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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6545-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 4 5 5 Código Logístico 58975 Lucienne Lautenschlager Produção e Interpretação de Textos Produção e Interpretação de Textos Lucienne Lautenschlager Saber escrever, desde uma mensagem de texto no celular até um artigo acadêmico, não é uma habilidade espontânea, mas ensinada e aprendida com o objetivo de criar e reconhecer efeitos de sentido. Por isso, esta obra busca mostrar que todas as pessoas que desejam aprender sobre produção e interpretação de textos podem vir a reconhecer e compreender estruturas linguísticas de qualquer tipo ou gênero textual, tornando-se um leitor experiente. Apesar de serem muitos os caminhos da produção e interpretação de textos, neste livro evidencia-se um percurso que exige do leitor reflexão crítica e percepção do uso linguístico. Assim, esta obra traz artifícios linguísticos de extrema valia para o uso eficaz da escrita e leitura na (re)construção de efeitos de sentido. Código Logístico 58975 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6545-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 4 5 5 Produção e interpretação de textos IESDE 2019 Lucienne Lautenschlager © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L423p Lautenschlager, Lucienne Produção e interpretação de textos / Lucienne Lautenschlager. - 1. ed. - Curitiba [PR]: IESDE Brasil, 2019. 130 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6545-5 1. Língua portuguesa - Estudo e ensino (Superior). 2. Compreensão na leitura. 3. Língua portuguesa - Composição e exercícios - Estudo e ensino (Superior). I. Título. 19-60651 CDD: 469.8 CDU: 811.134.3 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Lucienne Lautenschlager Mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Letras pela Universidade Braz Cubas (UBC) e em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (Uninove). Atua como psicopedagoga e consultora educacional de uma multinacional. É autora de livros sobre educação e editora de livros didáticos. Possui renomada experiência na formação de educadores, tanto da área pública quanto privada. Sumário Apresentação 7 1. Leitura e interpretação na prática 9 1.1 Finalidades da leitura 10 1.2 Texto e contexto 15 1.3 Linguagem verbal e não verbal 19 1.4 Intertextualidade 23 2. A linguagem nua e crua 29 2.1 Funções da linguagem 30 2.2 Denotação e conotação 43 2.3 Polissemia e ambiguidade 44 3. Estratégias de leitura e de escrita 53 3.1 Níveis de leitura de um texto 54 3.2 Tópico frasal e desenvolvimento de um parágrafo 66 3.3 Resumo 68 4. Tipologias e gêneros textuais 75 4.1 Tipos de textos 76 4.2 Narrar, argumentar e comunicar 86 4.3 Gêneros textuais 91 5. A escrita acadêmica na produção científica 99 5.1 Linguagem formal e informal 100 5.2 Exercitando a argumentação 104 5.3 Artigo acadêmico 113 Gabarito 125 Apresentação Saber escrever, desde uma mensagem de texto no celular até um artigo acadêmico, não é uma habilidade espontânea, mas ensinada e aprendida com o objetivo de criar e reconhecer efeitos de sentido. Por isso, esta obra busca mostrar que todas as pessoas que desejam aprender sobre produção e interpretação de textos podem vir a reconhecer e compreender estruturas linguísticas de qualquer tipo ou gênero textual, tornando-se um leitor experiente. No primeiro capítulo tratamos sobre as finalidades de leitura reconhecidas dentro de um contexto e as linguagens verbal e não verbal. A intertextualidade também é abordada, sob a perspectiva de que um texto sempre traz outros textos, possibilitando uma interpretação muito mais abrangente e funcional. No segundo capítulo, procuramos mostrar a linguagem dentro dos discursos produzidos de modo tanto espontâneo quanto intencional. São abordadas também as diferentes funções da linguagem e os vários sentidos que as palavras podem receber. No terceiro capítulo, refletimos sobre os graus de aprofundamento de leitura, sugerindo estratégias, como a identificação do núcleo de um parágrafo e a elaboração de um resumo, para auxiliar tanto a leitura quanto a escrita de um texto. 8 Produção e interpretação de textos No quarto capítulo estudamos as estruturas discursivas que facilitam o enquadramento de um texto em tipos ou gêneros textuais. Assim, você poderá refletir sobre a função social de um texto e se ele atende às regularidades discursivas que facilitam a comunicação. Por fim, no quinto capítulo apresentamos o universo acadêmico, mostrando como você pode utilizar diferentes tipos de argumentação para validar e divulgar suas pesquisas, utilizando a linguagem e a estrutura adequadas ao gênero artigo acadêmico. Apesar de serem muitos os caminhos da produção e interpretação de textos, evidenciamos neste livro um percurso que exige a reflexão crítica e a percepção do uso linguístico. Assim, trazemos artifícios linguísticos de extrema valia para o uso eficaz da escrita e da leitura na (re)construção de efeitos de sentido. Finalmente, desejamos um ótimo aprendizado e uma excelente jornada de aprendizagem! 1 Leitura e interpretação na prática Lemos para que e por quê? Saber ler e interpretar significa, antes de tudo, identificar a finalidade do estudo com base nos múltiplos impactos discursivos e sociais. Comunicar-se e interagir com a língua portuguesa não quer dizer só ler e entender o que vem à cabeça, mas sim investigar o que cada elemento linguístico (verbos, adjetivos, substantivos, sinais de pontuação etc.) traz de informação e como podemos utilizá-lo para ampliar nosso universo de conhecimento, fazendo relações entre tudo aquilo que nós lemos, ouvimos, observamos e com o que interagimos. A partir deste momento, você está convidado a refletir sobre o que significa ler bem. Ao iniciar essa difícil, mas fascinante reflexão, lembre-se de uma importante observação feita por Carlo Goldoni, dramaturgo veneziano: “O mundo é um belo livro, mas é pouco útil a quem não o sabe ler” (CABADA, 2001). Logo, se quiser descobrir um mundo de conhecimento, você terá de refletir sobre diferentes situações dentro dos textos. Para começarmos essa jornada, vale dizer que este capítulo está dividido em quatro partes. Na primeira, refletiremos sobre os objetivos da leitura, para que reconheçamos essa prática de maneira significativa. Já na segunda parte, vamos aprender a situar o texto no contexto em que ele foi produzido, a fim de ampliar a compreensão leitora. Em seguida, veremos como diferentes linguagens produzem diferentes significados, e que o domínio da linguagem tanto verbal como não verbal garante aos sujeitos a expansão da capacidade do uso da língua. Por fim, discutiremos como todo texto traz outros textos de modo intrínseco, que, se reconhecidos, aumentam nossa capacidade de compreensão e senso crítico. 10 Produção e interpretação de textos 1.1 Finalidades da leitura Ler é uma das ações mais importantes e todo e qualquer indivíduo deveria colocá-la em prática no dia a dia, pois ela pode oportunizar novos aprendizados e mudanças significativas no nosso pensamento, além de auxiliar na busca por uma solução para qualquer problema que possamos enfrentar ao longo de nossas vidas. Por exemplo, digamos que você está na sua casa e está curioso para saber um pouco mais sobre aquela personagem da TV ou de um filme de que gosta; o que você faz? Caso tenha se imaginado procurando informações na internet, acertou! Essa é uma das atitudes mais prováveis que alguém pode tomar quando quer saber se aquela pessoa famosa tem namorado(a), que dia faz aniversário ou, até mesmo, se poderia ser seu ou sua crush ideal. Além dessafinalidade, existem várias outras que nos fazem ler algum texto a fim de sanar diferentes necessidades. Será que você consegue descobrir algumas delas? Observe as imagens a seguir e descubra alguns motivos pelos quais lemos. Figura 1 – Finalidades da leitura Va di m G eo rg ie v/ Sh ut te rs to ck fiz ke s/ Sh ut te rs to ckA B on e ph ot o/ Sh ut te rs to ckC Te ro V es al ai ne n/ Sh ut te rs to ckD crush: pessoa por quem se está apaixonado ou se sente atraído. (Continua) Leitura e interpretação na prática 11 An to ni o G ui lle m /S hu tt er st oc kE Outdoor: sem querer você já leu! An dr ew Fi rs t/ Sh ut te rs to ckF Na Figura 1, em (A) temos o que você está fazendo agora: estudando; enquanto (B) caracteriza a leitura prazerosa, aquela que você faz por hobby. Perceba que, quando estamos na escola, na faculdade ou em algum curso, somos obrigados a ler assuntos específicos na maioria das vezes, aprofundando-os para ampliarmos nossos conhecimentos. Entretanto, em momentos de lazer, podemos ler para nos divertirmos, relaxarmos ou simplesmente desfrutarmos de um bom texto, um autor ou um gênero preferido (como romance, drama ou suspense). Assim, podemos afirmar que nem sempre a leitura com a finalidade de estudo é prazerosa, ou vice-versa. Em seguida, (C) representa a leitura de um mapa em um GPS a fim de obter uma informação precisa. Essa leitura se aplica quando queremos, por exemplo, encontrar uma rota de um lugar a outro, tanto na mesma cidade, estado ou país quanto em territórios diferentes. Em contrapartida, (D) remete à ideia da leitura para obter uma informação no âmbito geral, como na política, quando assistimos a um candidato em um comício. Nesse caso, temos a tendência de “ler” a sua maneira de se vestir, falar e se comportar, de modo geral e até inconsciente. Essa leitura permite que, considerando um texto de um determinado tema, seja ele verbal ou não verbal, identifiquemos informações com base em trechos que nos interessam mais e verifiquemos do que se trata o texto, sem nos atermos a detalhes necessariamente. Refere-se a uma leitura mais global e menos compromissada, porém nem por isso mais ou menos significativa. O valor dessa leitura depende muito mais do quanto a GPS: Sistema de Posicionamento Global. Permite localizar vários elementos sobre a superfície terrestre. 