Buscar

O método dialético

Prévia do material em texto

kriterion, Belo Horizonte, nº 127, Jun./2013, p. 109-124
O métOdO dialéticO 
e a análise dO real
Luis Henrique Zago* 
luishenriquezago@hotmail.com 
RESUMO  Ao evidenciar que as relações estabelecidas por homens e 
mulheres com o meio concreto engendram o real, a dialética torna exequível 
a revolução do status quo por possibilitar a compreensão de que o mundo 
é sempre resultado da práxis humana, seja ela marcada por relações de 
dominação que reificam e fetichizam a prática social, seja marcada por 
relações que operam a humanização dos homens e mulheres. Ao romper com 
os fetiches, ou seja, ao perceber que os objetos não devem sujeitá-los, homens 
e mulheres avançam de encontro à reificação, alçando-se a possibilidade 
de revolucionar suas condições de existência. Assim, o rompimento da 
pseudoconcreticidade ocorre no momento em que se evidencia que a realidade 
social se concretiza por meio das condições de produção e reprodução da 
existência social das pessoas, que é em nossa sociedade marcada pela luta 
de classes. Este processo de rompimento exige um esforço construtor de uma 
interpretação do real que vá para além de uma representação caótica do todo, 
típico das vivências cotidianas. Este artigo postula que o método materialista 
histórico dialético pode auxiliar neste processo. Partindo desta constatação, 
elabora-se reflexão sobre este método de análise do real. 
Palavras-chave Dialética, pseudoconcreticidade, realidade e ciência. 
SUMMARY By showing that the relationships established by men and 
*	 Professor de Filosofia da Faculdade da Fundação Educacional de Araçatuba. Artigo recebido em 
21/07/2011 e aprovado em 26/12/2011.
Luis Henrique Zago110
women with the practical means to engender real, dialectic makes possible 
the revolution of the status quo by allowing the understanding that the world 
is always the result of human practice, it is marked by relations of domination 
that fetishize and reify the social practice or marked by relationships that 
operate at the humanization of men and women. By breaking with the fetishes, 
or to realize that objects should not expose them, men and women advance 
against reification, raising the possibility of revolutionizing his conditions 
of existence. Thus, disruption of pseudoconcreticity occurs at the moment is 
evident that social reality is concretized through the conditions of production 
and reproduction of social existence, which is in our society marked by class 
struggle. This process requires a breakout effort to construct an interpretation 
of reality that go beyond a representation of the whole chaotic, typical of 
everyday experiences. This article posits that the historical materialist 
dialectical method con help this process. Based on this observation, we 
undertake reflection on this method of analysis of the real.
Keywords Dialectics, pseudoconcreticity, reality and science. 
Segundo kosik (1976) vivemos em um mundo marcado por uma 
psedoconcreticidade1. neste ambiente o aspecto fenomênico é assumido 
isoladamente, desconsiderando-se a essência. A realidade possui como 
elemento constituinte os dois aspectos (fenômeno e essência2), sendo o 
manifesto nela uma das possíveis representações fenomênicas da essência. 
1	 Kosik	 (1976	 p.11)	 caracteriza	 a	 pseudoconcreticidade	 da	 seguinte	 forma:	 “A	 ele	 [mundo	 da	
pseudoconcreticidade]	pertencem:	o	mundo	dos	fenômenos	externos,	que	se	desenvolvem	à	superfície	
dos	processos	realmente	essências;	o	mundo	do	tráfico	e	da	manipulação,	isto	é,	da	práxis	fetichizada	
dos	homens	 (...);	 o	mundo	das	 representações	 comuns,	 que	 são	projeções	dos	 fenômenos	externos	
nas	consciências	dos	homens,	produto	da	praxis	 fetichizada,	 formas	ideológicas	de	seu	movimento;	o	
mundo	dos	objetos	 fixados,	que	dão	a	 impressão	de	 serem	condições	naturais	 e	não	 imediatamente	
reconhecíveis	como	resultado	da	atividade	social	dos	homens.”
2	 Entendemos	 por	 essência	 aqueles	 elementos	 que	 por	 sua	 primazia	 garantam	 a	 existência	 de	 outros	
elementos	que	sem	aqueles	não	existiriam.	Em	Marx	o	 trabalho	emerge	como	elemento	essencial	 na	
medida	em	que	media	a	relação	entre	o	homem	e	a	natureza	tornando	possível	o	processo	de	“emergir”	
do	humano	do	mundo	natural,	o	que	 leva	a	constituição	de	uma	“segunda	natureza”.	Os	 fenômenos,	
elementos	decorrentes	da	essência,	apresentam-se	como	uma	das	muitas	 formas	de	ser	da	essência.	
Segundo	 Ranieri	 (2002/2003	 p.11)	 os	 fenômenos	 “...	 agem	 socialmente	 no	 sentido	 de	 estabelecer	
direções	possíveis	à	articulação	da	essência,	constituindo-a,	e	mesmo	determinando	a	direção	tomada	
pelo	complexo	como	um	todo,	na	medida	em	que	constituem	formas	que	têm	por	trás	a	possibilidade	da	
reflexão	e	da	decisão,	uma	vez	que	são	conscientizadoras	da	ação	humana.	Os	complexos	são	capazes	
de	modificar	a	direção	dos	caminhos	percorridos	pela	essência,	e	sua	articulação	com	a	primeira	das	
categorias	(o	trabalho)	é	a	verdadeira	natureza	movente	e	movida	do	processo	de	estruturação	daquela	
essência.	A	essência	do	ser	social	é,	portanto,	todo	o	processo	passado	do	qual	ela	mesma	é	o	resultado.”	
111O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
Uma análise acurada deve ponderar que as partes constituintes do real devem 
ser apreendidas como unidade, mesmo que a essência seja percebida como 
diferente e não imediatamente como o fenômeno. Parte-se do observável rumo 
à essência, o que tornará possível a compreensão do ser social como totalidade 
que se relaciona intimamente a vida material e concreta dos seres humanos. 
