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Remessa necessária

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REMESSA NECESSÁRIA
Mantendo uma antiga tradição do Direito luso-brasileiro, o art. 496 estabelece que algumas 
sentenças ficam sujeitas necessariamente a um reexame promovido por um órgão jurisdicional 
superior, o mesmo que teria competência para apreciar eventual apelação que contra tal 
sentença se interpusesse. Tem-se, aí, pois, o instituto conhecido como remessa necessária.
O princípio do duplo grau de jurisdição (que no processo civil, diferentemente do que 
acontece no processo penal, tem status meramente legal, e não supralegal ou constitucional) é 
responsável por tornar possível que um segundo órgão jurisdicional promova o reexame integral 
da causa, o que se assegura através de recursos como a apelação (ou afins, como o recurso 
ordinário trabalhista e o recurso ordinário constitucional, ambos também capazes de viabilizar 
um segundo exame integral da causa). Como medida de proteção da Fazenda Pública, porém 
prevê a lei casos de duplo grau de jurisdição obrigatório, em que este reexame se efetiva 
independentemente da interposição de recurso.
Assim, mesmo que não seja interposta apelação, as sentenças referidas no art. 496 (e 
respeitadas as exceções previstas nos §§ 3e e 42 do mesmo dispositivo) serão submetidas ao 
tribunal de segundo grau (art. 496, § 2e). Eis, aqui, um detalhe importante: só se cogita de 
remessa necessária se não for interposta a apelação, caso em que o juiz ordenará ex officio a 
remessa dos autos ao tribunal (e, se não o fizer, incumbirá ao Presidente do tribunal avocar os 
autos), conforme expressamente dispõe o art. 496, § le. Tendo havido apelação, porém, ao 
tribunal caberá examinar o recurso interposto, não havendo que se cogitar de remessa 
necessária (e, portanto, sendo manifestamente equivocada a praxe, encontrada em diversos 
tribunais, de autuar estes feitos no segundo grau indicando ser caso de “apelação/remessa 
necessária”). Evidentemente, havendo recurso parcial da Fazenda Pública, os capítulos de 
sentença a ela contrários e que não tenham sido impugnados na apelação se submeterão ao 
reexame necessário (FPPC, enunciado 432).
A pendência da remessa necessária tem efeito suspensivo, ou seja, é um obstáculo a que a 
sentença contrária à Fazenda Pública produza efeitos. A eficácia da sentença só será liberada se 
e quando esta vier a ser confirmada pelo tribunal (art. 496).
Sujeita-se a reexame necessário, em primeiro lugar, a sentença proferida contra a União, os 
Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direitc 
público (art. 496, I). Vencida a Fazenda Pública (presente no processo através de alguma das 
pessoas indicadas no inciso que se acaba de indicar), e não tendo sido interposta apelação, os 
autos deverão ainda assim ser remetidos ao tribunal de segundo grau para que reexamine a 
decisão.
Também se sujeita a reexame necessário a sentença que julga procedentes, no todo ou em 
parte, os embargos à execução fiscal. No caso de procedência parcial, apenas o capítulo 
contrário à Fazenda Pública se sujeitará ao reexame obrigatório.
Fácil perceber, então, que a remessa necessária é um mecanismo de proteção da Fazenda 
Pública, e é por isso que se justifica o que consta do enunciado 45 da súmula de jurisprudência 
dominante do STJ, por força do qualwo reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a 
condenação imposta à Fazenda Pública.
Casos há, porém, em que a sentença contrária à Fazenda Pública não se sujeita a reexame 
necessário e, pois, não sendo interposta a apelação, a sentença de mérito transitará em julgado, 
começando desde logo a produzir seus efeitos, independentemente de manifestação do tribunal 
de segundo grau.
E o que se dá, antes de tudo, naqueles casos em que a União (ou suas autarquias ol 
fundações de direito público) é vencida, mas a sentença contém condenação ou atribui ao 
vencedor proveito econômico inferior a mil salários mínimos. O mesmo se aplica aos casos em 
que a condenação do Estado, do Distrito Federal, dos Municípios que constituem capitais dos 
Estados, ou de suas respectivas autarquias ou fundações, ou o proveito econômico obtido pelo 
vencedor contra qualquer dessas entidades for inferior a quinhentos salários mínimos. Por fim, 
no caso dos Municípios que não são capitais de Estados (e de suas respectivas autarquias e 
fundações de direito público), não haverá reexame necessário se a condenação ou o proveito 
econômico for inferior a cem salários mínimos.
Pois nesses casos, o valor da condenação ou do proveito econômico obtido pela parte 
adversária da Fazenda Pública é determinante da inexistência de remessa necessária, e só 
haverá duplo grau de jurisdição se o ente público interpuser recurso contra a sentença.
Para que não haja remessa necessária, porém, é preciso que o valor da condenação ou do 
proveito econômico obtido pela outra parte seja certo e líquido (art. 496, § 3Q). Sendo ilíquida 
a obrigação reconhecida pela sentença, haverá remessa necessária (como, aliás, já constava, ao 
tempo da legislação processual anterior, do ainda válido enunciado 490 da súmula de 
jurisprudência dominante do STJ).
