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TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS INTERESSADO/APELANTE:MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS INTERESSADO/APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO Número do Protocolo: 148988/2013 Data de Julgamento: 03-02-2015 E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL COM REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – FORNECIMENTO DE ADEQUADO TRATAMENTOE ASSISTÊNCIA MÉDICA À CRIANÇAS E ADOLESCENTES DEPENDENTES DE SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS – PROCEDÊNCIA DA DEMANDA COM A IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER AO MUNICÍPIO – CHAMAMENTO DA UNIÃO E DO ESTADO DE MATO GROSSO AO PROCESSO – IMPERTINÊNCIA – CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A TEMPO E MODO – PRECLUSÃO CONSUMATIVA – INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – NÃO-CONFIGURAÇÃO – SAÚDE E ASSISTÊNCIA MÉDICA – DIREITO ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SENTENÇA RATIFICADA – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. 1. A União, os Estados e os Municípios possuem competência comum e são corresponsáveis no que se refere à garantia em fornecer a todo e qualquer cidadão o direito à saúde e à vida, de forma universal e igualitária, conforme assegurado pela Carta Magna, nos termos dos artigos 23, inciso II, Fl. 1 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS 30, incisoVII, e 196 da Constituição Federal. 2. Com essa premissa, a repartição de competências na prestação de serviços de assistência à saúde entre os entes federados apenas se dá em face das regras infraconstitucionais que estabelecem a sistemática de gestão de saúde, não interferindo na solidariedade existente entre os mesmos, o que resulta na possibilidade do litigante demandar contra qualquer um deles, no intuito de ver assegurado o direito à saúde, consectário do direito maior que é a vida. Logo, impertinente o chamamento ao processo da União e do Estado, por não terem participado da demanda, nos termos do art. 77, do CPC. 3. É possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública quando voltada a assegurar o bem maior do ser humano, que é a vida e a saúde, não incidindo, consequentemente, as vedações contidas nas Leis n. 9.494/97 e n. 8.437/92. 4. Ademais, não tendo sido interposto, a tempo e modo, recurso contra a decisão que deferiu a tutela antecipada pela parte interessada, é inadmissível a sua reanálise por este Tribunal de Justiça, em face da configuração da preclusão consumativa. 5. A atribuição de formular e de implementar políticas públicas cabe, primariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo e somente quando estes se omitem e descumprem tais encargos políticos-jurídicos, comprometendo a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, pode haver a interferência excepcional do Judiciário, com esteio no princípio da inafastabilidade da jurisdição, que assegura não só o acesso à Justiça, mas o direito a uma tutela jurisdicionalefetiva e adequada. 6. Configurando-se, no caso concreto, a omissão do ente municipalem implementar o atendimento e tratamento necessário às crianças e adolescentes dependentes de substâncias químicas, não há falar-se que a Fl. 2 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS atuação do Poder Judiciário, com amparo no art. 196 e 227, da Constituição Federal, implique ingerência na discricionariedade da Administração Pública municipal. Fl. 3 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS INTERESSADO/APELANTE:MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS INTERESSADO/APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. MARIAAPARECIDARIBEIRO Egrégia Câmara: Reexame necessário e recurso de apelação cível interposto pelo Município de Rondonópolis contra a sentença que, na ação civil pública com pedido de tutela antecipada ajuizada em seu desfavor peloMinistério Público (Autos n. 164/2011 – Código 451311), julgou procedentes os pleitos formulados na demanda, impondo ao ente municipal as seguintes obrigações de fazer: a) disponibilizar integral atendimento e tratamento de drogadição a todas as crianças e adolescentes, com internação, se necessária, em leitos de hospitais gerais, bem como fazer o encaminhamento para comunidades terapêuticas, efetuando os eventuais pagamentos mensais necessários, durante o período que se fizer necessário para a completa recuperação dos pacientes; b) complementar a equipe técnica mínima