, estradas, vias fluviais”. 7. Disciplina, saber, ciência ou grupo de ciências. Os sentidos de comunicação dos dicionários são importantes para você ter uma ideia inicial sobre o tema, mas é preciso se aprofundar mais. De acordo com João Pedro Sousa (2006), é possível dissertar sobre comunicação sob duas grandes perspectivas. Uma seria a da comunicação como processo: comunicadores trocam, intencionalmente, gestos, palavras, imagens, ou seja, mensagens codificadas, por meio de um canal, gerando certos efeitos. A outra seria a da comunicação como uma atividade social. Portanto, os seres humanos, em uma dada cultura, vivem as suas realidades do dia a dia, criando e trocando significados. As duas colocações se complementam. Nesse sentido, as mensagens só têm efeitos porque ganham um significado em determinado contexto social e cultural. Por outro lado, também há diferença entre as duas posições. A primeira considera que só há comunicação se houver um emissor, um receptor e uma mensagem codificada. Já para a segunda, isso não é necessário. Assim, à medida que os seres humanos dão significado aos acontecimentos do mundo, a comunicação está ocorrendo. Ainda é possível complexificar mais os conceitos de comunicação. Para Muniz Sodré (1996), o termo se refere a pôr em comum os conteúdos que social, política ou existencialmente não devem permanecer isolados. De acordo com ele, o afastamento originário devido à diferença entre os seres humanos, à alteridade, é minimizado por causa de um laço formado pelo compartilhamento de recursos simbólicos. Já o termo “linguagem” se refere à “ordem de acolhimento das diferenças e de promoção da dinâmica mediadora entre os homens” (SODRÉ, 1996). 6 Nessa perspectiva, a comunicação é de extrema importância social, cultural e política. É por meio dela que as pessoas ultrapassam as diferenças e seguem em direção aos seus objetivos. 1.1 Os fundamentos científicos da comunicação social https://www.unicentrofm.com.br Refletindo sobre a constituição do campo da comunicação, parte de duas noções. José Luiz Braga (2011) A primeira considera ocioso discutir sobre o estatuto acadêmico formal do campo. Assim, assume a sua existência enquanto campo social. Isso pois, quando se diz “comunicação social”, na atualidade, há um forte consenso sobre o assunto. A segunda não aceita uma explicação do campo com base em uma natureza interdisciplinar. Segundo Braga, a interdisciplinaridade pode ter diferentes sentidos. Um seria o de que um campo de estudos está sob influências de dados e conhecimentos desenvolvidos por outras disciplinas. Nesse caso, todos os campos do conhecimento são interdisciplinares. O segundo sentido seria uma referência a um espaço de interface. Neste, um dado conhecimento se forma na confluência de duas ou mais disciplinas, como na psicossociologiaou na bioquímica. 7 Nesse caso, seria preciso identificar e analisar um conjunto específico de disciplinas que estariam compondo a interface interdisciplinar da comunicação. O terceiro sentido indica que o terreno da comunicação é vazio e não existiria caso não fosse o fato de que todas as disciplinas humanas e sociais têm algo a dizer sobre essa temática. Contudo, essa perspectiva frouxa, na visão do autor, não explica o porquê do interesse generalizado no tema. Além disso, não esclarece por que ele não cabe nos espaços de cada campo particular, como acontece com outras temáticas, como violência, trabalho ou sexo. Com relação à caracterização de qual é o objeto de conhecimento que define a comunicação, José Luiz Braga apresenta duas primeiras alternativas. Ou a comunicação surge como uma questão bastante ampla e muito presente nas atividades humanas, a ponto de o objeto se tornar inapreensível (tudo seria comunicação: a política, a educação, a literatura, etc.), ou haveria ângulos e objetos específicos identificadores na área. O problema da primeira tendência é que a comunicação, estando em todo lugar, em todas as pautas, acaba estando em lugar nenhum, e o da segunda tendência é a possibilidade de se cair em um reducionismo lógico. Assim, preferências pessoais ou grupais de enfoque acabam pesando na escolha do que seria o campo. Outro problema é o de se evitar sobreposições em áreas de estudos mais tradicionais. Mas há também possibilidades menos radicais. Uma diz que o objeto da comunicação é qualquer “conversação” do espaço social (o que há de trocas simbólicas e de interações nas situações da vida social), e a outra enfoca naquilo que ocorre nos meios de comunicação social ou mídia. “A definição da área pelos meios oferece o risco de segmentação do objeto em questões tecnológicas, ou jurídico-políticas, ou expressivo-interpretativas, ou outras [...]”, afirma Braga (2011). Portanto, o autor dá preferência à concepção de conversação. Por fim, Braga destaca que o objeto da comunicação não pode ser apreendido enquanto “coisas” nem “temas”, mas como certo tipo de processos caracterizados por uma perspectiva comunicacional. 8 O que importa é capturar os processos, seja nas mídias, nos signos ou em episódios interacionais. Sodré (2014), no mesmo sentido, aponta como objeto da comunicação os processos de vinculação. Ainda com relação à discussão sobre o objeto da comunicação, Vera França (2013) aponta para o fato de que uma reflexão rápida sobre o assunto, uma percepção pela vivência ou senso comum, levaria à ideia de que o objeto seria empírico – os meios de comunicação de massa. No entanto, ela lembra que os objetos do mundo são recortados, religados, pelo olhar dos que os estudam. Pois, ao se pensar em meios de comunicação de massa (televisão, rádio, etc.) como objeto, não se pode deixar de questionar sobre o que, exatamente, seria a reflexão: o desenvolvimento tecnológico dos aparelhos? A produção discursiva dentro do meio? A diversidade de produtos que foram aí gerados? A cultura profissional dos trabalhadores do veículo? Dessa forma, a comunicação tem ainda outra dimensão. Afinal, ela é também um conceito, uma forma de apreensão, uma representação de diferentes práticas – uma forma de conhecê-las e concebê-las. A partir disso, Vera França esclarece que o objeto da comunicação não são os objetos comunicativos do mundo, mas a forma de identificá-los e construí-los conceitualmente. Como resultado dos esforços para se saber mais sobre comunicação, surgiram os estudos e teorias da área. São o resultado de inúmeras iniciativas, com pretensão científica, de conhecer a comunicação. A constituição desse campo de estudo passou por tensões, contradições e dificuldades. Isso decorre, segundo a autora, da própria natureza do objeto ou da relação que se estabelece, às vezes de forma conflituosa, entre o campo da teoria e o da prática França lembra que o próprio espaço acadêmico da comunicação teve início por uma razão de ordem pragmática: os cursos profissionalizantes na área de comunicação, sobretudo de jornalismo. Então, os cursos surgiram antes da criação das teorias que apareceram logo depois, constituindo a formação técnica, mas também proporcionando uma dimensão humanista e social à formação. 