Como os elementos que marcam a forma de ser dos objetos devem ser 
percebidos de forma integrada (como todo) é imprescindível notar a relação 
entre os diferentes níveis de totalidade do real para uma compreensão precisa 
das coisas. esta integração pressupõe que não existe predomínio de estruturas 
que se sobreponham umas as outras. A necessidade de integrar os diferentes 
níveis de totalização torna imprecisa e infecunda para a compreensão da 
realidade leituras que promovam uma cisão, como a realizada por Althusser 
(1992), da organização social em infra-estrutura e superestrutura ou em 
aparelhos ideológicos e repressores. não é possível separar as instituições 
educacionais, por exemplo, de outras esferas da sociedade como realiza o 
autor francês3. o sistema do capital afeta todos os elementos da sociedade e os 
integra em uma ordem maior como lembra Mézaros (2005 p.43): 
As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular 
com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas instituições 
educacionais formais. estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos 
sociais. não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com 
as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo. 
o perigo de leituras como a de Althusser (1992), é produzir a equivocada 
ilusão de que existam instituições, ou como quer o autor aparelhos, 
independentes das ações humanas que acabam por determinar e subjugar os 
sujeitos. Ao cindir a sociedade perde-se a percepção de que na verdade todos 
os elementos estão interligados. o autor acaba por corroborar o equívoco de 
que existe uma “mão invisível” a gerir o sistema, o que pode suscitar nas 
3	 O	método	dialético,	tal	como	proposto	por	Hegel	e	Marx,	é	justamente	uma	tentativa	de	pensar	o	mundo	
integrando	 as	 diferentes	 esferas	 contraditórias	 do	 real.	 Pressupõe-se	 que	 pensar	 dialeticamente	 seja	
pensar	por	contradições	e	que	ao	separar	as	diferentes	esferas	da	realidade	tem-se	um	empobrecimento	
da	percepção	do	real	por	perder-se	a	totalidade.	Sobre	a	necessidade	de	integrar	as	esferas	contraditórias	
do	real	escreveu	Hegel	(2007:26)	“O	botão	desaparece	no	desabrochar	da	flor,	e	poderia	dizer-se	que	a	
flor	o	refuta;	do	mesmo	modo	que	o	fruto	faz	a	flor	parecer	um	falso	ser-aí	da	planta,	pondo-se	como	sua	
verdade	em	lugar	da	flor:	essas	formas	não	só	se	distinguem,	mas	também	se	repelem	como	incompatíveisentre	si.	Porém,	ao	mesmo	tempo,	sua	natureza	fluida	faz	delas	momentos	da	unidade	orgânica,	na	qual,	
longe	de	se	contradizerem,	todos	são	 igualmente	necessários.	E	essa	 igual	necessidade	que	constitui	
unicamente	a	vida	do	todo.	Mas	a	contradição	de	um	sistema	filosófico	não	costuma	conceber-se	desse	
modo;	além	disso,	a	consciência	que	apreende	essa	contradição	não	sabe	geralmente	 libertá-la	–	ou	
mantê-la	 livre	 –	 de	 sua	 unilateralidade;	 nem	 sabe	 reconhecer	 no	 que	 aparece	 sob	 a	 forma	 de	 luta	 e	
contradição	contra	si	mesmo,	momentos	mutuamente	necessários.”
Luis Henrique Zago112
pessoas conformismo e passividade quanto a necessidade de interferir no real. 
Sobre isso escreve Pierre Bordieu (apud ranieri 2002/2003 p.28) 
Converter em entidades transcendentes, que estão nas práticas da relação entre 
essência e existência, as construções a que a ciência deve recorrer, para dar a razão 
dos conjuntos estruturados e significativos que a acumulação de inumeráveis ações 
históricas produz, é reduzir a história a um ‘processo sem sujeito’ e substituir, 
simplesmente, o ‘sujeito criador’ do subjetivismo por um autômato subjugado pelas 
leis mortas de uma história da natureza. essa visão imanentista que faz da estrutura, 
Capital ou Modo de produção, uma entelecheia se desenvolvendo ela mesma 
num processo de auto-realização, reduz os agentes históricos ao papel de suportes 
(Träger) da estrutura e, suas ações, a simples manifestações epifenomenais do poder 
que pertence à estrutura de se desenvolver segundo suas próprias leis, e de determinar 
ou sobredeterminar outras estruturas. 
Diferentemente do que afirma Althusser (1992) a dialética marxiana 
pressupõe uma visão totalizante do real, ou seja, por meio dela tenta-se 
perceber os diferentes elementos sociais como interligados a uma mesma 
totalidade. o agir e o pensar, mesmo que não nos demos conta disso, sempre 
implicam a percepção do todo, uma certa visão do conjunto das relações. 
evidentemente existem diferentes níveis de totalização. Há totalidades 
mais abrangentes que envolvem outras de menor abrangência. A abrangência 
de uma totalidade relaciona-se ao nível de generalização alcançado pelo 
pensamento e aos objetivos das pessoas em cada situação especifica. Sobre 
isso escreve konder (1991 p.39) 
Se eu estou empenhado em analisar as questões políticas que estão sendo vividas 
pelo meu país, o nível de totalização que me é necessário é o da visão de conjunto da 
sociedade brasileira, da sua economia, da sua história, das suas contradições atuais. 
