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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ALUNA: Thaís Macêdo de Queiroz / PERÍODO: 3º REVISÃO PARA O PRIMEIRO GQ DE FILOSOFIA DO DIREITO PLATÃO (429 - 347 a. C) - Grande discípulo de Sócrates; - Foi quem escreveu tudo o que conhecemos sobre a filosofia de Sócrates. Os pré-socráticos faziam teoria de tudo, o que teria sido o erro deles. Depois de Sócrates se pensou em primeiro fazer uma teoria sobre a própria teoria, sobre a capacidade cognitiva humana, dizendo quais são os limites. Reação contra o relativismo sofista – cada objeto seria único, singular, por exemplo, duas cadeiras diferentes teriam teorias diferentes, com uma teoria para cada cadeira, mesmo que só mudasse a cor, o que contradiz a experiência. Dessa forma, para se fazer uma teoria, precisa-se de um método. Problematização do conhecimento – não pode confundi-los, como faziam os pré-socráticos. 1. Conhecimentos sensíveis – apreendidos através dos sentidos, conhecimentos do individual, particular, empírico. É relativo, pois depende de quem faz a experiência, o que pode variar que indivíduo para indivíduo. 2. Conhecimentos inteligíveis – apreendidos através do intelecto, conhecimento das Ideias (eidos). Racional, por exemplo, conhecimentos matemáticos, buscando as essências, o eidos. - Caso só tivéssemos o conhecimento sensível, cada conhecimento seria único e singular, dessa forma os sofistas deixam de ter razão quanto a isso. - O que os conhecimentos inteligíveis conhecem são os eidos, no sentido de essência, de arquétipo ideal perfeito de qualquer coisa, por exemplo, o arquétipo cadeira só é alcançado pela via inteligível, pois é a intelecção, o eidos, do que é cadeira que faz com que entendamos que todas as outras variações de cadeiras pertençam ao gênero cadeira. * Então, grande parte da confusão feita pelos pré-socráticos, dava-se pela confusão desses dois principais tipos de conhecimento. Mito da Caverna (A República, livro III) É uma história contada por Platão, que tem duas vertentes, política e epistemológica. É uma forma metafórica de tratar dessas coisas que são complicadas, deixando o texto mais acessível para quem não era filósofo. Nessa história, as pessoas vivem acorrentadas em uma caverna e um dia a corrente de uma delas rompe, permitindo que ela possa sair do lugar em que esta, de onde só via sombras, dessa forma ela poderia ver o que eram as sombras na realidade. Quando esta pessoa vai contar para as outras pessoas, elas a matam, pois apesar de que fosse verdade elas não viram, então para elas era um desaforo. *Essa pessoa que morre é Sócrates, por seu compromisso com a verdade e muitas vezes as pessoas não querem a verdade, preferem viver na doxa, que aqui é a metáfora política. O compromisso epistemológico que corresponde à parte sensível são as sombras, e a vida inteligível é o sujeito que consegue se soltar e ao ver a luz fica cego por um momento, perdendo o senso de realidade, que é dado pela sensibilidade, mas mesmo assim ele se arrisca a ir para fora da caverna, e pela sua razão, pela via inteligível conhece a verdade, deixando de lado a aparência, buscando a essência. A República - Principal livro de Platão; - Trata de um projeto de como deveria ser uma sociedade justa e perfeita. - O nome República é uma adaptação feita pelos Romanos do que anteriormente era Dipoliteia perité tes dikes, que significava estudo da polis sob a justiça. Defendia que uma sociedade justa era uma sociedade estratificada em três classes: 1. Filósofos – razão – direção; 2. Guerreiros – força, coragem, defesa, ordem; 3. Trabalhadores – sensibilidade, nutrição, economia. Os filósofos seriam os responsáveis pela direção, pelo governo, pela elaboração das leis, representariam simbolicamente a razão, a cabeça. Desse modo, os filósofos não se deixariam enganar pelas aparências, pois teriam a via inteligível do conhecimento mais desenvolvida, por isso conseguem, mesmo desconfiando das aparências, enxergar a ideia do bem, do eidos, o que faria com que estivessem mais aptos a elaborar boas leis. Os guerreiros representariam a força, coragem deste Estado e cuidariam da defesa e da ordem que mantém a organização interna, como o corpo. Os trabalhadores seriam responsáveis pela produção de matérias, bens, alimentos, riquezas, comércio, construções, funcionando como a base. Para saber quem entraria em qual classe, Platão propõe o seguinte: - Acabar com a família, pois a família prejudica o interesse público, colocando o interesse privado antes do público, devido às relações amorosas e de bens. Assim, todas as crianças que nascessem deveriam ser criadas e educadas pelo Estado sem a interferência dos pais, possibilitando que o indivíduo descobrisse qual é a sua aptidão natural sozinha, esta aptidão está ligada com o eidos, a psique de cada indivíduo. - Filósofos e Guerreiros seriam proibidos de ter qualquer vida privada, somente a vida pública lhes seria cabida, ou seja, não poderiam estabelecer qualquer tipo de união estável e não poderiam acumular riquezas não existir desvio de funções. - Trabalhadores poderiam acumular riquezas e ter família, mas não criar os filhos. Concepção orgânica de Justiça Não tinha igualdade, nem liberdade – Arete. Sendo assim, para Platão a Justiça seria o equilíbrio dessa sociedade, o equilíbrio entre as partes. Os indivíduos para ele seriam como células de um corpo e quando uma não realiza sua função prejudica o corpo, com isso seria necessário elimina-la (eugenia – busca o melhoramento da raça). A justiça não começa com os indivíduos, é uma concepção orgânica de justiça, porém acaba chegando neles. Comunismo Aristotélico Comunismo no sentido de tudo ser comum ao interesse de todos, e aristocracia é o governo dos melhores, dos excelentes (em cada função). Arquétipo das utopias totalitárias segundo Kalr Popper Este modelo trata do melhoramento da raça como as células que não realizam sua função. Não haveria mudança de classes, pois