Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GILBERTO DE MARTINO JANNUZZI JOEL SWISHER ROBERT REDLINGER PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS ENERGÉTICOS Oferta, demanda e suas interfaces 2ª edição Campinas IEI Brasil 2018 APRESENTAÇÃO A IEI Brasil apresenta a segunda edição do livro “Planejamento Integrado de Recursos Energéticos”, escrito originalmente pelos pesquisadores Gilberto de Martino Jannuzzi, diretor da IEI Brasil, e por Joel Swisher e Robert Redlinger, ambos do United Nations Environment Programme (UNEP) Centre for Energy and Environment. A nova edição, que contém atualização de termos, conceitos e bibliografias, ganhou o título de “Planejamento Integrado de Recursos Energéticos: oferta, demanda e suas interfaces”. Esta nova versão foi disponibilizada de forma fracionada no site da IEI Brasil (http://iei-brasil.org/livro-pir/), capítulo a capítulo, enquanto seu processo de revisão estava em andamento. Essa medida objetivou que estudantes, pesquisadores e demais interessados na área tivessem acesso ao conteúdo, composto também por apêndices, exercícios práticos e suas respostas. Os quatro capítulos que compõem a obra agora estão consolidados neste livro digital. As soluções dos exercícios apresentados ao longo dos capítulos podem ser acessadas em uma planilha disponibilizada nesse link. O livro foi revisado por estudantes e colaboradores do professor Gilberto Jannuzzi, em especial o professor Everthon T. Sica do Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC (Florianópolis) e João B. Marques que revisaram exercícios e atualizaram algumas referências. A publicação também contou com a revisão textual e a diagramação da jornalista Gabrielle Adabo da IEI Brasil. A primeira versão da obra foi publicada há 20 anos, em inglês, sob o título “Tools and Methods for Integrated Resource Planning”. Em 1997, uma versão impressa em português foi elaborada por Jannuzzi e Swisher, com o apoio do Procel e do PNUD, porém se encontra esgotada. Nessas últimas duas décadas, experimentamos muitas e relevantes transformações na indústria de energia, bem como nas tecnologias, leis e regulações. A revisão do conteúdo deste livro se fazia necessária para contemplar a realidade da geração distribuída, das tecnologias de armazenamento de energia e, mesmo, da maior disseminação de tecnologias mais eficientes de uso final. Campinas, outubro de 2018 IEI Brasil http://iei-brasil.org/livro-pir/ SUMÁRIO CAPÍTULO 1 PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS ENERGÉTICOS ...... 12 1.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12 1.2. POR QUE PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS? ................................. 13 1.2.1. O preço do petróleo: crise da década de 1970 ................................................................ 14 1.2.2. A questão ambiental ....................................................................................................... 16 1.2.3. A eficiência energética ................................................................................................... 18 1.2.4. A dimensão humana da energia ..................................................................................... 19 1.2.5. A necessidade de novo enfoque para o planejamento .................................................... 20 1.3. FUNDAMENTOS SOBRE ENERGIA E SISTEMA ENERGÉTICO .......................... 22 1.3.1. As fontes de energia, vetores e usos ............................................................................... 22 1.3.2. Recursos energéticos primários e secundários ............................................................... 22 1.3.3. Eficiência dos sistemas de conversão............................................................................. 24 1.3.4. Energia útil ..................................................................................................................... 25 1.3.5. Contabilidade energética ................................................................................................ 26 1.4. SERVIÇOS DE ENERGIA E A OFERTA DE ELETRICIDADE ................................ 32 1.4.1. Projeções da demanda de energia................................................................................... 32 1.4.2. Objetivos da análise bottom-up ...................................................................................... 33 1.4.3. A estrutura de oferta de eletricidade .............................................................................. 34 1.5. O QUE É PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS?................................... 36 1.5.1. O PIR e o planejamento tradicional ............................................................................... 36 1.5.2. Possibilidades do PIR ..................................................................................................... 39 1.5.3. Os elementos essenciais do PIR ..................................................................................... 43 1.5.4. Quem executa a análise do PIR? .................................................................................... 43 1.6. REFERÊNCIAS E LEITURAS SUGERIDAS ................................................................ 46 CAPÍTULO 2 PROJEÇÕES DE DEMANDA DE ENERGIA .............................................. 48 2.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 48 2.2. FINALIDADE, CLASSIFICAÇÃO E EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE ENERGIA 50 2.3. ABORDAGEM TOP-DOWN E BOTTOM-UP EM MODELAGEM ............................. 52 2.3.1. Top-Down ....................................................................................................................... 52 2.3.2. Bottom-Up ...................................................................................................................... 53 2.4. MODELOS DE DEMANDA DE ENERGIA (Bottom-up) .............................................. 55 2.4.1. Modelo de usos finais ..................................................................................................... 56 2.4.2. Modelo de decomposição ............................................................................................... 71 2.5. MODELOS DE DEMANDA DE ENERGIA (AGREGADO) ........................................ 75 2.5.1. Modelos de regressão ..................................................................................................... 75 2.5.2. Modelo econométrico ..................................................................................................... 78 2.5.3. Modelos de séries temporais ........................................................................................... 81 2.6. MATRIZ INSUMO-PRODUTO ........................................................................................ 82 2.7. ESTRUTURA E TIPOS DE CENÁRIOS DE PROJEÇÕES ......................................... 84 2.7.1. Cenário de referência ...................................................................................................... 85 2.7.2. Cenário de potencial técnico ........................................................................................... 85 2.7.3. Cenário de potencial econômico ..................................................................................... 86 2.7.4. Cenário de potencial de mercado .................................................................................... 87 2.8. CRITÉRIOS PARA ESCOLHA DE CENÁRIOS: CUSTOS E EXTERNALIDADES 87 2.8.1. Teste do Participante....................................................................................................... 89 2.8.2. Teste do Não-participante (RIM).................................................................................... 89 2.8.3. Teste do Custo Total do Recurso (CTR) ........................................................................91 2.8.4. Teste do Custo da CE ..................................................................................................... 92 2.8.5. Teste dos Custos Sociais ................................................................................................. 92 2.8.6. Sumário dos testes de custo ............................................................................................ 92 2.8.7. Externalidades ambientais .............................................................................................. 93 2.8.8. Benefícios não monetários da eficiência energética ....................................................... 95 2.9. REFERÊNCIAS E LEITURAS SUGERIDAS ................................................................. 97 CAPÍTULO 3 PROGRAMAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA, GLD E GERAÇÃO DISTRIBUÍDA 100 3.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 100 3.2. EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E FONTES RENOVÁVEIS: BARREIRAS ............... 101 3.2.1. Informação .................................................................................................................... 101 3.2.2. Barreiras legais, regulatórias e institucionais ............................................................... 102 3.2.3. Barreiras financeiras e decisões de investimentos ........................................................ 103 3.2.4. Barreiras tecnológicas e de infraestrutura..................................................................... 104 3.2.5. Tarifas e custos de energia ............................................................................................ 104 3.2.6. Diversidade de atores e de expectativas ....................................................................... 