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CAPÍTULO 8 LUDOTERAPIA CENTRADA NA PESSOA: a psicoterapia infantil proposta pela abordagem centrada na pessoa Anita Bacellar1 “Na segurança da sala de ludoterapia, onde a criança é a pessoa mais importante, onde ninguém lhe diz o que deve fazer, subitamente ela sente que pode abrir suas asas e olhar diretamente para dentro de si mesma.” Virginia Mae Axline Resumo: Neste capítulo a autora apresenta a proposta da Abordagem Centrada na Pessoa para a psicoterapia infantil denominada de ludoterapia centrada na pessoa. Tomando como referência a sua própria aprendizagem profissional, a autora descreve sobre o universo infantil, a teoria do desenvolvimento da personalidade proposta pela abordagem centrada na pessoa e a teoria da ludoterapia ao longo da evolução histórica da abordagem centrada na pessoa. 1Graduada em Psicologia pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro. Especialista em Psicologia Clínica.. Mestre em Educação. Gestora do Espaço Viver Psicologia. Orientadora de trabalhos de conclusão de curso e supervisora clínica em psicoterapia com base na Abordagem Centrada na Pessoa. Autora de artigos e organizadora dos livros Psicoloiga Humanista na Prática: reflexões sobre a abordagem centrada na pessoa, vol. 1, 2 e 3 publicado pela Editora Unisul. Quando sentei para escrever esse capítulo uma pergunta me veio a cabeça. O que significa ser criança para mim? Imediatamente, fui tomada pelas lembranças da minha infância. Fui uma criança de poucas palavras e de muita expressão. Eu adorava desenhar. Ficava muito tempo debruçada sobre meus desenhos, viajando por um mundo encantado. Ainda me lembro da sensação de serenidade, reconhecimento e plenitude que sentia diante de um desenho recém terminado. Era eu presente naquele trabalho com as minhas emoções e a minha forma de ver o mundo. Além dos desenhos estiveram presentes nessa viagem expressiva minhas bonecas de papel, uma boneca preferida, as brincadeiras de papai e mamãe e de ser aeromoça. Através dessas brincadeiras eu entendia o meu presente e me projetava para uma mulher que desejava ser no futuro. Sonhos de um vir a ser que me enchiam de perspectivas e que me conduziam para um caminho de realização das minhas potencialidades. Nessa trajetória, poucas foram as vezes em que me lembro de ter essa sensação de reconhecimento nas relações interpessoais. Como filha única e neta mais próxima dos meus avós recebi muita atenção, cuidado e carinho dos meus familiares. O mesmo aconteceu na relação com os professores, sempre encantados com o meu jeito de ser carinhoso e afetivo. No entanto, faltava alguma coisa que me deixava com uma sensação de vazio e solidão, hoje identificada como uma ausência de reconhecimento, por parte do outro, do significado que as vivências tinham para mim e, consequentemente uma ausência de compreensão, por parte do outro, da minha forma singular de sentir e perceber o meu mundo infantil. Todos, e incluo nesse contexto algumas crianças do meu convívio, reagiam ao que eles percebiam do meu comportamento e não ao que eles representavam para mim. Meus esforços de esclarecimento, não eram garantia de que seria ouvida. Percebi, muito cedo, que teria que gastar muita energia para manter o meu fluxo de crescimento e para ser compreendida pelo meu referencial interno e não pela analise dos meus comportamentos. Essa vivência foi tão forte para mim que me tornei uma adolescente e posteriormente uma adulta sensível ao mundo infantil. Hoje, reconheço o quanto a linguagem e a forma de perceber o mundo do adulto é diferente da forma de expressar e perceber o mundo de uma criança, tão diferente que a ausência de interação entre essas duas formas pode gerar relações que, apesar de afetivas, não facilitem um crescimento realizador e atualizante. Com essa percepção iniciei minha caminhada profissional. Estava convicta de que o meu papel seria o de facilitar o diálogo entre esses dois mundos e para isso seria necessário ampliar a minha compreensão da criança e da sua forma de perceber o mundo. Ser Criança: contextualizando o mundo infantil O que é ser criança? Nos dias de hoje não precisa ser especialista para arriscar alguns palpites. Ser criança é acreditar que o impossível não existe e que não existe obstáculo que não possa ser superado. É não fazer de uma briga uma separação definitiva. É viver intensamente cada momento da vida, sejam eles de tristeza ou de alegria. Ser criança é sinônimo de espontaneidade, autenticidade angelical, ingenuidade e da mais profunda pureza. Estamos diante de características que, quando reconhecidas pelo adulto, promovem a formação de laços afetivos que serão o alicerce da realização de suas potencialidades. No entanto, não foi sempre assim. O historiador Philippe Ariès, em sua obra intitulada “História Social da Criança e da Família” nos diz que até o final do séc. XVIII não existia, nas artes da época, crianças com expressões infantis. Todas eram representadas como adultos em miniaturas. Pois bem! O que será que isso representa? Entendendo a arte como uma criação humana a serviço da apresentação da forma como o mundo é percebido e sentido pelo ser humano podemos inferir que estamos diante de uma representação que desconhece a existência da infância, entendida como “um período de transição, logo ultrapassado, e cuja lembrança