9 Esse foco na prática trouxe algumas distorções, como a natureza instrumental da demanda. Assim, com certa frequência, o estudo da comunicação é realizado visando a determinado resultado. É, nesse sentido, guiado por finalidades específicas, comprometendo o distanciamento crítico que é preciso no âmbito científico. Por outro lado, a autora comenta que a crítica à identificação exagerada com a prática causou o efeito inverso: descolamento. Ela alerta que o foco na produção intelectual com desprezo pela empiria se transforma em pura abstração, não em produção científica. Assim, não faz sentido focar apenas na prática, nem só na teoria. Na visão de Vera França, os estudos da comunicação ainda não têm uma tradição estabelecida. O seu objeto ainda não foi constituído com clareza, nem a sua metodologia. Portanto, ela pensa que o campo da comunicação ainda está em constituição, como Sodré (2014). Diferente deste, entende que, por enquanto, trata-se de um domínio interdisciplinar. Aponta, no entanto, que “[...] a interdisciplinaridade é transitória: quando ela consegue se estabilizar, criar referências, fincar estacas – aí, sim, podemos falar do surgimento de um domínio novo” (FRANÇA, 2013) 2 COMUNICAÇÃO E HISTÓRIA 10 A respeito do início da comunicação humana, ainda há muitas dúvidas e um território fértil para investigações. Não se sabe, de fato, se na Pré-história os seres humanos se comunicavam por gritos e grunhidos, assim como os animais, ou por gestos, ou ainda por uma mistura de tudo isso (DÍAZ BORDENAVE, 1982). Sobre a origem da fala humana, se cogita que teve início com a imitação dos sons da natureza, como os das cachoeiras, rios e animais. Outra hipótese seria a de que os sons humanos começaram com as exclamações espontâneas, por exemplo, “ai” devido a uma dor, ou “ah” por admiração a algo. Além disso, especula-se que, nessa época, a comunicação também ocorria por sons emitidos por batidas das mãos e dos pés, bem como pelo uso de pedras e troncos ocos (DÍAZ BORDENAVE, 1982). O fato é que o ser humano passou a considerar alguns elementos como representantes dos significados de outros elementos, e assim surgiram os signos. Ou seja, as pessoas da Pré-história associaram sons e gestos a objetos ou ações. Os sons e gestos, nesse contexto, seriam então os signos, compartilhados socialmente, e o repertório dos signos, bem como as regras de combinações entre eles, necessárias para haver o entendimento do grupo social, deram origem à linguagem. Graças a essas regras de combinações, que você conhece como gramática, as intenções dos interlocutores ficam mais claras (DÍAZ BORDENAVE, 1982). Já imaginou se o seu amigo dissesse “o doce comeu ela” em vez de “ela comeu o doce”? A ordenação dos signos permite a eficiência da comunicação. Mais tarde, para manifestar as mais diferentes intenções dos interlocutores, os seres humanos passaram a usar a linguagem de diversos modos: indicativo, interrogativo, imperativo ou declarativo. Também se percebeu que na linguagem algumas palavras manifestavam uma ação ou o nome de algo, etc. Mas claro que ainda não havia as designações “verbo” ou “substantivo” (DÍAZ BORDENAVE, 1982) 11 A linguagem oral, apesar de sua eficiência, tinha duas grandes limitações: não era permanente e não tinha grande alcance. Diante desses desafios, os seres humanos começaram a pensar em formas de fixar os conteúdos comunicados e também de transmiti-los em distâncias maiores. Como você acha queo ser humano passou a fixar os signos então? Primeiramente por meio das pinturas primitivas, na Era Paleolítica (entre 35.000 e 15.000 anos da Era Cristã). Seja com intenção ritualística, estética ou expressiva, as pessoas da época registraram cenas de caça em cavernas como as de Altamira, na Espanha, ou de Dordogne, na França. Ao longo da história, cada época teve as suas especificidades em relação aos processos comunicacionais. Dessa forma, em cada período a comunicação atendeu a objetivos diferentes. Em 3.500 a.C., os sumérios inventaram a escrita. Já pensou nas transformações que essa invenção causou? Depois, a escrita surgiu também entre os judeus e gregos. Com isso, várias versões de narrativas mitológicas passaram a ser registradas em documentos: a epopeia de Gilgamesh, o Antigo Testamento judaico-cristão, o Baghavad Gita hindu e o Corão árabe. Esses registros permitiram a continuidade das tradições a que se referiam (HOHLFELDT, 2013). A Grécia, no século V a.C., passou por profundas transformações. Atenas era uma aldeia rural com atividades agrícolas e pastoris, mas os seus acordos com Esparta, contra o imperador persa Xerxes, fizeram a localidade se desenvolver com as atividades comerciais. Esparta fornecia a madeira que Atenas utilizava para a construção de barcos e consequente intensificação do comércio. Esparta também oferecia segurança militar e Atenas, distribuição de suas riquezas. Com a urbanização de Atenas, a arquitetura e as artes plásticas ganharam importância. Uma nova etiqueta social também foi instituída: comer e beber iguarias de outros lugares em rituais complexos faziam parte disso. 12 A filosofia e outras atividades culturais passaram a ser financiadas pelos mais ricos. Dessa forma, personalidades como Sócrates ou Platão eram hóspedes das pessoas abastadas. Foram justamente os gregos que refletiram inicialmente sobre a comunicação humana, a partir dos pré-socráticos. Eles exerciam a comunicação como prática de poder. Mas quando Atenas começou a ter problemas com os acordos estabelecidos com Esparta, esses filósofos passaram a ser vistos de forma negativa pela sociedade. Eram tidos como perniciosos, pessoas que submetem os homens pela mente. O maior dos sofistas, Sócrates, foi o responsável pelo desenvolvimento da prática filosófica da maiêutica. Segundo esta, o aprendizado acontece por meio do diálogo, de perguntas e respostas. Assim, o mestre guia o aluno ao conhecimento. Mas as principais contribuições gregas para os primeiros estudos da comunicação foram de Platão e Aristóteles. No livro VII da obra A República, Platão (427 – 327 a.C.) apresenta o Mito da Caverna. Trata-se da história de prisioneiros que viviam dentro de uma caverna. Tudo o que conheciam do mundo eram apenas as sombras do que se passava atrás deles, na entrada da “morada”. Assim, não conheciam a vida como quem estava livre e sob a luz. Um dia, um dos prisioneiros é liberto, vê o mundo fora da caverna, se impressiona e volta para contar aos amigos. Mas estes não o entendem e enxergam o ex-prisioneiro como mais uma sombra deformada (HOHLFELDT, 2013). Por meio do exemplo do Mito da Caverna, você pode perceber que Platão refletiu com profundidade sobre a comunicação, mas dentro de uma perspectiva negativa. Platão acreditava que havia um Mundo das Ideias, das essências, que antecedia a materialidade. Para ele, quando o ser humano recebia um corpo, guardava apenas um fragmento desse outro mundo. A caverna seria então uma referência ao corpo, e as sombras na parede seriam metáforas dos objetos materiais. De acordo com essa perspectiva, o acesso ao conhecimento seria dificílimo para a maioria das pessoas, com exceção dos filósofos 13 (estes, devido à sapiência extraordinária, deveriam inclusive administrar a sociedade). A partir daí, Platão pode levar você a refletir sobre a impossibilidade da comunicação. Já para Aristóteles (384 – 322 a.C.), que foi discípulo de Platão, a comunicação é, sim, possível. Em Retórica, ele aborda os discursos – aquilo que diz respeito a alguma coisa. Segundo Aristóteles, o ser humano é um animal social, um ser coletivo, e não uma individualidade. Vivendo socialmente, o ser humano usa a razão, traduzida em linguagem. Além disso, para viver bem e feliz no grupo, ele precisa da retórica. Esta é o conhecimento dos meios e estratégias para alcançar a persuasão. Na situação da retórica, três elementos estão presentes: o que fala, aquilo de que fala e aquele a quem fala. Assim, Aristóteles foi o primeiro a formular a situação comunicativa. Ele também aborda três gêneros de discursos oratórios: deliberativo, judiciário e demonstrativo. No primeiro caso, que trata sobre o futuro, se aconselha ou se desaconselha algo. No segundo caso, voltado para o passado, uma ação judiciária comporta a acusação e a defesa. E o terceiro caso, referente ao presente, comporta duas partes, o elogio e a censura. O modelo pioneiro na contemporaneidade da Teoria da Comunicação, de Harold D. Lasswell, tem muito do trabalho de Aristóteles (HOHLFELDT, 2013). Observe: Aristóteles – a pessoa que fala → o assunto → a pessoa a quem fala H.D. Lasswell – emissor (fonte) → mensagem → receptor A diferença entre as duas teorias é que Lasswell acrescentou “em que canal e com que efeitos” ao processo comunicacional. Por outro lado, Aristóteles tratou da questão dialógica do processo ao refletir sobre os gêneros citados. Nesse sentido, a pessoa que fala espera uma resposta do outro ou quer convencê-lo de algo. 14 