Se, porém, eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação do Brasil 
no quadro mundial, vou precisar de um nível de totalização mais abrangente: vou 
precisar de uma visão de conjunto do capitalismo, da sua gênese, da sua evolução, dos 
seus impasses no mundo de hoje. e, se eu quiser elevar a minha análise a um plano 
filosófico, precisarei ter, então, uma visão de conjunto da história da humanidade...
os diferentes níveis de totalidade são identificados por Vygotsky como 
unidades. Para o autor soviético ao se segmentar a realidade em unidades 
de análise deve se tomar o cuidado de abarcar uma unidade que preserve 
em si as características essências da totalidade. Para não incorrer no risco 
de que se considere que a unidade de análise não necessita possuir em si 
as características fundamentais da totalidade optou-se neste trabalho por 
não usar o termo unidade, mas totalidade de menor ou maior abrangência. 
o complicador neste tipo de análise do real é conseguir encontrar um nível 
de totalidade que preserve em si as características essenciais dos níveis mais 
113O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
abrangentes. Ao discutir a postura dos pesquisadores de psicologia que ao 
estudar o real dividem a realidade em elementos mais simples sem o devido 
cuidado Vygotsky (2000 apud Duarte p.89) comenta a necessidade de se ter 
apreço pela busca da totalidade na análise do real: 
Cremos que substituir esse tipo de análise por outro muito diferente é um passo 
decisivo e crítico para a teoria do pensamento e da linguagem. teria de ser uma 
análise que segmentasse o complexo conjunto em unidades. Por unidade entendemos 
o resultado da análise que, diferentemente dos elementos, goza de todas as 
propriedades fundamentais características do conjunto e constitui uma parte viva 
e indivisível da totalidade. não é a fórmula química da água senão o estudo das 
moléculas e do movimento molecular o que constitui a chave da explicação das 
propriedades definidoras da água. Assim, a célula viva, que conserva todas as 
propriedades fundamentais da vida, definidora dos organismos vivos, é a verdadeira 
unidade da análise biológica 
no cotidiano, a percepção do todo não é nítida porque são pinçados 
apenas alguns aspectos mais relevantes do todo que nortearão as condutas e os 
pensamentos. Mesmo assim, a totalidade continua como pano de fundo, como 
lembra kosik (1976 p.15). “o ‘horizonte’ – obscuramente intuído – de uma 
realidade indeterminada como todo constitui o pano de fundo inevitável de 
cada ação e cada pensamento, embora ele seja inconsciente para a consciência 
ingênua.”
Quando no cotidiano o todo é percebido sem clareza estrutura-se 
um pensamento de senso comum que tende a representar os objetos como 
se eles estivessem desligados de suas condições históricas e sociais. Ao 
representar os objetos desta forma este tipo de pensamento acaba por negar 
o movimento dialético dos elementos, afastando-se do mundo real rumo a 
pseudoconcreticidade. Mesmo que a totalidade não seja percebida ela continua 
existindo e determinando as partes que a compõem. 
em oposição ao pensamento de senso comum a dialética se propõe a 
compreender a “coisa em si”, construindo uma compreensão da realidade 
que considere a totalidade como dinâmica e em constante construção 
social. Ao considerar a realidade desta forma a dialética rompe com a 
pseudoconcreticidade, por desvelar as tramas que relacionam a essência ao 
fenômeno. Foi por isso que Hegel (2007:36) preconizava: “o verdadeiro é 
o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu 
desenvolvimento.” 
Marx e engels (2007) ao usarem a dialética objetivam suprimir a 
imediaticidade e a pretensa independência com que o fenômeno surge, 
subsumindo-o a sua essência. Com a dialética os elementos cotidianos deixam 
de ser naturalizados e eternizados, passando a ser encarados como sujeitos 
Luis Henrique Zago114
da práxis social da humanidade. neste sentido, a dialética é um esforço para 
perceber as relações reais (sociais e históricas) por entre as formas estranhadas 
com que se apresentam os fenômenos. Segundo Marx e engels (2007:42): 
ela [a história] não tem necessidade, como na concepção idealista de história, de 
procurar uma categoria em cada período, mas sim de permanecer constantemente 
sobre o solo da história real; não de explicar a práxis partindo da ideia, mas de explicar 
as formações ideais a partir da práxis material e chegar, com isso, ao resultado de que 
todas as formas e [todos os] produtos da consciência não podem ser dissolvidos por 
obra da crítica espiritual, por sua dissolução na ‘autoconsciência’ ou sua transformação 
em ‘fantasma’, ‘espectro’, ‘visões’ etc., mas apenas pela demolição prática das 
relações sociais reais [realen] de onde provêm essas enganações idealistas...
não é exclusividade do pensamento dialético a percepção da necessidade 
de se buscar a essência constituinte do mundo fenomênico. esta se apresenta 
como uma das grandes questões da filosofia contemporânea, como fica patente, 
por exemplo, nas elucubrações filosóficas expostas pela fenomenologia. Ao 
propor a redução fenomenológica, Husserl está objetivando justamente a 
essência do fenômeno, que é alcançada, segundo ele, por meio do rompimento 
com a atitude cotidiana de relacionar-se com o mundo. Por meio de uma 
postura transcendental, os fenomenólogos acreditam conseguir atingir um 
nível de consciênciaem que é possível apreender a essência do real. Assim, 
a fenomenologia constitui-se como uma ciência das essências. Sobre isso 
afirma Galeffi (2000 p.24) 
“Portanto, a tarefa da Fenomenologia transcendental é a de elucidar e rastrear 
gradualmente todos os possíveis dados da consciência, segundo as suas modalidades 
e possíveis modificações de comportamento. trata-se da construção de uma ciência 
das essências, construção edificada ‘passo a passo’; uma ciência das essências...”
Pode soar paradoxal que pesquisadores alinhados a uma corrente 
denominada fenomenologia se preocupem justamente com a essência, no 
entanto, os fenomenólogos postulam que o modo típico do aparecer dos 
fenômenos à consciência seja por meio das essências. os teóricos desta linha 
entendem as essências como os universais, os conceitos que tornam possíveis 
a classificação, reconhecimento e distinção dos diferentes fatos particulares. 