era logo perdida” (Ariès, 1978:51) Palavras que, na atualidade, podem chocar, mas que expressam o pouco contato que os adultos da época tinham com as suas crianças em decorrência do baixo índice de sobrevivência infantil. “O sentimento de que se faziam várias crianças para conservar apenas algumas era e durante muito tempo permaneceu muito forte[...] As pessoas não se podiam apegar muito a algo que era considerado uma perda eventual.” (Ariès, 1978:56) Aos poucos a criança vai se fazendo presente, dessa presença nasce o reconhecimento da sua singularidade, individualidade e potencialidade para ser um adulto e desse reconhecimento o interesse em conhecer as especificidades do mundo infantil. Muitas pesquisas foram realizadas e com fomos desvendando uma realidade até então desconhecida. Descobrimos que nossa criança nasce com muitas possibilidades e potencialidades para vir a ser um adulto, mas com poucas possibilidades de garantir sua conservação no mundo sem a ajuda do outro. Diante das possibilidades de um recém- nascido reconhecemos que nossas crianças nascem inacabadas e que passarão por um longo período de desenvolvimento até serem capazes de cuidarem de si mesmo. “a infância é o período da humanização do indivíduo, da aprendizagem da natureza humana. Essa aprendizagem é longa, tanto mais longa quanto mais complexo e o mais envolvido o nível adulto por atingir. Essa humanização só se pode fazer no quadro de um meio humano adulto que esteja sempre a revelar e a propor, à criança, os comportamentos característicos de sua espécie e do grupo do qual faz parte.” (Osterrieth, 1980:18) Estamos diante de um desenvolvimento cuja sua realização estará condicionada a forma como ocorrerá à interação entre crescimento físico (maturação), cognitivo e sócio-afetivo. Muitas teorias demonstram os diferentes aspectos desse desenvolvimento. Conhecê-los é chave para a compreensão mais ampliada do ser criança e do mundo infantil. Fiquei encantada quando entendi a teoria do desenvolvimento de Jean Piaget. Enquanto falava do meu encanto para os outros, algumas pessoas me perguntavam: Como você consegue integrar uma teoria do desenvolvimento que está sustentada em estágios maturacionalmente determinado com a Abordagem Centrada na Pessoa que não acredita na determinação humana e apresenta como pilar teórico o conceito de tendência atualizante? Bem! Realmente são teorias que partem de princípios diferentes, mas não foi esse o fator que me guiou nessa direção.O que mais me fascinou, e que me fascina até hoje, na teoria de Jean Piaget é o fato de que através dela é possível compreender o mundo infantil a partir de uma perspectiva infantil e não através de uma dedução lógica abstrata produzida por um adulto. Com Jean Piaget aprendi que criança não pensa e nem enxerga o mundo da mesma forma que um adulto e que se quisermos compreender as atitudes de uma criança precisaremos, antes de qualquer coisa, compreender as diferentes etapas do pensamento infantil. Vejamos os ensinamentos que ele nos deixou. Um dos conceitos que representam o pensamento infantil para Piaget é o egocentrismo. Diferente do conceito popular que consiste em reduzir tudo a si mesmo, para Piaget, egocentrismo representa “uma absorção do eu nas coisas e nas pessoas, com indiferenciação entre o ponto de vista próprio e outros pontos de vistas.” (Piaget, 1993:68) Nesse contexto, a criança, por um lado, não consegue perceber as características individuais do outro e por isso, o outro é apenas aquilo que ela percebe e, por outro lado, tem a sensação de que conhece o outro plenamente quando, na realidade, está atribuindo ao outro, qualidades que são provenientes dela mesma. Assim, para a criança suas atitudes estão sempre corretas e por mais que expliquemos para ela as outras formas de entendimento seu posicionamento não muda. Como se dará o processo de superação do pensamento egocêntrico? Vai ser necessário que a criança se constitua como um ser em processo de individuação. Com isso quero dizer que, para Piaget a superação do pensamento egocêntrico não se dá em decorrência do aumento do conhecimento que a criança pode ter do outro, mas sim pela ampliação da percepção de si dissociado do outro. Da indiferenciação à dissociação várias etapas do desenvolvimento são vivenciadas pela criança, dando origem aos estágios do desenvolvimento do pensamento infantil representados por: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. O estudo de cada um desses estágios representou, para mim, o passaporte para o mundo infantil. Através desse estudo compreendi que se eu quiser construir um diálogo com uma criança, vou precisar entender o jeito que ela tem de perceber o mundo nos diferentes momentos da sua infância. Quando estamos diante de uma criança que está vivendo um momento de aprendizagem sensório-motora (0-2 anos) reconhecemos que suas ações representam a sua compreensão de mundo através de uma linguagem sensorial/motora e que o estabelecimento de um diálogo com essa criança dependerá da minha capacidade de expressão no diferentes momentos da evolução sensorial e motor - de uma imitação por contagio, para uma ação imitativa diferida até chegar numa ação imitativa interiorizada representante das brincadeiras de faz-de-conta. “o jogo simbólico é a manifestação da atividade imitativa interiorizada, é o domínio em que a criança age ‘como