105 3.3. TARIFAS, EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E FONTES RENOVÁVEIS ..................... 109 3.3.1. Tarifas em bloco ........................................................................................................... 109 3.3.2. Tarifas a custo marginal................................................................................................ 110 3.3.3. Tarifa horo-sazonal ....................................................................................................... 112 3.3.4. Tarifa verde e subsídios para fontes renováveis ........................................................... 113 3.3.5. Tarifas, custos dos programas de eficiência energética e GLD .................................... 113 3.3.6. Composição da tarifa .................................................................................................... 119 3.4. FONTES RENOVÁVEIS E PROGRAMAS DE SUBSTITUIÇÃO DE ENERGIA .. 120 3.4.1. Substituição entre eletricidade e gás ............................................................................. 120 3.4.2. Substituição entre eletricidade e energia solar.............................................................. 122 3.4.3. Cogeração ..................................................................................................................... 123 3.5. INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS ........................................................................... 126 3.5.1. Informação e etiquetagem............................................................................................. 126 3.5.2. Padrões de desempenho e regulamentação ................................................................... 127 3.5.3. Os efeitos dos padrões através do tempo ..................................................................... 130 3.5.4. Licitações tecnológicas ................................................................................................ 132 3.5.5. Mecanismos financeiros e fiscais ................................................................................. 134 3.6. ESTRATÉGIAS DE GERENCIAMENTO DO LADO DA DEMANDA (GLD) ....... 134 3.6.1. Gerenciamento da carga ............................................................................................... 135 3.6.2. Investimentos em eficiência de energia ....................................................................... 136 3.6.3. Avaliação dos programas de GLD ............................................................................... 138 3.6.4. Estimando economias dos programas de GLD ............................................................ 141 3.6.5. Componentes de custo dos programas de GLD ........................................................... 142 3.6.6. Estratégias e programas ................................................................................................ 143 3.7. REFERÊNCIAS E LEITURAS SUGERIDAS .............................................................. 147 CAPÍTULO 4 INTEGRANDO AS OPÇÕES DO LADO DA OFERTA E DA DEMANDA 150 4.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 150 4.2. FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO DA OFERTA DE ELETRICIDADE ..... 150 4.3. CRITÉRIOS PARA PLANEJAMENTO DE CUSTO MÍNIMO ................................ 151 4.4. CUSTOS DE PRODUÇÃO DE ELETRICIDADE ....................................................... 152 4.4.1. Rendimentos requeridos da companhia elétrica ........................................................... 152 4.4.2. Custos Marginais de Expansão e de Operação (CME e CMO) ................................... 154 4.4.3. Fator de capacidade ...................................................................................................... 161 4.4.4. Fator de Carga (FC)...................................................................................................... 163 4.5. INTEGRAÇÃO DO FORNECIMENTO E OUTRAS AÇÕES DO LADO DA OFERTA ...................................................................................................................................... 166 4.5.1. A escolha entre fontes/sistemas de produção de eletricidade ...................................... 166 4.5.2. Estratégias de despacho ................................................................................................ 170 4.5.3. Redução de perdas do lado da oferta ............................................................................ 171 4.5.4. Fontes renováveis e problemas de despacho ................................................................ 176 4.6. ANÁLISE DO CUSTO SOCIAL E AMBIENTAL ....................................................... 177 4.6.1. Impactos ambientais da produção de eletricidade ........................................................ 177 4.6.2. Contabilidade das emissões e dos impactos ambientais ............................................... 180 4.6.3. Externalidades .............................................................................................................. 180 4.6.4. Custos das reduções de emissão ................................................................................... 181 4.7. CENÁRIOS DE OFERTA E DEMANDA DE ENERGIA ........................................... 182 4.7.1. Definição de cenários e o cenário de referência ........................................................... 183 4.7.2. Combinando opções de GLD e recursos de oferta ....................................................... 184 4.7.3. Classificando as opções de recurso pelo custo marginal .............................................. 185 4.7.4. Medidas de reduções de emissões pelo custo de emissões conservadas ...................... 188 4.7.5. Inclusão de custos de emissões nos custos marginais .................................................. 191 4.7.6. Escolha da opção pelo custo de redução de emissão ................................................... 192 4.7.7. Estimando impactos nas tarifas de eletricidade ............................................................ 193 4.7.8. Contabilizando os recursos de oferta intermitentes...................................................... 195 4.8. REFERÊNCIAS E LEITURAS SUGERIDAS ............................................................... 198 APÊNDICE A .............................................................................................................................. 199 APÊNDICE B: FUNDAMENTOS DE ANÁLISE ECONÔMICA ......................................... 202 APÊNDICE C: FUNDAMENTOS ESTATÍSTICOS – SÉRIES TEMPORAIS ................... 213 APÊNDICE D: DISTRIBUIÇÕES DE PROBABILIDADES ................................................ 242 LISTA DE FIGURAS Figura 1-1 – Consumo per capita de energia × IDH (130 países) .................................................. 14 Figura 1-2 – Evolução da matriz energética primária do Brasil ..................................................... 15 Figura 1-3 – Evolução da produção e do consumo de petróleo no Brasil (1970-2014) (mil m3) ... 16 Figura 1-4 – Previsão da matriz energética primária mundial em 2035 ......................................... 17 Figura 1-5 – Tipos de eficiência energética .................................................................................... 19 Figura 1-6 – Uma visão do Planejamento Integrado de Recursos .................................................. 21 Figura 1-7 – Fluxo de energia ......................................................................................................... 23 Figura 1-8 – Eficiência do uso final ................................................................................................ 26 Figura 1-9 – Visão simplificada do balanço de energia do Brasil – 2010 ...................................... 28 Figura 1-10 – Exemplo de curva de duração de carga .................................................................... 34 Figura 1-11 – Exemplo de curva de carga ...................................................................................... 35 Figura 1-12 – O tradicional modelo de planejamento elétrico a custo mínimo .............................. 36 Figura 1-13 – Modelo integrado de carga e custo de produção elétrica a custo mínimo ............... 37 Figura 1-14 – Comparação entre o planejamento energético convencional e o PIR ...................... 38 Figura 2-1 – Visão geral dos principais elementos para suporte à tomada de decisão em planejamento ................................................................................................................................... 49 Figura 2-2 – O planejamento da demanda, os cenários de demanda e oferta e sua relação com os objetivos de desenvolvimento nacional .......................................................................................... 50 Figura 2-3 – Evolução dos modelos de demanda de energia .......................................................... 51 Figura 2-4 – Intensidade energética de transporte entre 2000 e 2010 ............................................ 59 Figura 2-5 – Demanda pelo método de decomposição e conteúdo energético (2000 a 2010) – EXERCÍCIO 2.7 ............................................................................................................................. 74 Figura 2-6 – Consumo de petróleo no Brasil com base em modelo de regressão – EXERCÍCIO 2.8 ......................................................................................................................................................... 78 Figura 2-7 – Consumo de petróleo no Brasil com base em modelo econométrico – EXERCÍCIO 2.9.................................................................................................................................................... 