para atuação no CAPS AD II, notadamente, médico psiquiatra, enfermeiro com formação em saúde mental, médico clínico, técnico e/ou auxiliar de enfermagem e técnico educacional; c) regularizar o horário de atendimento do CAPS AD II, bem como instalar e manter de 02 (dois) a 04 (quatro) leitos para desintoxicação e repouso, neste serviço, atendendo aos regramentos da Portaria n. 336/GM, do Ministério da Saúde, de 19 de fevereiro de 2002 (item 4.5, letras ‘g’ e ‘h’); d) instalar e por em funcionamento o CAPS AD III, atendendo aos critérios para implantação, características, modo de funcionamento, atividades e recursos humanos necessários, estabelecidos na Portaria n. 2841/GM, do Ministério da Saúde, de 20 de setembro de 2002 (item 4.5, itens ‘g’ e ‘h’); e, por fim, e) realizar, por meio da Secretaria Municipal de Saúde e do Conselho Municipal Antidrogas, rigoroso levantamento e estudo acerca da conveniência de firmar convênio com comunidades terapêuticas, devendo apontar o número de vagas a ser disponibilizadapara atender a demanda, bem como identificar as comunidades passíveis de realizar este atendimento às crianças e Fl. 4 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS adolescentes domiciliadas em Rondonópolis e se estas estão devidamente habilitadas às regras da VigilânciaSanitária Municipale Estadual. A sentença ainda estabeleceu que as referidas obrigações fossem cumpridas no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de incidênciada multa anteriormente fixada para o caso de descumprimento (fls. 584/594). Nas razões recursais, o apelante defendeu, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois, na sua ótica, a questão é de alta indagação e depende de prova testemunhal, estando vedado, neste caso, o julgamento antecipado da lide. No mérito, sustentou a necessidade de chamamento ao processo dos demais entes responsáveis pela saúde pública no país, nos termos do art. 198, §1º, da Constituição Federal, e do art. 77, III, do CPC, deslocando-se o feito para a Justiça Federal. Sustentou, também, a impossibilidade de se conceder tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública e a ilegitimidade da sentença na parte que determinou a complementação da equipe técnica do CAPS AD II (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas), por configurar interferência indevida do Poder Judiciário na discricionariedadeda Administração Pública quanto à abertura de concurso público ou contratação de pessoal. Ao fim, o apelante requereu o provimento do recurso, reformando-se in totum a sentença recorrida, a fim de ser a ação civil pública julgada improcedente (fls. 598/617). Em contrarrazões, o apelado rechaçou a preliminar arguida e, no mérito, defendeu a manutenção da sentença recorrida (fls. 627/192). Os autos, então, subiram a esta Corte em razão do recurso voluntário e da remessa oficial, tendo sido encaminhados, em seguida, à Procuradoria-Geral da Justiça, que, emparecer de fls. 641/647, manifestou-se pelo não acolhimento das preliminarese, no mérito, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Fl. 5 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS P A R E C E R (ORAL) O SR. DR. JOSÉ ZUQUETI Ratifico o parecer escrito. V O T O (PRELIMINAR - NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTODE DEFESA) EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO (RELATORA) Egrégia Câmara: O apelante arguiu, nas razões recursais, preliminarde nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois, na sua ótica, ao julgar a lide antecipadamente, a juíza a quo encerrou prematuramente o contraditório, não obstante a questão posta nos autos ser de alta indagação e depender de prova testemunhal. A preliminar,entretanto, não procede. Como se sabe, o art. 330, do CPC, autoriza o julgamento antecipado da lide quando se tratar de matéria exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, a prova já carreada aos autos mostrar-se suficiente para a formação da convicção do julgador, o qual, a teor dos arts. 130 e 131, do mesmo diploma legal, é o destinatário das provas, cabendo-lhe decidir quanto à necessidade e utilidade de sua produção. In casu, a magistrada de piso entendeu ser desnecessária a produção de outras provas além daquelas existentes nos autos e passou ao julgamento antecipado da lide, o que, no meu sentir, não poderia ser diferente. Primeiro, porque apesar do alegado, a matéria versada nos autos, embora de relevância ímpar, não é de alta indagação, já tendo sido enfrentada pelo