Partindo para o contexto de Roma, do século I a.C. ao século I d.C., o que havia eram medidas no âmbito da comunicação para controle social e garantia de poder. Os governos romanos se mantinham bem informados, se antecipavam às crises, garantiam informação e opinião consensual. O primeiro dos 12 imperadores romanos, Caio Júlio César (102 – 44 a.C.), costumava escrever sobre as suas façanhas, com interesse em documentar os acontecimentos para as gerações futuras. Ele inclusive inaugurou o estilo conhecido hoje como primeira pessoa enfática – em uma narrativa autobiográfica, em vez de se usar eu, usa-se a primeira pessoa do plural, nós. Júlio César também reformou as instituições romanas. Ele determinou que só a língua latina fosse usada no âmbito institucional, o que evitou a multiplicidade de informações (HOHLFELDT, 2013). Mais tarde, em consequência disso, a Igreja Católica adotou a língua latina como oficial. Além disso, fez a produção científica ser realizada em latim também para controle dos censores. Muitos dizem que a Idade Média foi um período de pouco desenvolvimento intelectual e investimento no conhecimento. No entanto, você não deve esquecer que foi nesse período que Alexandre Magno (356 – 323 a.C.), rei da Macedônia, construiu a biblioteca de Alexandria. Esta chegou a ter 700 mil volumes, com cópias de livros do mundo inteiro. A biblioteca era o centro da cultura antiga. Além disso, os mercadores europeus levaram da China para a Europa invenções como a bússola, dando segurança às navegações, a pólvora, para as conquistas pela força, e o papel. Alguns trabalhos mostram que o alemão Otto Groth, em Estrasburgo, escreveu algo parecido com uma enciclopédia do jornalismo – a Teoria do Diário – nas primeiras décadas do século XX. Mas só a partir dos anos 1930 é que começaram as pesquisas voltadas para os efeitos e funções dos meios de comunicação de massa, com a mass communication research, nos Estados Unidos. Nesse contexto, são considerados os fundadores da pesquisa em comunicação: Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Carl Hovland (FRANÇA, 2013). 15 As motivações dos estudos eram de ordem política e econômica. Com a expansão industrial, era preciso aumentar a venda dos novosprodutos. Assim, havia muitas pesquisas focadas no comportamento das audiências e no aperfeiçoamento das técnicas de intervenção e persuasão. Na I Guerra Mundial, os meios de comunicação tiveram o papel de promover o fortalecimento do sentimento nacional, sustentar a economia e influenciar as vontades da população civil. Depois disso, com a crise de 1929 e a retomada da economia americana com o New Deal, a comunicação tinha o papel de racionalização da sociedade. Mas foi na II Guerra Mundial que o alcance da comunicação ficou claro, com os programas da Alemanha nazista orientados por Joseph Goebbels. Nessa época, a propaganda era utilizada para controle político-ideológico. Em relação à Europa e aos Estados Unidos, na segunda metade do século XX foi observado o surgimento de novas tecnologias, rápidas e eficientes, que afetaram profundamente o modo de vida das pessoas. A partir de 1930, o cinema teve grandes conquistas: primeiro o som, depois a cor, e, então, a ampliação dos quadros. Em relação à televisão, as primeiras experiências foram realizadas em 1929 na Inglaterra, na União Soviética e nos Estados Unidos. E, com as descobertas da II Grande Guerra, surgiram o rádio transistorizado, em 1954, e o computador eletrônico, com a IBM, em 1959. Por fim, graças aos avanços tecnológicos, voltamos um pouco àquela noção clássica de comunidade grega. Afinal, apesar das dimensões da Terra, as distâncias diminuíram e o tempo de troca de mensagens também (HOHLFELDT, 2013). Hoje, em minutos você pode conversar com alguém que está no Japão, seja para fechar negócios ou por razões pessoais e afetivas. 3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA Uma língua viva sempre apresenta variações. Isso significa que, enquanto uma língua tiver falantes nativos, ela será dinâmica e heterogênea (FARACO, 2008). 16 Com o passar do tempo, ela passará por mudanças e, se estas forem grandes demais, pode até se tornar uma outra língua, ou outras, como aconteceu, por exemplo, com o Latim e as línguas românicas que dele se originaram. Se você ler um texto de épocas passadas, poderá encontrar diferenças, tais como aquelas encontradas em palavras, expressões, até mesmo na estrutura (para exemplos ver textos de romances do período Realista ou Naturalista, como os de Machado de Assis e Aluísio de Azevedo). Essa diferença pode ser observada também entre falantes de diferentes gerações. A língua também é influenciada pelo espaço. Pense em um lago e em atingir sua superfície atirando várias pedras. Cada uma delas gerará ondulações e, em alguns pontos, irão se encontrar e se afetar umas às outras. Com a língua ocorre um fenômeno análogo, zonas próximas apresentam maior similaridade e são reconhecidas e diferenciadas, porém, conforme se afastam, as diferenças vão se tornando maiores, devido à experiência dos falantes, assim como a influência de outras comunidades linguísticas, de outras línguas. Nesse aspecto, o processo de colonização, imigração e migração, assim como a presença de diferentes tribos autóctones, tem fortes consequências. É possível observar a distância entre as diferentes regiões do país, e, até mesmo, dentro dos estados. Outra grande variável que se pode elencar é quanto ao indivíduo. 17 Nesta, é possível identificar a influência do lugar onde o indivíduo cresceu, seu grau de contato com a cultura letrada, seu círculo social (mais informal, menos informal, entre outros). Esse âmbito é o que permite a identificação de estilo de um indivíduo inserido em uma comunidade linguística, ou seja, o que o distingue linguisticamente (ainda que não exclusivamente). Qualquer língua que ainda seja natural (diferentemente de línguas artificiais, como Klingon e Dothraki) tem variação, isto é, varia no tempo e no espaço (objeto de estudo da sociolinguística variacionista) e também de um indivíduo para outro, modificando-se até quando utilizada por um mesmo indivíduo em diferentes situações (objeto de estudo da sociolinguística interacional). Linguisticamente, não há uma variedade linguística melhor, mais bonita ou mais desenvolvida do que outra. Qualquer que seja a variedade, ela será igualmente válida, rica e desenvolvida. A valorização de uma em detrimento de outra é social, isto é, a sociedade (ou parte dela) que classifica uma variedade positiva ou negativamente. Algumas variedades são estigmatizadas, como, por exemplo, as do interior dos estados em relação às das regiões metropolitanas, as de classes sociais menos prestigiadas e menos escolarizadas em relação às mais prestigiadas e mais escolarizadas (BAGNO, 1999; FARACO, 2008; GÖRSKI; COELHO, 2009). É comum, com essa postura, encontrar afirmações como: “eu não sei português”, “fala feio”, “antes de aprender inglês, francês, tinha que aprender português”, “matou a língua portuguesa”; todas com relação a falantes nativos. Ao dizer isso, a pessoa expõe desconhecimento sobre a realidade linguística e também sobre o preconceito linguístico. De acordo com Görski e Coelho (2009, p. 82), “[...] muitas pessoas acham que falar uma variedade diferente da variedade padrão é um problema sério para a sociedade, uma manifestação de inferioridade. Sempre que isso acontece, a língua se torna um veículo de preconceitos e exclusões. ” Segundo Faraco (2008), todas as variedades linguísticas têm uma própria norma, isto é, um conjunto de características que lhes são normais, envolvendo aspectos fonéticos (identificados no sotaque), lexicais, semânticos, sintáticos Comunicação, expressão e diversidade linguística e, às vezes, até pragmáticos. 