81 Figura 2-8 – Etapas para elaborar cenários de eficiência de demanda de energia .......................... 84 Figura 2-9 – Curvas de custo marginal – eficiência de energia em iluminação – Suécia ............... 86 Figura 2-10 – Fluxograma dos custos de energia ........................................................................... 88 Figura 2-11 – Caso A - Teste RIM quando os custos marginais são altos; caso B - Teste RIM - custos marginais menores que o custo médio (tarifas) ................................................................... 90 Figura 2-12 – Caso A - Teste CTR falha, já passado o teste RIM; Caso B - passa o teste CTR, Mas não no teste RIM ............................................................................................................................. 91 Figura 3-1 – Vendas de eletricidade ............................................................................................. 105 Figura 3-2 – Efeito da expansão da capacidade nos custos marginais ......................................... 110 Figura 3-3 – Figura do princípio da otimalidade .......................................................................... 111 Figura 3-4 – Investimentos em conservação em companhias de energia da Califórnia ............... 116 Figura 3-5 – Método de economias compartilhadas da PG&E ..................................................... 118 Figura 3-6 – Composição do preço da tarifa de energia elétrica (BRASIL, 2006 versus EUA, 2011) ............................................................................................................................................. 120 Figura 3-7 – Esquema de um sistema de cogeração ..................................................................... 123 Figura 3-8 – Tendências históricas e padrões de eficiência das geladeiras e dos freezers na Suécia ....................................................................................................................................................... 131 Figura 3-9 – Estratégias de gerenciamento da curva de carga ...................................................... 135 Figura 4-1 – Curvas de custos (CM, CMO, CME e Custo Mínimo) ............................................ 154 Figura 4-2 – Expansão da oferta para atingir o crescimento da demanda de pico – EXEMPLO 4.4 ....................................................................................................................................................... 160 Figura 4-3 – Custos marginais – EXEMPLO 4.7 ......................................................................... 163 Figura 4-4 – Fator de carga – obtenção gráfica ............................................................................ 164 Figura 4-5 – Modelo de curva de duração de carga ...................................................................... 167 Figura 4-6 – Modelo de curva de duração de carga incluindo a capacidade existente ................. 168 Figura 4-7 – Curva de duração de carga – sistema dominado por hidroelétricas (estação úmida e seca) ............................................................................................................................................... 169 Figura 4-8 – Evolução das perdas de eletricidade – Brasil, China e EUA (1980 a 2010) ............ 171 Figura 4-9 – Categorias de perdas ................................................................................................. 172 Figura 4-10 – Relacionamento entre cenários de energia bottom-up e custos marginais ............. 183 LISTA DE TABELAS Tabela 1-1 – Sistema energético: exemplo ..................................................................................... 22 Tabela 1-2 – Classificações de fontes de energia – exemplos ........................................................ 23 Tabela 1-3 – Exemplos de eficiência de conversão da energia final para energia útil ................... 26 Tabela 1-4 – Balanço energético - exemplo ................................................................................... 27 Tabela 1-5 – Resultados da conversão ............................................................................................ 31 Tabela 1-6 – Fatores de emissão de gás carbono e decarbono por fonte de combustível .............. 31 Tabela 1-7 – Tecnologias de iluminação e suas eficiências em termos de lúmens (Watt) ............. 32 Tabela 2-1 – Exemplo de informação requerida para modelos uso final ....................................... 58 Tabela 2-2 – Penetração de tecnologias de uso final no setor residencial (%) ............................... 58 Tabela 2-3 – Vendas de lâmpadas no México (milhões de unidades) ............................................ 59 Tabela 2-4 – Estimativa de consumo de energia para os principais tipos de lâmpadas, México (1985-89)......................................................................................................................................... 60 Tabela 2-5 – Consumo de eletricidade incluindo reatores – México (1985-89)............................. 60 Tabela 2-6 – Quadro resumo – modelo básico de usos finais ......................................................... 62 Tabela 2-7 – Vendas de equipamentos no Brasil (×1.000) ............................................................. 63 Tabela 2-8 – Consumo anual por aparelho e por residência em Manaus ....................................... 64 Tabela 2-9 – A estrutura de consumo de eletricidade segundo usos finais em alguns países em percentual (1993) ............................................................................................................................ 64 Tabela 2-10 – Planos de crescimento de Brakimpur ...................................................................... 65 Tabela 2-11 – Indicadores socioeconômicos de demanda de energia – ano de referência X ......... 66 Tabela 2-12 – Dispositivo por classe de renda (P=%) e consumo médio por dispositivo (I=W) ... 66 Tabela 2-13 – Uso (M=Horas/Ano) e consumo E=N×P×M×I (GWh/Ano) ................................... 67 Tabela 2-14 – Cenário socioeconômico – ano projetado (X+10) ................................................... 67 Tabela 2-15 – Consumo de energia – ano projetado E(X+10)=N(X+10)×P×M×I (GWh/Ano) .... 67 Tabela 2-16 – Setor comercial de Brakimpur – consumo do ano de referência (MWh) ................ 68 Tabela 2-17 – Setor comercial de Brakimpur – hipóteses para projeção ....................................... 69 Tabela 2-18 – Consumo projetado por subsetor industrial E(X)=PIB(X)×M×I ............................. 70 Tabela 2-19 – Consumo de eletricidade por uso final por subsetor industrial (C=%) .................... 70 Tabela 2-20 – Distribuição (D=%) e consumo por tipo de motor (CV) por subsetor – E(X)×C×D em GWh/Ano .................................................................................................................................. 70 Tabela 2-21 – Uso do motor (M em Horas/Ano) e intensidade (I em kW/Motor) ......................... 71 Tabela 2-22 – Número de motores por tipo por subsetor (N)(milhões) ......................................... 71 Tabela 2-23 – Consumo: ano de referência, E(X)=N×I×M e ano projetado, E(X+10)=N(X+10)×I×M (GWh) .................................................................................................... 71 Tabela 2-24 – Consumo de recursos energéticos primários e PIB por setor do Brasil – EXERCÍCIO 2.7 ............................................................................................................................. 74 Tabela 2-25 – Modelo de regressão multivariada ........................................................................... 75 Tabela 2-26 – Dados do Brasil – EXERCÍCIO 2.8 ........................................................................ 77 Tabela 2-27 – Cenários – EXERCÍCIO 2.8 .................................................................................... 77 Tabela 2-28 – Dados do Balanço Energético Nacional (EPE 2010) e IBGE – EXERCÍCIO 2.9 .. 80 Tabela 2-29 – Matriz insumo-produto de Leontief ......................................................................... 82 Tabela 2-30 – Testes econômicos primários - custos e benefícios de cenários - DMS/Eficiência . 92 Tabela 3-1 – Taxas de descontos reais implícitas usadas em projetos energéticos ...................... 106 Tabela 3-2 – Dados do EXEMPLO 3.4 ........................................................................................ 108 Tabela 3-3 – Decomposição usando ERAM ................................................................................. 114 Tabela 3-4 – Dados de substituição – EXEMPLO 3.9 ................................................................. 123 Tabela 3-5 – Códigos de energia de construções: limites para capacidade instalada de iluminação ....................................................................................................................................................... 129 Tabela 3-6 – Brakimpur – Idade do estoque de refrigeradores no ano base ................................. 131 Tabela 3-7 – Vantagens e desvantagens de uma Esco para a CE.................................................. 137 Tabela 3-8 – Simulação de custos totais de um programa de descontos para lâmpadas eficientes ....................................................................................................................................................... 142 Tabela 4-1 – Resultados – EXEMPLO 4.1 ................................................................................... 154 Tabela 4-2 – Dados – EXEMPLO 4.2 ........................................................................................... 