Por meio dos universais são reconhecidos os diferentes modos de se apresentar 
dos fenômenos. Apesar de preconizar o retorno às coisas, ao se organizar desta 
forma a fenomenologia acaba por afastar-se das coisas uma vez que coloca a 
consciência como aquela que significa e dá sentido ao real. 
De forma diversa, a dialética marxiana busca o significado do real 
na atuação histórica, concreta e material das pessoas. É na história que os 
115O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
seres humanos engendram e significam o mundo ao seu redor. História aqui 
entendida não como a sucessão dos fatos, mas como luta cotidiana dos homens 
e mulheres para produzir suas condições materiais de existência na relação 
com a natureza mediada pelo trabalho, bem como, o modo como os seres 
humanos interpretam essas relações4. Assim, não é a consciência a essência, 
mas a relação com o meio concreto. A consciência, não é apenas organizadora 
do meio, mas também ente que se organiza em função e em relação com o 
material. Segundo Marx e engels (2007 p.41): “de acordo com o já exposto, 
é claro que a efetiva riqueza espiritual do indivíduo depende inteiramente da 
riqueza de suas relações reais”. As formas de pensamento sejam elas reais ou 
ilusórias refletem as relações efetivas entre os sujeitos. tanto a linguagem 
quanto o próprio pensamento são resultantes das condições históricas, 
materiais em que se encontram as pessoas. Ao discutir estas questões Chasin 
(apud rAGo FiLHo 2010 p.2) explicita isto 
Atividade ideal é atividade social. o pensamento tem caráter social porque sua 
atualização é a atualização de um predicado do homem, cujo ser é, igualmente, 
atividade social. na universalidade ou na individualidade de cada modo de existência 
teórica – cientista, pensador etc. – o pensamento é atividade social, inclusive pelos 
materiais e instrumentos empregados. em síntese, consciência, saber, pensamento 
etc., sob qualquer tipo de formação ideal, das mais gerais às mais específicas, da mais 
individualizada à mais genérica, dependem do ser da atividade sensível, socialmente 
configurado, ao qual confirmam por sua atividade abstrata, igualmente social. 
(CHASin apud rAGo FiLHo 2010 p.2) 
o método dialético irá justamente buscar as relações concretas e efetivas 
por trás dos fenômenos. Sobre esta posição marxiana escreveu Walhens 
(apud kosik 1976 p.17): “o marxismo é o esforço para ler, por trás da 
pseudoimediaticidade do mundo econômico reificado as relações inter-
humanas que o edificaram e se dissimularam por trás de sua obra.” 
o entendimento pleno destas relações inter-humanas está para além do 
fenomênico, formando o que vem a ser a coisa em si, que apesar de distinta 
do fenômeno se manifesta de forma mediata a ele. Marx (1986:620) expressa 
o fato de que a essência é diferente do aparente em O capital quando discute 
o conceito de mais valor: “todas as ciências, exceto a economia política, 
reconhecem que as coisas apresentam frequentemente uma aparência oposta à 
4	 Marx	 e	Engels	 (2007	 p.40)	 entendem	a	 história	 da	 seguinte	 forma:	 “A	 história	 nada	mais	 é	 do	 que	 o	
suceder-se	de	gerações	distintas,	em	que	cada	uma	delas	explora	os	materiais,	os	capitais	e	as	forças	
de	produção	a	ela	transmitidas	pelas	gerações	anteriores;	portanto	por	um	lado	ela	continua	a	atividade	
anterior	sob	condições	 totalmente	alteradas	e,	por	outro,	modifica	com	uma	atividade	completamente	
diferente	as	antigas	condições...”
Luis Henrique Zago116
sua essência.” o fenômeno torna patente algo que não é ele mesmo, o que faz 
com que sua razão de ser esteja em seu contrário. A sua função primordial é 
indicar a essência, que se manifesta nele de modo parcial ou apenas sob certos 
ângulos e aspectos5. os fenômenos são aspectos singulares historicamente 
desenvolvidos, que manifestam uma das muitas possibilidades de ser da 
essência. Assim, compreender o fenômeno é justamente atingir a essência da 
coisa. em oposição ao singular a essência é extraída da complexidade do real, 
é o elemento comum de diversas entificações fenomênicas aquilatadas. 
temos de frisar que apesar de serem percebidos em momentos distintos 
da ação humana fenômeno e essência estão intimamente ligados formando o 
todo. o mundo fenomênico se constitui na concomitante relação de manifestar 
e esconder a essência. Segundo kosik (1976 p.12) “Captar o fenômeno de 
determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta 
naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde.”
Para se chegar à compreensão e conceituação da essência é imprescindível 
um esforço que abstraia as coisas do campo prático. inicialmente os objetos não 
surgem como elementos a serem analisados e compreendidos teoricamente; 
apresentam-se como campo para a atividade prático sensível, que resulta em 
uma intuição prática da realidade, poder-se-ia afirmar cotidiana. Segundo 
kosik (1976 p.10): 
no trato prático utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo 
dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o 
individuo ‘em situação’ cria suas próprias representações das coisas e elabora todo 
um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade.