se’, vale dizer, transforma o real ao bel-prazer de sua fantasia e seus desejos. Ela aí exprime tanto seu desejo de recriar o mundo segundo as exigências de sua imaginação lúdica, seus conflitos afetivos com os seres que revive ao representá-los no jogo, quanto seus desejo profundos”. (Dolle,1974:30) A capacidade de representação simbólica presente no faz-de-conta infantil anuncia que essa criança desenvolveu um novo recurso expressivo, onde o pensamento é caracterizado pelo simbolismo particular da criança. Nesse contexto, brincar é o veículo que garante um diálogo com o mundo infantil. Estamos diante do que Piaget denominou de período pré-operatório (2-7 anos). Segundo Piaget (1996) “a atividade cognitiva da criança torna-se operatória a partir do momento em que adquire mobilidade tal que uma ação efetiva do sujeito (classificar, adicionar, etc.) ou uma transformação percebida no mundo físico (uma bola de massa de modelar) pode ser anulada em pensamento por uma ação orientada em sentido inverso.” (p. V) É a reversibilidade mostrando o seu papel na construção do diálogo com a criança. Um novo jeito de expressar se faz presente e o faz-de-conta vai dando lugar aos jogos estratégicos característico do período operatório (7 a 11 anos) Com esse conhecimento fica claro que, independente da concepção psicológica adotada pelo psicólogo, o trabalho com a criança envolve, necessariamente, a um brincar. Apesar de estarmos diante de uma temática universal não existe, entre os estudiosos, uma unanimidade em relação a definição do brincar. Segundo Berlyne, citado por Bomtempo (1986) a maioria dos estudiosos concordam com a ideia de que toda atividade de brincar tem um fim em si mesma, está associada a busca de prazer e contempla a irrealidade do jogo. Sendo assim, trata-se de uma atividade que estar a serviço do desenvolvimento cognitivo, social e afetivo da criança. Para cada brincadeira um desenvolvimento, para cada desenvolvimento o prazer da realização. Assim como Piaget me foi muito útil para entender a relação da atividade do brincar com o desenvolvimento cognitivo, a categorização realizada por Erick Erikson me ajudou muita a relacionar a forma de brincar de uma criança com o seu desenvolvimento social. Segundo Erikson (1963) podemos identificar três formas de se relacionar socialmente no ato do brincar. “O jogo da criança começa e se centraliza em seu próprio corpo. É o que chamamos jogo autocósmico. Começa antes do que se perceba que é um jogo e consiste a princípio da exploração por repetição de percepções sensoriais, de sensações cinestésicas e de vocalizações[...] A microesfera – isto é, o pequeno mundo de brinquedos exeqüíveis – é um abrigo que a criança organiza para a ele se recolher toda vez que precisar submeter seu ego a um reexame meticuloso [...] Finalmente, na idade escolar, o prazer lúdico invade a macroesfera, o mundo compartilhado com os outros. A princípio, estes outros são tratados como coisas, inspecionados, entrechocados, e forçados a ‘ser cavalinhos’. O aprendizado necessário para descobrir que conteúdo lúdico potencial pode ser admitido só na fantasia ou só no jogo autocósmico, que conteúdo pode-se representar com bom resultado só no mundo microscósmico dos brinquedos e coisas, e que conteúdo pode ser compartilhado com os outros e imposto aos outros.” (Erikson, 1963:203) Relacionando esse contexto com o processo psicoterápico identificamos que a forma de brincar que mais promoverá reflexões das questões emocionais será a microesfera, o que nos ajuda a mapear o território da psicoterapia. Não posso desconsiderar nesse cenário de influências o estudo produzido por John Bowlby sobre a formação e o rompimento dos laços afetivos. Seu principal interesse, ao longo da sua vida profissional, foi verificar o efeito dos sentimentos ambivalente no desenvolvimento da personalidade infantil. “Essa tendência inconveniente que todos possuímos para ficarmos com raiva e, por vezes, com ódio da mesma pessoa que nos é mais querida.” (Bowlby, 1982: 3) Os vários anos de experiência permitiram que ele chegasse a conclusão de que a falta de recurso para regular a raiva e o ódio sentido pela pessoa amada são geradores de sentimento de culpa, fruto do desejo de destruir aquele que tanto se ama, e medo, por cogitar a possibilidade de retaliação como forma de punição dos desejos e atos hostis. Assim, quanto maior o sentimento de raiva e ódio, maior será o desejo de magoar e destruir a pessoa amada e maior a dificuldade de experienciar plenamente tal realidade. “Se a criança seguir um caminho favorável, ela crescerá consciente de que existem em seu íntimo, impulsos contraditórios, mas estará apta a dirigi-los e controlá-los, e a ansiedade e culpa que eles engendram será suportável. Se o seu progresso for menos favorável, a criança será assediada por impulsos sobre os quais sente não ter controle ou ter um controle inadequado; em conseqüência disso, sofrerá uma ansiedade aguda com relação à segurançadas pessoas que ela ama e também temerá o revide que, acredita ela, não deixará de cair sobre sua própria cabeça.” (Bowlby, 1982: 5) Mas onde essa história começa? Na necessidade que temos, ao longo da vida, de construir ligações afetivas como base de segurança pessoal. Segundo Bowlby (1982) dois conjuntos de influencias estão presentes na constituição dos vínculos afetivos. O