a aptidão se enquadra em todas, o que desregularia o corpo. Norma como mimeses da Ideia do Bem Os filósofos teriam a capacidade de elaborar normas o mais próximo possível do eidos benéfico, sendo assim o mais próximo da justiça. Tem-se a ideia de uma sociedade o mais justa possível. Estrutura da psique humana (República, Fedon) Entende-se aqui, a psique como a alma. 1. Racional – conhecimento; 2. Irascível – paixões (amor, ódio, inveja, desejo de poder, coragem); 3. Concupiscível – apetites (prazer, dor). Podendo-se fazer um paralelo com a estrutura da sociedade perfeita, pois fica dividida em três classes e cada uma corresponde a uma parte da sociedade e aqui à alma humana, respectivamente em 1, 2 e 3, onde a 3, que seria a base do Estado, passa a ser o ‘ventre’ do indivíduo. Observa-se então que há um paralelo entre a estrutura da psique e a da republica, onde ele dirá que uma sociedade equilibrada, que na visão dele ser a aristocracia, tende a produzir indivíduos equilibrados e uma desequilibrada tente a produzir desequilibradamente os indivíduos. O que move o ser humano são os impulsos – paixões e apetites – e para Platão, para a sociedade ser justa, a parte racional humana tem que controlar as outras duas, determinando as direções humanas. Formas de Governo (República, livro VIII) Segundo ele, qualquer sociedade se enquadra em uma dessas formas, descrevendo como uma sociedade pode sair da melhor forma de governo e chegar na pior, dessa forma, na visão de Platão, sair da Aristocracia e chegar na Tirania. Aristocracia – governo dos excelentes, busca do pleno bem. Timocracia – governo dos melhores, mas que foram corrompidos pela paixão. Oligarquia – governo de poucos (ou de um grupo), dos que governam pelo interesse próprio, o que faz com que o interesse do resto seja excluído e o extremo da exclusão são os mendigos, e segundo ele, ter mendigos nas ruas de uma cidade é sinônimo de que a sociedade está doente.Em sua história, por exemplo, diz que podiam ser os filhos dos timocratas, mas não é porque não filhos que vão ter as mesmas aptidões. Trazendo a visão de Platão para a atualidade, o Brasil seria considerado uma Oligarquia. Democracia – quando os que foram excluídos da oligarquia tomam o poder, por meio de um golpe de estado. É a forma de máxima liberdade, só que para isto fica muito próximo da máxima escravidão (tirania). Platão não gosta de Democracia, pois mataram Sócrates em uma democracia direta, sem motivos concretos. Para ele é uma forma de governo instável, onde todos podem decidir, não só aqueles que tem aptidão, o que pode levar à uma guerra civil, pois é de fácil manipulação pela retórica. Tirania – sujeito que tira a sociedade de uma guerra civil tem a ele delegado plenos poderes e quando querem o tirar o poder, mesmo quando realizou seu objetivo, como ele tem plenos poderes não vai querer devolver e se necessário usara os poderes que tem para impedir que isso ocorra. Dando assim a máxima forma de escravidão e perseguição aos críticos. A expulsão do poeta – arte da cidade para evitar revoltas sociais e desordem social, por isso, não é a toa que as utopias totalitárias vão controlar a arte. “As Leis” – último livro de Platão onde ele escreve e depois reformula vários conceitos da República, amenizando-os, por exemplo, a aristocracia será mesclada com a democracia, mas ainda prevalece, e afirma ainda que a lei está acima de tudo. ARISTÓTELES (384 – 322 a. C) Vai criticar, romper, com o dualismo de Platão que sugere a existência de dois planos. Traz as ideias platônicas para a imanência do mundo: 1. Hilemorfismo – que segundo Aristóteles, é todo ser composto de forma e matéria, tudo aquilo que é sensível a matéria, o que se pode toca, experimentar, perceber, e pela intelecção é possível chegar a uma forma (Hile = matéria; mofismo = formas); 2. Teleologia – estudo dos fins (teleos = finalidades). Na concepção de Aristóteles, o universo é teleológico, ou seja, tudo o que existe tem uma finalidade, e é justamente este fim que determina como as coisas são, sendo assim, tem-se a relação entre forma e matéria, pois a forma que a matéria terá determina o que ela será. Por exemplo, para Aristóteles, a finalidade do homem é a felicidade. 3. Ato/ Potência – Aristóteles buscava explicar o movimento e a modificação das coisas com esta ideia, como por exemplo, o conhecimento. Então para ele, uma coisa está em ato ou potência, por exemplo, uma semente é arvore em potencial, ela tem a finalidade de ser uma arvore, e se ela se torna uma arvore, ela se atualiza, e do ponto de vista de um marceneiro ela passa a ser uma mesa em potencial. Dessa forma, pode-se dizer que o que é vivo é morto em potencial. Aqui imanência aquela que está compreendida na própria essência do todo, é aquilo que é acessível, o contrário de imanência é a transcendência. A psique (alma) é a forma dos seres que se movem por si mesmos, o que para ele não tem nada de místico, afirmando ainda que a alma se divide em diferentes graus: Alma vegetativa – dos seres mais simples, responsáveis pelas funções mais simples, aqueles que não sentem e não percebem, por exemplo, uma planta. (Daí que se tem a expressão ‘coma vegetativo’); Alma sensitiva – tem a capacidade de sentir, perceber e interagir com os outros, por exemplo, animais, peixes; Alma racional – alguns seres com capacidade de sentir, pensar, raciocinar (assim que explica o conhecimento, pois, segundo ele, só se desenvolve através da política em sociedade), por exemplo, homem, no caso de Aristóteles, os gregos, homens, atenienses. O homem só se desenvolve (racionalmente) se vive em sociedade política, caso contrário vai ter só potencialidade, mas se não tiver as condições não desenvolverá sua alma racional, o que é completamente diferente do pensamento cristão, que o homem não se contaminaria pelo pecado original, quando isolado da sociedade, portanto falaria a língua de Deus. Conhecimento é a reação entre as formas, onde se considera a matéria