o processo rumo a uma compreensão que vá além do campo prático liga-
se a uma percuciente análise que envolve abstrações que atingem a essência 
das coisas. o que significa que por meio deste processo é possível atingir 
o concreto através da mediação do pensamento cientifico6, ou seja, rompe-
5	 Tanto	 Marx	 (1985)	 quanto	 Hegel	 (2007)	 percebem	 que	 a	 essência	 não	 se	 manifesta	 imediatamente	
tornando	 necessárias	 formas	 peculiares	 de	 conhecimento	 como	 a	 ciência	 e	 a	 filosofia.	 Ao	 discutir	 a	
transformação	do	valor	ou	do	preço	da	força	de	trabalho	em	salário	Marx	(1985	p.625)	explicita	isso:	“À	
forma	aparente,	 ‘valor	e	preço	do	 trabalho’	ou	 ‘salário’,	em	contraste	com	a	relação	essencial	que	ela	
dissimula,	o	valor	e	o	preço	da	força	de	trabalho,	podemos	aplicar	o	que	é	válido	para	todas	as	formas	
aparentes	e	seu	fundo	oculto.	As	primeiras	aparecem	direta	e	espontaneamente	como	formas	correntes	
de	pensamento;	o	segundo	só	é	descoberto	pela	ciência.”	Hegel	(2007	p.41)	ao	esclarecer	os	objetivos	
da	Fenomenologia do Espírito vai	na	mesma	direção	de	Marx:	“O	que	esta	Fenomenologia	do	Espírito	
apresenta	é	o	vir-a-ser	da	ciência	em	geral	ou	do	saber.	O	saber,	como	é	 inicialmente	–	ou	o	espírito	
imediato	–	é	algo	carente-de-espírito:	a	consciência	sensível.	Para	tornar-se	saber	autêntico,	ou	produzir	o	
elemento	da	ciência	que	é	seu	conceito	puro,	o	saber	tem	de	se	esfalfar	através	de	um	longo	caminho.”
6	 O	processo	de	mediação	consiste	justamente	na	pratica	de	reflexão.	Sobre	a	mediação	escreveu	Hegel	
(2007	p.	36):	“Com	efeito,	a	mediação	não	é	outra	coisa	senão	a	igualdade-consigo-mesmo	semovente,	
117O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
se com o cotidiano, com o senso comum, evita-se a simples apreensão das 
manifestações mais aparentes da realidade e por meio da mediação constrói-seo concreto pelo pensamento.
Atingir o concreto pelo pensamento, através da mediação, não significa 
aderir ao idealismo. o método materialista histórico dialético postula que 
apesar de o conhecimento ser construído pelo pensamento ele ainda assim é 
social7 e, quando o processo é feito de forma correta, um reflexo da realidade. 
Sobre isso escreve Vygotsky (apud Duarte 2000 p.88) 
este novo enfoque nos mostra que a realidade determina nossa experiência; que a 
realidade determina o objeto da ciência e seu método e que é totalmente impossível 
estudar os conceitos de qualquer ciência prescindindo das realidades representadas 
por esses conceitos. F. engels assinala repetidas vezes que para a lógica dialética a 
metodologia da ciência é o reflexo da metodologia da realidade. 
A abstração, que consiste na maneira de proceder do pensamento, é o 
processo por meio do qual alguma coisa é destacada para ser objeto de 
estudo ou pesquisa. Segundo Abbagnano (1962), o ato de abstrair envolve 
dois elementos, o isolamento da coisa pré-escolhida das demais com que 
ela se relaciona e a pesquisa propriamente dita do que foi separado. Por ser 
apropriação ideal de objetos reais as abstrações imbricam-se as condições 
históricas e sociais dos indivíduos que as executam, ou seja, a maneira como 
se dá o posicionamento epistemológico que norteia as abstrações se relaciona 
ao momento histórico e social em que se encontra o pesquisador. Há que se 
considerar que toda pesquisa se liga aos problemas e necessidades surgidos no 
próprio corpo social e que serão estudadas em conformidade com os modos 
como a essência se apresenta a sociedade. Sobre isso escrevem Marx e engels 
(2007 p.93): 
As representações que estes indivíduos produzem são representações, seja sobre sua 
relação com a natureza, seja sobre suas relações entre si ou sobre sua própria condição 
ou	a	reflexão	sobre	si	mesmo,	o	momento	do	Eu	para-si-essente,	a	negatividade	pura	ou	reduzida	à	sua	
pura	abstração,	o	simples vir-a-ser. O Eu, ou o vir-a-ser	em	geral	–	esse	mediatizar	–,	justamente	por	causa	
de	sua	simplicidade,	é	a	imediatez	que	vem-a-ser,	e	o	imediato	mesmo.”	
7	 O	 social,	 o	material	 é	 a	 base	 para	 toda	 a	 produção	 teórica.	 Evidentemente	 para	 que	 esta	 base	 seja	
percebida	e	compreendida	é	 imprescindível	a	mediação	do	pensamento	o	que	pode	 levar	a	 ilusão	de	
que	o	pensamente	tem	a	primazia	em	relação	ao	material.	Cumpre	lembrar	que	o	próprio	pensamento	
parte	de	uma	base	material	e	biológica	que	foi	construída	ao	longo	de	uma	história	evolutiva	que	se	fez	
socialmente.	Sobre	a	primazia	do	material	escrevem	Marx	e	Engels	(2007	p.106):	“A	matéria	é,	um	ser	
atual,	real,	mas	o	é	apenas	em	si,	como	algo	oculto;	apenas	ela	‘se	estende	e	se	realiza	ativamente	na	
multiplicidade’	(um	‘ser	atual,	real’	‘se	realiza’!!)	é	que	ela	se	torna	natureza.	Existe,	em	primeiro	lugar,	o	
conceito	de	matéria,	o	abstrato,	a	representação,	e	esta	realiza	a	si	mesma	na	natureza	real.	Temos	aqui,	
textualmente,	a	teoria	hegeliana	da	preexistência	das	categorias	criadoras.”
Luis Henrique Zago118
natural [Beschaffenheit]. É claro que, em todos esses casos, essas representações 
são uma expressão consciente – real ou ilusória – de suas verdadeiras relações e 
atividades, de sua produção, de seu intercâmbio, de sua organização social e política.
Apesar de as abstrações quando corretas reproduzirem parcialmente o 
concreto por meio do pensamento elas não fundam o real e não são o concreto, 
longe disto, é o pensamento que se constitui na relação com o concreto o 
compreendendo de forma limitada.