18 Contudo, saindo do âmbito linguístico, norma é entendida como um conjunto de regras que normatizam a forma como os falantes deveriam utilizar a língua. Esse tipo é chamado pelo autor de norma padrão, um “ideal” artificial que, apesar de defendido, nenhum falante utiliza de fato (é aquela encontrada nas gramáticas mais tradicionais, normativas e não linguísticas). Para ele, a norma associada aos grupos mais escolarizados é a norma culta. Essa seria comum aos falantes de áreas urbanas em situações mais formais, principalmente na escrita, e seria balizada pela linguagem urbana comum. 3.1 Modalidades da língua Além da variação que as línguas apresentam, elas também podem ter mais de uma modalidade. A língua portuguesa, por exemplo, apresenta as modalidades oral e escrita, mas nem todas as línguas são assim. Algumas apresentam apenas a modalidade oral, sendo denominadas ágrafas. A modalidade oral, sempre primeira com relação à escrita, sofre e aceita mudanças muito mais rapidamente. Ela é mais dinâmica, seja por ser mais propensa à variação e à mudança, seja por causa do “jogo” comunicativo como palco e fonte. Ela influencia as mudanças na modalidade escrita, que, por sua vez, tem o poder de “frear” a modalidade oral. Com o advento da imprensa, esse poder foi intensificado. Entretanto, a modalidade escrita continua sendo uma representação da oral, dependendo de convenções para sua inteligibilidade (como ortografia e uso do mesmo alfabeto), bem como para questões políticas. (Marlise Buchweitz, 2018) Apesar de a modalidade oral ser mais identificada em registros mais informais, ela também ocorre em situações mais formais. Da mesma forma, a modalidade escrita, que é mais identificada em registros formais, ocorre em situações mais informais. Assim, uma conversa de texto por aplicativos e redes sociais irá se aproximar mais da oralidade, ao passo que uma palestra acadêmica, da escrita. Essa identificação advém de a oralidade permitir a realização da comunicação linguística de modo mais natural, menos rígido e menos regrada quando comparada 19 com a escrita, principalmente quando se desconsidera a mudança que a cultura digital trouxe. Antes, por exemplo, não era considerado diálogo uma conversaque não fosse feita pessoalmente ou por telefone, entretanto, com a mudança de paradigma causada pela cultura digital, é contrassenso não considerar como diálogo as conversas por aplicativos, como WhatsApp, Messenger, entre outros. Desconsiderando-se um pouco o paradigma da cultura digital, qualquer produção, seja oral ou escrita, tem uma audiência (um destinatário) real ou imaginário. Algumas manifestações permitem uma interação maior entre os envolvidos, que, então, intercalam-se no papel de locutor e interlocutor. Na modalidade oral, quanto mais informal for a situação, mais interrupções e sobreposições serão possíveis. Além disso, é comum mudanças de estilo estrutural, sentenças incompletas na oralidade, que, na escrita, tornam-se difíceis de compreender. (Marlise Buchweitz, 2018) A escrita, enquanto representação da fala, apresenta menor possibilidade de interferência, mas permite que se pense, planeje e revise o texto antes de liberá-lo. 3.2 Adequação linguística No âmbito acadêmico e profissional, você terá de lidar com situações que exigirão uma ou outra modalidade (ou até as duas, em conjunto). Seja qual for a modalidade a ser usada e em qual situação, a adequação linguística será fundamental. O uso da língua por um falante é sempre influenciado por uma série de fatores, alguns dos quais foram mencionados anteriormente. Em certas situações, é esperado o uso de um nível de fala mais formal, assim como uma determinada norma, como a culta, ao passo que, em outras, ocorre o oposto. Essas escolhas seriam feitas tendo em vista um fim comunicativo, em outras palavras, como atingir da melhor forma um objetivo (ou uma série deles). Quanto a isso, até mesmo a escolha por não seguir o que se esperaria pode ser um meio de conseguir sucesso. 20 A experiência permite que o falante force os limites entre normas e entre níveis de fala, do mais formal ao mais coloquial. Entretanto, quando ainda não se tem essa experiência, algumas orientações se tornam úteis. (Marlise Buchweitz, 2018) Algumas são mais ou menos assumidas como instintivas, outras já seguem certos padrões estabelecidos (por exemplo, por gêneros textuais ou por contexto comunicativo). O meio acadêmico apresenta uma grande variação de contextos comunicativos, de conversas informais com amigos a produções formais, como tese de doutorado e respectiva defesa oral. Considerando-se os textos e discursos comuns a esse meio, alguns permitirão uma linguagem coloquial, enquanto outros, não, de uma linguagem urbana comum à norma culta. 4 MODALIDADES DE FALA E GRAU DE FORMALIDADE As modalidades são as diferenças presentes entre fala e escrita. Isso porque na língua falada há, entre falante e ouvinte, uma interação direta. Já na língua escrita, a comunicação ocorre geralmente sem a presença de um dos sujeitos participantes. Estando próximos durante a troca, falante e ouvinte podem utilizar diversos outros elementos significativos que complementam o discurso verbal no processo de comunicação. Há, por exemplo, gestos, entonação, expressões faciais, entre outros. 21 Vistas como práticas sociais, já que o estudo da língua se funda em usos, as duas modalidades de fala da língua portuguesa são a oral e a escrita (MARCUSCHI, 2001, p. 1). Como manifestação da prática oral, a fala é adquirida de modo natural em contextos informais do dia a dia. Também se desenvolve nas relações sociais que se estabelecem desde o momento em que uma criança nasce e tem os primeiros contatos com a mãe. Desse modo, o uso da língua natural e o aprendizado são formas de socialização e inserção cultural. É necessário identificar os elementos que fazem parte da situação comunicativa para compreender e analisar adequadamente um texto, seja ele falado ou escrito. Nesse caso, os componentes seriam falante – ouvinte/escritor – e leitor. Além disso, é importante considerar as condições em que cada texto foi produzido. São elas que possibilitam a ação social ou de interação que é estabelecida entre os sujeitos. Além disso, elas são distintas em cada modalidade. A fala, por exemplo, possui como características, entre outras tantas, o uso da palavra sonora e a interação face a face. Portanto, requer a presença dos interlocutores no mesmo espaço físico e de tempo; o planejamento simultâneo ou quase simultâneo à execução; a espontaneidade e o imediatismo. Além disso, pode ser repetitiva e redundante. Ela considera o contexto extralinguístico e possui recursos como signos acústicos e extralinguísticos, gestos, entorno físico e psíquico. No texto oral, você pode encontrar características inerentes à língua falada. Há, por exemplo, os marcadores conversacionais. Eles são elementos típicos da fala que não integram o conteúdo do texto, apresentando valor tipicamente interacional. Por exemplo: “bom”, “eu acho que”, “quer dizer”, “então”, “entende?” e “né?”). Há também as marcas prosódicas. Elas estão relacionadas à pronúncia. Um exemplo são os alongamentos, como nos termos “ouVIR::” e “faLAR::” (marcados com ::). Outros exemplos são a entonação enfática, assim como nas palavras do exemplo anterior, “ouVIR::” e “faLAR::” (marcado com ::); e as hesitações, como “na 22 medida em que... ahn” (uso do marcador “ahn” associado ao alongamento é uma marca prosódica). Outra característica é a repetição. Por exemplo: “O rádio de pilha, né? Quer dizer, o rádio de pilha”. A correção é outra das características, por exemplo: “O rádio eu acho que tem um papel até... numa certa medida... ele provocou pelo alCANce que tem uma revolução até maiOr do que a televisão...”