Também não haverá remessa necessária, ainda que a condenação ou o proveito econômico 
seja certo e líquido e de valor igual ou maior do que os indicados no § 3-, quando a sentença 
estiver fundada em enunciado de súmula de tribunal superior (aí incluído, por óbvio, o Supremo 
Tribunal Federal), em acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recurso 
excepcionais repetitivos; em entendimento firmado, no tribunal de segundo grau, em incidente de 
resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; ou em entendimento 
coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente 
público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa (art. 496, § 4Q).
Há, aí, a previsão de casos em que, independentemente do valor da condenação ou do 
proveito econômico obtido pela parte adversária da Fazenda Pública, ou mesmo sendo ilíquida 
a obrigação reconhecida na sentença, não há justificativa para a remessa necessária em casos 
em que o ente público não interponha recurso. Impende, então, examinar que casos são esses.
O primeiro deles é o da sentença proferida em conformidade com enunciado de súmula de 
tribunal superior (ou do Supremo Tribunal Federal). Neste caso, é preciso fazer uma distinçãc 
(que mais adiante se aprofundará): há enunciados de súmula do STF que são vinculantes (nos 
termos do art. 103-A da Constituição da República). Outros enunciados de súmula existem 
editados pelo próprio STF ou pelo STJ, que não têm eficácia vinculante, mas meramentf 
persuasiva. Seja lá qual for a eficácia do enunciado de súmula, porém, o fato de estar a sentença 
em conformidade com aquele extrato da jurisprudência dominante das Cortes de Superposição é 
suficiente para dispensar a remessa necessária. Pense-se, por exemplo, na seguinte hipótese: a 
Fazenda Pública promove execução fiscal de multa por infração ambiental. O executado, poi 
sua vez, oferece embargos do executado para alegar prescrição, já que o ente público demorou 
mais de cinco anos para promover a execução. A sentença que julga procedentes os embargos, 
qualquer que seja o valor da execução neste caso, não estará sujeita a remessa necessária, já 
que a decisão está em plena conformidade com o que consta do enunciado ns 467 da súmula de 
jurisprudência dominante do STJ.
O mesmo raciocínio se aplica aos casos em que a sentença contrária ao ente público se tenha 
fundado em acórdão proferido pelo STF no julgamento de recursos extraordinários repetitivos, 
ou pelo STJ na apreciação de recursos especiais repetitivos. E que tais acórdãos têm, m 
sistemática do CPC de 2015, eficácia vinculante, o que legitima a dispensa da remessa 
necessária (mas, evidentemente, não impede o ente público de recorrer, se considerar que é 
caso de distinção ou de superação do precedente, temas dos quais se tratará adiante). É é o 
mesmo o trato damatéria quando a sentença está baseada em entendimento firmado, nos 
tribunais de segunda instância, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em 
incidente de assunção de competência. E que também estes pronunciamentos têm eficácia de 
precedentes vinculantes (no Estado a que pertence o Tribunal de Justiça ou na Região a que 
corresponde o Tribunal Regional Federal que o tenha emitido).
Pois todas essas hipóteses se justificam à luz do sistema, implantado no direito processual 
civil brasileiro a partir do CPC de 2015, de construção de decisões judiciais a partir de 
precedentes. Não faria, mesmo, qualquer sentido submeter a um reexame obrigatório a sentença 
que está em conformidade com súmula de jurisprudência dominante ou com precedente 
vinculante, ainda mais quando se considera que o ente público vencido sequer terá interposto 
recurso contra a sentença.
A última hipótese de dispensa do reexame necessário é o da sentença fundada em 
entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do 
próprio ente público. E que, com muita frequência, os entes públicos, por meio de ato 
administrativo (fala a lei em manifestação, parecer ou súmula administrativa), expressamente 
estabelecem que não se deve recorrer contra determinadas decisões judiciais. Pense-se, por 
exemplo, em uma sentença que reconheça o direito à acumulação de auxílio-acidente com 
proventos de aposentadoria em caso no qual a consolidação das lesões decorrentes de acidente, 
de que resultou sequela definitiva, e a concessão da aposentadoria, são ambas anteriores às 
alterações inseridas no art. 86, § 22, da Lei 1^8.213/1991 pela Medida Provisória nQ 1.596-14, a 
qual se converteu na Lei nP 9.528/1997. Pois esta sentença estaria em perfeita conformidade 
com o entendimento consolidado no enunciado n- 75 da Súmula da Advocacia Geral da União. 
Ora, se a súmula da AGU dispensa a interposição de recursos pelos entes públicos federais, nos 
termos da Lei Complementar nQ 73 (arts. 4-, XII, 28 e 43), não há qualquer razão para submeter- 
se tal sentença a um reexame obrigatório. Nesses casos, então, só se chegará ao órgão de 
segundo grau se houver interposição de recurso contra a sentença.

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