primeiro tem relação com o tipo de segurança estabelecida com a pessoa critério nos diferentes momentos da vida, caracterizado pelo tempo de sua presença com a criança. O segundo diz respeito, por um lado, a capacidade da criança de identificar a pessoa que pode ser digna de sua confiança e que, além disso, esteja disposta a servir de base de segurança para criança. E por outro lado, a disponibilidade da criança em colaborar com a pessoa que foi identificada como porto seguro. Estamos diante do que Bowlby denominou de teoria da ligação, geradora dos comportamentos de apego e ansiedade de separação, cuja principal variável está presente no grau de segurança que os pais são capacidades de oferecer para criança e da capacidade de estimular na criança a exploração do ambiente a partir dessa base. Do estudo dessa variável Bowlby, junto com Ainsworth, identificou a existência de quatro estilos de apego, ou seja, de modelos operativos internos em relação a proximidade ou distanciamento da figura de apego. 1) Apego Seguro: São crianças que constituíram vínculos afetivos com pessoas que se apresentam como base de segurança confiável e estável. A confiança que esse tipo de base promove na criança é geradora de uma tranqüilidade que permite a criança explorar o ambiente e estabelecer novas relações sociais, por reconhecer a existência de um porto seguro para os momentos em que estiver diante de situações do qual não consiga gerenciar. 2) Apego Inseguro-evitativo: São crianças que estabeleceram laços afetivos com pessoas que reagiram a seus pedidos de apoio e cuidado de forma evitativa. A ansiedade decorrente da insegurança produzida por tais atitudes gera na criança um comportamento de proteção de si mesmo, expressos em um jeito de ser auto- suficiente emocional. “Uma pessoa que apresenta esse padrão insiste em agüentar firme em fazer tudo por si mesma, sejam quais forem as condições” (Bowlby, 1982:130) 3) Apego Inseguro-ambivalente: São crianças que estabeleceram laços afetivos com pessoas que nem sempre estão disponíveis aos pedidos de apoio e cuidado. Tal atitude gera na criança uma ansiedade decorrente da insegurança produzida por nunca saber se vai ou não receber o apoio e o cuidado que precisa da pessoa amada. Nesse contexto, é comum que as crianças expressem a necessidade de ficar próxima fisicamente do cuidador por não saber se ele estará disponível quando ela precisar de apoio e cuidado. Estamos diante de uma criança que ocupa todo o seu tempo tentando evitar a possibilidade de viver a ameaça de separação e a ansiedade que tal ameaça produz. Em decorrência disso não consegue explorar o ambiente, tão necessário ao desenvolvimento das suas potencialidades sociais, cognitivas e afetivas. 4) Apego Desorganizado: Estamos diante de um modelo operativo interno que contempla o vínculo afetivo com pessoa que em alguns momentos apresentam atitudes evitativas e em outros momentos apresentam atitudes ambivalentes, gerador de atitudes na criança em alguns momentos de auto-suficiência e em outros de uma proximidade física desesperada. Com o conhecimento de cada uma dessas teorias é possível reconhecer todo e qualquer desenvolvimento se dá através das relações interpessoais. É através das relações humanas que a criança apresenta seu jeito de ser, cognitivo, social e afetivo e ninguém melhor do que Carl Rogers para nos apresentar o papel das relações interpessoais no desenvolvimento da personalidade infantil. A Abordagem Centrada na Pessoa: o papel das relações interpessoais no desenvolvimento da personalidade Toda criança, desde o nascimento, possui dois atributos: Uma tendência a atualizar suas potencialidades e uma capacidade de considerar como realidade o que percebeu da experiência, ou seja, compreende a realidade, única e exclusivamente, a partir do seu ponto de referência interno. Isso nos permite supor que, naturalmente, o comportamento de uma criança expressa um acordo entre a atualização das suas potencialidades e a percepção que teve da realidade. Assim, por exemplo, uma criança que chora quando está em um colo estranho está reagindo a sua necessidade de conservação diante da percepção de que a experiência não é segura. Para essa criança a realidade fica insegura independente da pessoa estranha ser ou não confiável. “Sua experiência é acompanhada de um processo contínuo de avaliação. Esta avaliação pode se denominar ‘organísmica’, já que é a tendência atualizante que lhe serve de critério. Atribui um valor positivo às experiências que percebe como favoráveis à preservação e à valorização do organismo; e atribui um valor negativo às experiências que percebe como contrárias à preservação e à valorização do organismo.” (Rogers & Kinget, 1977:196) Aos poucos essa criança, no exercício da tendência atualizante, vai se diferenciando a ponto de perceber que a avaliação feita da experiência produz uma percepção de realidade que é só dela, ou seja, a criança reconhece que a sua existência e a sua forma de agir é singular e o outro passa a ser percebido independente dela. Inicia- se a constituição da noção de self a partir da experiência. A medida que a criança vai constituindo a sua noção de self e passa a apresentá- la nas suas relações pessoais, desenvolve uma necessidade de consideração positiva incondicional, ou seja, uma necessidade de ser considerada a partir da sua intenção de