separada das formas, e só a alma racional pode fazer isso. Ética a Nicômaco Importante obra de Aristóteles, onde o livro V é um dos mais importantes. O homem só existe dentro da Polis, ‘zoon politikon’ é a organização a partir das leis. Afirma que a Polis é ontologicamente anterior à própria existência do homem, que só se desenvolve em meio político. Tudo tem uma essência que é determinada por um fim, de acordo com a teleologia. A finalidade do homem é a felicidade (eudaimonia), no entanto, para Aristóteles a felicidade não é o estado de felicidade, o sentimento, e sim a ação, a atividade através da qual o homem realiza plenamente as suas aptidões, a prática de virtudes (que para ele é a excelência, Arete). As virtudes aqui são sempre o meio termo, a moderação (sophorosýse), assim, tanto se exceder quanto se abster em algo é um vício, e a virtude é o equilíbrio, dessa forma pode-se dizer que a justiça, para Aristóteles, é o equilíbrio. Além disso, as virtudes são divididas entre: 1. Dianoéticas – as que são mais teóricas, racionais como arte, ciência, sabedoria, intelectos e prudência (phróneses). Prudência que para ele é a capacidade de moderação intelectual de distinguir o certo, errado, justo e injusto, é a existência de que nos organizemos em sociedade. 2. Éticas – as que vem do étos (caráter que é conseguido através do hábito, por exemplo, escovar os dentes, que se desenvolve com a repetição): I. Temperança – moderação entre dor e prazer, experiência – arte da moderação; II. Fortaleza ou coragem – moderação entre coragem e covardia; III. Generosidade – moderação entre ser avarento e pródigo; IV. Justiça – moderação do justo. A norma do ponto de vista da virtude é aquela que regula uma conduta, e para Aristóteles, é justa quando leva a prática da moderação, leva a ter caráter, ou seja, ter temperança, fortaleza, generosidade e justiça, e as leis tem papel fundamental nisso, pois elas regulam o cidadão. Leis boas dão forma ao caráter do indivíduo e as ruins o deformam. Aristóteles vai dizer que para que alguém atinja a plenitude não pode trabalhar, tem que ser rico, ter escravos e amigos interessantes, e só dedicar o tempo todo, ou seja, quem trabalha não atinge a plenitude, pois nasceu para ser escravo. Então apenas homens, não mulheres, ricos, atenienses e com amigos interessantes com essas mesmas características. (Marx acompanha parte disso) Justiça política 1. Natural (physikon dikaion) – tendências universais variáveis à todos os seres humanos, porém sofrem influencias culturais podendo sofrer modificações, portanto não são imutáveis como as leis da natureza. Compara o fogo com o braço direito, pois o fogo será o mesmo em qualquer lugar, porque depende da combustão, das leis naturais, já o braço direito é mais desenvolvido na maior parte dos seres humanos, ou seja, é uma tendência e não uma lei natural, podendo se modificar, por exemplo, um destro se esforçando pode se tornar ambidestro. Dessa forma ele contraria a crítica que os sofistas fizeram aos pré-socráticos, pois os sofistas diziam que existissem leis naturais as leis de todos os povos seriam pelo menos parecidas e Aristóteles diz que existem sim, porém são mutáveis, então o direito natural pode se modificar, pois não é como as leis da natureza. 2. Convencional (nomikon dikaion) – normas baseadas na pura convenção para dar bases à ordem, por exemplo, dirigir no Brasil e na Inglaterra. Modos de aplicação de justiça 1. Distributiva: “a cada um segundo seu mérito”. O critério para determinar o mérito varia. Numa aristocracia é a excelência, numa politéia é a liberdade, numa oligarquia é a riqueza ou berço, dessa forma, pode-se concluir que é distribuída do Estado para os indivíduos, considerando o mérito de cada um. (Proporção geométrica, por exemplo, a pratica de um crime x fará com que o sujeito receba a pena de 2x para desestimulá-lode cometer crimes, o mesmo acontece com as boas ações dos indivíduos, então se fez uma boa ação é premiado). 2. Corretiva (comutativas, signalagmáticas): “que cada um dê ou receba o que a parte contrária deve dar ou receber”. Relação de coordenação, equilíbrio dos indivíduos: I. Voluntária – a relação ocorre sem problemas e por livre vontade. II. Involuntária – é quando há um desequilíbrio, um abuso, o Estado equilibra pela força que tem. (Proporção aritmética). Equidade (epieikeia) para ele significa bom senso como instrumento jurídico. A norma é geral e o caso concreto, assim, o bom senso para usar e adequar a norma, ou seja, adaptar a lei ao caso concreto. Então para o juiz decidir com equidade, ele teria que imaginar como o legislador teria elaborado a lei naquele caso. A Polis objetiva e subjetiva da responsabilidade - Injusto: nexo causal (acontecimento). - Injustiça: vontade (intenção). Segundo Aristóteles algo pode ser injusto sem ser injustiça. Para configurar o injusto é necessário demonstrar o nexo causal. Para configurar a injustiça é necessário configurar além do nexo causal, uma ação voluntária. Ação voluntária é aquela executada de maneira intencional e sob controle do agente, sem ignorar a pessoa afetada, o instrumento empregado e o resultado. Tipos de erro: - A conduta que causa dano não extrapola a conduta razoável – a ignorância nesse caso reside no agente. - A conduta que causa dano extrapola a conduta razoável – a ignorância nesse caso reside no agente. - A conduta que causa dano é consciente, mas não é deliberada – a ignorância nesse caso reside na situação, a pessoa sabe o que está fazendo, mas está louco pela paixão. Formas de Governo (Política, livro III, cap. VIII): Formas boas: Monarquia, Aristocracia e “Politéia” (constituição) Formas corrompidas: Tirania, Oligarquia e Democracia. Monarquia é bom desde que o monarca governe visando o interesse público, o problema é que ele pode se corromper e o governo virar uma Tirania, governando e visando os próprios interesses. Aristocracia é o governo da excelência, dos melhores público, quando visão o