12 Produção e interpretação de textos informação foi suficiente em um determinado momento do que do aprofundamento em um dado assunto. De qualquer maneira, a leitura para conseguir uma informação, seja ela específica ou geral, é bastante comum no dia a dia. Isso se dá porque, com as chamadas tecnologias da informação1, a produção e a divulgação de conhecimento deixaram de ser monopólio dos meios de comunicação tradicionais para se tornarem acessíveis a diversas pessoas, independentemente de classe social, local em que residem ou instituição educacional que frequentam. Atualmente, é muito comum olharmos as redes sociais sem um objetivo específico e apenas ir “passando os olhos” por várias postagens que tratam dos assuntos mais variados. Do mesmo modo, diante de reportagens ou notícias (independentemente de serem sobre esportes, política ou economia), para muitas pessoas, simplesmente olhar um título, um lide ou algumas partes do texto já é o suficiente para que obtenham informações necessárias sobre um assunto e ainda comentem sobre ele posteriormente. Em um mundo considerado a era da informação, essa finalidade está cada vez mais presente no dia a dia das pessoas, dando uma nova dinâmica aos estudos, à pesquisa e ao compartilhamento de informações, opiniões e saberes. Diante disso, podemos afirmar que as pessoas estão interligadas mundialmente o tempo todo. Por um lado, isso ocasiona a rapidez da informação, a praticidade na descoberta de variados assuntos e o auxílio em diversas pesquisas; porém, por outro, surge uma nova característica na finalidade da leitura para obter informações de âmbito geral à medida que o grande volume de informações acaba por enfraquecer a memória e saturar o processo de compreensão. 1 Conjunto de ferramentas e recursos tecnológicos que usam a computação como meio para administrar, armazenar, produzir e transmitir diferentes informações. lide: parágrafo inicial de uma matéria jornalística que apresenta, de modo resumido, o assunto principal. Leitura e interpretação na prática 13 Então, ressaltamos que a simples aquisição de dados de modo superficial, fragmentado e, portanto, desconcentrado não é sinônimo de aprendizagem, já que esta exige organização, concentração e compreensão, e não apenas um entendimento simples e raso. Você sabe quais foram os três assuntos mais pesquisados no Google em 2018? Resposta: Copa do Mundo, Big Brother Brasil e Eleições. Fonte: Rosa, 2018. PARA PENSAR A pesquisa desenfreada por assuntos diversos e a leitura mais descompromissada nos remetem ao que (F) está ilustrando. Ela representa aquela leitura que acontece simplesmente porque é apresentada aos nossos olhos e nem tínhamos a intenção de ler, como quando passamos por um outdoor enquanto dirigimos. Já (E) se contrapõe a essa ideia, pois caracteriza as leituras que fazemos por obrigação ou necessidade. Por exemplo, na maioria das vezes, nem intencionamos ler uma bula de remédio, mas acabamos por realizar essa ação com a única finalidade de recebermos uma orientação acerca de um determinado medicamento. Desse modo, podemos afirmar que ambas as formas de leitura ocorrem sem intenção e, portanto, têm uma finalidade mais destituída de formalidade. Considerando as finalidades de leitura, escolher um suporte textual com que você se identifique mais ou tenha mais afinidade sempre é uma boa opção. suporte textual: lugar onde os gêneros são colocados para circular (ex.: jornal, embalagem, placa de trânsito, livro). 14 Produção e interpretação de textos Observe os suportes a seguir e reflita sobre qual você gosta mais de usar para leitura, seja para estudar ou se divertir. Figura 2 – Suportes textuais Celular pi gg u/ Sh ut te rs to ck Revistas Co zi ne /S hu tt er st oc k itt oi lm at ar /S hu tt er st oc k Computador Livros st ud io vi n/ Sh ut te rs to ck ro be rt _s /S hu tt er st oc k Tablet Fo xy b ur ro w /S hu tt er st oc k Vários suportes juntos Independentemente de qual suporte você tenha escolhido, saiba que todos são denominados suportes convencionais. Marcuschi (2003) classifica os suportes textuais em: • suportes convencionais: aqueles que têm como função natural portar ou fixar textos. São exemplos: livros, jornais, revistas, rádios, televisões, computadores, tablets, quadro de avisos, outdoors, faixas, fôlderes, encartes. • suportes incidentais: têm a mesma função, porém de modo artificial ou, como o próprio nome já diz, de maneira ocasional ou eventual. Eles podem ou não evidenciar um texto, mas, no caso da evidência, ela é forçada ou não espontânea. São exemplos: para-choques ou para-lamas de caminhões, camisetas, muros, corpo humano, calçadas, estações de metrô, pontos de ônibus. Leitura e interpretação na prática 15 Você se lembra de alguma frase de camiseta que foi impactante na sua vida e por quê? PARA PENSAR Assim, vemos que há diferentes motivos que nos levam a ler um texto, que pode ser verbal ou não verbal. Seja para nos divertirmos ou estudarmos, de modo específico ou geral e intencional ou não, a leitura é uma atividade que sempre deve ser praticada e aperfeiçoada. Para isso, é importante escolher um suporte agradável e adequado ao nosso objetivo. 1.2 Texto e contexto Várias pessoas dizem saber, mas você já se indagou sobre o que é texto? Quais textos exercem papel social e não podem ser tratados como simples registros para serem lidos, guardados e, muitas vezes, esquecidos? Observe atentamente a situação apresentada na Figura 3 e a da Figura4. Figura 3 – Placa em uma quitanda Vendem-se batatas ko ya 97 9/ Sh ut te rs to ck 16 Produção e interpretação de textos Figura 4 – Placa em um aeroporto Vendem-se batatas 10 00 Ph ot og ra ph y/ Sh ut te rs to ck Qual situação parece mais significativa? Claro que é a primeira, pois sabemos que não é nada usual vender batatas em um aeroporto, ainda mais em uma fila na qual elas sequer existem. De acordo com Curto, Morillo e Teixidó (2000), texto é a unidade básica de comunicação que tem significado. Por isso, consideramos que a primeira situação é um texto, pois está efetivamente comunicando algo, enquanto a segunda não sustenta uma comunicação com significado real, o que enfraquece seu conceito de texto. Ainda considerando a primeira situação, imaginemos agora chegar à mesma quitanda e encontrar a seguinte faixa: Vendem-se batatas. As batatas são fresquinhas. As batatas estão baratas. As batatas estão limpas. O que achou? Bastante esquisito, não? Essa sensação se dá porque ninguém comunica algo com frases desconectadas. Geralmente, quando queremos transmitir uma mensagem, procuramos ser bastante claros, economizar palavras, evitar repetições e fazer do texto uma unidade significativa. Por isso, devemos levar em Leitura e interpretação na prática 17 consideração que “ninguém fala ou escreve por meio de palavras ou de frases justapostas aleatoriamente, desconectadas, soltas, sem unidade. O que vale dizer: só nos comunicamos através de textos” (ANTUNES, 2005, p. 30). Para que uma pessoa se torne apta a produzir informação e/ou conhecimento individualmente ou em grupo, ela terá que aprimorar seus textos ao longo de sua vida e de sua carreira estudantil, com o objetivo de diminuir a distância entre o que se quis dizer e o que realmente foi dito. Assim, a comunicação não é algo simples, haja vista que uma palavra pode adquirir vários significados dependendo do texto e do contexto no qual se apresenta. Se considerada isoladamente, fora do contexto, a palavra perde sua dimensão mais importante: a construção e reconstrução de sentidos no processo de interação verbal. Mas afinal, o que é contexto? Contexto é a situação em que um texto ocorre. Tomemos como exemplo as figuras analisadas anteriormente: achamos a primeira situação mais adequada porque o contexto apresentado – a quitanda – está condizente com a informação apresentada na placa “vendem- -se batatas”. Já a segunda imagem – o aeroporto – não é condizente com essa prática de venda, o que nos faz crer que a informação apresentada está descontextualizada, ou seja, essa situação é aleatória, desconexa e, portanto, não merece validação por parte do leitor. Assim, conceituar e identificar um texto não é uma tarefa fácil, pois isso significa apreender seu sentido com base na situação que o envolve. E essa situação pode ser justificada por alguma necessidade ou algo relacionado ao cotidiano e costuma fazer parte do conhecimento de mundo da maioria dos indivíduos. Então, dizemos que um texto pode ser lido e contextualizado quase que automaticamente por qualquer leitor, desde que ele possua esse tipo de conhecimento. 18 Produção e interpretação de textos Além disso, para conseguirmos ler e contextualizar, é fundamental observarmos textos e, em seguida, refletir sobre seu contexto. Isso não só aproxima o leitor de várias linguagens usadas no dia a dia – seja em comunicações formais ou informais – como também o impulsiona a dar sentido e valorizar as mais variadas formas de comunicação. 