157 Tabela 4-3 – Dados – EXEMPLO 4.4 ........................................................................................... 158 Tabela 4-4 – Recursos de oferta – EXEMPLO 4.7 ....................................................................... 162 Tabela 4-5 – Perfil de demanda de eletricidade – EXEMPLO 4.8 ............................................... 164 Tabela 4-6 – Esquemas de tarifas – EXEMPLO 4.10 ................................................................... 165 Tabela 4-7 – Gastos com pessoal – EXEMPLO 4.10 ................................................................... 165 Tabela 4-8 – Perfil de carga – EXEMPLO 4.10............................................................................ 165 Tabela 4-9 – Perdas de energia elétrica em alguns países ............................................................. 171 Tabela 4-10 – Dados - EXEMPLO 4.13 ....................................................................................... 182 Tabela 4-11 – Conjunto de exemplos de recursos e seus parâmetros ........................................... 185 Tabela 4-12 – Parâmetros de custo marginal para um conjunto de modelos de recursos ............. 186 Tabela 4-13 – Desempenho para a combinação a custo-mínimo dos recursos ............................. 187 Tabela 4-14 – Desempenho para a combinação a custo-mínimo dos recursos – oferta ................ 188 Tabela 4-15 – Desempenho para um sistema integrado de custo-mínimo com 30% de redução de SO2 ................................................................................................................................................ 189 Tabela 4-16 – Desempenho para um sistema a custo mínimo com 90% de redução de SO2 ....... 189 Tabela 4-17 – Desempenho para um sistema integrado a custo mínimo com 20% de redução de NOX ............................................................................................................................................... 190 Tabela 4-18 – Desempenho para um sistema integrado a custo mínimo com 60% de redução de NOX ............................................................................................................................................... 190 Tabela 4-19 – Custos marginais ($/KWh) incluindo os custos de emissão .................................. 191 Tabela 4-20 – Comparação das tarifas e dos custos – modelos de planos de recurso elétrico......195 Tabela 4-21 – Crédito de capacidade para conjunto de modelos de novos recursos .................... 197 12 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos CAPÍTULO 1 PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS ENERGÉTICOS 1.1. INTRODUÇÃO Sabemos que a energia é necessária para atender às demandas básicas do ser humano moderno: iluminação, aquecimento/ventilação, energia para cocção, refrigeração, força motriz etc. Serviços de energia são essenciais para promover o desenvolvimento socioeconômico das populações e buscar maneiras de prover esses serviços com o menor impacto ambiental é um dos grandes desafios do século XXI. A produção e o uso de energia são algumas das atividades de maior impacto no meio ambiente, seja ele no âmbito local ou global. São evidentes os esforços para controlar as emissões de gases de efeito estufa decorrentes dessas atividades, como demonstra o resultado da COP 21, a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, realizada em Paris no final de 2015. É crescente a preocupação em promover maior participação de fontes renováveis na matriz energética do futuro e o uso eficiente da energia. Nas últimas quatro décadas, o planejamento de recursos energéticos migrou da abordagem de custo mínimo para outra, mais abrangente, integrando os usuários e a geração de energia descentralizada, a maior consideração com os impactos ambientais e os programas de eficiência energética. Acidentes nucleares e a preocupação com segurança energética forçaram países a dedicarem maior atenção a programas de eficiência energética e de inserção de energia renovável em grande escala, como é o caso da política de estado Energiewende da Alemanha (Strunz 2014). Embora a grande maioria dos países ainda realize seu planejamento fortemente focado no suprimento, é crescente a preocupação com o planejamento da demanda de energia. A necessidade de prover acesso a serviços de energia e atender à elevada demanda de países como China e Índia demonstraram claramente os limites do planejamento da oferta e a necessidade de promover maior eficiência nos setores de consumo de energia, incluindo mudanças de hábitos e padrões de consumo. O aumento da participação de fontes renováveis, inclusive por meio de sistemas de geração distribuída1, e as vantagens da instalação de redes inteligentes2 (smart grids, em inglês) evidenciam a importância de se conhecer a demanda e o consumidor de energia. Essa nova dimensão deve, portanto, ser incorporada no processo de planejamento, que definiremos mais adiante como Planejamento Integrado de Recursos (PIR). A metodologia PIR (Planejamento Integrado de Recursos), embora originada nos Estados Unidos e no Canadá (IRP3), é, hoje, aplicada em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, onde a preocupação com o meio ambiente e com o uso racional dos recursos energéticos ocupa cada vez mais a agenda dos governos locais. As fontes alternativas de energia, demandadas por uma sociedade que aposta em um futuro em que o uso dos recursos será ditado pelo meio ambiente, vêm se impondo com mais intensidade para escrever uma nova fase a partir da primeira década do século XXI. Essa tendência exige um tratamento diferenciado no PIR, dado que os custos de substituição de fontes tradicionais e os benefícios decorrentes, principalmente por 1 Chamados de geração distribuída aqueles sistemas de geração de eletricidade de pequeno porte instalados junto a consumidores de eletricidade e que são conectados ao sistema de distribuição podendo, desse modo, disponibilizar a energia não consumida localmente para os demais consumidores do sistema elétrico. 2 Redes inteligentes são um conjunto de tecnologias de gerenciamento e controle de sistemas elétricos com tecnologias de informação e comunicação que permitem o fluxo bidirecional de informação e energia entre um usuário em particular e o sistema elétrico como um todo. 3 IRP é a sigla em inglês de Integrated Resources Planninig (PIR, em português). Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 13 reduzir as emissões de gases de efeito estufa, implicam em aspectos ainda mais complexos do planejamento energético. Neste capítulo, abordaremos as principais motivações para se pensar em um planejamento energético que considere de maneira explícita também o consumo de energia e não apenas a oferta. 1.2. POR QUE PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS? Um maior crescimento econômico tem resultado em aumento de demanda de energia, especialmente nos setores industrial, comercial e residencial em países em desenvolvimento. Durante muito tempo, houve a preocupação em vincular o crescimento econômico, medido por meio do PIB, com o crescimento da demanda de energia. Se isso foi muito evidente no passado, desde as últimas décadas se observou um desacoplamento entre o crescimento do PIB per capita e o aumento da demanda energética (Goldemberg et al. 1988; Ockwell 2008). Não obstante, passou- se a utilizar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)4 como um indicador mais assertivo para mensurar o desenvolvimento econômico dos países. Conforme se observa na Figura 1-1, existe uma relação entre o consumo de energia per capita dos países e o correspondente IDH. No entanto, é importante observar que essa relação não é constante de acordo com a fase de desenvolvimento dos países. Mesmo entre países aparentemente similares e, portanto, com IDHs muito próximos, pode haver diferenças muito significativas entre seu consumo energético. O consumo de energia é particularmente importante para aumentar o IDH naqueles países mais pobres, porém, na medida em que se avança no IDH, o consumo de energia parece ter menor influência. Na verdade, esse desacoplamento pode ser visto também ao se analisar emissões de carbono per capita e IDH como demonstram diversas análises realizadas (Steinberger 2016; Correa and Steinberger 2016; Fischer- Kowalski et al. 2010). Ao longo do tempo, devido principalmente a melhorias tecnológicas, tem diminuído a necessidade de energia para se conseguir os mesmos valores de IDH obtidos anteriormente (Steinberger and Roberts 2009) e, portanto, mesmo que se insistam em vincular desenvolvimento socioeconômico com crescentes necessidades de energia e de emissões, é fundamental entender que essa relação está mudando rapidamente e que é importante estabelecer uma rota de desenvolvimento que promova cada vez mais esse desacoplamento. Esse é um dos pilares do processo de PIR. A urbanização e a industrialização têm procurado seguir padrões intensivos em energia copiados dos países industrializados. A população demanda transporte de bens e pessoas, novos produtos industriais e outros serviços como saneamento, saúde, comércio etc., que dependem de energia. Desse modo, construir e operar equipamentos da infraestrutura urbana industrial e comercial requer energia, especialmente eletricidade, e aumentar padrões de vida material da população resulta em grandes demandas por novos serviços que também consomem energia. No entanto, à medida em que essa infraestrutura é estabelecida, o impacto do consumo energético no IDH é menor. Quando pensamos nas necessidades futuras de energia, é importante saber para quais fins ela será necessária, avaliando quais setores e usos finais deverão ser atendidos. Quais serão as tecnologias que produzirão e utilizarão energia no futuro? Como serão as cidades e seus habitantes? Será possível atender a uma demanda energética para uma população crescente, com padrões tão intensivos em energia como aqueles dos EUA ou do Canadá? Essas são algumas das questões que deverão ser elucidadas. 