interesse público vira uma Oligarquia. Politéia é a forma de governo popular, ou seja, os próprios cidadãos que governariam, quando isso se corrompe vira uma Democracia, não visando o interesse público, pois as pessoas podem ser manipuladas e vir a acontecer algo que não é certo, como, por exemplo, a morte de Sócrates. Aristóteles é o primeiro a esboçar a separação dos “poderes” – no sentido de funções (Política, livro VI, capítulo XI): - Assembleia Popular – elaboração das leis (legislativo hoje); - Magistratura administrativa – escolhem-se os competentes, aptos para administrar (executivo hoje); - Magistratura jurídica – conselho dos anciãos, mais experientes, visando dirimir conflitos (judiciário Hoje). (Magistratura como sendo cargo político) Dimensões da ação humana 1. Theoria – atividade contemplativa, que não modifica o mundo a princípio; 2. Poiésis – técnica, atividade, prática, tem efeito no mundo (organização, produção); 3. Praxis – mistura theoria e poiésis, uma coisa está junto com a outra, as duas acontecem juntas, a ação e o pensamento, é a essência do zoon politikon. SANTO AGOSTINHO Uma das maiores personalidades da história universal, Santo Agostinho foi um grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a cultura ocidental. A sua vida, muito conhecida, torna-o inteligível também para muitos não-cristãos. Retórico, homem do mundo, carnal, fez um longo esforço para encontrar a chave da inquietação que o devorava. Primeiro maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou com um gênio inimitável. Depois da conversão, e sem pretendê-lo, é ordenado sacerdote. Chega ao episcopado da mesma maneira. E desde esse momento, no meio de muitas vicissitudes críticas, carrega sobre si grande parte da responsabilidade da Igreja; assim, por exemplo, no auge da heresia de Pelágio ouem face do cisma dos donatistas. No momento da sua morte, é todo um símbolo. Morre em Hipona quando os vândalos sitiavam a cidade. Com ele, morre a cultura antiga e nasce outra nova. Porque Santo Agostinho foi um homem do seu tempo. Versado em todas as artes clássicas, foi sempre um retórico de grande habilidade, jogando com as palavras num malabarismo que conseguia sempre escapar à superficialidade. Diríamos que o seu pensamento é tão profundo que supera as habilidades do retórico. Inicialmente, escreve filosofia, porém mais tarde dedica as suas forças à pregação, sem descuidar uma enorme correspondência. Escreve também muitos tratados teológicos, de exegese bíblica, etc. Não citaremos aqui as obras teológicas; limitar-nos-emos às de caráter filosófico: Contra Acadêmicos, crítica do ceticismo; De beata vita, sobre a felicidade; De ordine, sobre a origem do mal: os Coliloquia, um apaixonado diálogo consigo mesmo sobre a imortalidade da alma; De immortalitate animae; De quantitate animae, sobre a mesma questão; De magistro, sobre a educação com um enfoque psicológico. Santo Agostinho não construiu um sistema filosófico completo, ainda que as idéias básicas se mantenham constantes e acusem um claro predomínio platônico. Ele mesmo nos conta que começou a ler uma obra de Aristóteles e não pôde prosseguir. Talvez o tenha afastado o estilo entrecortado, desencarnado, a falta dessa alma que Santo Agostinho buscava em tudo. Santo Agostinho não parece feito para encerrar a realidade em categorias. A sua reflexão parte sempre da vida: das coisas que se passam ao seu redor, das ideias dominantes, dos ataques contra a fé, da interioridade da sua alma. A BUSCA DA VERDADE A filosofia agostiniana é uma constante busca da verdade, que culmina na Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma paixão, e, precisamente, a paixão principal: o amor. “Amor meus, pandos meum”, o amor é o peso que dá sentido à minha vida. Verdade e Amor.“Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”, diz nas Confissões. Essa “passionalidade” da filosofia agostiniana não é em nenhum momento irracionalismo ou voluntarismo. Se incita a ter fé para entender, também anima a entender para crer melhor. Nada nos pode fazer duvidar da possibilidade de chegar à verdade. Nada valem os argumentos céticos. Si fallor, sum: se me engano, é uma prova de que sou, diz, antecipando-se, num contexto muito diferente, a Descartes. E com mais clareza: “Sabes que pensas? Sei. Ergo verum est cogitare te, logo é verdade que pensas”. A verdade está no interior do homem. “Não queiras sair para fora; é no interior do homem que habita a verdade”. E há verdades constantes, inalteráveis, para sempre. Dois mais dois serão sempre quatro. Santo Agostinho tenta esclarecer de onde pode vir essa verdade. Não das sensações, diz, porque essas são e não são, são mutáveis, efêmeras. Tampouco do espírito humano, que, por profundo que seja, é limitado. Essas verdades eternas só podem ter por autor Aquele que é eterno: Deus. São reflexos da verdade eterna, que nos ilumina e nos permite ver. Nisso consiste o que depois ficou conhecido como “doutrina da iluminação”; porém, desde já é preciso dizer que Santo Agostinho não a apresenta nunca como uma “teoria”, mas como uma comprovação. Já no final da sua vida, diz nas Retractationes que o homem tem em si, enquanto é capaz, “a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”. Como em Platão, conhecer verdadeiramente é estar em contato com o mundo inteligível. Porém, Santo Agostinho nunca dirá que vemos as verdades em Deus, mas que participamos da luz da razão eterna. Não se deve ignorar, por outro lado, que essa solução para o tema do conhecimento corre o risco de não distinguir de forma adequada o conhecimento natural do conhecimento sobrenatural.Mas essa é uma questão que só será levantada mais tarde, na Idade Média. A BUSCA DE DEUS Em Santo Agostinho, não existem provas formais para demonstrar a existência de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de itinerário em direção a Deus. Tudo fala de Deus; basta abrir os olhos. Ele é intimior íntimo meo, mais íntimo ao homem que a própria