1.2.1 Contextos de produção Para encontrarmos o contexto de um determinado texto, é importante analisarmos a situação que o permeia. Isso só é possível quando identificamos a finalidade, onde e quando o texto foi escrito. Ou seja, a partir da leitura, precisamos analisar as informações tanto de ordem implícita quanto explícita, a fim de encontrarmos um conjunto de elementos de ordem cultural, social e histórica que, juntos, formam o contexto. Confira alguns exemplos de textos que apresentam o mesmo assunto em contextos diferentes. Figura 5 – Exemplos de textos com contextos diferentes Si dn ey de A lm ei da / S hu tte rs to ck A – Placa de pare Onde: em uma estrada. Quando: a todo momento, desde que foi implementada. Para quê: organizar o trânsito. B – Caderno de conscientização Direção defensiva Onde: em um caderno sobre direção defensiva. Quando: maio de 2005. Para quê: evitar acidentes no trânsito. Fonte: Brasil, 2005. Leitura e interpretação na prática 19 Chamamos as diferentes abordagens de um mesmo tema de contexto de produção. Nas duas figuras apresentadas, o tema é o trânsito e a preocupação é diminuir acidentes. Tanto a placa como o caderno de conscientização procuram conscientizar motoristas para que tomem certos cuidados, evitando maiores transtornos para a própria vida e para a de terceiros. Apesar de as duas imagens terem o mesmo tema, a do caderno aborda de modo detalhado, com textos e imagens que podem ser estudados com calma pelo leitor, enquanto a placa é um texto curto e direto, para ser lido rapidamente em meio ao trânsito movimentado. Dessa forma, entendemos que o contexto de produção valida os textos. Quando o leitor entra em contato com uma unidade significativa, mesmo que cognitivamente, ele tende a identificar elementos que levem ao processo de contextualização e, consequentemente, encontra sentido naquilo que foi decodificado. 1.3 Linguagem verbal e não verbal Por muitos anos, o texto foi sinônimo apenas de palavras escritas em uma superfície ou um papel. No entanto, principalmente com o surgimento de novas formas de comunicação trazidas pelas tecnologias digitais (e-mails, redes sociais, aplicativos etc.), a interação entre as pessoas foi se modificando e, como consequência, foram surgindo diferentes modos de apresentação de mensagens e de tipos de textos. Conforme estudamos na seção anterior, o texto é uma unidade significativa e não precisa ser necessariamente escrito, pois é composto por diversos tipos de linguagens, ou seja, usos da língua. Sendo assim, podemos encontrar diferentes maneiras de expressão linguística com o objetivo de comunicar algo a alguém. Entendemos que há duas formas principais de linguagem: a verbal e a não verbal (ou imagética). A primeira se apoia em palavras, que podem aparecer tanto na forma escrita quanto na oral – neste último caso, cognição: ato ou resultado de ter ou adquirir conhecimento. 20 Produção e interpretação de textos chamamos de fala. Já a linguagem não verbal procura utilizar outros meios comunicativos, como imagens, figuras e gestos. No dia a dia, querendo ou não, somos coagidos a produzir textos orais a fim de atender a diferentes objetivos comunicativos, como contar histórias que aconteceram conosco ou com alguém conhecido, pedir informações e participar de debates. Quando fazemos isso, estamos utilizando a linguagem verbal. Da mesma forma, utilizamos essa linguagem quando precisamos escrever uma mensagem de texto no celular, um e-mail, fazer uma lista de compras ou escrever um bilhete qualquer. Você sabia que muitas canções e crenças que existem até hoje sobreviveram ao longo de muitos anos só no chamado boca a boca? Isso significa que as pessoas transmitiam algo umas às outras apenas oralmente, contando, conversando e se informando. CURIOSIDADE Sabemos que, na linguagem verbal, as palavras utilizadas em uma língua e outra são diferentes, mesmo quando querem dizer a mesma coisa. Por exemplo, na língua portuguesa, chamamos o lugar onde moramos de casa, enquanto na língua inglesa ela é conhecida como house. Isso acontece porque a escolha das palavras e sua relação com seu significado é arbitrária, ou seja, surge da escolha ou vontade de alguém que determinou que seria assim. Porém, isso não ocorre apenas nesse tipo de linguagem, mas também na linguagem não verbal. Na Alemanha, por exemplo, colocar as mãos no bolso ao conversarcom alguém é considerado falta de educação e significa desinteresse pela conversa. Já no Brasil, como em vários outros países, esse ato é apenas uma forma de descansar as mãos ou uma simples pose. Leitura e interpretação na prática 21 Assim, percebemos que estamos rodeados de textos que não apresentam linguagem verbal e exigem do leitor uma procura minuciosa do contexto, que pode ser carregado de ideologias, valores ou crenças. Tomando como exemplo as mãos no bolso e seu significado pelos países, podemos perceber que essa ação revela diferentes crenças de cada território. Então, consideramos que o significado de linguagens tanto verbais quanto não verbais pode remeter a modos de manifestação, a situações sociais ou a espaços culturais, isto é, podemos manifestar nossas ideias ou pensamentos de diferentes formas, de acordo com as situações do cotidiano. Por exemplo, em uma universidade, revelamos uma maneira de agir e pensar diferente de quando estamos em uma festa. Essas ações são determinadas pela cultura que nos “dita” o que fazer e de que modo devemos revelar a linguagem. Identificar esses elementos em um texto escrito, ouvido, falado ou imagético é de fundamental importância para a interpretação dele. Um leitor menos experiente, ao analisar a linguagem não verbal exposta na figura a seguir, pode afirmar que se trata apenas do local turístico conhecido como Cristo Redentor, na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, se analisarmos mais a fundo, poderemos compreender que essa figura supõe uma visão do Cristo Redentor em linha reta, direta ao Corcovado, que ignora toda e qualquer situação negativa ou problemas terrenos que existam abaixo do monumento. (Continua) SAIBA MAIS 22 Produção e interpretação de textos Figura 7 – Cristo Redentor no Rio de Janeiro dm itr y_ is le nt ev /S hu tt er st oc k Lautenschlager (2016) afirma que muitos textos relacionados à cidade do Rio de Janeiro revelam a ideia de que o Cristo Redentor, situado no Corcovado, está voltado a abençoar toda a Guanabara, e não a ver coisas desagradáveis ou problemas sociais. Além disso, no local, a cor predominante é o azul, representada no céu e no mar, reforçando a ideia de união entre esses dois elementos e trazendo calma, paz e tranquilidade. Em contraposição, o verde do morro é evidenciado, remetendo explicitamente à ideia de natureza, vida e beleza natural. Portanto, a concretude da cidade é quase engolida por essas cores, passando a ideia de que o Rio de Janeiro é realmente a cidade maravilhosa. Com isso, não queremos negar esse fato ou consideração, mas sim refletir acerca dos problemas sociais e culturais existentes. Leitura e interpretação na prática 23 Não podemos nos esquecer dos textos com linguagem mista, que misturam as linguagens verbal e não verbal em um só, como as histórias em quadrinhos. Atualmente, também são reconhecidos os textos multimodais, ou seja, textos que lançam mão de diversos modos de construção (cores, formas, sons, imagens, palavras etc.), que geram, por sua vez, muitos modos de significação. Finalmente, retomamos que, a partir do levantamento do contexto e das impressões sociais, culturais ou históricas, conseguimos ler com propriedade tanto a linguagem verbal quanto a não verbal. Vale lembrar também que as duas expressões linguísticas são carregadas de significados, desde os mais simples até os mais complexos. 1.4 Intertextualidade Os limites da minha linguagem são os limites de meu mundo – Ludwig Wittgenstein Muitas vezes, quando lemos um texto ou assistimos a um filme, lembramo-nos imediatamente de outro, seja porque a linguagem não verbal é semelhante a algo que já vimos, ou porque a linguagem verbal se repete de algum modo. Ao olharmos uma propaganda de hortifrúti2, por exemplo, com a figura de um melão na ponta de uma pedra, seguido do texto verbal “O Rei Melão”, muito provavelmente nos lembraríamos imediatamente do filme O Rei Leão. Quando temos essa recordação, estamos diante de um intertexto. Intertexto é a apropriação de outros textos por um autor, pintor ou artista, com o objetivo de dar voz a uma determinada temática de maneira crítica, irônica, humorística ou intelectualizada. 2 HORTIFRUTI - Rei Melão - Campanha Hortiflix. 2016. 1 vídeo (15 seg). Publicado pelo canal Hortifruti. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7SbhCNPRUGw. Acesso em: 10 out. 2019. http://pt.wikiquote.org/wiki/Linguagem http://pt.wikiquote.org/w/index.php?title=Limite&action=edit&redlink=1 http://pt.wikiquote.org/wiki/Mundo 24 Produção e interpretação de textos A intertextualidade é um recurso de grande eficácia para introduzir a opinião, o pensamento ou o discurso de outros enunciadores em um determinado texto, criando, assim, uma espécie de interseção entre dois ou mais textos. No caso do anúncio publicitário, o autor quis comparar o melão (fruta) ao Rei Leão (filme). Isso faz com que, quando o indivíduo entre em contato com esse texto, ele se sinta atraído a comprar o melão do estabelecimento, ainda mais se for um fã do filme. Tentar persuadir o leitor é o objetivo primordial da publicidade, ainda mais no nosso mundo competitivo, em que muitas empresas de ramos iguais ou semelhantes disputam uma maior quantidade de clientes. Diariamente, estamos rodeados de diferentes textos e recursos que invadem nossas casas, atraem nossos olhares e nos encantam com demonstrações de inovação, tecnologia ou diferentes estratégias de marketing. Seja na rua ou dentro de nossos lares, por meio dos aparelhos de comunicação, podemos observar diferentes linguagens que tentam nos envolver, criando identificação com as marcas e, consequentemente, fazendo-nos adquirir determinados produtos. Como afirmam Ribeiro e Eustachio (2003, p. 17), “em um mundo de produtos cada vez mais semelhantes, a propaganda é o recurso de maior eficácia, do qual o anunciante pode fazer uso para prevalecer em relação aos seus concorrentes”. Em alguns casos, o recurso da intertextualidade pode ser explícito, como na propaganda de uma famosa marca de produtos de limpeza em que o garoto-propaganda se caracteriza tal qual a pintura da Mona Lisa, de Da Vinci3. Nesse exemplo, o anúncio publicitário cria um diálogo com a renomada e valiosa obra de arte, dando a entender que o amaciante é tão bom quanto o quadro. Isso é estabelecido tanto pela linguagem não verbal, que traz uma releitura 3 CAMPANHAS. Bombril, [s. d.]