. E há ainda a paráfrase. Ela é a relação de equivalência semântica: “através do rádio de pilha... ele pôde se ligar ao resto do mundo, saber que existem outros lugares, outras pessoas, que existe um governo...” (ANDRADE, 2011). Você deve observar também os graus de formalidade que se usam na fala. Geralmente, em uma situação formal, o indivíduo culto procura seguir as regras da língua e conversar usando a norma culta, procurando também não usar vocabulário vulgar. Há pelo menos dois níveis de língua falada: a culta ou padrão e a coloquial ou popular. Além dessas, a linguagem coloquial também é registrada quando há o uso de gírias, na linguagem familiar, na linguagem vulgar e nos regionalismos e dialetos. Com relação às nomenclaturas, Bagno (2001) questiona a que tipo de norma culta se referem aqueles que lidam direta ou indiretamente com a língua portuguesa, já que há dois sentidos para o termo: (1) o que é norma, frequente e habitual; ou (2) o que é normativo, elaborado, regra imposta. De acordo com o teórico, o primeiro conceito está ligado à linguagem que é empregada para designar formas linguísticas existentes na realidade social. Já o segundo sentido é o mais difundido. Ele tem circulação maior na sociedade e já se tornou senso comum, virando mais um preconceito do que um conceito. Isso pois trata a língua como única e estática, como se existisse apenas uma maneira certa de falar ou discorrer. Bagno propôs novas nomenclaturas, pois percebeu alguns impasses no uso da norma culta. Observe: Norma-padrão: designa o modelo ideal de língua; algo que está fora e acima da atividade linguística dos falantes. Variedades prestigiadas: indicam as variedades linguísticas faladas pelo cidadão com alta escolarização e vivência urbana. 23 Variedades estigmatizadas: assinalam as variedades linguísticas que caracterizam os grupos sociais desprestigiados do Brasil. As influências de umas sobre as outras são intensas e constantes. Para Bagno (2001, p. 80), “Isso é mais do que natural numa sociedade complexa como a brasileira contemporânea, sobretudo por causa dos meios de comunicação de massa (principalmente a televisão e o rádio)”. A norma padrão fica no alto,na estratosfera da abstração, do virtual. Para o teórico, ela exerce uma influência muito forte sobre o imaginário de todos os brasileiros. Porém, essa influência diminui na medida em que se afasta das camadas sociais privilegiadas. Essa norma-padrão está ligada à escola, ao ensino formal. Só se aproximam dela os brasileiros que conseguiram passar pelo funil da educação formal, percorrendo até o fim o trajeto de formação escolar. Por outro lado, há autores que apontam três níveis de linguagem que colaboram para compreender como o indivíduo falante pode se manifestar em diferentes situações. De acordo com Preti (1994), é possível dividir os níveis de fala em espécies. Observe: Formal (ou culto): usado em situações de formalidade, possui o predomínio de linguagem culta, ou seja, obedece à gramática normativa. Geralmente é usado em situações que exigem tal posicionamento do falante, como em discursos, sermões, apresentações de trabalhos científicos. Coloquial (ou informal): é habitual em situações familiares ou de menor formalidade. Tem predomínio de linguagem popular, linguagem afetiva, expressões obscenas. É a manifestação espontânea da língua. Preti (1994) Nela, os falantes usam gírias, vocabulário às vezes pejorativo, formas subtraídas ou cortes das palavras e conjugação verbal inadequada. Também é pontuada por problemas de concordância verbal e nominal e outras marcas da oralidade, como “né”, “daí”, “a gente”, etc. Esse nível independe de regras e está presente nas conversas entre amigos e familiares, por exemplo. Na internet, é comum encontrar o nível coloquial em textos de diálogos, ou em redes sociais e em programas de mensagens instantâneas. 24 Comum: recebe contribuições de um e de outro. 4.1 Gêneros de cunho oral, textual e híbrido Ao compreender como é a funcionalidade dos textos na interação dos indivíduos, você também investiga os diferentes textos utilizados para a comunicação na sociedade. Isso leva a uma discussão sobre gêneros, já que eles estão presentes em todas as circunstâncias e ações humanas. Afinal, em qualquer lugar em que exista linguagem, há gêneros textuais ou discursivos, orais ou escritos. Como as esferas de produção da linguagem são diversas, também há uma multiplicidade de gêneros em diferentes situações e em formatos diversos. No supermercado, por exemplo, você encontra panfletos, placas, indicações de ofertas e a conta no caixa. Desse modo, cada esfera elabora seus gêneros. E faz isso conforme aspectos sociais próprios, finalidades comunicativas e especificidades das situações de interação em que os enunciados estão sendo produzidos. A denominação de gênero discursivo foi apresentada pela primeira vez pelo autor russo Mikhail Bakhtin (1979). Ele caracterizou os gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados. De acordo com o teórico, os gêneros de que os interlocutores sociais fazem uso nas interações verbais são tão variados e heterogêneos quanto a diversidade de esferas de circulação social nas interações verbais e as diferentes atividades humanas. Para Bakhtin (1979), nas inúmeras esferas de circulação, o uso da língua ocorre ou em forma de enunciados ou pela heterogeneidade de gêneros que os constitui. Você pode encontrar uma diversidade de gêneros discursivos que se modificam e se ampliam, dependendo dos contextos social e histórico em que circulam, conforme as condições e finalidades de cada uma das esferas. De acordo com o teórico Marcuschi (2005), os gêneros surgem como formas da comunicação para atender a necessidades de expressão do ser humano. Eles são conformados por influência do contexto histórico e social das diversas esferas da comunicação humana. 25 Para o estudioso, os gêneros textuais são como “[...] entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis de qualquer situação comunicativa [...]” (MARCUSCHI, 2005, p. 19). Isso quer dizer que os gêneros podem se modificar com o passar do tempo. Eles podem surgir e desaparecer, além de se diferenciar de uma cultura para outra. São dinâmicos e heterogêneos, variando de um diálogo informal até as teses de doutorado, por exemplo. Você pode encontrá-los nas formas oral, escrita e híbrida. Para Marcuschi (2008), não existe comunicação que não seja feita por meio de algum gênero. Mesmo um indivíduo falante que não possua saber técnico tem capacidade para se comunicar e ser compreendido por seu interlocutor. Marcuschi (2002, p. 22-23) explica que: Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Marcuschi (2008) explica que os gêneros orais e escritos estão relacionados, mas fala e escrita não são idênticas. O que dá tal classificação para cada uma é a forma em que se originou. Por exemplo, um texto jornalístico não deixa de ser um texto escrito por ter sido apresentado em um telejornal. Existem gêneros das culturas orais que nunca farão parte de culturas caracteristicamente escritas, e vice-versa. Também é importante você lembrar que a fala nem sempre reproduzirá a escrita, ou a escrita reproduzirá a fala. Elas podem caminhar juntas sem anular as peculiaridades de uma ou outra. Por outro lado, Marcuschi (2008) indica que os gêneros textuais não podem ser considerados estanques. Eles são como entidades dinâmicas da materialização de ações comunicativas. Podem ser híbridos, de modo a atingir determinados objetivos comunicativos. 26 4.2 Discurso A comunicação é um fenômeno heterogêneo envolvendo elementos de natureza variada, tais como situação, intenção, conhecimento de mundo, meio, conhecimento linguístico, entre tantos outros. Ela, em sentido amplo, envolve qualquer forma de troca de informações, desde a comunicação entre máquinas até a comunicação humana. Esta pode ser comunicação não verbal (i.e., por meio de imagens, de sons, do corpo) ou verbal (i.e., por meio de palavras). É na comunicação verbal que se encontra o discurso. Em uma acepção ampla, o discurso é uma manifestação linguística em que se expõe de forma metódica determinado assunto. Discurso, entretanto, pode ser entendido não só como manifestação linguística para fins comunicativos, mas também como manifestação linguística que sustenta e é sustentada pela visão de mundo, ou ideologia, de um grupo ou de uma instituição (FOUCAULT, 1996). Nessa acepção, o discurso apresenta uma relação com poder social, permitindo que se diga discurso jurídico, discurso acadêmico, discurso religioso, discurso de direita, discurso de esquerda, etc. Por essa mesma razão, essa noção de discurso se liga a noções como subjetividade (ainda que esteja mais ligada à instituição, podendo ser representada por indivíduo) e intencionalidade. 