intimidade humana. As coisas falam-nos todo o tempo de Deus. Perguntamos-lhes: “Sois Deus? ” E respondem: “Não, fomos feitas. Continua a buscar”. De forma retórica – retórica de grande qualidade –, encontramos aí a prova da existência de Deus pela contingência das realidades humanas. A mutabilidade exige o imutável; os graus de perfeição exigem o Ser perfeito. Em Santo Agostinho, como em outros filósofos de inspiração platônica, está claramente formulado o que será a quarta via de São Tomás de Aquino. Qual é o melhor nome para Deus? O que se lê no Êxodo: “Aquele que é”. “Non aliquo modo est, sed est, est” (Confissões). Santo Agostinho dará com frequência a Deus o nome de Bem, de Amor, porém não desconhece que antes de tudo Ele é; e porque é o que é, é Amor, Bem, Infinito. São Tomás de Aquino não precisará modificar nada de substancial nesta metafísica agostiniana. Como exemplo das dezenas de textos agostinianos, temos este, das Confissões: “Eis que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu és, elas são. ” Esta última afirmação (quia est: sunt enim) significava a definitiva superação por parte de Santo Agostinho do essencialismo platônico. Deus é causa do ser das coisas, porque é o Ser por essência. Se a fórmula de Santo Agostinho não é essa, a ideia é. O MUNDO, CRIAÇÃO DE DEUS Outro texto das Confissões situa de forma inequívoca a metafísica da criação: “Que eu ouça e entenda como no princípio fizeste o céu e a terra. Moisés escreveu isso; escreveu-o e ausentou-se. Daqui, onde estava contigo, passou a estar contigo, e por isso não o podem ver meus olhos. Se estivesse aqui presente, eu o agarraria, lhe rogaria e, por Ti, lhe suplicaria que me explicasse essas coisas […]. Porém, como saberia que estava a dizer-me a verdade? A própria verdade, que está no interior da minha alma, e que não é grega, nem latina, nem bárbara, nem necessita dos órgãos da boca ou da língua, nem do ruído de sílabas, me diria: Moisés diz a verdade, e eu, no mesmo instante, com toda a segurança lhe diria: Verdade é o que me dizes”. Voltemos à questão anterior. Deus é aquele que é; as coisas são criadas. Deus é quem lhes deu o ser. Por quê? Por pura bondade. “Porque Deus é bom, somos. ” A razão da criação é a bondade de Deus. Deus não pode ter, no seu querer, outro fim que não o seu próprio ser. Só em relação a si mesmo pode querer mais. A criação é gratuita. Não há nada preexistente. Santo Agostinho acaba com as dúvidas de Orígenes e com o universo grego, eterno. Deus cria todas as coisas do nada. E todo o criado é composto de matéria. Santo Agostinho, que durante tanto tempo não conseguiu conceber uma substância espiritual, não deixa de atribuir uma certa materialidade mesmo às criaturas espirituais, aos anjos. A absoluta imaterialidade só cabe a Deus. Em Deus estão as ideias exemplares de todas as coisas, que são as formas. Ao criar, essas ideias ficam limitadas pela matéria, mas, ao mesmo tempo, nessa matéria já estão os germes de tudo o que será: as rationes seminales. Santo Agostinho retoma aqui uma doutrina de origem estóica e, ao mesmo tempo, faz uma concessão ao “materialismo” que professou durante anos, embora talvez seja melhor empregar o termo de “corporeismo”. O ENIGMA DO HOMEM “O homem que se espanta é ele mesmo grande maravilha”. “E dirigi-me a mim mesmo e disse: Tu quem és? E respondi-me: Homem. E eis que tenho à mão o corpo e a alma, um exterior e o outro interior. Porém, melhor é o interior”. “O homem é um ser intermediário entre os animais e os anjos”. “Nada encontramos no homem além de corpo e alma; isso é todo o homem: espírito e carne”. Essas são apenas algumas das numerosas referências que poderíamos dar sobre esta questão crucial. São os dois grandes temas agostinianos: “Deus e o homem”. “Que te conheça a ti e que me conheça a mim mesmo”. É o famoso princípio dos Soliloquia: “Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais”. Também nesta questão Santo Agostinho trai a influência do platonismo. O homem é uma alma que usa um corpo; ou, uma alma racional, que se serve de um corpo terrestre e mortal; ou, “uma alma racional que tem um corpo”. Tudo indica que, para Santo Agostinho, o homem é a alma. E, contudo, há textos que parecem fugir ao platonismo: “Porque o homem não é só corpo ou apenas alma, mas o que é constituído de alma e de corpo. Esta é a verdade: a alma não é todo o homem, mas é a melhor parte do homem; nem todo o homem é o corpo, mas a porção inferior do homem; quando as duas estão juntas, temos o homem” (A Cidade de Deus). A questão ainda está sujeita a discussão, mas exagerou-se demais o platonismo de Santo Agostinho neste particular. De qualquer forma, Santo Agostinho supera a desvalorização do corporal, tão essencial no platonismo e no neoplatonismo. O corpo é matéria, criação de Deus, e por isso, bom. Não é o cárcere nem o túmulo da alma: “Não é o corpo o teu cárcere, mas a corrupção do teu corpo. O teu corpo, Deus o fez bom, porque Ele é bom”. Também aqui poderíamos multiplicar os textos: “Todo aquele que quer eliminar o corpo da natureza humana desvaira”. E de forma inequívoca, numa obra tardia, o Sermão 267: “Perversa e humana filosofia é a dos que negam a ressurreição do corpo. Alardeiam serem grandes depreciadores do corpo, porque creem que nele estão encarceradas as suas almas, por delitos cometidos em outro lugar. Porém, o nosso Deus fez o corpo e o espírito; de ambos é o criador; de ambos o recriador”. Examinemos uma dificuldade classicamente agostiniana. Deus é o criador da alma, mas como a criou? Com os nascimentos surgem constantemente homens, isto é, corpo e alma. Será que as almas estão nas “razões seminais”, na matéria, e são transmitidas pelos pais, na geração? Santo Agostinho assim o pensou por certo tempo, mas depois recusou que algo espiritual pudesse surgir da matéria. Pensou na criação imediata por Deus de cada alma, mas esse início no tempo de algo espiritual não combinava com o que ainda restava de platonismo