. Disponível em: http://www.bombril.com.br/sobre/ campanhas/63/maio-de-1998. Acesso em: 10 out. 2019. Leitura e interpretação na prática 25 da pintura, quanto pela linguagem verbal, que deixa essa relação explícita, ao revelar a seguinte frase: “Mon Bijou deixa sua roupa uma perfeita obra-prima”. Para que possamos interpretar esse texto, é fundamental que o leitor tenha conhecimento prévio da obra e investigue a memória artística a que remete. Do contrário, a leitura não terá a mesma qualidade nem alcançará seu objetivo. Em outros casos, o intertexto pode aparecer de modo implícito, em meio ao contexto de publicação do texto, como na música “Roda Viva”, de Chico Buarque4. Para interpretar esse texto, a primeira coisa a se fazer é entender seu contexto: ela foi escrita no ano de 1968, momento em que foi criado o Ato Institucional n. 5, ligado à ditadura militar. Esse ato marcou o período mais rígido e sombrio de toda a ditadura, pois foi marcado pela censura aos meios de comunicação, tortura de pessoas, confisco de bens privados e demissões de pessoas do serviço público indistintamente. Chico Buarque, então, escreveu uma crítica, praticamente em forma de código verbal, utilizando a música como meio. Assim, podemos entender a expressão roda viva como uma alusão aos representantes da ditadura que, como uma roda, iam “atropelando” todo mundo, sem se preocupar com os danos que causavam. Desse modo, essa “roda viva” impede e proíbe a expressão artística e cultural. Por isso, ele clama em forma de cançãoa necessidade de se “ter voz ativa” e “no nosso destino mandar”. Portanto, para encontrar a intertextualidade, muitas vezes é necessário que o leitor pesquise, leia outros textos e vá atrás de outros contextos. Assim, ele deixará de fazer uma leitura superficial para efetivamente investigar o que as palavras carregam consigo além das explícitas letras ou sílabas. 4 RODA viva. Compositor e intérprete: Chico Buarque de Holanda. In: CHICO Buarque de Hollanda: volume 3. São Paulo: RGE, 1968. 1 LP (36 min), lado B, faixa 6. Letra da música disponível em: https://genius.com/Chico-buarque-roda-viva-lyrics. Acesso em: 10 out. 2019. Código verbal: linguagem verbal utilizada de modo tão implícito que acaba se tornando um código secreto a ser decifrado por quem lê. 26 Produção e interpretação de textos Considerações finais Tornar-se leitor e escritor significa apropriar-se de uma tradição de leitura e escrita e assumir uma herança cultural, a qual envolve realizar diversas operações, como conhecer um texto, seus contextos e as relações intertextuais. Portanto, precisamos valorizar o contato com a leitura nos vários momentos de nossa vida e tornar cada um deles uma imersão e reflexão sobre o que é ler. Com isso, seremos capazes de pensar sobre esse objeto cultural que é o texto. Mas vale lembrar que devemos praticar ações como pensar, refletir, analisar e compreender a escrita em toda a sua riqueza e complexidade. A participação em práticas sociais que envolvam a leitura, como grupos de estudo e pesquisa, possibilita resolver problemas e refletir sobre a escrita em diferentes suportes e contextos. Assim, vamos construindo ideias e hipóteses de como se estrutura o sistema linguístico. Um leitor não é, portanto, um mero receptor passivo de informações e conhecimentos, mas sim um sujeito que elabora, transforma, cria e interpreta as informações e os conhecimentos, buscando compreendê-los. Finalmente, é importante ressaltar que só aprendemos a interpretar se interpretarmos. Toda estratégia de leitura demanda tempo, conhecimento linguístico e planejamento por parte do leitor. Este, mesmo diante de dificuldades de compreensão, não deve desistir e precisa montar diariamente sua estratégia para análise e ressignificação. Leitura e interpretação na prática 27 Ampliando seus conhecimentos • NA PRÁTICA. 10 dicas para estudar melhor segundo a ciência. Época Negócios, 30 maio 2018. Disponível em: https:// epocanegocios.globo.com/Vida/noticia/2018/05/10-dicas- para-estudar-melhor-segundo-ciencia.html. Acesso em: 10 out. 2019. Nessa matéria sobre como a ciência nos ensina a estudar melhor, especialistas dão dez dicas possíveis de serem colocadas em prática na hora da prova, do concurso ou vestibular. • ROSENFELD, A. Texto/contexto I. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. Nesse livro, o autor transita entre teatro, poesia, literatura, cinema e pintura, estabelecendo contextos críticos que, até hoje, impressionam e ensinam os leitores mais ávidos por conhecimento. • WEIL, P.; TOMPAKOW, R. O corpo fala. 74. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. O livro trata da comunicação não verbal do corpo humano, apresentando gestos, expressões e posições que as pessoas utilizam diante de diferentes situações (como risco, medo e domínio) e que acabam por revelar sentimentos, crenças ou posicionamentos inconscientes. • MALÉVOLA. Direção: Robert Stromberg. Los Angeles: Walt Disney Pictures, 2014. 1 DVD (97 min). Aventura e fantasia. Esse é um filme com a atriz Angelina Jolie, que traz a vilã Malévola no papel principal, contando a história a partir de seu ponto de vista. Ele traz como intertexto o conto/filme A bela adormecida, o qual tem seu enredo marcado pelo enfeitiçamento da jovem Aurora pela vilã. 28 Produção e interpretação de textos Atividades 1. Com qual(is) finalidade(s) de leitura você costuma ler? Exemplifique algumas situações em que utiliza essa(s) finalidade(s). 2. Lembre-se de um livro que você tenha lido e comente seu contexto. 3. Dê um exemplo de intertextualidade de uma cena de filme ou livro que você tenha assistido ou lido. Referências ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005. BRASIL. Direção defensiva: trânsito seguro é um direito de todos. Ministério das Cidades, maio 2005. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov. br/download/texto/dt000002.pdf. Acesso em: 2 out. 2019. CABADA, G. 3001 pensamentos. São Paulo: Loyola, 2001. CURTO, L. M.; MORILLO, M. M.; TEIXIDÓ, M. M. Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler. v. 1. Porto Alegre: Artmed, 2000. LAUTENSCHLAGER, L. A cidade maravilhosa além da paisagem. São Paulo: Biblioteca 24Horas, 2016. MARCUSCHI, L. A. A questão do suporte dos gêneros textuais. DLCV: Língua, Linguística e Literatura, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 9-40, 2003. RIBEIRO, J.; EUSTACHIO, J. Entenda propaganda: 101 perguntas e respostas sobre como usar poder da propaganda para gerar negócios. São Paulo: Senac, 2003. ROSA, N. Google revela os assuntos mais buscados no Brasil em 2018. Canaltech, 12 dez. 2018. Seção Internet. Disponível em: https://canaltech. com.br/internet/google-revela-os-assuntos-mais-buscados-no-brasil- em-2018-128917/. Acesso em: 2 out. 2019. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/dt000002.pdf http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/dt000002.pdf 2 A linguagem nua e crua A temática deste capítulo está centrada nas interações comunicativas, as quais são mediadas de acordo com a intencionalidade do interlocutor e com as funções e significados que a língua assume. Sendo assim, para descobrir a linguagem “nua e crua”, dividimos esse assunto em três partes: funções da linguagem; denotação e conotação; e polissemia e ambiguidade. Na primeira parte, conceituamos discurso e discutimos como as linguagens assumem diferentes funções conforme as pretensões do emissor. Na análise da sua recorrência em um texto, especificamos algumas características que permitem enquadrar as linguagens de acordo com suas especificidades. Na segunda parte, abordamos os sentidos literais e figurados encontrados em um discurso. O objetivo é entender de que modo essas formas de uso da linguagem influenciam, diretamente, na distância entre aquilo que se quer dizer e aquilo que realmente foi dito. Esse entendimento parte do pressuposto de que, dependendo de como construímos um texto, ele pode tanto significar rigorosamente o que foi escrito quanto deixar algo subentendido. Então, trazemos o assunto polissemia e ambiguidade, visto que ambos possuem conceitos que caracterizam um aspecto muito usado pelos sujeitos no cotidiano: uma palavra que apresenta multiplicidade de sentidos no discurso. Dependendo de como se dá essa construção de significados, dizemos que o discurso ficou polissêmico ou ambíguo. 30 Produção e interpretação de textos Assim, este capítulo procura explicar a linguagem para auxiliar você a realizar uma compreensão mais efetiva do texto e se tornar cada vez mais experiente frente às construções linguísticas. 