A reprodução do concreto pelo pensamento envolve o esforço de síntese 
das diversas determinações do real, ou seja, o concreto pensado é a unidade do 
diverso8. neste sentido o concreto pensado se aproxima do conceito idealista, 
porém o modo de alcançar e de entendê-lo é incomensuravelmente diferente 
da proposta idealista. enquanto para o idealismo o conceito é o elemento que 
confere realidade às coisas, no materialismo histórico dialético, o concreto 
pensado surge como resultado da relação com o real. Sobre isso escrevem 
Marx e engels (2007 p.94):
totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui se eleva 
da terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou 
representam, tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a 
partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos 
e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos 
reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida
Pelo que foi escrito acima se torna patente a divergência com o idealismo. 
Hegel, possivelmente o maior dos idealistas contemporâneos, nega que abstrair 
signifique retirar da realidade material elementos para serem conceituados. 
Para ele, o real, o concreto são os conceitos, sendo a realidade material privada 
de concreticidade. 
idealistas sobrevalorizam o conceito, conferindo a ele a primazia em relação 
aos elementos materiais, por ser ele o ponto de partida para a representação do 
real e por ser o elemento por meio do qual se organiza o mundo no pensamento. 
estas características engendram a ilusão de que o conceito confere realidade 
às coisas. É necessário perceber que apesar de ser ponto de partida para a 
compreensão do real o conceito estrutura-se a partir da realidade vivida pelos 
homens e mulheres. Sobre isso escreve (Marx 2011 p.54): 
“Por isso, Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que 
sintetiza-se em si, aprofunda-se em si, e movimenta-se a partir de si mesmo, enquanto 
8	 “O	concreto	é	concreto	por	que	é	síntese	de	múltiplas	determinações,	portanto,	unidade	da	diversidade”	
(Marx	2011	p.54)	
119O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
o método de ascender do abstrato ao concreto é somente o modo do pensamento de 
apropriar-se do concreto, de reproduzi-lo como um concreto mental. Mas de forma 
alguma é o processo de gênese do próprio concreto.”
Assim para os idealistas são os conceitos a essência do real. os filósofos 
desta corrente de pensamento fazem uma inversão em relação ao materialismo 
conferindo primazia ao conceito, por ser, segundo eles, a substância do real. 
Por meio dos conceitos as pessoas organizam a realidade que as envolve. 
os conceitos relacionam-se a categoria de universalidade. originalmente os 
objetos surgem destituídos de sentido as pessoas. inicialmente contempla-
se o mundo como um todo sem sentido. A categoria de universalidade 
surge quando o multiverso inicial destituído de sentido se articula ganhando 
significação. Segundo ranieri (2002/2003 p.18): “precisamente ela [categoria 
de universalidade] é a passagem do multiverso sem valor ao universo, o mundo 
que se apresenta de forma generalizada, porém, organizada, com sentido.” 
esse universo é significativo a consciência humana por ser justamente produto 
da consciência dotada de condições de generalizar e abstrair. 
A categoria de universalidade organiza as coisas em elementos sintéticos 
igualmente abstratos, decorrentes do processo de generalização, mas que 
se desmembram formando unidades universais dos elementos singulares. 
São por exemplo os conceitos universais de mesa, árvore, ser humano que 
abarcam uma totalidade de seres singulares de determinado grupo que usamos 
para organizar o nosso pensamento sobre as coisas. estes conceitos formam 
uma unidade sintética pré ideada dos elementos singulares, formam o uno, ou 
seja, um conceito que envolve uma totalidade de singularidades diversas que 
podem ser agrupadas sobre a mesma categoria. em si mesma a singularidade 
não é compreendida, a compreensão torna-se possível somente pela mediação 
do uno, que ordena a capacidade de generalização do pensar.
Apesar de o uno surgir à consciência como substância a priori, como 
pura construção ideal, na verdade não passa de representação decorrente de 
generalizações que os homens e mulheres constroemno contato com entes 
singulares. Segundo ranieri (2002/2003 p.19):
(...) [o uno] enquanto tal, prescinde de base material imediata, pois se apresenta como 
imagem que nutre o próprio pensamento – o singular se expressa na forma do objeto-
outro, aquele ser-para-nós que aparece de forma acabada, quando o pressuposto das 
mediações não tem mais lugar. ele é o próprio resultado do processo de mediação. 
Finalmente, o universal absorvido valorativamente é decomposto em singularidades 
concernentes a um processo único, e o conceito universal abstrato (singular) depara-
se com a universalidade do múltiplo.
Luis Henrique Zago120
o ente singular se nega enquanto concreto no conceito universal e 
retorna a si mediado por este conceito onde alcança a sua compreensão. Cabe 
a particularidade esclarecer este processo, ou seja, cabe a ela demonstrar as 
relações entre o objeto concreto e o universal. Segundo ranieri (2002/2003 
p.19): “cabe a ela [particularidade] desvendar o terreno das mediações que 
são circunscritas pelas esferas fenomênicas e indicar as formas conjugadas 
dessas esferas com a realidade da essência”, ou seja, compreender de que 
forma a complexidade social apresenta fenomenicamente a essência. este 
desvendamento é factível apenas pela identificação dos elementos concretos 
que influem na estruturação do objeto. 