nele. Acabou confessando que não sabia o que dizer. Era mais um elemento desse enigma que é o homem. Fica claro que a alma é imortal, porque conhece as verdades imortais e eternas. Que conheçamos o que seja a verdade e que nunca deixará de sê-lo é, para Santo Agostinho, evidente. Como pode morrer ou desaparecer o que é a sede do indestrutível? A alma será sempre um mistério. Muitas outras realidades sobre as quais pensamos também o são. O tempo. É famoso o dito agostiniano: “Se ninguém mo pergunta, sei; mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, não o sei”. Depois de uma análise do passado, do presente e do futuro – até hoje não superada –, Santo Agostinho concluí: “Não se diz com propriedade «três são os tempos: passado, presente e futuro»; talvez fosse mais apropriado dizer: «presente das coisas futuras, presente das coisas passadas, presente das coisas presentes». Porque essas três presenças têm algum ser na minha alma, e é somente nela que as vejo. O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a contemplação; o presente dascoisas futuras é a expectação” (Confissões). O tempo é, assim, distensio animi, “uma espécie de extensão da nossa alma”. É preciso ler ao menos esse livro XI das Confissões para captar o tom da filosofia agostiniana: incerta às vezes, nada dogmática, em diálogo constante com Deus. A COMPLEXIDADE DA HISTÓRIA A Cidade de Deus é mais uma das grandes obras universais que Santo Agostinho legou à humanidade. Mas poucos escritos têm sido tão mal lidos, tão mal interpretados. A oposição entre Cidade de Deus e Cidade terrena foi vista como oposição entre Igreja e Estado. Nada mais falso. O texto célebre não deixa lugar a dúvidas. Dois amores criaram duas cidades: o amor próprio, que leva ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus, que leva ao desprezo de si mesmo, a celestial. Ou: “Dividi a Humanidade em dois grandes grupos. Um é o daqueles que vivem segundo o homem; o outro, o dos que vivem segundo Deus. Damos misticamente a esses dois grupos o nome de cidades, que quer dizer sociedades de homens”. A prova fundamental de que essa divisão não é equivalente à divisão Igreja-Estado é a afirmação taxativa de que na Igreja podem existir homens que, na realidade, pertencem à cidade terrena; e, inversamente, entre as pessoas que ainda estão fora da Igreja podem-se encontrar predestinados à cidade celestial. Por outro lado, essas duas “cidades” acham-se misturadas, imbricadas. A “peneira” será feita só no final de cada história pessoal e no final da história de todo o gênero humano. Enquanto transcorre o tempo, com as suas variações, “porque não em vão são tempos”, a história é complexa. Não existe uma “lei da história”, não conhecemos o futuro. Só Deus conhece o final; o homem move-se às apalpadelas no campo da história. A história forma como que um belo poema, no qual intervêm Deus e o homem. O final só será conhecido quando soar a última nota. Em uma palavra: a concepção de história é, em Santo Agostinho, uma concepção aberta. O seu “providencialismo” não é uma afirmação de “teocracia”. Não se pode extrair da filosofia-teologia da história de Santo Agostinho argumentos para o césaro-papismo ou para qualquer outra confusão do religioso com o político. A importância desta filosofia-teologia da história ressalta mais quando se tem em conta que em toda a história da filosofia será preciso esperar Hegel para encontrar outra concepção igualmente global e completa (embora em Hegel ela tenha um sentido panteísta). SÃO TOMÁS DE AQUINO Uma das maiores personalidades da história universal, Santo Agostinho foi um grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a cultura ocidental. A sua vida, muito conhecida, torna-o inteligível também para muitos não-cristãos. Retórico, homem do mundo, carnal, fez um longo esforço para encontrar a chave da inquietação que o devorava. Primeiro maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou com um gênio inimitável. Depois da conversão, e sem pretendê-lo, é ordenado sacerdote. Chega ao episcopado da mesma maneira. E desde esse momento, no meio de muitas vicissitudes críticas, carrega sobre si grande parte da responsabilidade da Igreja; assim, por exemplo, no auge da heresia de Pelágio ouem face do cisma dos donatistas. No momento da sua morte, é todo um símbolo. Morre em Hipona quando os vândalos sitiavam a cidade. Com ele, morre a cultura antiga e nasce outra nova. Porque Santo Agostinho foi um homem do seu tempo. Versado em todas as artes clássicas, foi sempre um retórico de grande habilidade, jogando com as palavras num malabarismo que conseguia sempre escapar à superficialidade. Diríamos que o seu pensamento é tão profundo que supera as habilidades do retórico. Inicialmente, escreve filosofia, porém mais tarde dedica as suas forças à pregação, sem descuidar uma enorme correspondência. Escreve também muitos tratados teológicos, de exegese bíblica, etc. Não citaremos aqui as obras teológicas; limitar-nos-emos às de caráter filosófico: Contra Acadêmicos, crítica do ceticismo; De beata vita, sobre a felicidade; De ordine, sobre a origem do mal: os Coliloquia, um apaixonado diálogo consigo mesmo sobre a imortalidade da alma; De immortalitate animae; De quantitate animae, sobre a mesma questão; De magistro, sobre a educação com um enfoque psicológico. Santo Agostinho não construiu um sistema filosófico completo, ainda que as idéias básicas se mantenham constantes e acusem um claro predomínio platônico. Ele mesmo nos conta que começou a ler uma obra de Aristóteles e não pôde prosseguir. Talvez o tenha afastado o estilo entrecortado, desencarnado, a falta dessa alma que Santo Agostinho buscava em tudo. Santo Agostinho não parece feito para encerrar a realidade em categorias. A sua reflexão parte sempre da vida: das coisas que se passam ao seu redor, das idéias dominantes, dos ataques contra a fé, da interioridade da sua alma. A BUSCA DA VERDADE A filosofia agostiniana é uma constante busca da