4.3 Diálogo Como todo e qualquer discurso é destinado a alguém, ele pode integrar um diálogo, isto é, uma troca comunicativa. De acordo com Walton (2008, p. 4), [...] um diálogo é sequência de mensagens ou atos de fala entre dois (ou mais) participantes”. Entendido dessa forma, será considerado diálogo não apenas aquele realizado face a face em tempo real (acepção tradicional), mas também aquele que ocorre por intermédio de outros meios (por exemplo, cartas, mensagens de textos, mensagens de voz, áudios, etc.), em tempo real ou com diferença temporal. 27 Ligada à noção de diálogo, há a enunciação. “A enunciação é vista como um processo, um ato pelo qual o locutor mobiliza a língua por sua própria conta” (BARBISAN, 2006, p. 28). Ao fazer isso, ele se introduz, enquanto aquele que fala (locutor), na sua fala, isto é, no enunciado (produto desse ato). Ainda de acordo com essa autora,as características linguísticas do enunciado serão estabelecidas pelas relações entre língua e locutor. Também é por meio desse processo que ele [...] enuncia sua posição com marcas linguísticas” (BARBISAN, 2006, p. 28), implantando o outro (alocutário, interlocutor). Em cada enunciado, como centro de referência interna, “[...] emergem marcas de pessoa (relação eu-tu), de ostensão, de espaço e de tempo, em que eu é o centro da enunciação” (BARBISAN, 2006, p. 28), assim como o ele, a não- -pessoa, aquilo ou aquele sobre o que/quem se fala. Essas noções também estão presentes na escrita, seja pela enunciação, seja pelo estabelecimento de diálogo por meio dela, seja pelo discurso. Quando se pensa na comunicação escrita, há principalmente uma relação tríplice, conforme Koch e Elias (2006), autor, texto e leitor, envolvida na construção do sentido. O sentido, de acordo com as autoras, é construído na relação entre esses três, não dependendo apenas do autor (o que ele quis dizer), nem do texto (o que está codificado), nem do leitor (o que ele entendeu). Essa relação é a fundação da compreensão do texto, porém outros fatores são intervenientes, como contexto e qualidade do material (letra pequena ou ilegível, tinta muito fraca, etc.) Assim como o eu que fala se projeta no enunciado falado, também o faz na escrita, de modo mais ou menos intenso. Pode-se perceber essa projeção por meio de algumas marcas ou características, como será visto na próxima seção. 4.4 Intencionalidade discursiva Toda produção oral ou textual tem uma intencionalidade por trás, que pode ser, por exemplo, de divulgar, informar a convencer, comover. 28 Devido a isso, a imparcialidade é impossível, assim como a objetividade e a neutralidade, “pois a linguagem é sempre carregada dos pontos de vista, da ideologia, das crenças de quem produz o texto” (FIORIN, 2015, p. 45). A parcialidade é uma questão de gradação, do declaradamente parcial ao de efeito praticamente nulo, isto é, aquele cuja parcialidade não é percebida facilmente. Esse é caso, por exemplo, de artigos científicos, em que, em uma situação ideal, a subjetividade será percebida na ordem como uma frase é estruturada, no uso de modalizadores, etc.; elementos que permitirão ao leitor perceber para quais informações se quis chamar mais atenção. Já nos declaradamente parciais, não só a opinião será expressa, como também emoções e sentimentos por meio de palavras que os expressem, como “amar/amor”, “odiar/ódio”, expressões pejorativas, entre outros. De acordo com Koch (2015, p. 51, grifo nosso), “[...] a intencionalidade refere- se aos diversos modos como os sujeitos usam os textos para conseguir realizar suas intenções comunicativas, mobilizando, para tanto, os recursos adequados à concretização dos objetivos visados”. De modo mais restrito, pode ser entendida como o desejo (intenção) do locutor de se manifestar linguisticamente de modo coeso e coerente ou não para provocar certos efeitos sobre a audiência. Essa intenção está presente nos atos de fala, isto é, ações que são realizadas por meio das palavras (AUSTIN, 1975; SEARLE, 1976), tais como dar uma ordem, fazer um pedido, expressar emoções. Ela estará presente no que o locutor expressa ou deixa a entender, assim como no efeito que quer causar no outro. Veja o quadro “Exemplos”, a seguir, para maior compreensão. 29 Posteriormente, Searle (1976) estabeleceu outros atos de fala. O ato assertivo consiste em dizer a alguém como algo é (fazer uma asserção); o ato diretivo, na tentativa de levar o outro a fazer algo por meio de convite a ordens; o ato expressivo, em expressar emoções e atitudes; o ato comissivo, em provocar uma mudança ao agenciar outros; e, por fim, o ato declarativo consiste na possibilidade de causar uma mudança por meio da linguagem. 4.5 Marcas de subjetividade Subjetividade é a forma como um sujeito experiência algo. Quando se fala em texto (oral ou escrito), é a forma como o locutor transparece sua atitude, sua opinião 30 sobre algo. Ela pode ser expressa de modos mais ou menos diretos, mais ou menos passionais. Para Bakhtin, “[...] a subjetividade é constituída pelo conjunto de relações sociais de que participa o sujeito” (FIORIN, 2016, p. 60), o que implica que, ao mesmo tempo que o locutor se constitui discursivamente, ele apreende [...] as vozes sociais que compõem a realidade em que está imerso, e, ao mesmo tempo, suas inter- relações dialógicas”. São consideradas marcas de subjetividade expressões e palavras que permitem ao locutor expressar sua perspectiva sobre algo. Essas marcas podem ser mais ou menos discretas, dependendo do gênero textual e do contexto. É comum se associar à subjetividade o uso dos pronomes eu e nós, assim como verbos como achar, acreditar, crer, palavras pejorativas (palavrões e xingamentos), adjetivos qualitativos (fácil, difícil, furtivo); porém não são a única forma de se marcar a subjetividade. Em qualquer produção linguística, oral ou escrita, é possível fazer uso de indicadores modais, isto é, meios linguísticos para apresentar modalidade. “A modalização tem o papel de exprimir a posição do enunciador em relação a aquilo que diz” (FIORIN, 2000, p. 171, grifo nosso), aumentando ou diminuindo a força de um enunciado (em uma perspectiva mais lógica). De acordo com Koch (2010), os principais tipos modalizadores são: necessário/possível; certo/ incerto, duvidoso; obrigatório/facultativo. Há muitas formas de expressar a modalidade: algo é [modalizador adjetivo], é [modalizador adjetivo] algo; advérbios e locuções adverbiais, como talvez, provavelmente, possivelmente, certamente; verbos auxiliares modais, como poder, dever, precisar; construção de auxiliar + infinitivo (ter de + infinitivo, precisar + infinitivo); orações modalizadoras, como não tenho dúvida de que, todos sabem que (KOCH, 2010). No exemplo a seguir, foram destacados trechos em que ocorrem modalização. Nesses trechos, você perceberá que o autor usa modalizadores para dar mais força às afirmações e, consequentemente, expressa seu ponto de vista quando ao assunto. Tenha em mente que esse mesmo tipo de modalizadores podem aparecer em leis e manuais, e, nesses casos, não se trata de expressão de subjetividade. 