A identificação dos elementos concretos pressupõe um caminho que 
passa pela esfera de atividade humana, a posterior apreensão desta atividade 
na relação sujeito objeto e, por fim, a reprodução conceitual do objeto. este 
caminho deve possibilitar que os diversos elementos que determinam a forma 
de ser do objeto apareçam plenamente integrados as varias esferas possíveis 
de existência. evidentemente a atividade humana concreta detém a primazia 
neste caminho, afinal é a partir do concreto que se estrutura o social e o teórico, 
sobre isso escreve Lukács (apud ranieri 2002/2003 p.20): 
Quando um automóvel vem ao meu encontro numa encruzilhada posso vê-lo como 
um fenômeno tecnológico, como um fenômeno sociológico, como um fenômeno 
relativo à filosofia da cultura, etc.; no entanto, o automóvel real é uma realidade, 
que poderá me atropelar ou não. o objeto sociológico ou cultural ‘automóvel’ é 
produzido, antes de tudo, em um ângulo visual que depende dos movimentos reais 
do automóvel e é a sua reprodução no pensamento. Mas o automóvel existente é, por 
assim dizer, sempre primário em relação ao ponto de vista sociológico a seu respeito, 
já que o automóvel andaria mesmo que eu não fizesse sociologia alguma sobre ele, ao 
passo que nenhum automóvel será posto em movimento a partir de uma sociologia do 
automóvel. Há, pois, uma prioridade da realidade do real, se assim se pode dizer; e, 
segundo penso, devemos tentar voltar a estes fatos primitivos da vida e compreender 
os fenômenos complexos partindo dos fenômenos originários.
Para Marx (2011), a percepção que integra as várias formas de ser dos 
objetos torna imprescindível que se consiga distinguir o menos desenvolvido 
do mais desenvolvido. Uma vez que a abstração que possibilita a integração, 
deve partir preferencialmente da forma mais desenvolvida. o que não 
significa que o menos desenvolvido é considerado como irreal ou menos 
real, considera-se apenas que a sua razão de ser encontra-se na forma mais 
avançada. Sobre isso escreveu Marx (2011p.58) ao abordar as formas de 
entender o desenvolvimento econômico: 
A sociedade burguesa é a mais desenvolvida e diversificada organização histórica de 
produção. Por essa razão, as categorias que expressam suas relações e a compreensão 
121O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
de sua estrutura permitem simultaneamente compreender a organização e as relações 
de produção de todas as formas de sociedade desaparecida, com cujos escombros 
e elementos edificou-se, parte dos quais ainda carrega consigo como resíduos não 
superados, parte [que] nela se desenvolvem de meros indícios em significações 
plenas etc. A anatomia do ser humano é a chave para a anatomia do macaco.” 
A abstração, seja do mais desenvolvido ou não, deve realizar a analise dos 
elementos a serem estudados. Segundo Marx (1985) apenas por meio de um 
processo de análise correta dos elementos da realidade é possível compreender 
o real de forma cientifica. Sobre a necessidade de analise promovida pela 
abstração afirma o filósofo no prefacio da primeira edição de O capital: “na 
análise das formas econômicas, não se pode utilizar nem o microscópio nem 
reagentes químicos. A capacidade de abstração substitui estes meios.” (MArX 
1985 p.4) 
Cumpre destacar que a análise a qual nos referimos difere profundamente 
da proposta por Descartes (1996) em seu método de abordagem correta 
do real, no Discurso do método. A proposta cartesiana de análise além de 
desconsiderar os aspectos históricos e sociais da realidade, não passa de um 
fracionamento para a descrição do imediatamente visível nas inúmeras partes. 
As inúmeras partes são fracionadas e posteriormente alinhavadas sem se 
considerar que juntas elas são mais que a sua simples soma. Ao se articularem 
formando uma totalidade, as partes individuais passam a deter características 
que não possuiriam se permanecessem separadas.
A análise que propomos objetiva justamente o que está para além do 
fenomênico, ou seja, a essência, sua natureza e sua origem, defendemos 
que apenas assim teríamos uma descrição do todo que compõe o real, uma 
descrição portanto cientifica. A atividade analítico-abstrativa deve desvelar 
a relação entre o fenômeno e a essência, demonstrando que eles formam um 
todo. 
Uma descrição científica da realidade parte de uma visão do todo, sempre 
presente no contato com o real como se afirmou anteriormente, mas ainda 
nebulosa e imprecisa, ou seja, parte-se de um conceito vazio de significação 
concreta. Desta representação conceitual vaga ruma-se para uma formulação 
conceitual que deixe de ser caótica e passe a representar efetivamente a 
realidade das coisas. em uma elucidativa passagem Marx (2011 p.54) esclarece 
este processo de construção do conhecimento: 
Parece que o correto é começarmos pelo real e pelo concreto, pelo pressuposto efetivo, 
e, portanto, no caso da economia, por exemplo, pela população, que é o fundamento 
e o sujeito do ato social de produção como um todo. Considerado de maneira mais 
rigorosa, entretanto, isso se mostra falso. A população é uma abstração quando deixo 
Luis Henrique Zago122
de fora, por exemplo, as classes das quais é constituída. essas classes, por sua vez, são 
uma palavra vazia se desconheço os elementos nos quais se baseiam. P.ex., trabalho 
assalariado, capital, etc. estes supõem troca, divisão do trabalho, preço, etc. o capital, 
p.ex., não é nada sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço 
etc. Por isso, se eu começasse pela população, esta seria uma representação caótica 
do todo e, por meio de uma determinação mais precisa, chegaria analiticamente a 
conceitos cada vez mais simples; do concreto representado [chegaria] a conceitos 
abstratos [abstrakta] cada vez mais finos, até que tivesse chegado às determinações 
mais simples. Daí teria de dar início à viagem de retorno até que finalmente chegasse 
de novo à população, mas desta vez não como a representação caótica de um todo, 
mas com uma rica totalidade de muitas determinações e relações. 
o pensamento não possui a capacidade de abarcar corretamente o 
concreto de forma imediata, se tomamos o conceito de população de forma 
imediata ele não passa de uma abstração que esclarece muito pouco sobre 
a realidade econômica por não corresponder a complexidade do real. Como 
o termo população não consegue romper com uma representação caótica do 
todo é necessário passar a análise, até atingir os conceitos mais simples. 