2.1 Funções da linguagem Para comunicar algo a alguém, utilizamos a linguagem a todo momento, seja ela verbal ou não verbal. Mas você já pensou em como ela está presente em sua vida? A essa ação comunicativa damos o nome de discurso. Dizemos que o discurso é uma das principais condições mentais que os membros de uma sociedade linguística têm em comum. Assim, ele deve ser influente ou convincente para que faça sentido na mente dos seus leitores. Você já deve estar se lembrando de muitos discursos que produziu durante toda a sua vida, com a intenção de influenciar ou convencer sua mãe, seu pai, seu amigo ou, talvez, seu chefe, não é mesmo? Se você é bom nisso, tenho uma boa e uma má notícia para te dar. A boa notícia é que, se você já conseguiu muitas coisas que queria ao longo da sua vida, desde conseguir a autorização dos seus pais para ir àquela festa,ou aquele meio ponto a mais dado pelo seu professor, até aquele projeto concedido pelo seu chefe, talvez isso signifique que você é um excelente comunicador e tem a competência e a habilidade necessárias para usar a língua a seu favor. A ruim é que, infelizmente, você não inventou (e dificilmente irá inventar) todos aqueles argumentos que costumam ser usados em casa, na escola, no trabalho, ou em outro espaço qualquer. Isso porque, enquanto usuários de uma língua, nossa mente tem a tendência de reter e aprender modelos preestabelecidos na A linguagem nua e crua 31 sociedade no qual estamos inseridos, com a finalidade de utilizá-los nas mais diversas formas de interação/comunicação. Esses modelos são aprendidos, adquiridos, formados e transformados, tanto no nível individual quanto nas interações sociais. A sociedade compreende os mais diferentes grupos, instituições e organizações em que há interação coordenada e negociada entre os indivíduos; e, se há interação, há também o compartilhamento de conhecimentos e crenças, feito por meio do discurso. Considerando que o discurso é, assim, toda situação que envolve a comunicação dentro de um determinado contexto, para estudá- lo devemos considerar quem o produz, para quem se produz e sobre o que se fala. Portanto, todo discurso é constituído de componentes específicos que desempenham funções na construção de significados. Toda ação comunicativa advém de um contexto, que pressupõe a existência de dois ou mais participantes em um ato discursivo, e apresenta os seguintes elementos: • Remetente (ou emissor): quem produz a mensagem; • Destinatário (ou receptor): a quem se destina a mensagem; • Mensagem: conteúdo estabelecido pelo emissor para o receptor; • Referente: o foco da mensagem, aquilo de que se trata o conteúdo da mensagem; ou o contexto; • Contato (ou canal): o suporte textual ou digital; no caso da linguagem falada, as ondas sonoras; • Código: em que linguagem se veicula a mensagem. 32 Produção e interpretação de textos Definidos os elementos, é possível, então, definir as funções da linguagem (Figura 1), de acordo com os objetivos que se pretende alcançar na comunicação. Figura 1 – Funções da linguagem Funções da linguagem Metalinguística Apelativa Poética Referencial FáticaEmotiva Código Mensagem Canal ContextoReceptor Emissor Fonte: Elaborada pela autora. Então, vamos estudar cada uma dessas funções! 2.1.1 Função emotiva A principal característica da função emotiva é evidenciar o ponto de vista de quem está produzindo a mensagem, ou seja, do remetente. O emissor explicita uma mensagem com o objetivo de emocionar o destinatário e provocar seus sentimentos, deixando vir à tona as mais diferentes sensações e emoções. Por exemplo, quando ouvimos a canção Eu sei que vou te amar, de Tom Jobim1, é fácil identificar que o remetente (o eu-lírico) 1 Letra disponível em: https://genius.com/Antonio-carlos-jobim-eu-sei-que-vou- te-amar-lyrics. Acesso em: 4 out. 2019. eu-lírico: voz no poema que expressa o pensamento daquele que narra. A linguagem nua e crua 33 expressa um sentimento, uma emoção – o amor. Podemos perceber que há o despertar de uma tristeza e da amargura profunda pelo fato de o remetente não se sentir amado e prometer devoção à pessoa amada por uma vida inteira. Portanto, ao ler esse texto, o leitor pode se sentir tomado por sentimentos de saudade e perda, fazendo com que o discurso alcance seu objetivo. O leitor é influenciado por aquilo que lê de modo empático, em uma espécie de inclusão nessa atmosfera expressiva que foi criada por meio da organização linguística entre versos e estrofes. 2.1.2 Função apelativa ou conativa Quando a mensagem está voltada ao destinatário, dizemos que sua função é apelativa ou conativa. Sabemos que há muitas formas de persuadir alguém; porém, é por meio das palavras que isso pode se efetivar de modo mais eficaz. A persuasão existe em todas as informações e consegue ganhar mais força, principalmente, pelas várias formas de comunicação, tentando muitas vezes limitar nossas escolhas de propósito e, dessa forma, nos manipular, mesmo que de modo inconsciente. Você já comprou aquela roupa ou aquele produto de beleza porque foi influenciado por uma propaganda na televisão, revista ou outdoor? Se você respondeu sim, não se preocupe! A linguagem do anúncio apenas fez o papel dela: convencer você. PARA PENSAR persuasão: discurso que pretende agir sobre o outro por meio do uso da linguagem, causando reação de aceitação. 34 Produção e interpretação de textos Leia e analise a linguagem não verbal a seguir: Figura 2 – Mistura de chocolate e leite Observe que essa figura serviria tranquilamente para fazer a propaganda de um chocolate que tivesse a cremosidade do leite em sua composição. Além da linguagem verbal que anuncia “chocolate & leite” (em inglês, chocolate & milk), toda linguagem não verbal também tem a função de apelar para o visual do leitor, tentando fazer com que ele seja tomado pela vontade de experimentar o produto e, consequentemente, adquiri-lo o mais rápido possível. 2.1.2.1 Uso da forma verbal imperativa afirmativa ou negativa É muito comum encontrarmos, em textos que apresentem a função apelativa da linguagem, verbos na forma imperativa afirmativa ou negativa, como: “Não viva sem ...!”; “Compre!”; “Leve!”. Essa forma verbal expressa o que o emissor quer que o leitor faça; nesse caso, a compra de algum produto. Por meio de uma ordem, conselho ou súplica, o destinatário da mensagem pode se sentir coagido e, por isso, acabar adquirindo determinado produto. Ve ct or po ck et /S hu tt er st oc k A linguagem nua e crua 35 O uso de uma linguagem com a função conativa objetiva os destinatários, incitando o seu desejo ao consumismo. Guareshi (2000) explica três movimentos em que o remetente deve pensar ao produzir uma propaganda: 1. incitar o afeto de modo inconsciente; 2. exteriorizar esse afeto por meio de expressões verbais, faciais ou de qualquer outra forma; e 3. concretizar esse afeto, ou seja, realizar a aquisição do produto. Orlandi (2000) afirma que não há neutralidade no uso dos signos e que o sentido de um determinado discurso se dá na sua relação com um determinado sujeito. Então, em tempos de uso intenso de tecnologia digital, podemos nos lembrar da publicidade on-line e analisar todos os signos que ela permite integrar. Por essa possibilidade de integração e interação, podemos considerar que essa publicidade se diferencia de qualquer outra tecnologia tradicional, podendo não apenas seduzir o leitor, mas também o incorporar ao ato da leitura, a qual pode proporcionar hiperlinks, banners, botões das mais variadas formas, cores e gráficos para chamar ainda mais a atenção do consumidor. hiperlink: links que levam o usuário da rede de uma página a outra quando clicados. banner: forma publicitária em forma de bandeiras, que aparecem em algum canto da página da internet. SAIBA MAIS Envolvido na função apelativa da linguagem, o destinatário tende a criar significação entre o sujeito e o sentido, sofrendo os efeitos diretos da persuasão sobre si mesmo. Portanto, ao produzir uma propaganda, ou qualquer texto em que a função apelativa da linguagem seja necessária, devemos utilizar a força sedutora e poderosa da palavra e relacionar as linguagens verbal e não verbal da melhor forma possível para a construção dos sentidos e transmissão da mensagem. 36 Produção e interpretação de textos 2.1.3 Função poética Leia o poema a seguir e reflita sobre qual sentimento é despertado no leitor. DESEJOS VÃOS Eu queria ser o Mar de altivo porte Que ri e canta, a vastidão imensa! Eu queria ser a Pedra que não pensa, A pedra do caminho, rude e forte! Eu queria ser o Sol, a luz imensa, O bem do que é humilde e não tem sorte! Eu queria ser a árvore tosca e densa Que ri do mundo vão e até a morte! Mas o Mar também chora de tristeza... As árvores também, como quem reza, Abrem, aos Céus, os braços, como um crente! E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia, Tem lágrimas de sangue na agonia! E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente! ... (ESPANCA, 1978). Nesse poema, é nítido que a poeta transmite uma mensagem de profunda tristeza e dor, juntamente a um lirismo desmesurado, ao selecionar e combinar palavras entre os versos, a ponto de transmitir ao leitor o desejo do eu-lírico de ser uma pessoa diferente. Para isso, ela faz combinações entre elementos da natureza (mar, sol, pedra) e características humanas (rir, cantar, chorar), buscando nesses elementos aquilo que, provavelmente, lhe faria mais forte e corajosa. Porém, nas duas últimas estrofes, acaba por perceber que até mesmo a natureza tem seus momentos de tristeza. Assim, estamos diante da função poética da linguagem. Essa função está intimamente relacionada à mensagem do discurso. Apesar do seu nome, não encontramos a função poética apenas em poemas, mas também em textos em que há uma seleção e A linguagem nua e crua 37 combinação da linguagem para atender um objetivo específico. Como mostra Chalhub (2003, p. 34): Qualquer sistema de sinal, no sentido de sua organização, pode carregar em si a concentração poética, ainda que não predominantemente. Uma foto pode estar contaminada de traços poéticos, uma roupa pode coordenar, na sua montagem sintagmática, o equilíbrio de cor, corte e textura do tecido, um prato de comida pode desenhar, sensualmente, a forma e cheiro do cardápio, uma arquitetura pode exibir relações de sentido entre o espaço e a construção, a prosa pode aspirar à poeticidade. Em todo caso, a função poética tem o propósito de chamar a atenção do leitor para a mensagem que se quer transmitir por meio de uma construção linguística elaborada, que foi construída para tal fim. Por isso, diante da necessidade da escrita ou da interpretação de um texto cuja função linguística é a poética, sempre é necessário voltar nossa atenção para as palavras e para o que elas estão comunicando a partir da análise do seu contexto. 