Poder Judiciário em diversas outras demandas, das quais se distingue apenas em alguns aspectos. Segundo, porque, como entendeu a juíza a quo, a prova Fl. 6 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS documental colacionada aos autos, consistente em ofícios encaminhados à Secretaria de Saúde e as respostas obtidas, relatórios, legislação etc., dispensa qualquer complementação ou comprovação por meio de outras provas, muito menos oral, mostrando-se suficiente para demonstrar a precariedade dos serviços públicos de proteção e tratamento contra as drogas em prol das crianças e adolescentes do Município de Rondonópolis. Destarte, estando ausente o alegado cerceamento do direito de defesa, rejeito a preliminararguida pelo apelante. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO (RELATORA) Egrégia Câmara: Extrai-se dos autos que o Ministério Público ajuizou a ação civil pública que gerou o presente recurso após constatar, em procedimento preparatório, a insuficiência dos atendimentos e tratamentos disponibilizados pelo Município de Rondonópolis às crianças e adolescentes dependentes de substâncias químicas e o descumprimento do art. 227, caput, e §3º, da Constituição Federal, do art. 4º, do ECA e de outras normas que conferem àquelas prioridade absoluta. Após a concessão da tutela antecipada requerida na exordial (fls. 336/343) e da apresentação da contestação pelo Município de Rondonópolis (fls. 353/366), a juíza a quo prolatou sentença julgando procedente a demanda e determinado que o requerido cumprisse, em 60 (sessenta) dias, as seguintes obrigações de fazer: a) disponibilizarintegral atendimento e tratamento de drogadição a todas as crianças e adolescentes, com internação, se necessária, em leitos de hospitais gerais, bem como fazer o encaminhamentopara comunidades terapêuticas, efetuando os eventuais pagamentos mensais necessários, durante o período que se fizer necessário para Fl. 7 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS a completa recuperação dos pacientes; b) complementar a equipe técnica mínimapara atuação no CAPS AD II, notadamente, médico psiquiatra, enfermeiro com formação em saúde mental, médico clínico, técnico e/ou auxiliarde enfermageme técnico educacional; c) regularizar o horário de atendimento do CAPS AD II, bem como instalar e manter de 02 (dois) a 04 (quatro) leitos para desintoxicação e repouso, neste serviço, atendendo aos regramentos da Portaria n. 336/GM, do Ministério da Saúde, de 19 de fevereiro de 2002 (item 4.5, letras ‘g’ e ‘h’); d) instalar e por em funcionamento o CAPS AD III, atendendo aos critérios para implantação, características, modo de funcionamento, atividades e recursos humanos necessários, estabelecidos na Portaria n. 2841/GM, do Ministério da Saúde, de 20 de setembro de 2002 (item 4.5, itens ‘g’ e ‘h’); e e) realizar, por meio da Secretaria Municipal de Saúde e do Conselho MunicipalAntidrogas, rigoroso levantamento e estudo acerca da conveniência de firmar convênio com comunidades terapêuticas, devendo apontar o número de vagas a ser disponibilizada para atender a demanda, bem como identificar as comunidades passíveis de realizar este atendimento às crianças e adolescentes domiciliadas em Rondonópolis e se estas estão devidamente habilitadas às regras da VigilânciaSanitária Municipale Estadual. Irresignado, o Município de Rondonópolis interpôs apelação sustentando, de início, ser necessário o chamamento ao processo dos demais entes responsáveis pela saúde pública no país, nos termos do art. 198, §1º, da Constituição Federal, e do art. 77, III, do CPC, deslocando-se o feito para a Justiça Federal. Essa alegação, todavia, não merece prosperar. É firme o entendimento de que tanto a União como os Estados e os Municípios possuem competência comum e são corresponsáveis no que se refere à garantia em fornecer a todo e qualquer cidadão o direito à saúde e à vida, de forma universal e igualitária, conforme assegurado pela Carta Magna, nos termos dos artigos 23, inciso II, 30, incisoVII, e 196 da Constituição Federal. Assim, a repartição de competências na prestação de serviços de Fl. 8 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS assistência à saúde entre o Município, o Estado e a União apenas se dá em face das regras infraconstitucionaisque estabelecema sistemática de gestão de saúde, não interferindo na solidariedade existente entre os entes federados, o que resulta na possibilidade do litigante demandar contra qualquer um deles, no intuito de ver assegurado o direito à saúde, consectário do direito maior que é a vida. Em razão disso, a parte tem a prerrogativa de escolher contra quem será ajuizada a ação buscando os serviços públicos de saúde, considerando, dentre outros fatores, a facilidade de recebimento do serviço necessitado, donde se conclui que não há falar-se em chamamento ao processo, nos termos do art. 77, do Código de Processo Civil. Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado do Tribunalgaúcho: “AGRAVO RETIDO. APELAÇÃO CÍVEL. INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA. TRATAMENTO À DROGADIÇÃO. MUNICÍPIO DE FARROUPILHA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AO PROCESSO. DESCABIMENTO. CARÊNCIA DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA. AFASTADA. PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL, DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA UNIVERSALIDADE, DA ISONOMIA E DA IGUALDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. A responsabilidade pelo fornecimento de tratamento e internação psiquiátrica é solidária entre União, Estados e Municípios. Eventual deliberação a respeito da repartição de responsabilidade compete unicamente aos entes federativos, a ser realizada em momento oportuno, não podendo o particular ter limitado seu direito à saúde, garantido constitucionalmente, por ato da Administração Pública. 2. O reconhecimento da responsabilidade solidária, contudo, não enseja o chamamento do Estadodo Rio Grande do Sul ao processo, pois cabe ao cidadão escolher contra quem quer demandar. 3. Tratando-se de pedido de internação compulsória de paciente que se encontra incapaz para responder, momentaneamente, pelos atos da Fl. 9 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS vida civil, em razão da dependência química, tem legitimidade sua avó materna para manejar a ação judicial. 4. Eventuais limitações ou dificuldades orçamentárias não podem servir de pretexto para negar o direito à saúde e à vida, dada a prevalência do direito reclamado. 5. No caso, não há violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis, ordenando a observância dos dispositivos da Carta Federal violados quando da negativa da Administração, o que não consagra, igualmente, ofensa à universalidade, à isonomia e à igualdade. Agravo retido e Apelação desprovidos”. (TJ-RS - AC: 70051325686 RS , Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 22/11/2012, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/11/2012) Dessa maneira, demonstrada a necessidade e a imprescindibilidadedo tratamento de saúde e da internação às crianças e adolescentes com dependência química, não há como desobrigar o Munícipio do seu dever constitucional de fornecê-lo, tão-só porque haverá um desequilíbrio em suas finanças, pois não hierarquização da responsabilidade dos entes federados no que concerne à gestão da saúde pública. Destarte, uma vez que o art. 23, II, da Constituição Federal dispõe ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o atendimento às questões de saúde e assistência pública, qualquer desses entes pode figurar, sozinho ou em litisconsórcio, no polo passivo de demandas desta natureza. Não obstante, pretende o recorrente a reforma da sentença também sob a alegação de que é inadmissível a concessão de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública. A tese, porém, não tem como vingar. Primeiro, porque as normas protetivas da Fazenda Pública não Fl. 10 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS podem prevalecer ante as garantias fundamentais previstas constitucionalmente, tais como o direito à vida, que se sobrepõe a qualquer outro valor, afastando, assim, a incidênciadas vedações contidas nas Leis n. 8.437/92 e 9.494/97. Mutatis mutandis, aliás, esta Terceira Câmara Cível já se pronunciou reiteradamente, no sentido de que “em se tratando de liminar concedida em Ação de Obrigação de Fazer que visa salvaguardar o direito à vida e à saúde, mormente com risco de morte ou lesão grave, não se aplicam os regramentos previstos no inciso II do artigo 475 do CPC, no artigo 2º da Lei 8.437/92 e Lei nº 9.494/97, pois prevalece o princípio da razoabilidade e a primazia do direito à vida e à saúde (...)”