Feita a análise é preciso reconstruir o objeto, faz-se o caminho inverso do 
mais simples ao conceito que foi o ponto de partida, que ao ser atingido não 
será mais representado como um todocaótico, mas como uma rica totalidade 
de determinações. Por meio desse processo, o concreto é reproduzido pelo 
pensamento.
Mesmo depois de superada a representação caótica do todo e alcançada 
á totalidade como determinação de relações diversas, esta não é o real, 
mas apenas o que o ser humano com suas limitadas capacidades consegue 
apreender e formular sobre o real. A realidade é infinitamente mais complexa 
do que a capacidade humana de descrevê-la e pensá-la. Sobre isso escreve 
Marx (2011 p.55): 
“o todo com um todo de pensamentos, tal como aparece na cabeça, é um produto da 
cabeça pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível (...). o 
sujeito real, como antes, continua a existir em sua autonomia fora da cabeça; isso, 
claro, enquanto a cabeça se comportar apenas especulativa, apenas teoricamente. Por 
isso, também no método teórico o sujeito, a sociedade, tem de estar continuamente 
presente como pressuposto da representação.” 
Cumpre frisar que a impossibilidade de atingir a plenitude do real não 
deve desmotivar o processo de busca pela totalidade. Afinal construir uma 
representação do real que não seja caótica é incomensuravelmente melhor 
para a ação do que restringir-se a uma interpretação confusa da realidade. 
123O méTODO DiALéTicO E A AnáLisE DO rEAL
Considerações finais
Ao evidenciar que são as relações estabelecidas por homens e mulheres 
com o meio concreto que engendram o real a dialética torna exequível a 
revolução do status quo, por possibilitar a compreensão de que o mundo é 
sempre resultado da práxis humana, seja ela marcada por relações de dominação 
que reificam e fetichizam a prática social seja marcada por relações que 
operam a humanização dos homens e mulheres. Ao romper com os fetiches, 
ou seja, ao perceber que os objetos não devem sujeitá-los, homens e mulheres 
avançam de encontro à reificação alçando-se a possibilidade de revolucionar 
suas condições de existência. Assim o rompimento da psedoconcreticidade 
ocorre no momento em que se evidencia que a realidade social se concretiza 
por meio das condições de produção e reprodução da existência social das 
pessoas que é em nossa sociedade marcada pela luta de classes. Sobre isso 
escreve kosik (1976 p.19):
“o mundo real não é, portanto, um mundo de objetos ‘reais’ fixados, que sob o 
seu aspecto fetichizado levem uma existência transcendente como uma variante 
naturalisticamente entendida das ideias platônicas; ao invés, é um mundo em que 
as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos do homem 
social, e o próprio homem se revela como sujeito real do mundo social. (...) Ao 
contrário do mundo da pseudoconcreticidade, o mundo da realidade é o mundo da 
realização da verdade, é o mundo em que a verdade não é dada e predestinada, não 
está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência humana: é o mundo 
em que a verdade devém. Por esta razão a história humana pode ser o processo da 
verdade e a história da verdade. A destruição da pseudoconcreticidade significa que a 
verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela 
se faz; logo, se desenvolve e se realiza.” 
todo esse processo de perda de referenciais, de estranhamento e sujeição 
aos ditames traçados pelo mercado são vivenciados por homens e mulheres. 
eles vivem esta realidade em cada momento de suas vidas, sofrem com ela, 
lutam nela, desanimam, adoecem, às vezes vencem, conquistam e sobrevivem.
Referências bibliográficas
ABBAGnAno, nicola - Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1962.
ALtHUSSer, Louis - Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos 
ideológicos de estado. 6ª ed. rio de Janeiro: edições Graal, 1992
DeSCArteS, rené - Discurso do Método. São Paulo. nova Cultural, 1996.
DUArte, newton – “A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco: A 
dialética em Vigotski e em marx e a questão do saber objetivo na educação escolar”, 
educação & Sociedade, ano XXi, nº 71, Julho 2000.
Luis Henrique Zago124
GALeFFi, Dante Augusto – “O que é isto – a fenomenologia de Husserl?”, ideação, 
Feira de Santana,n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
HeGeL, Georg W. F. - Fenomenologia do Espírito, 4ªed., Petrópolis: Vozes, 2007.
HeLLer, Agnes - O cotidiano e a históri, 4a ed., São Paulo: Paz e terra, 1970.
konDer, Leandro - O que é dialética?, 22ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1991.
koSik, karel - Dialética do concreto, 2ª ed., São Paulo: Paz e terra, 1976.
LeontieV, A. - O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
MArX, karl - o capital: crítica da economia política, 10ª ed., São Paulo: Difel, 1985.
___________ - Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857- 1858 esboços da 
crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.
___________ - Manuscritos econômicos-filosóficos, São Paulo: Boitempo, 2004.
MArX, k. e enGeLS, F. - A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã 
em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus 
diferentes profetas 1845- 1846, São Paulo: Boitempo, 2007.
MÉZAroS, istván - A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
rAGo FiLHo, Antonio - J. chasin: A teoria das Abstrações. Disponível em: http://
www.verinotio.org/edicoes_anteriores.htm. Acesso em: 15/07/2010.
nietZCHe, Friedrich Wilhelm - Os pitagóricos. in: Pré-socráticos: Fragmentos, 
Doxografia e Comentários. São Paulo. nova Cultural, 1996.
rAnieri, Jesus – “sobre o conceito de ideologia”, Estudos de sociologia, Araraquara 
v 13/14: 7-36, 2002/2003.
_____________ - Alienação e Estranhamento: A atualidade de Marx na crítica 
contemporânea do Capital. Disponível em: http://www.nodo50.org/cubasigloXXi/
congreso06/conf3_ranieri.pdf. Acesso em: 10/04/2009.
SirGADo, Angel Pino – “A corrente sócio-histórica de psicologia: fundamentos 
epistemológicos e perspectivas educacionais”, Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./
dez. 1990.

Continue navegando