verdade, que culmina na Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma paixão, e, precisamente, a paixão principal: o amor. “Amor meus, pondus meum”, o amor é o peso que dá sentido à minha vida. Verdade e Amor. “Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”, diz nas Confissões. Essa “passionalidade” da filosofia agostiniana não é em nenhum momento irracionalismo ou voluntarismo. Se incita a ter fé para entender, também anima a entender para crer melhor. Nada nos pode fazer duvidar da possibilidade de chegar à verdade. Nada valem os argumentos céticos. Si fallor, sum: se me engano, é uma prova de que sou, diz, antecipando-se, num contexto muito diferente, a Descartes. E com mais clareza: “Sabes que pensas? Sei. Ergo verum est cogitare te, logo é verdade que pensas”. A verdade está no interior do homem. “Não queiras sair para fora; é no interior do homem que habita a verdade”. E há verdades constantes, inalteráveis, para sempre. Dois mais dois serão sempre quatro. Santo Agostinho tenta esclarecer de onde pode vir essa verdade. Não das sensações, diz, porque essas são e não são, são mutáveis, efêmeras. Tampouco do espírito humano, que, por profundo que seja, é limitado. Essas verdades eternas só podem ter por autor Aquele que é eterno: Deus. São reflexos da verdade eterna, que nos ilumina e nos permite ver. Nisso consiste o que depois ficou conhecido como “doutrina da iluminação”; porém, desde já é preciso dizer que Santo Agostinho não a apresenta nunca como uma “teoria”, mas como uma comprovação. Já no final da sua vida, diz nas Retractationes que o homem tem em si, enquanto é capaz, “a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”. Como em Platão, conhecer verdadeiramente é estar em contato com o mundo inteligível. Porém, Santo Agostinho nunca dirá que vemos as verdades em Deus, mas que participamos da luz da razão eterna. Não se deve ignorar, por outro lado, que essa solução para o tema do conhecimento corre o risco de não distinguir de forma adequada o conhecimento natural do conhecimento sobrenatural. Mas essa é uma questão que só será levantada mais tarde, na Idade Média. A BUSCA DE DEUS Em Santo Agostinho, não existem provas formais para demonstrar a existência de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de itinerário em direção a Deus. Tudo fala de Deus; basta abrir os olhos. Ele é intimior íntimo meo, mais íntimo ao homem que a própria intimidade humana. As coisas falam-nos todo o tempo de Deus. Perguntamos-lhes: “Sois Deus? ” E respondem: “Não, fomos feitas. Continua a buscar”. De forma retórica – retórica de grande qualidade –, encontramos aí a prova da existência de Deus pela contingência das realidades humanas. A mutabilidade exige o imutável; os graus de perfeição exigem o Ser perfeito. Em Santo Agostinho, como em outros filósofosde inspiração platônica, está claramente formulado o que será a quarta via de São Tomás de Aquino. Qual é o melhor nome para Deus? O que se lê no Êxodo: “Aquele que é”. “Non aliquo modo est, sed est, est” (Confissões). Santo Agostinho dará com frequência a Deus o nome de Bem, de Amor, porém não desconhece que antes de tudo Ele é; e porque é o que é, é Amor, Bem, Infinito. São Tomás de Aquino não precisará modificar nada de substancial nesta metafísica agostiniana. Como exemplo das dezenas de textos agostinianos, temos este, das Confissões: “Eis que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu és, elas são. ” Esta última afirmação (quia est: sunt enim) significava a definitiva superação por parte de Santo Agostinho do essencialismo platônico. Deus é causa do ser das coisas, porque é o Ser por essência. Se a fórmula de Santo Agostinho não é essa, a ideia é. O MUNDO, CRIAÇÃO DE DEUS Outro texto das Confissões situa de forma inequívoca a metafísica da criação: “Que eu ouça e entenda como no princípio fizeste o céu e a terra. Moisés escreveu isso; escreveu-o e ausentou-se. Daqui, onde estava contigo, passou a estar contigo, e por isso não o podem ver meus olhos. Se estivesse aqui presente, eu o agarraria, lhe rogaria e, por Ti, lhe suplicaria que me explicasse essas coisas […]. Porém, como saberia que estava a dizer-me a verdade? A própria verdade, que está no interior da minha alma, e que não é grega, nem latina, nem bárbara, nem necessita dos órgãos da boca ou da língua, nem do ruído de sílabas, me diria: Moisés diz a verdade, e eu, no mesmo instante, com toda a segurança lhe diria: Verdade é o que me dizes”. Voltemos à questão anterior. Deus é Aquele que é; as coisas são criadas. Deus é quem lhes deu o ser. Por quê? Por pura bondade. “Porque Deus é bom, somos. ” A razão da criação é a bondade de Deus. Deus não pode ter, no seu querer, outro fim que não o seu próprio ser. Só em relação a si mesmo pode querer mais. A criação é gratuita. Não há nada preexistente. Santo Agostinho acaba com as dúvidas de Orígenes e com o universo grego, eterno. Deus cria todas as coisas do nada. E todo o criado é composto de matéria. Santo Agostinho, que durante tanto tempo não conseguiu conceber uma substância espiritual, não deixa de atribuir uma certa materialidade mesmo às criaturas espirituais, aos anjos. A absoluta imaterialidade só cabe a Deus. Em Deus estão as idéias exemplares de todas as coisas, que são as formas. Ao criar, essas idéias ficam limitadas pela matéria, mas, ao mesmo tempo, nessa matéria já estão os germes de tudo o que será: as rationes seminales. Santo Agostinho retoma aqui uma doutrina de origem estóica e, ao mesmo tempo, faz uma concessão ao “materialismo” que professou durante anos, embora talvez seja melhor empregar o termo de “corporeismo”. O ENIGMA DO HOMEM “O homem que se espanta é ele mesmo grande maravilha”. “E dirigi-me a mim mesmo e disse: Tu quem és? E respondi-me: Homem. E eis que tenho à mão o corpo e a alma, um exterior e o outro interior. Porém, melhor é o interior”. “O homem é um ser intermediário entre os animais e os anjos”. “Nada encontramos no homem além de corpo e