. (RAI n. 45216/2012, Rela. Desa. Maria Erotides KneipBaranjak, j. 28.08.2012) Segundo, porque a tutela antecipada foi concedida initio litis pela juíza a quo e, uma vez que contra essa decisão não foi interposto o recurso cabível a tempo e modo, verificou-se a ocorrência da preclusão consumativa, fato que impede a sua reanálisepor este Tribunalde Justiça. Destarte, também sob esse aspecto não merece atendimento a tese recursal. Por fim, o apelante sustentou a ilegitimidadeda sentença na parte que determinou a complementação da equipe técnica do CAPS AD II (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas), por configurar interferência indevida do Poder Judiciário na discricionariedade da Administração Pública quanto à abertura de concurso público ou contratação de pessoal. Não procede a alegação, entretanto. Sabe-se que a atribuição de formular e de implementar políticas públicas cabe, primariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo e que, somente quando estes se omitem e descumprem tais encargos políticos-jurídicos, comprometendo a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, é que poderá haver a interferência excepcional do Judiciário, com esteio no princípio da inafastabilidadeda jurisdição, que assegura não só o acesso à Justiça, mas tambémo direito a uma tutela jurisdicionalefetiva e adequada. Sabe-se, também, que é possível a intervenção do Poder Fl. 11 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS Judiciário para afastar a invocação da cláusula da reserva do possível pelo Poder Público, quando evidente o “propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição”, inclusive com aplicação de multa diária, uma vez que “inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no §5º do art. 461 do CPC”. (STF-2ª T. – ARE 639337 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23.08.2011) No caso, diante da patente omissão do Município de Rondonópolis em implementar o atendimento e tratamento necessário às crianças e adolescentes dependentes de substâncias químicas, o Poder Judiciário, provocado por parte legitimada e por via adequada, determinou o suprimento da falha detectada, com amparo no art. 196 e 227, da Constituição Federal, que reconhecem o direito à vida e à saúde e a prioridade absoluta das referidas pessoas em formação, pacificando, assim, o conflito de interesses instalado entre as partes. Não fosse isso o bastante, é certo que a complementação de equipe técnica mínimapara atuação no CAPS AD II com médico psiquiatra, enfermeiro com formação em saúde mental, médico clínico, técnico e/ou auxiliar de enfermagem e técnico educacional tem previsão na Portaria n. 336/GM/2002, cabendo ao Administrador, em respeito ao princípio da legalidade, pelo qual deve se pautar, envidar todos os esforços no seu atendimento. Aliás, analisando os autos, verifica-se que não houve qualquer dificuldade em atender a ordem judicial no caso concreto, pois, de acordo com o documento de fl. 635, o Município de Rondonópolis reorganizou o CAPS AD II, complementando a sua equipe técnica, permitindo a prestação do serviço de saúde e assistência de forma mais adequada e compatível com a imposição constitucional de prioridade absoluta. Destarte, por qualquer ângulo que se analise a pretensão recursal, vê-se que ela não merece acolhimento, tendo a juíza a quo, após regular tramitação da ação civil pública, proferido decisão escorreita e em conformidade com a jurisprudência majoritária sobre a necessidade de o Estado garantir aos seus cidadãos, sobretudo àqueles mais vulneráveis, como crianças e adolescentes, o direito à vida e à assistência médica Fl. 12 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS com prioridade absoluta. Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Município de Rondonópolis, RATIFICANDO integralmente a sentença recorrida, pois aplicou o melhor direito no caso concreto. É como voto. Fl. 13 de 14 TERCEIRACÂMARA CÍVEL APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 148988/2013 - CLASSE CNJ - 1728 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência da DESA. MARIA APARECIDARIBEIRO, por meio da Câmara Julgadora, composta pela DESA. MARIAAPARECIDARIBEIRO (Relatora), DRA. VANDYMARAG. R. P. ZANOLO (Revisora) e DES. DIRCEU DOS SANTOS (Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE,REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DESPROVERAM O APELO E RATIFICARAM A SENTENÇA SOB REEXAME, NOS TERMOS DO VOTODA RELATORA. Cuiabá, 3 de fevereiro de 2015. ------------------------------------------------------------------------------------------ DESEMBARGADORAMARIAAPARECIDARIBEIRO - RELATORA ------------------------------------------------------------------------------------------ PROCURADORDE JUSTIÇA Fl. 14 de 14
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