4 O IDH é um índice criado e monitorado pela ONU para medir o nível de desenvolvimento humano dos países a partir deindicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). O valor do IDH (0 a 1) é uma ponderação desses indicadores: IDH=(IDHeducação×IDHlongevidade×IDHrenda)1/3. 14 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos Figura 1-1 – Consumo per capita de energia × IDH (130 países) Fonte: elaborado a partir de dados da Energy Information Administration dos EUA (EIA 2010) Na verdade, um conceito central dentro do Planejamento Integrado de Recursos é o interesse em perceber que almejamos os serviços executados por meio de insumos energéticos. Não nos preocupa quantos kWh ou litros de gasolina são consumidos e, sim, o que efetivamente fazemos com esses insumos energéticos. Esse conceito foi introduzido na década de 80 e, nessa época, foi bastante revolucionário (Goldemberg et al. 1985). A necessidade de suprir a futura demanda de energia, observando os critérios de sustentabilidade, modicidade de preços e de segurança energética, é o grande desafio do planejamento energético atual. Se, por um lado, o planejamento convencional é basicamente focado na valoração dos recursos e na expansão da oferta para atender a uma demanda de energia determinada, o PIR procura estimar o que chamamos de recursos da demanda e apontar diferentes maneiras de se atender aos serviços de energia da população considerando os critérios acima mencionados. Nas próximas seções definiremos o que são serviços de energia, recursos de demanda e, de maneira mais formal, conceituaremos o que é o PIR. Inicialmente, abordaremos alguns fatos que alteraram o desenvolvimento do setor energético e o seu planejamento nas últimas décadas. 1.2.1. O preço do petróleo: crise da década de 1970 O dramático aumento do preço do petróleo na década de 1970, combinado com a elevação das taxas de juros, repentinamente terminou com a era da energia barata, levando a um questionamento do modelo de desenvolvimento adotado até então, baseado essencialmente nessa fonte energética. A energia se tornou um forte limitante para o progresso econômico de muitos países em desenvolvimento. Enquanto os consumidores nos países industrializados foram afetados de maneira relativamente branda e puderam superar seus problemas com maior agilidade, esse não foi o caso de vários países em desenvolvimento, os quais tiveram que promover cortes do combustível que necessitavam para atividades essenciais, como a produção de fertilizantes, defensivos agrícolas, cocção e calefação. Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 15 Após esse choque5, talvez o mais determinante entre as demais crises do petróleo que se sucederam, os países em desenvolvimento se viram na obrigação de diversificar suas matrizes de produção de energia primária, a exemplo do Brasil. O preço do petróleo durante os anos de 1970 determinou maiores esforços em termos de redução da dependência externa desse combustível, por exemplo, por meio da destinação de investimentos para exploração e produção nacional de óleo bruto e maior uso de hidroeletricidade. As iniciativas para substituir o petróleo importado mostram a relativa estabilidade de seu consumo durante a década de 80 e início da década de 90. Programas de substituição de combustíveis foram iniciados durante aquela época, como o Programa Nacional do Álcool (Proálcool6), com o objetivo de aumentar a produção doméstica de combustível como uma mercadoria estratégica. Esse programa de produção de energia no Brasil está em meio aos de maior sucesso e maior duração dentre aqueles que se iniciaram na década de 1970. Hoje, a matriz brasileira conta com uma expressiva participação de produtos derivados da cana-de-açúcar, a principal biomassa na produção de energia no país (ver evolução na Figura 1-2). Figura 1-2 – Evolução da matriz energética primária do Brasil Fonte: EPE/MME (2012) A escalada do preço do petróleo, em 2008, tornou a situação energética de alguns países importadores bastante vulnerável e a volatilidade desses preços indica que a maior diversificação da matriz energética deve ser um fator importante da estratégia dos países. No Brasil, que havia sofrido impactos significativos na década de 1970 com a sua dependência do petróleo importado, não se observaram reflexos negativos em relação à segurança energética, uma vez que a importação de óleo bruto, em 2008, foi consideravelmente menor (em termos relativos) do que na década de 1970 (Figura 1-3). 5 Pode-se contabilizar cinco crises ou fases de preço do petróleo depois da Segunda Guerra Mundial: 1956 (após o presidente Gamal Nasser nacionalizar o canal de Suez); 1973 (países da OPEP aumentaram o preço do petróleo em mais de 300% em protesto ao apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a guerra do Yom Kippur); 1979 (crise política no Irã e a consequente deposição do xá Reza Pahlevi); 1991 (guerra do Golfo); 2008 (os preços subiram mais de 100% entre janeiro e julho em virtude de movimentos especulativos em nível global). 6 O Proálcool foi um programa financiado pelo governo brasileiro a partir de 1975 para substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados de petróleo por álcool. http://pt.wikipedia.org/wiki/OPEP http://pt.wikipedia.org/wiki/Israel http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Golfo 16 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos Figura 1-3 – Evolução da produção e do consumo de petróleo no Brasil (1970-2014) (mil m3) Fonte: EPE/MME (2015) Com base na Figura 1-2, pode-se dizer que o Brasil reduziu a participação da lenha e migrou para o petróleo e o gás natural em quatro décadas (1970 a 2010). Em relação às fontes renováveis, sua participação é significativa (46,4% em 2013), dada a crescente participação dos produtos da cana-de-açúcar nesse mesmo período. Já a partir de 2013, a participação da geração térmica é crescente devido a largo período de estiagem e aumento de consumo de eletricidade. Após a crise do petróleo da década de 1970, portanto, outras fontes de energia, até então não interessantes economicamente, passaram a ser consideradas no planejamento. Além disso, o conceito de segurança energética se tornou parte da política energética de diversos países. Em anos mais recentes, a energia eólica tem aumentado sua participação, assim como a energia solar fotovoltaica. 1.2.2. A questão ambiental O crescimento rápido e mal planejado da produção e do consumo energético levam a impactos ambientais que podem, inclusive, comprometer o desenvolvimento econômico e social. O uso de energia, seja por meio de combustíveis fósseis ou nucleares, da exploração em grande escala da hidroeletricidade ou, ainda, de recursos de biomassa, provoca os mais severos impactos ambientais tanto em nações em desenvolvimento como naquelas industrializadas. Isso inclui poluição do ar, geração de lixo radioativo, sedimentação das bacias dos rios, desmatamento, erosão do solo etc. A crescente percepção ambiental tem oferecido importantes resistências ao desenvolvimento do uso de algumas fontes energéticas e, também, condicionado a liberação de empréstimos de órgãos multilaterais ou governamentais sob o aparato de legislações ambientais mais restritivas. No passado, as questões ambientais eram consideradas secundárias e acessórias à necessidade do contínuo crescimento econômico das nações. Recentemente, tanto impactos ambientais globais como locais têm sido identificados como uma restrição potencial ao desenvolvimento. Os avanços do conhecimento científico no que se refere às mudanças climáticas e sua relação com o aumento -60.000 -40.000 -20.000 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 1 9 70 1 9 72 1 9 74 1 9 76 1 9 78 1 9 80 1 9 82 1 9 84 1 9 86 1 9 88 1 9 90 1 9 92 1 9 94 1 9 96 1 9 98 2 0 002 0 02 2 0 04 2 0 06 2 0 08 2 0 10 2 0 12 2 0 14 PRODUÇÃO IMPORTAÇÃO CONSUMO TOTAL EXPORTAÇÃO Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 17 de emissões de gases de efeito estufa (na sua grande parte originárias das atividades de produção e uso de energia) vêm influindo de maneira significativa nas opções energéticas dos países. Nas últimas décadas, e de forma mais acentuada na primeira década do século XXI, a pressão da sociedade para o uso de energia limpa vem contribuindo para alterar o perfil da matriz energética mundial, ainda que lentamente. Os relatórios de organismos internacionais, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC),que são periodicamente publicados, apontam os impactos sobre o clima provocados por usos de fontes energéticas poluentes, indicando a necessidade urgente de mitigação desses efeitos (IPCC 2014). As ações são diversas: aumento da eficiência energética das fontes atuais (poluentes e não poluentes), substituições das fontes poluentes por fontes alternativas menos poluentes, metas negociadas de emissão, mudança do perfil do consumidor etc. Pode-se afirmar, a despeito de eventuais controvérsias suscitadas contra esses relatórios, que o futuro será de energia limpa. No entanto, as fontes fósseis ainda permanecerão na matriz energética mundial por algumas décadas (ver evolução segundo a IEA na Figura 1-4). Para atingir as metas de redução programadas, sem mencionar aquelas necessárias para estabilizar a atmosfera, serão necessárias mudanças tecnológicas para diminuir a intensidade do uso de combustíveis fósseis na maioria dos sistemas energéticos e aumentar a eficiência no uso de combustíveis e eletricidade7. Os possíveis instrumentos políticos com os quais se estimulariam essas mudanças são muitos. Internacionalmente, a maioria das discussões se concentra nas várias formas de impostos sobre a emissão de carbono e, para algumas regiões, no balanço de emissões negociadas ou permitidas. Na esfera nacional, diversos países têm implementado regulamentações que restrinjam o consumo de energia e visem à uma maior eficiência energética, além de estimularem, por meio de mecanismos econômicos, investimentos que promovam um uso energético mais racional ou incentivem um maior fomento das fontes alternativas de geração de energia. Figura 1-4 – Previsão da matriz energética primária mundial em 2035 Fonte: IEA (2010) Nota: Refere-se a um dos cenários da IEA, chamado de New Policies Scenario, que pressupõe a introdução de novas medidas, de forma relativamente moderada, para implementar os compromissos de política geral que já foram anunciados, incluindo aqueles para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, em certos países, os planos para eliminar gradualmente os subsídios à energia fóssil. 