2.1.4 Função referencial Observe esta manchete e seu título auxiliar, retirados de um jornal: Mato Grosso lidera número de queimadas em 20192 Após dez dias, incêndio na Chapada dos Guimarães é controlado JORNAL 2 Fonte: Jornal Folha de S.Paulo, 19 ago. 2019. Disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/ambiente/2019/08/apos-10-dias-incendio-na-chapada-dos-guimaraes- e-controlado.shtml. Acesso em: 4 out. 2019. 38 Produção e interpretação de textos Ao contrário do que acontece no poema Desejos vãos, ao lermos o título dessa notícia, percebemos que ela tem como objetivo expor um fato de maneira objetiva, utilizando uma linguagem clara e direta. Isso acontece porque, diferentemente da função poética, a função referencial é centrada no referente, ou contexto, de modo que o foco deve ser a mensagem que se quer transmitir em si, com a exposição objetiva dos fatos e, de preferência, de modo impessoal. Apesar de sabermos que é praticamente impossível desprover de um discurso de pessoalidade, ao construirmos um texto que pretende ser referencial, devemos optar pelas palavras mais neutras possíveis e tentar identificar o conhecimento partilhado na constituição de sentidos do enunciado. Veja o exemplo: Após dez dias, incêndio na Chapada dos Guimarães finalmente é controlado JORNAL Perceba que a simples inserção do advérbio finalmente na manchete analisada anteriormente já muda seu sentido, uma vez que a palavra inserida forma um novo sentido: o controle do incêndio foi conseguido depois de muita espera, luta ou tentativa. conhecimento partilhado: que é reconhecido pela maioria das pessoas em um determinado grupo ou local. A linguagem nua e crua 39 A função referencial é caracterizada, então, pela produção de informações de modo claro e objetivo, evitando ambiguidades e juízos de valor. Por isso, é comum observarmos essa função em textos como artigos científicos, livros didáticos, notícias jornalísticas e documentos oficiais. 2.1.5 Função fática Muitas vezes, em uma conversa, o foco está no canal, ou seja, no meio pelo qual se transmitem os sinais que evidenciam uma comunicação. Assim, considerando que o canal seja o telefone, por exemplo, a comunicação é bastante marcada por palavras como Alô?, Quem? e Oi, que têm o objetivo de reafirmar a comunicação ou até mesmo prolongá-la. Figura 3 – Exemplo de função fática pela linguagem não verbal Vo in au P av el /p ig gu /S hu tt er st oc k Aham Hein?! É muito comum que os sujeitos se empenhem em manter a comunicação em um discurso, pois isso garante a atenção tanto do emissor quanto do remetente, além de servir como um teste para a comprovação do bom funcionamento do canal. Com certeza, você já passou por alguma situação em que, falando no telefone ou em uma chamada de vídeo, quis chamar a atenção 40 Produção e interpretação de textos do seu interlocutor, seja porque ele fez um silêncio prolongado ou para ter certeza de que ele entendeu o que foi falado. Nesses casos, é muito comum utilizarmos frases prontas ou expressões próprias, como né?, não é mesmo? e hein!. Seja qual for a opção, o foco está sempre voltado ao canal, que também pode ser marcado por simples ruídos, balbucios ou barulhos ininteligíveis; mas, principalmente, por frases prontas, peculiares do discurso de nossa língua. Imagine a seguinte conversa: Figura 4 – Conversa entre duas pessoas Vo in au P av el /p ig gu /S hu tt er st oc k Oi! Como vai? Tudo bem, e você? Nesse exemplo, veja que a resposta da segunda pessoa pode não ser verdadeira, pois talvez ela nem esteja bem, mas sim triste e cheia de problemas. Porém, diante da pergunta inicial, feita pela primeira pessoa, ela acaba respondendo “tudo bem”, apenas para manter a função fática da linguagem, que é de prosseguir a conversa. Do mesmo modo, analisamos a pergunta inicial “como vai você?”, que tem como objetivo apenas iniciar uma comunicação, e não realmente saber como a outra pessoa está. Vale lembrar que, nesse exemplo, caso uma das pessoas viole a função fática da linguagem, a comunicação pode ficar truncada, mal-educada e, até mesmo, ser encerrada. É o caso, por exemplo, de quando alguém diz “bom dia” e o outro responde “bom dia para quem?”, em que logo nos calamos e saímos de fininho. A linguagem nua e crua 41 Há um vício de linguagem na língua portuguesa chamado de tautologia, o qual caracteriza uma repetição desnecessária, utilizando palavras diferentes, com o objetivo de expressar uma mesma ideia. Por exemplo: “hemorragia de sangue” (hemorragia é sempre de sangue), ou “há anos atrás” (há anos já indica passado). Esse vício de linguagem acaba deixando o discurso redundante. Porém, geralmente, caracteriza a função fática da linguagem. CURIOSIDADE Hoje, com os novos canais de comunicação e tecnologias digitais, podemos encontrar novas formas que evidenciam a função fática da linguagem. Em aplicativos de mensagens de texto, por exemplo, é muito comum encontrar o uso desse emoji como forma de aceitar ou concordar com o que foi falado pela outra pessoa. É uma espécie de “tudo bem” na tela do aparelho digital. 2.1.6 Função metalinguística Você já assistiu a algum filme que falasse sobre filmes? Se você se lembrar de algum filme com essa temática saiba que, então, você já se deparou com a função metalinguística no cinema, na sala da sua casa ou no local em que assiste à televisão. Isso porque a função metalinguística é aquela que utiliza o próprio conteúdo da linguagem como tema ou conteúdo da mensagem a ser elaborada pelo remetente. Assim, ela tem como foco o código utilizado para comunicar algo a alguém, o qual pode ser verbal ou não verbal e utilizado de diferentes formas para garantir a comunicação. 42 Produção e interpretação de textos Leia os dois poemas a seguir e pense sobre o que eles têm em comum.Autopsicografia O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. (PESSOA, 1942) O poema de Fernando Pessoa tem como tema a poesia. Perceba que esse texto é um poema falando sobre poemas, o que nos faz afirmar que existe a função metalinguística da linguagem. Do mesmo modo, dizemos que o dicionário tem essa função por ser um livro que usa a língua para falar da própria língua, considerando-se que todos os seus verbetes e respectivos significados são estruturados e definidos por meio de uma língua. Portanto, a função metalinguística manipula os elementos linguísticos não só para retomar determinado assunto, mas também como ponto de partida. Essa função pode ser utilizada em diferentes campos de conhecimento como a música, cinema, pintura, publicidade e, até mesmo, no dia a dia. A linguagem nua e crua 43 2.2 Denotação e conotação Leia os balões a seguir e observe o sentido das palavras destacadas. Já assinei o papel que me deixaram. Fiz papel de bobo. No primeiro exemplo, a palavra papel está sendo utilizada em seu sentido próprio, técnico e científico, portanto, no sentido denotativo; já no segundo exemplo, a mesma palavra assume um significado figurado, no sentido conotativo. Dizemos que na denotação o significado é delimitado por um uso específico de caráter informativo, rigoroso e específico. Já a conotação tem um sentido mais amplo, pelo fato de permitir que sejam feitas associações a outros seres ou a situações que dão um entendimento figurado ao vocábulo. Por exemplo, na frase “Fiz papel de bobo”, a palavra papel abandona o significado literal de substância de matéria fibrosa, originada das árvores, para dar lugar ao sentido figurado de atuação, desempenho. Devemos nos atentar para o fato de que o sentido denotativo nem sempre é aquele que está descrito no dicionário, uma vez que o sentido conotativo também pode aparecer descrito como um dos significados do verbete, com a rubrica pop. (popular) ou fig. (figurativo). Assim, para entendermos os sentidos denotativo e conotativo, é fundamental observarmos as impressões e os valores acumulados discursivamente, os quais podem ser positivos ou negativos, dependendo dos valores afetivos, sociais ou emocionais impregnados nos vocábulos. rubrica: situada antes da definição do verbete em um dicionário; em geral, é apresentada abreviada. 44 Produção e interpretação de textos Veja o exemplo a seguir. Figura 5 – Criança fazendo duas afirmações Aquele menino é meu vizinho. Aquele moleque é meu vizinho. Considerando as palavras em destaque, podemos dizer que elas são denotativas e significam “criança do sexo masculino”. Poderíamos dizer também as palavras criança, garoto e pivete, por exemplo. Porém, dependendo do grupo social, vocábulos como moleque ou pivete podem ser considerados pejorativos, o que faz com que essas palavras ganhem uma conotação diferente, ou seja, o sentido conotativo, com um sentido menos literal e mais figurativo. 2.3 Polissemia e ambiguidade 2.3.1 Polissemia: vários sentidos para uma só palavra Leia a placa a seguir. Vendo pôr do sol Nessa placa, há duas leituras possíveis para a frase “vendo pôr do sol”: 1. a pessoa está vendendo (verbo vender) o pôr do sol; e 2. a pessoa está vendo (verbo ver) o pôr do sol. Isso acontece porque as palavras podem assumir mais de um sentido e ser definidas em uma lista de significados. Você já parou para pensar quantos significados algumas palavras que usamos comumente têm? A linguagem nua e crua 45 Observe o seguinte verbete, por exemplo. fa.zer Verbo transitivo direto. 1. Dar existência ou forma a; criar. 2. Construir (prédios, estradas, etc.). 3. Fabricar; manufaturar. 4. Produzir intelectualmente. 5. Executar, realizar (uma ação física ou movimento). 6. Pintar, esculpir, gravar, talhar, etc. (obra de arte). 7. Preparar, cozinhando. 8. Aparar, cortar, etc. ou mandar que o façam. 9. Dar origem a; produzir. 