atualização das potencialidades e não a partir do seu comportamento. Quando a criança estabelece relação com uma pessoa cuidadora, que respeita a sua busca pela atualização das potencialidades e entende que comportamento faz parte de um processo de aprendizagem e não um representante da sua intenção verifica-se a constituição de uma noção de self real, sustentada por uma atitude congruente, ou seja, uma atitude em que a imagem de si está em acordo com a experiência. Nessa perspectiva, a criança mantém a confiança no seu referencial interno e reage a realidade respeitando o seu referencial. Estamos diante de uma relação cuja cuidador apresentam as três atitudes que, segundo Rogers, representa as condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento da personalidade, a saber: autenticidade, empatia e aceitação. A atitude autêntica caracteriza-se por uma ação que está em acordo com a representação consciente da experiência, que por não se apresentar como ameaçadora é simbolizada corretamente. O agir com base na representação da experiência presente garante ao cuidador a compreensão da sua forma de perceber e sentir a realidade vivida, possibilitando o surgimento de uma compreensão empática, que dito pelo próprio Rogers (1977): “Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando[...] Significa frequentemente avaliar com ele/ela a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior.” (p:73) A integração entre a autenticidade e a empatia promove um clima de aceitação incondicional por parte do cuidador decorrente do estabelecimento de uma relação com a criança fundamentada na compreensão da experiência, na intenção da sua ação e não no julgamento do comportamento. No entanto, nem sempre uma criança estabelece relação com um cuidador com essas atitudes. A ausênciadessas atitudes, na maioria das vezes, faz com que a necessidade de ser considerada positivamente pela pessoa amada se torna uma força diretriz maior do que o processo de avaliação interna da experiência. O leitor poderia perguntar: Por que isso acontecer? Segundo Rogers (1977) “Quando as experiências de si de um dado indivíduo são julgadas por certas pessoas-critérios como sendo, ou não sendo, dignas de consideração positiva, resulta que a consideração positiva do indivíduo com relação a si mesmo torna-se igualmente seletiva. E isso porque o afeto recebido da pessoa amada é tão importante que ela não quer correr o risco de perder.” (p.199) Assim, para garantir a manutenção do afeto, a criança passa a observar os momentos em que as reações da pessoa amada são representantes de expressões afetivas. Através dessa observação ela vai construindo uma imagem do repertório de ações que garantem o afeto da pessoa amada. De posse desse repertório suas atitudes passam a ser guiada por um referencial externo e não mais pela avaliação interna da experiência. Aos poucos, essa atitude deixa de estar pautada apenas em uma pessoa e se expande ao ponto de passar a fazer parte do modo de ser da pessoa nas relações em geral. Estamos diante de uma noção de avaliação condicional geradora de uma noção de self ideal, representado pela imagem que a criança gostaria de ter de si mesmo, geradora da atitude incongruente conceituada por Rogers como o estado de desacordo entre a imagem de si e a experiência vivida. Estamos diante de um jeito de ser que dificulta o desenvolvimento das potencialidades e consequentemente da atualização do ser como pessoa autônoma e responsável por si mesmo. Como ajudar essas crianças a restabelecerem a confiança e o diálogo com o seu referencial interno é o que veremos a seguir. A Ludoterapia Centrada na Pessoa Um ludoterapeuta centrado na pessoa ao entrar na sala de brinquedo com uma criança traz consigo o conhecimento do mundo infantil e os princípios que norteiam a abordagem centrada na pessoa. Entre os princípios, a certeza da tendência atualizante e da visão de personalidade como um processo dinâmico, em constante mutação, fruto da interação da criança com o mundo. Dois elementos que fundamentam a confiança do ludoretapeuta no processo de mudança que levará a uma imagem de si em acordo com o referencial interno da criança. Como bem expressa Axline (1980:23) “Experiências mudam a perspectiva e o foco do indivíduo. Tudo está constantemente mudando, desenvolvendo-se, assumindo vários graus de importância para o indivíduo à luz da reorganização e integração de suas atitudes, pensamentos e sentimentos.” E se a forma de simbolizar a experiência tem relação direta com as atitudes, pensamentos e sentimento da criança então podemos dizer que, a forma como uma criança organiza as suas experiências serve de base para a compreensão da sua dinâmica de personalidade. A partir da experiência terapêutica de Axline foram identificadas duas dinâmicas de personalidade. Crianças que confiam no seu referencial interno, avaliam, selecionam e escolhem a forma de interagir com o mundo tomando como base um único objetivo: o de concretizar uma vida plenamente auto-realizadora. Por outro lado, crianças que não confiam no seu referencial interno, fundamentam seu plano de ação em referenciais que estão em desacordo com a sua forma de perceber e sentir a experiência. Tais crianças parecem concordar com um crescimento limitado por esse parâmetro, pois é comum verificarmos que essas crianças fazem muito pouco para concretizar