7 É importante lembrar que cerca de 30% das emissões globais de CO2 advém da operação de centrais termoelétricas. 18 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos A participação dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) ainda será significativa em 2035, próxima de ¾ da matriz de energia primária mundial. Apesar do alto custo de produção em algumas regiões no mundo, dadas as circunstâncias adversas da ocorrência de formações geológicas onde se encontram esses recursos, não se discute que o petróleo e o carvão são fontes acessíveis, eficientes e relativamente baratas, embora poluentes. Os custos da geração de eletricidade a partir de fontes renováveis, notadamente a geração eólica e a solar fotovoltaica, vêm caindo constantemente e de modo significativo na última década, a ponto de já serem competitivos comercialmente em muitas regiões e em muitos países. 1.2.3. A eficiência energética A possibilidade de oferecer um serviço que dependa de menos energia e a constatação de que o crescimento econômico não está necessariamente atrelado a um maior consumo energético colocaram em xeque os fundamentos do planejamento dominante até meados da década de 1970 (Ockwell 2008). Outro reflexo da crise do petróleo desse período foi o reconhecimento da grande ineficiência dos veículos e equipamentos em operação, o que resultou na introdução de políticas de desenvolvimento tecnológico a fim de inserir no mercado produtos com menor consumo de energia, ou seja, mais eficientes. No entanto, talvez a mais convincente vantagem da eficiência energética, até hoje, é a de que ela é quase sempre mais econômica que a produção de energia. Não resta dúvida que, na maioria das vezes, investir em tecnologia eficiente para os vários usos finais requererá, também, maiores gastos de capital. Sistemas e equipamentos eficientes são geralmente mais caros que as tecnologias que eles substituem, salvo exceções. Entretanto, o custo de conservar 1 kWh é geralmente mais barato que a sua produção. Ainda, em muitas aplicações, o custo da eficiência é uma pequena fração dos custos da produção de energia. No entanto, tradicionalmente, esses custos são contabilizados por agentes diferentes, sendo ora debitados ao consumidor, ora à companhia de energia ou ao próprio governo. Podemos classificar em três categorias de Eficiência Energética (EE): EE do lado da oferta, ou seja, da indústria de produção de energia; EE do lado da demanda ou dos serviços de energia, ou, ainda, dos chamados usos finais de energia; e, finalmente, uma terceira categoria relacionada a comportamentos de consumidores, sejam eles indivíduos ou então instituições e corporações (Figura 1-5). O fluxo de energia, como será visto adiante, é permeado por uma série de tecnologias cuja função é converter diversas formas de energia nos serviços desejados, conforme mencionamos. A indústria de produção de energia é naturalmente estimulada a gerá-la de maneira mais eficiente porque assim terá mais lucros com a venda de seu produto. Grande parte dos esforços em pesquisa e desenvolvimento estão, justamente, buscando formas de se extrair e de produzir energia com menores perdas. O que chamamos de eficiência energética do lado da demanda ou dos serviços de energia é, ainda, a categoria que possui o maior potencial de eficiência energética. A dinâmica do mercado, a estratégia dos fornecedores de equipamentos e os altos custos de transação para substituir ou modificar as tecnologias em uso, têm oferecido entraves significativos para acelerar a introdução e a disseminação de novas tecnologias mais eficientes. Frequentemente é necessário recorrer a instrumentos regulatórios ou legislativos para possibilitar a comercialização de equipamentos mais eficientes. Incentivos financeiros acoplados a especificações técnicas que garantam o desempenho energético dentro de padrões cada vez menores de consumo têm sido utilizados para várias tecnologias de uso final, como motores, refrigeradores, lâmpadas e, inclusive, edificações. O usuário final é o terceiro elemento fundamental para um sistema energético eficiente. Além da contribuição importante das tecnologias de conversão energética e da infraestrutura que Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 19 estabelece padrões físicos de eficiência das duas categorias anteriores, o comportamento do consumidor (e das firmas e corporações) é essencial. Dele dependem decisões importantes como compra, instalação e operação e uso de equipamentos e processos que consomem energia. Seu padrão de consumo e estilo de vida determinam, em última análise, a produção, a distribuição e o consumo de energia de toda a cadeia de produção de bens e serviços de um país ou região. Acesso à informação, poder aquisitivo, cultura e preferências influem de maneira complexa nas interações dos consumidores com tecnologias e na demanda final de energia. Figura 1-5 – Tipos de eficiência energética Fonte: elaboração própria 1.2.4. A dimensão humanada energia A energia pode ser vista pela sociedade de várias formas, dependendo do nível de decisão, influência e necessidades inerentes aos diferentes grupos sociais. Entender essas distintas percepções é relevante porque elas condicionam a maneira de se realizar o planejamento energético e como decisões serão tomadas com relação a fontes, tecnologias e usos finais. A energia pode ser tratada como uma mercadoria (commodity), uma necessidade social ou um recurso estratégico ou ecológico. À parte dos aspectos técnicos nos quais o conhecimento das leis físicas é necessário para se entender as diferentes formas de conversão de energia (Patterson 1996), a tomada de decisão energética é muito influenciada pelo modo como é compreendida pelos agentes que participam desse processo. Para melhor entender o que é o PIR, é importante estender o conceito técnico de energia, conforme bem observaram Stern e Aronson (1984), refletindo o aprendizado sobre os impactos dos preços de petróleo no comportamento dos consumidores, das corporações e das políticas públicas de energia desde a década de 1970. 20 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos A visão da energia como commodity aparece em alguns setores importantes da economia, como os representados por companhias energéticas e os grandes consumidores. São agentes que dependem da produção, da venda ou da compra de energia. Esse ponto de vista reflete uma gama de valores baseados no relacionamento comprador-preço-vendedor e exclui, em geral, outros aspectos não relacionados à transação comercial. Os grandes consumidores, tais como indústrias eletrointensivas, também compartilham desse enfoque. Esse tipo de visão é dominante naquelas empresas de energia que somente consideram as vendas de kWh ou barris de petróleo como fonte de receitas. No caso do setor elétrico essa é a filosofia que tem influenciado as iniciativas de expansão da oferta e os estímulos ao aumento do mercado de consumo. A visão ecológica surgiu nos anos de 1970, quando as crises do petróleo obrigaram alguns países industrializados a usarem mais carvão e energia nuclear como fontes de energia. Diversos acidentes levantaram a questão da segurança nuclear8, aumentando os cuidados e os investimentos nesse setor. Os conceitos de poluição ambiental, recursos renováveis e desenvolvimento sustentável têm sido introduzidos desde então e foram disseminados por grupos e organizações que se caracterizam por fortes pressões para manter o controle sobre a expansão de atividades do setor energético. Esses grupos, apesar de não participarem diretamente do mercado de energia comercial, seja como produtor ou consumidor, sofreram ou se tornaram sensíveis aos efeitos da instalação nuclear, das grandes instalações hidroelétricas e de combustíveis fósseis com maiores impactos ambientais e têm sido capazes de influenciar nas decisões político-energéticas. A energia também pode ser entendida como uma necessidade da sociedade moderna, uma vez que seus serviços são considerados tão básicos como a infraestrutura de provisão de água, saneamento, transportes, saúde pública etc. Em muitos países existem medidas para socializar seu uso, como, por exemplo, subsídios em combustíveis usados por grupos de baixa renda ou para programas de eletrificação rural. Há setores da sociedade e órgãos públicos que são caracterizados por desenvolver atividades para manter o acesso de certos grupos de consumidores a serviços modernos de energia. Por fim, o aspecto estratégico tem sido determinado de acordo com a localização geográfica de certas fontes energéticas e da orientação política atual. Ele tem feito muitos países investirem na exploração de fontes domésticas ou procurarem alternativas mais seguras, apesar de muitas vezes essas iniciativas envolverem altos custos iniciais. A energia se tornou uma questão de segurança nacional e tem contribuído decisivamente como justificativa de alguns países para a intervenção militar em regiões produtoras, o que se evidenciou na guerra do Golfo Pérsico em 1991 e em muitas outras. 