alma; isso é todo o homem: espírito e carne”. Essas são apenas algumas das numerosas referências que poderíamos dar sobre esta questão crucial. São os dois grandes temas agostinianos: “Deus e o homem”. “Que te conheça a ti e que me conheça a mim mesmo”. É o famoso princípio dos Soliloquia: “Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais”. Também nesta questão Santo Agostinho trai a influência do platonismo. O homem é uma alma que usa um corpo; ou, uma alma racional, que se serve de um corpo terrestre e mortal; ou, “uma alma racional que tem um corpo”. Tudo indica que, para Santo Agostinho, o homem é a alma. E, contudo, há textos que parecem fugir ao platonismo: “Porque o homem não é só corpo ou apenas alma, mas o que é constituído de alma e de corpo. Esta é a verdade: a alma não é todo o homem, mas é a melhor parte do homem; nem todo o homem é o corpo, mas a porção inferior do homem; quando as duas estão juntas, temos o homem” (A Cidade de Deus). A questão ainda está sujeita a discussão, mas exagerou-se demais o platonismo de Santo Agostinho neste particular. De qualquer forma, Santo Agostinho supera a desvalorização do corporal, tão essencial no platonismo e no neoplatonismo. O corpo é matéria, criação de Deus, e por isso, bom. Não é o cárcere nem o túmulo da alma: “Não é o corpo o teu cárcere, mas a corrupção do teu corpo. O teu corpo, Deus o fez bom, porque Ele é bom”. Também aqui poderíamos multiplicar os textos: “Todo aquele que quer eliminar o corpo da natureza humana desvaira”. E de forma inequívoca, numa obra tardia, o Sermão 267: “Perversa e humana filosofia é a dos que negam a ressurreição do corpo. Alardeiam serem grandes depreciadores do corpo, porque creem que nele estão encarceradas as suas almas, por delitos cometidos em outro lugar. Porém, o nosso Deus fez o corpo e o espírito; de ambos é o criador; de ambos o recriador”. Examinemos uma dificuldade classicamente agostiniana. Deus é o criador da alma, mas como a criou? Com os nascimentos surgem constantemente homens, isto é, corpo e alma. Será que as almas estão nas “razões seminais”, na matéria, e são transmitidas pelos pais, na geração? Santo Agostinho assim o pensou por certo tempo, mas depois recusou que algo espiritual pudesse surgir da matéria. Pensou na criação imediata por Deus de cada alma, mas esse início no tempo de algo espiritual não combinava com o que ainda restava de platonismo nele. Acabou confessando que não sabia o que dizer. Era mais um elemento desse enigma que é o homem. Fica claro que a alma é imortal, porque conhece as verdades imortais e eternas. Que conheçamos o que seja a verdade e que nunca deixará de sê-lo é, para Santo Agostinho, evidente. Como pode morrer ou desaparecer o que é a sede do indestrutível? A alma será sempre um mistério. Muitas outras realidades sobre as quais pensamos também o são. O tempo. É famoso o dito agostiniano: “Se ninguém mo pergunta, sei; mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, não o sei”. Depois de uma análise do passado, do presente e do futuro – até hoje não superada –, Santo Agostinho concluí: “Não se diz com propriedade «três são os tempos: passado, presente e futuro»; talvez fosse mais apropriado dizer: «presente das coisas futuras, presente das coisas passadas, presente das coisas presentes». Porque essas três presenças têm algum ser na minha alma, e é somente nela que as vejo. O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a contemplação; o presente das coisas futuras é a expectação” (Confissões). O tempo é, assim, distensio animi, “uma espécie de extensão da nossa alma”. É preciso ler ao menos esse livro XI das Confissões para captar o tom da filosofia agostiniana: incerta às vezes, nada dogmática, em diálogo constante com Deus. A COMPLEXIDADE DA HISTÓRIA A Cidade de Deus é mais uma das grandes obras universais que Santo Agostinho legou à humanidade. Mas poucos escritos têm sido tão mal lidos, tão mal interpretados. A oposição entre Cidade de Deus e Cidade terrena foi vista como oposição entre Igreja e Estado. Nada mais falso. O texto célebre não deixa lugar a dúvidas. Dois amores criaram duas cidades: o amor próprio, que leva ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus, que leva ao desprezo desi mesmo, a celestial. Ou: “Dividi a Humanidade em dois grandes grupos. Um é o daqueles que vivem segundo o homem; o outro, o dos que vivem segundo Deus. Damos misticamente a esses dois grupos o nome de cidades, que quer dizer sociedades de homens”. A prova fundamental de que essa divisão não é equivalente à divisão Igreja-Estado é a afirmação taxativa de que na Igreja podem existir homens que, na realidade, pertencem à cidade terrena; e, inversamente, entre as pessoas que ainda estão fora da Igreja podem-se encontrar predestinados à cidade celestial. Por outro lado, essas duas “cidades” acham-se misturadas, imbricadas. A “peneira” será feita só no final de cada história pessoal e no final da história de todo o gênero humano. Enquanto transcorre o tempo, com as suas variações, “porque não em vão são tempos”, a história é complexa. Não existe uma “lei da história”, não conhecemos o futuro. Só Deus conhece o final; o homem move-se às apalpadelas no campo da história. A história forma como que um belo poema, no qual intervêm Deus e o homem. O final só será conhecido quando soar a última nota. Em uma palavra: a concepção de história é, em Santo Agostinho, uma concepção aberta. O seu “providencialismo” não é uma afirmação de “teocracia”. Não se pode extrair da filosofia-teologia da história de Santo Agostinho argumentos para o césaro-papismo ou para qualquer outra confusão do religioso com o político. A importância desta filosofia-teologia da história ressalta mais quando se tem em conta que em toda a história da filosofia será preciso esperar Hegel para encontrar outra concepção igualmente global e completa (embora em Hegel ela tenha um sentido panteísta).
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