10. Levar a efeito; realizar: fazer um pagamento. 11. Restr. Proferir (discurso, promessa, votos, etc.). 12. Conceber; imaginar. 13. Cursar: Fez química. 14. Formar: Fez um círculo. 15. Obter (um resultado) por esforço, competência ou sorte. 16. Pop. Excretar. 17. Ser a causa, a razão ou o motivo de: O terremoto fez a cidade tremer. [Neste caso é seguido de outro verbo no infinitivo.] « Impess. 18. Ter decorrido (período de tempo); haver: Faz dois anos que ele nasceu. 19. Ocorrer (estado atmosférico); haver: Faz frio. Faz sol. Verbo transitivo direto e indireto. 20. Prestar (favor, obséquio) a alguém. 21. Transformar, converter: fazer das tripas coração. 22. Fazer (15): Fez 58 pontos na prova. 23. Causar, ocasionar. Verbo transobjetivo. 24. Tornar: Os problemas fizeram brancos os seus cabelos. Verbo transitivo indireto. 25. Esforçar-se: Faça por ser um bom aluno. Verbo intransitivo. 26. Proceder, portar-se. Verbo pronominal. 27. Tornar-se, transformar-se. 28. Fingir-se: fazer-se de bobo. [C.: 18] (FERREIRA, 2004). 46 Produção e interpretação de textos Veja que uma só palavra, como fazer, pode assumir até 28 significados distintos! Assim, podemos considerar que esses são os sentidos polissêmicos de uma palavra, os quais, dentro de uma análise linguística, devem ser questionados sempre a partir do contexto, o responsável pela modificação do valor de unidade de sentido do vocábulo. Veja como isso acontece a seguir. Figura 6 – Exemplos de significados do verbo fazer Vou fazer um bolo. (A) H Q ua lit y/ Sh ut te rs to ck Fazer o quê? (C) M ar co s M es a Sa m W or dl ey /S hu tt er st oc k Vou fazer teatro. (B) Fe r G re go ry /S hu tt er st oc k A linguagem nua e crua 47 No caso da Figura 6 (A), temos o verbo fazer assumindo o valor do verbo cozinhar ou assar. Na Figura 6 (B), o verbo pode assumir tanto o sentido do verbo estudar quanto do verbo representar. Já na Figura 6 (C), o verbo fazer não pode ser entendido separadamente, mas sim em conjunto com os outros dois vocábulos, já que só assim é possível manter o sentido da expressão como sendo “E agora?”. Portanto, essa dinâmica polissêmica das unidades só é construída a partir do reconhecimento do contexto, da linguagem usada e dos valores referenciais no discurso e pelo discurso. Só a partir desse tipo de análise é possível determinar a relação de sentidos de uma palavra, frase, ou expressão, e explicitar a produção dos sentidos, a qual acaba disseminando uma ideologia e visa certa produção de efeitos sobre o interlocutor. 2.3.2 Extra! Extra! Estudante procura livro sequestrado via internet: um estudo sobre a ambiguidade Quando um enunciado escrito gera duplo sentido ao ser lido, dizemos que ele é ambíguo. Por exemplo, no caso do subtítulo desta seção, ficamos em dúvida se o estudante procura o livro na internet ou se o livro foi sequestrado por meio da internet, o que seria muito estranho, mas, mesmo assim, possível, devido à construção sintática da frase. Desse modo, segundo Henriques (2011, p. 87), ambiguidade acontece quando “um enunciado traz em si duas ou mais interpretações”. De acordo com Ilari (2010), a ambiguidade pode ser causada por motivos sintáticos (construção e organização da frase), como a má colocação de um adjunto adverbial, ou semânticos (sentido das palavras), como o mau uso do pronome dentro de um mesmo período. O primeiro dá a possibilidade de construção de duas ou mais análises sintáticas ao texto, enquanto o segundo permite que se encontrem dois ou mais antecedentes. 48 Produção e interpretação de textos Vamos observar como isso acontece! • “Eu fiquei sabendo do incêndio no shopping”. Ao ler essa frase, ficamos em dúvida se o emissor ficou sabendo do incêndio no momento em que visitava ou fazia comprasno shopping ou se o shopping pegou fogo. Assim, dizemos que essa ambiguidade é sintática, porque a dúvida advém das funções que os termos exercem nas orações e suas relações. • “Antônio recebeu uma mesada”. Já nessa frase, podemos ficar em dúvida se Antônio recebeu uma mesada porque bateram nele com uma mesa, ou se ele recebeu uma quantidade de dinheiro de alguém. Nesse caso, a dúvida é originada pelos diversos significados assumidos pelo vocábulo. Por isso, dizemos que essa ambiguidade é semântica. Para tirarmos a ambiguidade de um texto, é importante refazermos a construção sintática ou semântica, procurando sempre deixar o texto simples, conciso e sem muitos rebuscamentos. A simplicidade, o cuidado com os referentes e a clareza são elementos essenciais de um texto, pois ajudam a evitar construções ambíguas e facilitam o entendimento daquilo que se quis transmitir. Como afirma Henriques (2011, p. 90): – A ambiguidade é um vício de linguagem? – Depende! Diga-me em que texto está a ambiguidade e eu te direi se é um vício de linguagem ou se é uma experimentação. Porém, em alguns gêneros textuais, a ambiguidade é essencial, pois provoca humor, convence o leitor ou direciona a leitura para um determinado ponto do texto. São exemplos a propaganda e o anúncio publicitário. A linguagem nua e crua 49 Móveis por estes preços não vão durar nada! Nesse caso, a construção sintática gera ambiguidade, visto que ficamos na dúvida se serão os móveis (pela qualidade) ou o estoque (por causa do preço) que não vão durar nada. Muitas vezes, esses gêneros usam da ambiguidade para atingir um público-alvo ou objetivo predeterminado. Esse não é o caso no exemplo apresentado, já que nenhuma propaganda tem interesse em colocar a qualidade de seu produto em dúvida. Nos casos propositais, a ambiguidade não deve ser reformulada, o ideal é que ela seja analisada para que possamos compreender quais são os diferentes entendimentos que podemos ter do(s) período(s) e qual é o resultado do discurso. Outros gêneros que fazem uso frequente da ambiguidade são: textos poéticos, textos humorísticos, histórias em quadrinhos, trovas e anedotas. Dependendo da intencionalidade de cada um deles, a ambiguidade se torna um instrumento de escrita; do contrário, ela é apenas um vício de linguagem. Textos científicos, informativos e com caráter acadêmico jamais podem ser ambíguos, pois devem primar pela clareza e pela concisão. 50 Produção e interpretação de textos Considerações finais O falante de uma língua, enquanto remetente e destinatário de discursos, deve estudar e desenvolver as funções da linguagem e as diversas facetas que uma palavra pode assumir, uma vez que isso lhe oportuniza o entendimento da função social de uma língua e o desenvolvimento da potencialidade discursiva. Esse desenvolvimento exige uma continuidade, um processo das ações de escrita e leitura que devem ser analisadas linguisticamente. Assim sendo, não se comunica algo a alguém de qualquer forma. A comunicação é um processo que depende de estratégias de produção que proporcionem uma reflexão independente e autônoma dos indivíduos durante o uso da língua. Nesse contexto, as funções da linguagem garantem aos indivíduos o acesso ao processo de participação social, posto que conseguem compreender as dimensões dialógicas do universo linguístico, superando a mera decodificação e transpondo as mais diferentes práticas comunicativas. Vale ressaltar que o sentido de um texto não pode ser estabelecido somente sob um único ponto de vista. É importante observar que a compreensão de uma palavra ou de um texto só é possível a partir da relação autor-texto-leitor-contexto, a qual oportuniza uma multiplicidade de sentidos, mas sempre dentro de um limite de informações explícitas ou implícitas, denotativas ou conotativas, ambíguas ou polissêmicas. Finalmente, procurar avançar linguisticamente representa um desafio grande, porém fundamental, para as pessoas que buscam novos conhecimentos e o aprimoramento do uso da língua. A linguagem nua e crua 51 Ampliando seus conhecimentos • FIORIN, J. L. Figuras de retórica. São Paulo: Contexto, 2014. Aprofunde seus estudos sobre funções da linguagem com esse livro, que traz reflexões valiosas acerca do processo de comunicação com base na intencionalidade do produtor. • EMOTICON do WhatsApp com significado. Disponível em: https://www.emoticonsignificado.com.br/. Acesso em: 4 out. 2019. Descubra o significado dos emojis mais usados nos aplicativos de envio de mensagens de texto. Lembramos que eles podem, vez ou outra, assumir a função fática da linguagem. • BOLDRIN, R. Autobiografia de mim mesmo, à maneira de mim próprio. [S.l: s.n.], 2012. 1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal TV Cultura Digital. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=3nLtHcLwSuI. Acesso em: 4 out. 2019. Podemos observar a função emotiva da linguagem nesse vídeo, em que Rolando Boldrin recita o texto Autobiografia de mim mesmo, à maneira de mim próprio, escrito por Millôr Fernandes. Mantendo o foco na linguagem, o texto reflete emoções e sentimentos segundo a visão do remetente. • A INVENÇÃO de Hugo Cabret. Direção de Martin Scorsese. Los Angeles: Paramount Pictures, 2012. 1 DVD (127 min). Drama. O filme conta a história de um menino que mora em uma estação de trem e começa a viver aventuras em busca de desvendar o mistério que gira em torno de uma chave que tem o fecho em forma de coração. Usando a metalinguagem, o filme relembra, em vários momentos, a trajetória do francês George Méliès, ilusionista e cineasta francês, detalhando peculiaridades de seu trabalho. 52 Produção e interpretação de textos Atividades 1. Por que é importante reconhecermos as funções da linguagem? 2. Alguns gêneros textuais, como um artigo científico ou notícia de jornal, exigem impessoalidade. Explique quais estratégias linguísticas podem ser utilizadas para garantir esse objetivo. 3. Qual é a função que mais utiliza a conotação? Como ela faz uso desse recurso? 4. Qual é a relação entre polissemia e ambiguidade? Cite um exemplo em que há ambiguidade e/ou polissemia. Referências CHALHUB, S. Funções da linguagem. 