1.2.5. A necessidade de novo enfoque para o planejamento Os fatores supramencionados começaram a exigir que o suprimento das necessidades de energia da população fosse mais barato e com menor impacto ambiental. Nesse contexto, surge o chamado Planejamento Integrado de Recursos. O PIR, como será definido no item 1.5, é o desenvolvimento combinado da oferta de eletricidade e de opções de gerenciamento do lado da demanda para fornecer serviços de energia a custo mínimo, incluindo custos sociais e ambientais. Esse tipo de planejamento incorpora o esforço de se contabilizar o potencial de recursos em melhorias do uso de energia com o mesmo rigor empregado para se inventariar os recursos de oferta de energia. 8 Dentre outros acidentes, os mais notórios ocorreram na usina de Three Mile Island em 1979 (Harrisburg, Pensilvânia), na usina de Chernobyl em 1986 (maior da história até hoje, atingindo regiões da Bielo-Rússia, Ucrânia e Rússia) e na usina de Fukushima em 2011 (Japão). Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 21 P IR : in te g ra n d o a s o p ç õ e s d e re c u rs o s S u s te n ta b ili d a d e A s p e c to s in s ti tu c io n a is D e s e n v o lv im e n to Embora a literatura existente sobre Gerenciamento do Lado da Demanda (GLD) e Planejamento Integrado de Recursos seja considerável, não existe material de ensino suficiente sobre essas questões ou de treinamento destinado ao público9. É esse o principal objetivo deste livro: apresentar métodos e ferramentas para o Planejamento Integrado de Recursos. Procura-se apresentar a metodologia de PIR e as principais ferramentas de análise de uso final de energia no contexto dos países em desenvolvimento. O livro é destinado a estudantes dos cursos de pós- graduação em planejamento energético, reguladores do setor de energia, agentes públicos encarregados do planejamento setorial e também ao pessoal que trabalha em Companhias de Eletricidade (CEs). Este livro pode ainda ser utilizado por pessoas de companhias de fornecimento de energia em geral (que não a elétrica); é intenção oferecer-lhes uma forma a suplementar a avaliação da oferta de fontes energéticas, cujos usos finais não se deem na forma elétrica. Cada vez mais, uma parcela das fontes energéticas primárias, renováveis e não renováveis, concorre para que seu uso final se dê na sua forma mais nobre, a elétrica. Este livro traz exemplos realistas, exercícios e estudos de casos, promovendo a prática e procurando desenvolver no aluno a capacidade de apreciar e oferecer soluções de problemas relacionados com o planejamento energético em países em desenvolvimento. Alguns exercícios estão resolvidos e outros são deixados para que o leitor tente resolver. Figura 1-6 – Uma visão do Planejamento Integrado de Recursos Fonte: elaboração própria O avanço tecnológico está tornando mais difusa a separação entre oferta e demanda de energia. Por essa razão, incluímos, também, uma classe de tecnologias que chamamos de tecnologias de interface que possibilitam fluxos bidirecionais de energia, ou seja, o consumidor pode passar a ser um produtor de energia e pode vender sua geração para o sistema elétrico (Demand Response). No PIR essas possibilidades também devem ser avaliadas, são novos recursos energéticos que surgem e que devem ser considerados como opções. A Figura 1-6 ilustra esse conjunto de possibilidades tanto do lado da oferta, quanto do lado da demanda e das tecnologias de 9 Cabe citar as referências disponíveis em português nos seguintes endereços: http://seeds.usp.br/pir/, http://seeds.usp.br/pir/pir/pir2.html, http://seeds.usp.br/portal/uploads/09-002.pdf.GLD, Eficiência, "Demand Response" e conservação Recursos de demanda Substituição de energéticos, geração distribuída, mudança de padrões de consumo Materiais Armazenamento de energia Tecnologias de interface Família "smart"(redes, medição, equipamentos) Combustíves Eletricidade Calor Recursos de Oferta Eficiência energética http://seeds.usp.br/pir/ http://seeds.usp.br/pir/pir/pir2.html http://seeds.usp.br/portal/uploads/09-002.pdf 22 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos interface. É importante, também, considerar os aspectos institucionais e regulatórios que tornarão essas possibilidades técnicas economicamente viáveis, maximizando benefícios sociais. 1.3. FUNDAMENTOS SOBRE ENERGIA E SISTEMA ENERGÉTICO Conceituar energia não é trivial. Nesta seção são apresentados alguns conceitos elementares sobre energia a partir de seus aspectos técnicos e dentro de um sistema energético, no qual energia é convertida continuamente de uma forma a outra. Para os objetivos deste capítulo inicial é adotada uma definição que faça menção ao conceito de desenvolvimento sustentável, sem transgredir o que é entendido formalmente pela Física: energia é a força motriz (ou trabalho) oriunda de fontes diversas e, quando aproveitada de forma consciente, promove o desenvolvimento humano dentro dos limites impostos pelo meio ambiente. 1.3.1. As fontes de energia, vetores e usos O sistema energético compreende um conjunto de atividades que pode ser dividido em três níveis: • Produção e conversão de fontes em vetores energéticos; • Armazenamento e distribuição dos vetores; e • Consumo final. Cada nível inclui uma complexa rede de atividades com o objetivo de extrair energia das fontes encontradas na natureza e entregá-la ao ponto de consumo. Fontes de energia são as formas em que a energia é encontrada na natureza. As várias fontes são processadas e convertidas em vetores que, por sua vez, são armazenados ou distribuídos para os consumidores finais. Dependendo das atividades nos setores de consumo, a energia é usada para operar máquinas, motores, lâmpadas, transporte de bens e pessoas, com o objetivo de satisfazer as necessidades de força motriz, iluminação, cocção, climatização, entre outras. Essas diversas funções são chamadas usos finais energéticos ou serviços de energia. A Tabela 1-1 exemplifica os componentes de um sistema energético. Tabela 1-1 – Sistema energético: exemplo Fontes Petróleo Carvão Gás Solar Biomassa Extração, tratamento poço de petróleo mina de carvão poço de gás – agricultura Conversão, tecnologia refinaria termoelétrica processamento célula voltaica – Vetores gasolina, diesel, óleo combustível etc. eletricidade metano, etano, GLP etc. eletricidade etanol, metanol etc. Distribuição e armazenamento distribuição de derivados rede elétrica gasodutos, rede de gás rede elétrica, uso local caminhões, dutos Consumo final automóveis ar-condicionado fogão a gás lâmpadas fluorescentes automóveis Serviços de energia transporte qualidade do ar, conforto térmico cocção iluminação transporte 1.3.2. Recursos energéticos primários e secundários O recurso primário, subdividido em renovável e não renovável, é a energia encontrada na natureza ainda não submetida a qualquer processo de conversão ou transformação. O conceito de Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 23 recurso primário é usado especialmente em análise de dados estatísticos na composição do balanço de energia. São exemplos de recurso primário: combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), biomassas, energia geotérmica, energia de ondas e marés, energia hidráulica, energia solar, eólica e energia nuclear10. O recurso secundário, de consumo mais conveniente, provém do recurso primário por processo de conversão ou transformação (refinarias, destilarias de álcool, usinas de produção de eletricidade etc.). Os exemplos de recursos secundários mais comuns para efeito de balanço são: energia elétrica, combustíveis refinados ou sintéticos e o calor. No contexto da Física, a energia se manifesta nas mais variadas formas: energia química, magnética e em forma de radiação eletromagnética, térmica, sonora, energia mecânica, potencial, cinética, energia em forma de luz etc. A classificação das fontes energéticas como renováveis ou não renováveis pode ser discutível. A princípio, nenhuma fonte pode ser considerada absolutamente inesgotável. Todavia, fontes de energia são consideradas renováveis se seu uso pela humanidade não causa uma variação significativa nos seus potenciais e se suas reposições em curto prazo são relativamente certas. Por exemplo, a energia solar é considerada renovável, embora ela seja originada de reações de fusão nuclear que, por sua vez, são irreversíveis. Como exemplo, a Tabela 1-2 apresenta as fontes energéticas classificadas em recursos primários e secundários renováveis e não renováveis. Tabela 1-2 – Classificações de fontes de energia – exemplos Fonte Renovável Não renovável Recurso primário Hidráulica, biomassas, solar, eólica etc. Carvão, petróleo, gás natural, urânio etc. Recurso secundário Hidroeletricidade, biogás, vegetal etc. Gasolina, óleo diesel, termoeletricidade etc. De maneira análoga, fontes de energia são consideradas não renováveis se suas reposições naturais levarem muitos séculos ou milênios sob condições muito particulares, tais como para o petróleo, e sua reposição artificial é absolutamente impraticável, envolvendo processos com gastos de energia igual ou maior que a quantidade de energia obtida ou com custos proibitivos (ver Tabela 1-2). Figura 1-7 – Fluxo de energia Fonte: elaboração própria 10 Alguns combustíveis nucleares (plutônio, por exemplo) não são encontrados na natureza em qualquer quantidade, portanto são considerados energias secundárias. 