31 O autor deste texto fala sobre as alterações no Art. 149º do Código Penal e argumenta sobre o seu ponto de vista acerca do assunto. Texto 1 As alterações do Art. 149º do Código Penal foram um importante passo para aprimorar a legislação, fechando o cerco à prática do trabalho escravo e das condutas que reduzem o trabalhador à condição de escravo. Mas, para alcançar essa boa finalidade, [1] é necessário que haja uma correta aplicação da lei, que não dê margens a abusos. Se é certo que toda a escravidão deve ser exemplarmente punida, não se pode equiparar à escravidão qualquer descumprimento da lei trabalhista. São coisas muito diferentes, com gravidades distintas, e que, portanto, [2] devem produzir efeitos jurídicos diversos. De outra forma, haveria uma criminalização das relações trabalhistas, que, em última análise, seria extremamente prejudicial ao trabalhador. Fonte: O Estado de São Paulo. No trecho do exemplo acima, foram destacados dois trechos que apresentam modalização. Em [1], algo é indicado como sendo necessário, ao passo que, em [2], como obrigatório. A modalização, como nesses casos, pode ser uma indicação de subjetividade, isto é, da atitude do sujeito (locutor) frente a algo (diferente de enunciados como “para ferver a água é necessário elevar sua temperatura até atingir 100°C”). Outra forma de se identificar/expressar a subjetividade é pelo uso dos chamados indicadores de atitude, ou estado psicológico do locutor frente a seu enunciado. Segundo Koch (2010, p. 53), “[...] a atitude subjetivado locutor em face de seu enunciado pode traduzir-se também numa avaliação ou valoração dos fatos, estados ou qualidades atribuídas a um referente”, por meio, principalmente, de formas intensificadoras e adjetivos. Exemplo: Texto 2 Em Bohemian Rhapsody, conhecemos não só a jornada de sucesso da banda Queen, mas toda a trajetória do grupo. 32 O filme nos retrata cada detalhe, a formação da banda, a composição das músicas mais famosas, as gravações de discos, e, claro, os altos e baixos do grupo, principalmente do vocalista, Freddie Mercury. Contar a história de uma banda que foi tão importante para o cenário mundial da música não é uma tarefa fácil, o diretor Bryan Singer conseguiu construir uma narrativa que envolve e emociona os fãs da banda que assistem ao filme. Além do filme como um todo ser excepcional, é preciso destacar a atuação de Rami Malek como Freddie Mercury, o ator se entregou completamente ao papel, sendo o verdadeiro destaque da história, assim como previsto, já que estava no papel de da banda. Apesar de “longo” (2h 15min), o filme não se torna cansativo em nenhum momento, você se envolve em cada segundo da narrativa, conhecer de perto e por outros ângulos a história do Queen foi uma experiência única e emocionante. Nessa crítica, foram destacados alguns trechos que deixam clara a opinião da expectadora sobre o filme. Entre estes, estão alguns exemplos de indicadores de atitude e opinião. A sua atitude com relação ao filme é positiva, isto é, aberta ao que o filme se propõe. É diferente do que seria uma crítica feita por alguém, por exemplo, homofóbico (que tenderia a ver como algo negativo). Os trechos destacam sua opinião sobre o filme, uma vez que enfoca sua recepção e visão sobre a obra. Observe que a autora da crítica não fez uso de primeira pessoa gramatical (eu e nós) e ainda se percebe que é a avaliação dela sobre o filme. Isso porque, para se indicar subjetividade, não é necessário usar eu ou nós, inclusive é possível escrever artigos científicos e acadêmicos usando essas pessoas gramaticais sem torná-los subjetivos. ( Daisy Batista Pail, 2018) 4.6 O papel da subjetividade A subjetividade permite, do ponto de vista do locutor, expressar sua opinião, sua perspectiva sobre algo; ao passo que, do ponto de vista do interlocutor, possibilita a identificação e a compreensão destes, sem, no entanto, significar concordância. 33 Ela estará presente em diferentes tipos de produção textual, inclusive em respostas. Uma resposta subjetiva, por exemplo, se diferencia de uma objetiva. Respostas objetivas trazem informações pontuais ou factuais. Assim, ao citar uma lei (ou artigo desta, como no texto completo do exemplo) ou responder que horas são, quem é o presidente, quantos continentes há, se está fazendo uso de informações factuais e pontuais. Entretanto, ao se atribuir uma interpretação ou avaliação (que não quantitativa) a estas, passa-se para o âmbito subjetivo. Dependendo do objetivo da produção, certas formas de expressar a subjetividade serão mais produtivas que outras, pois demonstrarão mais domínio e preparo. Ao se pensar em respostas a questões subjetivas, é preciso ter em mente que não significa que qualquer resposta é válida. É importante apresentar argumentos que reforcem ou comprovem seu ponto de vista. Esse tipo de questão é comum em provas com questões dissertativas, lembrando que suas respostas terão de apresentar argumento (s) que suportem sua posição, perspectiva, tese. Para ajudá-lo a elaborar suas respostas, seguem a seguir dicas sobre como escrever um parágrafo, o que é esperado na resposta a partir do verbo usado na ordem da questão, links com dicas, ferramentas úteis e dispositivos retóricos. Um parágrafo é estabelecido por sua unidade e coerência entre as frases. Quando parte de um texto maior, cada parágrafo sustentará a ideia central. Dessa forma, é importante ter em mente qual é o seu argumento, sua tese, isto é, aquilo que você irá defender. (Daisy Batista Pail, 2018) Essa definição permite que você mantenha uma relação coerente entre as partes e não se perca escrevendo, seja um texto com múltiplos parágrafos ou apenas um. Há diferentes formas de se organizar um parágrafo: Forma de organização Dica de como fazer Narração Conte uma história, seguindo a ordem cronológica dos eventos 34 Descrição Dê detalhes específicos sobre a aparência de algo ou alguém, procure incluir informações, quando for o caso, que envolvam outros sentidos, como tato, paladar, audição e olfato. Organize essas informações por ordem de surgimento, pela disposição espacial ou por tópico Processual Explique como algo funciona, passo a passo Classificação Separe em grupos e explique as diferentes partes do tópico Ilustração Dê exemplos e explique como eles servem como suporte para o tópico Fonte: Adaptado de The Writing Center (2018). Um parágrafo bem organizado terá introdução, desenvolvimento e conclusão. Na introdução, você apresenta qual a ideia central, um tópico dele. Todas as sentenças do parágrafo devem estar relacionadas com o tópico. (Daisy Batista Pail, 2018) No desenvolvimento, você expõe evidências e informações para dar suporte ao tópico. Por fim, há a conclusão, que pode ser para encerrar o tópico ou para introduzir o próximo parágrafo. Cinco passos para construir um parágrafo: Passo 1 — Defina sua tese e escreva a frase tópico, que ajudará a manter a coerência do parágrafo. Às vezes, pode ser necessário mais uma frase para estabelecer a tese. Passo 2 — Explique sua tese, fazendo uso de um operador lógico ou explanação. Passo 3 — Dê um exemplo (ou vários), isto é, apresente uma evidência que suporte o que disse nos passos anteriores. Passo 4 — Explique o (s) exemplo (s) dado (s) e a relevância deste (s) para o tópico do parágrafo. Passo 5 — Complete a ideia do parágrafo ou faça a transição para o próximo. Esse passo se trata de não deixar nós soltos e lembrar ao leitor a importância da (s) 35 informação (s) desse parágrafo. Ele também pode ser sobre introduzir o tópico do próximo. É comum em avaliações com questões dissertativas (aquelas em que se deve escrever um texto) que se peça a resposta em um único parágrafo. Também é comum que você tenha de expor seu ponto de vista sobre o assunto. Por ser subjetiva, há também um risco maior para não se apresentar argumentos, evidências que sejam válidas e sustentem sua tese. Outro risco, e este para qualquer questão ou atividade pedida, é a má interpretação. (Daisy Batista Pail, 2018) Para poder elaborar uma boa resposta, é preciso primeiro entender o que está sendo pedido e, para tal, é fundamental ler atentamente. Logo abaixo que deve ser feito e exemplos. Verbos O que é esperado Exemplo de questão Redigir (elaborar, escrever, discorrer Significa expor por escrito, e por si só é muito vago. É importante que se observe outras informações, como tema e textos motivadores. É possível que seja, nesse caso, pedido que se aborde um ou mais aspectos e conceitos. Nesse caso, atente se é pedido para que se faça isso com um dos tópicos ou se com o conjunto deles. (BRASIL, 2017a) A partir das informações apresentadas, REDIJA