11. ed. São Paulo: Ática, 2003. ESPANCA, F. Sonetos. Portugal: Bertrand, 1978. FERREIRA, A. B. H. Dicionário Mini Aurélio. Curitiba: Positivo Informática Ltda., 2004. Eletrônico. Versão 5.12. GUARESHI, P. A. Comunicação e controle social. Petrópolis: Vozes, 2000. HENRIQUES, C. C. Léxico e semântica: estudos produtivos sobre palavra e significação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. ILARI, R. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras. São Paulo: Contexto, 2010. ORLANDI, E. P. Análise de discurso. São Paulo: Pontes, 2000. PESSOA, F. Poesias. Lisboa: Ática, 1942. Disponível em: http://arquivopessoa. net/textos/4234. Acesso em: 4 out. 2019. 3 Estratégias de leitura e de escrita Como visto até agora, não devemos praticar sem fundamento as atividades que exigem o uso da língua. Afinal, escrever, ler e compreender são processos que dependem de estratégias que exigem reflexão independente dos falantes da língua. Essas atividades estão constantemente presentes no dia a dia do cidadão, que deve garantir o processo de compreensão, pois assim pode auxiliar sua família, a sociedade e até a si mesmo das mais diversas formas, por exemplo, ao ler uma placa ou conseguir um bom emprego. Fica claro que os indivíduos têm um grande desafio: ler, escrever e interpretar além do que está posto na escrita, já que saber assinar o nome, conseguir reconhecer o alfabeto e as sílabas e fazer cálculos simples não é mais garantia de ser letrado. Para auxiliar nessas atividades, apresentamos, neste capítulo, uma reflexão sobre os aspectos envolvidos no processo de leitura em diferentes níveis, e as diversas estratégias para alcançá-los. Essas estratégias poderão ser usadas, em diversos momentos do cotidiano, na exploração de diferentes linguagens,sejam elas escritas ou faladas, lidas ou ouvidas, verbais ou não verbais. Neste capítulo, trazemos três assuntos relevantes para os processos de leitura e escrita: os níveis de leitura; o tópico frasal e o desenvolvimento de um parágrafo; e o resumo. Na primeira seção, veremos os níveis de leitura objetivo, inferencial e avaliativo, que compreendem desde a interpretação mais básica até a mais requintada. Não se trata de uma hierarquia de níveis, mas sim de competências e habilidades que devemos desenvolver e dominar durante uma leitura. 54 Produção e interpretação de textos Na segunda seção, abordamos como um parágrafo costuma apresentar o tópico frasal, ou seja, um assunto nuclear, para que então sejam feitos desdobramentos. Essa identificação auxilia o processo tanto de escrita quanto de leitura. Por fim, veremos como se faz um resumo, gênero que exige do leitor um olhar atento aos tópicos mais importantes de um texto, além da consideração do contexto, da função da linguagem e da intencionalidade do texto. Assim, o presente capítulo tem como objetivo principal promover uma reflexão para quem gosta de estudar, oferecendo atividades práticas que colaborem no processo de aprendizado da leitura e, consequentemente, da escrita. 3.1 Níveis de leitura de um texto Segundo Teberosky e Tolchinsky (2006, p. 150), “um dos problemas cruciais na compreensão do processo de leitura é a relação entre interpretação e decodificação”. Muitas vezes, essa incompreensão se dá porque todo mundo sabe que existem várias funções da linguagem, mas muitas pessoas desconhecem os diferentes níveis de leitura. Entender a língua como ato social e atividade de interação verbal entre dois ou mais interlocutores – vinculada, assim, a circunstâncias concretas e diversificadas de sua atualização e utilização – é o primeiro passo para formar um indivíduo competente que consiga discernir, decidir e atuar sobre a própria aprendizagem e realidade. Você já deve ter passado por momentos nos quais, após ler um texto qualquer, foi obrigado a responder perguntas em que bastava voltar a ele, copiar um trecho e pronto, estavam respondidas as perguntas. Atualmente, sabemos que perguntas e respostas não são mais suficientes para avaliar leitores, visto que, para compreender Estratégias de leitura e de escrita 55 verdadeiramente um texto, são necessárias diferentes práticas, que podem envolver o implícito ou o explícito, o vocabulário geral ou o específico, ou, ainda, a percepção da estrutura linguística que os textos trazem de acordo com o gênero apresentado. Por esse motivo, vamos aprender quais níveis estão envolvidos na leitura e por quais estratégias podemos alcançá-los. 3.1.1 Nível objetivo Provavelmente, você já viajou ou conhece alguém que foi a algum lugar diferente do estado onde mora e que, ao chegar ao destino, enfrentou dificuldades com a tradição alimentar do local ou ficou na dúvida se era seguro se alimentar daquela culinária ou não. Pensando nisso, o Ministério do Turismo lançou uma cartilha com dicas sobre alimentação segura em viagens. Sua escolha faz toda diferença Hoje os destinos turísticos do Brasil estão se preparando para oferecer aos visitantes alimentos prontos para o consumo, com qualidade higiênico-sanitária. Para que os bares, restaurantes, quiosques, ambulantes e outros serviços de alimentação adotem boas práticas, você, turista, precisa fazer a sua parte: escolha sempre lugares limpos e organizados, que se preocupam com a segurança dos alimentos. Esteja atento! Observe quem vai manipular os alimentos. Garçons, copeiros e demais atendentes não podem tocar nos alimentos, devendo utilizar corretamente os utensílios para servir os clientes. Os manipuladores devem estar 56 Produção e interpretação de textos com as unhas cortadas, limpas e sem esmalte, com os cabelos curtos ou presos e protegidos, e usar roupas limpas. Lave bem suas mãos antes de pegar nos alimentos ou pegue-os envolvidos em um guardanapo. De nada valerão os cuidados dos manipuladores de alimentos se você não fizer a sua parte. (BRASIL, 2006, p. 6 e 8) Ao ler esse texto, fica claro que o Ministério do Turismo tem o objetivo de alertar o viajante sobre a escolha de alimentos e locais com qualidade higiênico-sanitária. Porém, de nada adiantará essas orientações se o turista não fizer sua parte, que está posta de modo explícito no texto. Você consegue encontrá-la? Se você descobriu que é o trecho que alerta sobre a importância de o viajante dar preferência a lugares limpos e organizados e ter o cuidado de lavar bem as mãos antes de pegar qualquer alimento, você acertou! Não foi difícil encontrar essa resposta, não é mesmo? Isso porque dizemos que ela está posta de maneira objetiva no texto e deve ser interpretada da mesma forma: com clareza e sem rodeios. Assim sendo, toda vez que temos que encontrar, no texto, uma situação objetiva, que vai direto ao ponto de um determinado tema e que não tem como ser modificada dentro do contexto apresentado, dizemos que fizemos uma interpretação no nível objetivo da leitura. Esse nível tem como característica principal fazer com que o leitor decodifique o texto, identifique informações explícitas ou busque Estratégias de leitura e de escrita 57 palavras e expressões que respondam a perguntas sobre informações básicas relacionadas a um determinado texto. O nível objetivo é o mais superficial da leitura, e o alcançamos, geralmente, no primeiro contato com o texto. À medida que decodificamos um texto e fazemos a leitura, depreendemos informações explícitas postas no texto e que nos ajudam a determinar o tema principal e seus desdobramentos principais. Observe a interpretação no nível objetivo que podemos fazer dos textos Sua escolha faz toda diferença e Esteja atento!, apresentados anteriormente: • Tema principal: turismo. • Desdobramento de Sua escolha faz toda diferença: a importância da qualidade higiênico-sanitária e da adoção de boas práticas na preparação de alimentos em bares, restaurantes, quiosques e ambulantes. • Desdobramento de Esteja atento!: a manipulação de alimentos exige certos cuidados, como unhas limpas, cortadas e sem esmalte; cabelos curtos, presos e protegidos; e roupas limpas. Além disso, nem todos os profissionais dentro do restaurante podem manipular os alimentos. • Outras informações: o turista deve estar sempre atento a essas dicas e fazer sua parte. Para chegar a essa interpretação, o leitor pode utilizar estratégias como a antecipação e a observação. Em linguagens verbais, como a observada em um livro, a antecipação pode ser alcançada por meio do reconhecimento dos títulos ou subtítulos, pela previsão do conteúdo que eles trazem, e a observação diz respeito ao olhar atento ao índice, à capa, à contracapa e aos parágrafos. 58 Produção e interpretação de textos Diante de uma linguagem não verbal, essas estratégias devem ser realizadas pela observação de detalhes, cores, fontes e todos os pormenores contidos na imagem. Figura 1 – Linguagem não verbal representada por uma pintura Fonte: BOTTICELLI, S. O nascimento de Vênus. ca. 1483. Têmpera sobre tela: 1,72 m x 2,78 m. Galeria Uffizi, Itália. Diante desse texto, podemos antecipar, em uma primeira análise, que se trata de uma pintura renascentista, pois apresenta cores claras com escuras, temática mitológica e equilíbrio e elegância nas formas. Claro, isso exige um conhecimento prévio sobre arte. Porém, de qualquer modo, a partir da observação, podemos identificar uma mulher adulta, nua, acompanhada de três seres, todos com características mitológicas. Além disso, há um manto estampado, presença da natureza (mar, vegetação, flores) e uma concha de tamanho considerável apoiando a mulher. Poderíamos, ainda, descrever melhor as expressões, as características de cada ser, as vestimentas (ou sua falta) e as atitudes demonstradas. Perceba que esses exemplos de interpretação se referem a um momento inicial
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