24 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos A energia final inclui algumas formas de recursos primários e secundários que estão disponíveis para o consumidor, descontando perdas da produção, armazenamento e distribuição. Esse recurso é convertido em energia útil no ponto do uso final. Energia útil é a energia realmente demandada pelo consumidor, como calor, luz ou movimento mecânico. A quantidade de energia útil aproveitada de uma dada quantidade de energia final depende da eficiência da tecnologia do uso final. A energia é transformada por meio de uma cadeia de eventos e de conversões. O recurso primário existe na forma natural, por exemplo, de um combustível fóssil que é extraído de um depósito sedimentar. Depois de uma série de transformações, a energia se torna disponível para o consumidor, que a converte em formas úteis que são os serviços de energia (ver Figura 1-7). 1.3.3. Eficiência dos sistemas de conversão Durante toda a sequência de transformações energéticas representadas na Figura 1-7 existem perdas, cabendo ao planejador a tarefa de idealizar um sistema que procure reduzi-las de maneira economicamente atraente e ambientalmente mais segura. Entende-se por eficiência de um sistema de conversão energética (seja eólico, solar ou de uma termoelétrica qualquer) a razão entre a energia investida (potência máxima teórica do recurso energético) e a produzida: (1.1) Onde S representa a eficiência do sistema de conversão, sendo que 0<S<1. É comum definir uma taxa de retorno energético11. A TRE é definida como a razão entre a energia disponível em uma determinada fonte para aproveitamento em um sistema de conversão e a energia investida para obtê-la: (1.2) Se TRE<1, diz-se que o método de exploração para obtenção dessa fonte é o do tipo sumidouro. Nesse caso, não há ganho de energia. O ganho líquido de energia Enet está relacionado com a taxa de retorno energético conformea Eq. (1.3) a seguir: (1.3) A eficiência de um sistema de conversão, além do índice S, pode ser avaliada também pela TRE, que, quanto maior, indica que mais eficiente ou mais tecnológico é o sistema. Já as máquinas térmicas (unidades de um sistema) são avaliadas pelo que elas podem fornecer em termos de trabalho a partir do uso do calor. O rendimento de uma máquina térmica é dado por: (1.4) Onde Qdisponível é a energia disponível e W é o trabalho obtido com a energia útil. Em todo sistema térmico parte do calor é utilizada em forma de trabalho (energia útil) e parte é dissipada, portanto W=Qdisponível–Qdissipada. Assim, o rendimento de uma máquina térmica é: 11Taxa de Retorno Energético (TRE). O termo em inglês é conhecido como Energy Returned On Energy Invested (EROEI). produzida investida E E S = investida conversão para disponível TRE E E = investidanetconversão para disponível investida investidanetTRE EEE E EE += + = disponívelQ W T = Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 25 (1.5) Logo, quanto menos a energia em forma de calor é dissipada, maior é o rendimento da máquina térmica. As máquinas térmicas e outros dispositivos que funcionam por ciclos utilizam normalmente um fluido para receber e ceder calor. Esse fluido é denominado fluido de trabalho, o qual recebe calor de uma fonte quente a uma determina temperatura Tq (reator nuclear, queima de combustíveis, energia solar, energia geotérmica etc.) e rejeita calor não utlizado para um reservatório ou fonte fria, a uma temperatura Tf. Segundo o Físico francês Nicolas Carnot 12, uma máquina térmica tem rendimento máximo conforme a Eq. (1.6) a seguir: (1.6) O rendimento segundo o ciclo de Carnot é teórico, pois se baseia em transformações (duas isotérmicas e duas adiabáticas) perfeitamente reversíveis, o que na prática é impossível. No entanto, é útil para avaliar o quão próximo o rendimento de uma máquina térmica real está de uma máquina teórica ou perfeita. Em outras palavras, a energia dissipada de qualquer máquina térmica é sempre maior que a mínima teórica. 1.3.4. Energia útil A energia útil, como já mencionada, é aquela que chega até o consumidor promovendo algum tipo de serviço. Serviços de energia incluem, por exemplo, iluminação, conforto térmico, refrigeração de alimentos, transporte, manufatura de produto etc. Geralmente se discute a eficiência do uso final energético com atenção à conversão de energia final para energia útil realizada em um determinado equipamento. Esse conceito, na verdade, é mais abrangente. Por exemplo, um ar- condicionado eficiente pode reduzir a demanda de eletricidade de um prédio comercial, mas uma construção bem projetada poderia promover o mesmo serviço de energia (conforto térmico) sem o ar-condicionado. A Figura 1-8 é um exemplo que ilustra o efeito das melhorias na eficiência do uso final reduzindo os requisitos de entrada energética enquanto mantém o mesmo nível de saída de serviço para o caso de um motor elétrico (força motriz). Melhorias técnicas, nos processos e equipamentos, podem aumentar a eficiência de um sistema típico de motor bomba de 31% (ver Figura 1-8) para 70%. Só a introdução de um controlador eletrônico de velocidade já produz efeitos na eficiência dos outros componentes. Seja qual for a configuração de um sistema para fornecer um serviço de energia, a introdução de melhorias pode reduzir substancialmente o consumo de energia na entrada do sistema e, com isso, diminuir consideravelmente os custos com energia, além de cobrir o investimento realizado com as melhorias técnicas. 12 Nicolas Léonard Sadi Carnot (1796 a 1832). Físico, matemático e engenheiro. Autor do primeiro modelo teórico sobre máquinas térmicas (ciclo de Carnot). Também apresentou os fundamentos da segunda lei da termodinâmica. disponível dissipada disponível dissipadadisponível 1 Q Q Q QQ T −= − = disponível mín dissipada onde1 Q Q T T T T q f q f Tmáx =−= 26 Planejamento Integrado de Recursos Energéticos Figura 1-8 – Eficiência do uso final Fonte: a partir de Lovins, Fickett e Gellings (1990) A Tabela 1-3 apresenta exemplos de eficiência energética em sistemas ou serviços de energia. Tabela 1-3 – Exemplos de eficiência de conversão da energia final para energia útil Sistema Eficiência energética, Sistema Eficiência energética, Motor a combustão interna 10-50% Turbina a gás até 40% Ciclo combinado de turbina a gás e turbina a vapor até 60% Turbina d’água até 90% Turbina eólica até 60% Célula solar 6 a 40% (depende da tecnologia) Célula combustível até 85% Motor elétrico 30-60% (<10W); 50-90% (10-200W); 70-99% (>200W) Lâmpada fluorescente 28% Lâmpada de vapor de sódio 40% Lâmpada incandescente 5-10% Eletrólise da água 50-70% 1.3.5. Contabilidade energética Balanço de energia e matriz energética Um balanço de energia é um sistema de contabilidade que descreve o fluxo de energia por meio de uma economia durante um dado período, geralmente um ano. Esse conjunto de informações é atualmente a mais completa fonte disponível de estatísticas de energia oficiais sobre produção, conversão e consumo, assim como importação e exportação de vetores de energia. O principal objetivo de um balanço energético é prover informação para o planejamento de investimentos nos diferentes setores do sistema econômico. Ele também deve indicar onde realizar investimentos em pesquisa e desenvolvimento para tecnologias de geração e uso mais eficientes. Motor 90% Planejamento Integrado de Recursos Energéticos 27 O balanço energético pode ser feito por meio de uma matriz, também chamada de matriz energética13, na qual todas as formas de energia, suas conversões, perdas e usos em um dado período são registradas em uma mesma unidade de medida. Um balanço energético pode ser apresentado de diversas formas, cada uma com suas próprias convenções e proposições. A forma mais comum inclui colunas com quantidades de fontes ou vetores de energia usados e linhas com dados sobre as transformações energéticas e os setores consumidores. No Brasil, a EPE14 é a empresa subordinada ao Ministério de Minas e Energia responsável por emitir o balanço energético do país, além de prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético brasileiro. A Tabela 1-4 a seguir indica parte de um balanço energético primário do Brasil no ano de 2010 publicado pela EPE. Tabela 1-4 – Balanço energético - exemplo (×103 TEP) Petróleo Gás natural Produtos da cana Energia primária total Produção, P 106.439 22.771 48.852 253.554 Importação, I 17.496 11.130 0 42.078 Variação de estoques, Vs 959 0 0 2.329 Oferta total, (P+I+Vs) 124.894 33.900 48.852 297.959 Exportação, X –32.614 0 0 –32.614 Perdas na produção, Pprod 0 –6.185 0 –6.185 Oferta interna bruta 92.280 27.716 48.852 259.161 Total de transformação, L –92.304 –10.409 –17.422 –183.681 Refinarias de petróleo –92.304 0 0 –94.279 Plantas de gás natural 0 –2.860 0 –1.139 Centrais elétricas 0 –7.294 –2.716 –49.791 Destilarias 0 0 –14.706 –14.706 Demais transformações 0 –254 0 –23.766 Perdas na conversão e na distribuição, Pconv 0 –65 –439 –534 Consumo final não energético 0 736 0 736 Consumo final energético 0 16.532 30.991 74.258 Setor energético 0 5.007 13.171 18.183 Residencial 0 255 0 7.531 Comercial e público 0 262 0 351 Agropecuário 0 2 0 2.525 Transporte 0 1.767 0 1.767 Indústria 0 9.239 17.821 43.902 Ajustes 24 27 0 49 O nome "balanço" se refere ao fato de que as quantidades do recurso energético primário produzidas devem ser necessariamente iguais às quantidades consumidas, depois de contabilizadas por mudanças nos
Compartilhar