o seu crescimento de forma auto-realizadora. No entanto, comportamentos de agressividade, distanciamento afetivo, regressão, entre outros, freqüentes nessas crianças, parece ser a confirmação de que essas crianças não estão satisfeitas com a forma como estão vivendo. A ludoterapia, no seu sentido amplo, representa segundo Axline (1980:22) “uma oportunidade dada à criança de se libertar de seus sentimentos e problemas através do brinquedo, da mesma forma que em certas formas de terapia para adultos, o indivíduo resolve suas dificuldades falando.” Se acrescentarmos a essa definição a concepção de que a criança, como todo ser humano, é regida por uma tendência direcional para o crescimento e que essa tendência em interação com relações permissivas e aceitadoras geram crianças auto-realizadas, chegamos ao que hoje é conhecido como ludoterapia centrada na pessoa. Com essa forma de entender a criança e a função das relações nesse processo, nasce o principal objetivo da ludoterapia centrada na pessoa, o de despertar na criança a compreensão do papel que ela tem no desenvolvimento de uma atitude auto-realizadora. Se a criança aceitar a responsabilidade que acompanha a liberdade dessa autoridade, então será capaz de agir em acordo com o seu referencial interno. Assim, através do processo psicoterápico as crianças: “adquiriram o necessário sentimento de valor pessoal, o sentimento de serem capazes de dirigirem a si mesmas, uma consciência crescente de que tinham dentro de si mesmas, a capacidade de se manterem sobre os seus próprios pés, de se aceitarem e de assumirem a responsabilidade de suas personalidades conscientes” (Axline, 1980:27) Para realizar tal tarefa é necessário que o lugar da ludoterapia seja um lugar da livre expressão, sem seleção ou direção do brinquedo e do brincar por parte do terapeuta. Em primeiro lugar, porque através do brincar livremente a criança expressa o que quer fazer e o significado que o fazer tem para ela e em segundo lugar, porque é esse o caminho que a conduzirá em direção a sua autonomia e realização. Sustentado pela atitude de aceitação incondicional e pela permissividade o ludoterapeuta permite que a criança “indique o caminho que a entrevista deve seguir, selecione o que lhe é importante, faça as interpretações, assuma a responsabilidade de tomar decisões e supere seu problema na atmosfera de mútuo respeito que caracteriza esse relacionamento.” (Axline, 1980:38) O fato do ludoterapeuta centrado na pessoa se posicionar de forma aceitadora e permissiva não deve ser entendido como sinônimo de passividade. Junto com a aceitação e a permissividade existe um genuíno interesse em compreender a experiência da forma como é experimentada pela criança e os limites necessários aos seus comportamentos destrutivos. Eis a busca da compreensão empática geradora de clarificações que vão estar a serviço de ampliar a compreensão da experiência, necessária para a atualização do seu significado. Estamos diante de características que vão além de um recurso interventivo, pois representam um jeito de ser ludoterapeuta que precisa ser desenvolvimento e aprimorado através do exercício, segundo Axline (1980) de oito princípios básicos: (1980:87). “1. O terapeuta deve desenvolver um amistoso e cálido relacionamento com a criança, de forma que logo se estabeleça o rapport; 2. O terapeuta aceita a criança exatamente como ela é; 3. O terapeuta estabelece uma sensação de permissividade no relacionamento, de tal modo que a criança se sinta completamente livre para expressar seus sentimentos; 4. O terapeuta está sempre alerta para identificar os sentimentos que a criança está expressando e para refleti-los para ela, de tal forma que ela adquira conhecimento sobre seu comportamento; 5. O terapeuta mantém profundo respeito pela capacidade da criança em resolver seus próprios problemas, dando-lhe oportunidade para isso. A responsabilidade de escolher e de fazer mudanças é deixada à criança; 6. O terapeuta não tenta dirigir as ações ou conversas da criança de forma alguma. Ela indica o caminho e o terapeuta o segue; 7. O terapeuta não tenta abreviar a duração da terapia. O processo é gradativo e assim deve ser reconhecido por ele; 8. O terapeuta estabelece somente as limitações necessárias para fundamentar a terapia no mundo da realidadee fazer a criança consciente de sua responsabilidade no relacionamento. ”(p.87) Diferente do que pode parecer esse conhecimento não está desvinculado do desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa como um todo. Ao longo da apresentação teórica do livro de Virginia Axline intitulado Ludoterapia é freqüente a utilização dos termos não-diretividade, aceitação incondicional e permissividade. Todos conceitos representantes de um período em que, segundo Hart (1970), a abordagem centrada na pessoa era chamada de psicoterapia não diretiva (1940/1950). Foi um período em que o processo psicoterápico foi reconhecido como um recurso facilitador da compreensão de si mesmo e da situação vivida. Fazia parte do papel do terapeuta a criação de um ambiente permissivo e aceitador. Dois elementos necessários e suficientes para o nascimento da confiança que leva a pessoa se apresentar da forma como ela é. Dito pelo próprio Rogers (1987): “A consulta psicológica eficaz consiste numa relação permissiva estruturada de uma forma definida, que permite ao cliente alcançar uma compreensão de si mesmo num grau que o capacita a progredir à luz de sua nova orientação. Essa hipótese tem um corolário natural, que todas as técnicas utilizadas deveriam ter como objetivo o desenvolvimento dessa relação livre e permissiva, essa compreensão de si na consulta psicológica e nas outras relações, e essa tendência em direção a uma ação positiva e de livre iniciativa.”