um texto acerca do tema: Epidemia de sífilis congênita no Brasil e relações de gênero. Em seu texto ABORDE OS SEGUINTES ASPECTOS: - a vulnerabilidade das mulheres às DSTs e o papel social dos homens em relação à prevenção dessas doenças; - duas ações especificamente voltadas para o público masculino a serem adotadas no âmbito das políticas públicas de saúde ou de educação, para reduzir o problema. (Questão 1 de formação geral da prova do ENADE do curso de Arquitetura e urbanismo) 36 Leia a questão completa em:https://bit.ly/2zbxhAS Explicar Significa que você deverá dizer o que algo é, como algo funciona, ou como ocorre, ou por que ocorre(organização processual). (BRASIL, 2017a) Considerando os dois modelos apresentados, elabore um texto que EXPLIQUE duas consequências relacionadas à qualidade do espaço urbano ou à infraestrutura urbana. (Questão 3 de componente específico da prova do ENADE do curso de Arquitetura e urbanismo) Leia a questão completa em: https://bit.ly/2zbxhAS Descrever Significa que você deve dar detalhes específicos sobre algo, alguém ou algum fenômeno, evento. (BRASIL, 2017b) Considerando a temática presentada nos textos, faça o que se pede nos itens a seguir. - Descreva dois possíveis efeitos da ampliação das unidades de conservação sobre a biodiversidade. - Apresente três exemplos de ações que integrem o reconhecimento e a valorização do contexto sociocultural com a conservação da biodiversidade. (Questão 3 de componente específico da prova do ENADE do curso de Ciências biológicas) Leia a questão completa em: https://bit.ly/2K8TxQ8 37 No primeiro exemplo, é especificado nos tópicos o que se espera da questão. Uma resposta bem elaborada teria na primeira frase a tese relacionada ao tema (incluindo o primeiro aspecto). No desenvolvimento, seriam defendidos argumentos ou evidências que sustentem a tese. Já na conclusão, seria possível fazer a proposta de duas soluções em vista ao problema do tema. Uma resposta ao segundo teria uma organização diferente, o que não significa que são dispensáveis introdução, desenvolvimento e conclusão. (Daisy Batista Pail, 2018) Na primeira frase, seria importante declarar o tema e/ou a tese (as duas consequências sobre as quais se falará) na introdução, de modo a ser o fio condutor do desenvolvimento em que explicará duas consequências. Ao final, retomar o tema e apresentar a relevância ou potencial do que abordou. O exemplo 3 pode ser respondido seguindo os 5 passos. Deveria ser dito sobre o que irá se falar, seguido da descrição dos efeitos. O ideal seria que os exemplos dados estivessem ligados com os efeitos descritos e que isso fosse explicado. São importantes na escrita coesão e coerência. A coesão permite as ligações entre as partes de uma frase, entre frases e entre parágrafos. Nela, entra o uso de pronomes para retomar o que já foi dito e conjunções que estabelecem relações lógicas e de dependência entre si, entre outros. Já a coerência garante que o interlocutor poderá interpretar o que foi dito ou está escrito. Entretanto, não são as únicas características importantes. Também o são as figuras de retórica. Figuras de retórica são estratégias que o locutor ou escritor emprega para convencer seu interlocutor. Como visto, há diferentes formas de se expressar subjetividade, do pessoal à argumentação para defender seu ponto de vista. No âmbito acadêmico e profissional, somente o segundo é válido. 5 CONCEPÇÃO INTERACIONISTA E LINGUAGEM A linguagem, compreendida como um lugar de interação humana, possui caráter interlocutivo e é construída socialmente. Nesse sentido, ela é um instrumento de comunicação e também uma forma de expressar pensamentos. 38 Assim, você não deve conceber a linguagem apenas como um código que transmite informações. Precisa compreendê-la como modo de interagir: uma pessoa atua sobre a outra, influencia e é influenciada durante a troca comunicativa (ANDRADE, 2008). De acordo com Andrade (2008), ao se estabelecer um paralelo entre essas concepções, é possível encontrar as correntes dos estudos linguísticos da gramática tradicional. São elas o estruturalismo e a linguística da enunciação, que é o foco aqui. Nela, a linguagem se dá pelo caráter dialógico, pois vários discursos estão presentes e são permitidos. A corrente teórica de concepção interacionista da linguagem surgiu como categoria de análise nos anos 1960. Contudo, ganhou força no âmbito da filosofia e da sociologia apenas no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a partir da obra de Mikhail Bakhtin no campo da linguística. O teórico estuda a linguagem enquanto fenômeno de interlocução viva, que se pauta na relação indissociável entre o ser humano, a sociedade e a linguagem. Nesse contexto, as pessoas trocam enunciados constituídos com a ajuda das unidades da língua, e não trocam orações, palavras ou combinações de palavras. A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou outra esfera da atividade humana. [...] Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1997, p. 280). Para o teórico, não existe interação sem língua. Se ela não ocorrer, não há qualquer tipo de relação social. Afinal, todas as esferas da atividade humana estão sempre relacionadas com o uso da língua, por mais variadas que sejam. Essa corrente teórica se sustenta, de acordo com Morato (2004), como linguística interacional. Ela se trata de outra maneira de compreender a linguagem, interpretada por correntes de estudos da língua. De acordo com o teórico, essa ideia se acentua “[...] com a introdução de uma concepção histórico-discursiva de sujeito e da afirmação de uma ordem social na qual 39 se inscreve a linguagem, vista a partir de uma perspectiva dialógica.” (MORATO, 2004, p. 330). Em seu livro Desvendando os segredos do texto, Koch (2002) aborda questões relativas às concepções de língua, sujeito, texto, sentido, contexto e gêneros discursivos. Essas questões, para a autora, estão entrelaçadas. Por isso, é complicado isolá-las para definir conceitos. Para a teórica, na concepção sociointeracional da linguagem, há a interação dos sujeitos ativos com as ações linguísticas, cognitivas e sociais. Isso ocorre de modo dialógico, com o texto, o contexto e a língua. Nessa perspectiva linguística, os textos permitem a organização do mundo, bem como a produção, a preservação e a transmissão de saber pelo homem. Nessa ideia, Koch explica que a concepção de sujeito de linguagem vai variar conforme a concepção adotada de língua. Quer dizer, língua e sujeito são indissociáveis, é impossível não pensar em ambos. Dessa forma, a teórica propõe três posições clássicas acerca de língua, texto e sentido. São elas (KOCH, 2002): 1. Predomínio, ou exclusividade, da consciência individual no uso da linguagem; 2. Assujeitamento; 3. Lugar de interação. A primeira traz a ideia de que o responsável pelo sentido é o sujeito da ação. Além disso, compreende a língua como uma representação de pensamento. Assim, o texto, que seria um produto do pensamento, é entendido como uma representação mental do autor. Quem deve captar a mensagem, portanto, é o leitor/ouvinte. Aqui há um sujeito ativo, consciente, que constrói a sua história; ele é ativo e responsável pelo sentido. Há, assim, o predomínio da consciência individual no uso da linguagem. No caso do assujeitamento, perspectiva ligada à análise do discurso, entra em jogo a desconstrução do sujeito. É como se ele não fosse mais dono do seu próprio 40 discurso, mas apenas resultado do seu inconsciente e de uma ideologia, sendo determinado pelo sistema. Um dos teóricos que trabalha essa concepção é Possenti (apud KOCH, 2002), que diz que o indivíduo não é dono de seu discurso e de sua vontade. Na verdade, sua consciência, quando existe, é produzida de fora, e ele pode não saber o que faz e o que diz. O teórico afirma que, para a compreensão de textos, é necessário ter conhecimento linguístico, além de outros conhecimentos e experiências: “Penso que a A. D. ganharia
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