(p:14) Felizmente, os estudos sobre da ludoreparia centrada na pessoa não parou em Axline. Com as produções de Clark Moustakas (1959) visualizamos uma evolução nos fundamentos que norteiam a ludoterapia centrada na pessoa. Em suas publicações ele confirma a descrição feita por Axline das dinâmicas de personalidade infantis, ratifica a importância de uma relação terapêutica, aceitadora e permissiva na criação de um clima que estimule a liberdade de expressão e vai além, apresentando uma descrição do processo psicoterápico a partir dos sentimentos apresentados pela criança ao longo da ludoterapia. Segundo Moustakas (1959) crianças com dificuldade emocionais, quando estão brincando, apresentam um predomínio de atitudes de agressividade, ansiedade e infantilidade que expressam sentimentos de medo e raiva por pessoas que fazem parte das suas relações afetivas. Além da constância, tais atitudes e sentimentos estão presentes no brincar com muita intensidade e sem reconhecimento dos seus objetivos e da sua direção. Estamos diante de um brincar carregado de sentimentos de medo ou raiva, expressos de forma difusa e generalizada. Assim, suas atitudes podem ser de hostilidade por quase todas (ou todas) as pessoas que fazem parte do seu círculo de relações ou de um medo generalizado. Mas, o que faz uma criança se tornar difusa e generalizada na expressão de seus sentimentos? O que faz algumas crianças escolherem a hostilidade enquanto outras paralisam de medo? Diria Moustakas, o tipo de relação existente entre pais/cuidadores e filhos. Na compreensão desse autor, os pais/cuidadores ao longo do desenvolvimento da criança expressam, de forma sutil e indireta, que consideram a criança com pouco valor e potencialidade limitada. Ao poucos essa percepção vai gerando na criança um sentimento de inadequadação da sua imagem de self geradora de uma ameaça que só tem como ser amenizada pela simbolização distorcida ou pela não simbolização das experiências que produzem tais sentimentos. Infelizmente, esse recurso minimiza a ameaça, mas afasta a criança dos sentimentos produzidos pelo seu referencial interno. Como ela perde a relação com os próprios sentimentos suas atitudes estão compatíveis com o referencial interno. “Se em sua família lhe for permitido expressar sua auto-alienação somente através de sentimentos ansiosos, seus atos mostrarão fortes componentes de medo e retraimento. O sentimento original de ser atacada como pessoa estimula a hostilidade que cresce e se expande internamente, no mesmo momento em que suas expressões de ansiedade se tornam intensas no seu comportamento externo. Se as expressões hostis forem permitidas na família, a criança tem a possibilidade de expressar livremente sentimentos difusos de raiva. Como a criança está agindo de forma hostil, seus sentimentos de culpa e ansiedade são intensificados.” (Moustakas,1959:28). No relacionamento com o ludoterapeuta a criança com dificuldades emocionais vivencia a experiência de estabelecer uma relação com uma pessoa que confia nas suas potencialidades para o crescimento. O respeito que o ludoterapeuta tem pela forma de ser e de simbolizar a experiência da criança reativa a sua capacidade de explorar o seu mundo interior e de reconhecer o impacto que seus sentimentos intensos, difusos e generalizados causam na sua vida. Estamos diante de uma estrada cujo caminho representa a busca de si mesmo, uma busca que vai se concretizando a partir da conscientização da experiência e das mudanças de atitude acarretada por essa conscientização. De que mudança o autor está falando? Das mudanças decorrentes do processo psicoterápico infantil. Moustakas (1959), ao apresentar as suas conclusões sobre o processo psicoterápico infantil nos diz que é um processo que se dá em quatro etapas. Na primeira etapa o processo é caracterizado pela freqüente expressão dos sentimentos de raiva ou medo, sem que estes sejam dirigidos a uma pessoa ou situação em particular. “Ela pode estar totalmente com medo, ou com tanta raiva, a ponto de querer destruir todas as pessoas. Ela pode preferir ficar completamente só ou deseja regredir até níveis mais simples. Ela pode expressar sentimentos através de ataques diretos aos brinquedos e várias outras ações” (Moustakas, 1959:30) O aumento da compreensão desses sentimentos, facilitados pelas atitudes e clarificações do ludoterapeuta, permite que a criança direcione os sentimentos de raiva ou medo para pessoas específicas, ou seja, as que a criança reconhece como sendo as responsáveis pela produção de tais sentimentos. Eis a segunda etapa do processo, um momento caracterizado, por um lado, pela diminuição dos sentimentos difusos e generalizados de raiva ou medo e por outro, pelo aumento da intensidade dos sentimentos de raiva e medo. A aceitação desses sentimentos, por parte do ludoterapeuta, permite que a criança, ao vivenciá-los plenamente, reconheça que eles não fazem parte da sua experiência total, passando a identificar a existência de outros sentimentos. Estamos na terceira etapa do processo ludoterápico, uma etapa em que a criança expressa sentimentos ambivalentes em relação as pessoas que fazem parte do mundo afetivo. Amor e ódio são experienciados, inicialmente com muita intensidade, por uma mesma pessoa. Bem! Se a criança incluir na representação da experiência elementos que representam consideração e afeto, vivenciará, também, sentimentos valorizadores da imagem de self e a realização gerada estará a serviço de diminuir a intensidade dos sentimentos de raiva e medo presentes até agora A criança começa a perceber a si mesma e as suas relações de uma forma mais real. Percebe que tanto os sentimentos agradáveis como desagradáveis estão presentes em todas as relações afetivas e que senti-los não significa o rompimento dos laços afetivos. Eis um caminho para a superação dos modelos operacionais identificados por Bowlby (1982) na sua teoria da formação e rompimento dos laços afetivos descrita anteriormente. A compreensão que Moustakas faz do processo ludoterápico nos leva a segunda fase da Abordagem Centrada na Pessoa, intitulada de Psicoterapia Reflexiva (1950/1957). Segundo a sistematização produzida por Hart (1970) “a mudança mais flagrante na atual prática da psicoterapia foi a ênfase do terapeuta em reagir sensivelmente ao afetivo, mais do que ao significado semântico das expressões do cliente.” Tal como verificamos em Moustakas, a preocupação está em enfatizar o papelque o terapeuta tem de facilitar o acesso aos sentimentos da pessoa independente da sua idade. A continuidade das pesquisas sobre a psicoterapia infantil se fez presente anos depois, mais precisamente em 1965, com a publicação do livro de Moustakas intitulado “The Child’s Discovery of Himself”. Nesse livro Moustakas, acrescenta o papel da pessoa do ludoterapeuta no processo psicoterápico da criança. Ele escreve sobre a importância do ludoterapeuta ter como proposta de vida a autenticidade, uma forma de viver que contempla um comprometimento com o presente, com o experienciar a vida da forma como ela se apresenta, com uma disponibilidade para reconhecer e significar todos os sentimentos presentes em si mesmo, seja eles agradáveis ou desagradáveis. Eis o jeito experiencial de viver, um jeito que está aberto para se relacionar tanto com as suas potencialidades realizadas como com os seus limites pessoais e com os limites da sua natureza incerta. Estamos falando de um terapeuta que antes de ser um teórico ou um cientista é uma pessoa que se dispõe a facilitar o crescimento realizador de outra pessoa. “Porque esse ser humano existe: portanto, ele deve realmente existir, confrontar a criança e não estar com ela só em espírito [...] Para ser e permanecer realmente presente ele deve penetrar na história da criança como um dos mensageiros da sua participação no mundo, um daqueles que focaliza as suas responsabilidades no mundo. Claro que ele não pode estar continuamente preocupado com a criança, seja em pensamento ou em ação, nem deve ser ela. Mas se ele realmente penetrou na vida da criança depois do diálogo com o seu mundo interior, a presença constante do potencial de um para o outro é estabilizado e perdura. Depois, há realmente um “entre” eles, há reciprocidade.” (Moutakas apud Buber: 1965:7) E assim, a Abordagem Centrada na Pessoa passa a ser considerada uma psicoterapia experiencial (1957-1970). Representada pelos estudiosos como o terceiro momento evolutivo, caracteriza-se pela focalização no processo de experienciação da pessoa e da expressão do que foi experienciado pelo terapeuta na relação com a pessoa. Muito ainda tem para ser feito, mas de tudo que foi dito até aqui fica a certeza de que os momentos de crescimento estarão sendo facilitados quando e onde houver possibilidade das pessoas viverem experiencialmente o que tem para ser vivido. Bibliografia: ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1978. AXLINE, Virginia Mae. Ludoterapia. Minas Gerais: Interlivros, 1980. BOMTEMPO, Edda (coord). Psicologia do Brinquedo: aspectos teóricos e metodológicos. São Paulo: EDUSP, 1986. BOWLBY, J. Formação e Rompimento dos Laços Afetivo. São Paulo: Martins Fontes, 1982. DOLLE, Jean-Marie. Para Compreender Jean Piaget: uma iniciação à psicologia genética piagetiana. Rio de Janeiro: Guanabara, 1974. HART, Joseph. The development Client-Centered Therapy. In: HART & TOMLINSON (org). New Direction in Client-Centered Therapy. New York: Houghton Miffin, 1970. MOUSTAKAS, Clark. Psychoterapy with children: the living relationship. New York: Ballantine Books, 1959. ________. Children in Play Therapy. New York: Ballantine Books, 1961. ________. The Child’s Discovery of himself. New York: Ballantine Books, 1965. PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança ________. A Linguagem e o Pensamento da Criança. São Paulo: Martins Fontes, 1993. ________. A Construção do Real na Criança. São Paulo: Ática, 1996. OSTERRIETH, Paul. Introdução à Psicologia da Criança. São Paulo: Nacional, 1980. ROGERS, Carl R. Psicoterapia e Consulta Psicológica. São Paulo: Martins Fontes,1987. ROGERS, Carl R & ROSENBERG, Rachell. A Pessoa como Centro. São Paulo: EPU, 1977. ROGERS, Carl R. & KINGET, G. Marian. Psicoterapia & Relações Humanas. Minas Gerais: Interlivros, 1977.
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