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Universidade Nove de Julho – UNINOVE Rua Vergueiro, 235/249 – 12º andar CEP: 01504-001 – Liberdade – São Paulo, SP – Brasil Tel.: (11) 3385-9191 – editora@uninove.br Alexandre Crippa Sant’Anna Nelson Gaspar Dip Júnior organizadores São Paulo 2018 UROLOGIA PARA GRADUAÇÃO © 2018 UNINOVE Todos os direitos reservados. A reprodução desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei nº 9.610/98). Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização da UNINOVE. Conselho Editorial: Eduardo Storópoli Maria Cristina Barbosa Storópoli Nadir da Silva Basilio Cristiane dos Santos Monteiro Renata Mahfuz Daud Gallotti Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores Capa, Editoração e Revisão: Big Time Serviços Editoriais Imagens: Direitos autorais da UNINOVE – elaboradas pelo Departamento de Educação a Distância (EAD) Catalogação na Publicação (CIP) Cristiane dos Santos Monteiro – CRB/8 7474 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Urologia para graduação / Alexandre Crippa Sant’Anna, Nelson Gaspar Dip Júnior, organizadores. — São Paulo : Universidade Nove de Julho – UNINOVE, 2018. 379 p., il. color. ISBN: 978-85-89852-72-2 (e-book) ISBN: 978-85-89852-75-3 (impresso) 1. Urologia. 2. Medicina. I. Autores II. Titulo CDU 616.61 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Sumário Apresentação .....................................................................................................................................................17 Prefácio .............................................................................................................................................................18 Seção I Anatomia, Fisiologia e Propedêutica em Urologia, 19 Capítulo I Anatomia do Trato Urinário Superior, 20 Rafael Maistro Malta 1 Retroperitônio ................................................................................................................................................21 2 Fáscia toracolombar .......................................................................................................................................22 3 Estruturas vasculares retroperitoneais ............................................................................................................24 4 Sistema linfático .............................................................................................................................................28 5 Estruturas nervosas do retroperitônio ............................................................................................................28 6 Anatomia cirúrgica, radiográfica e endoscópica do rim e ureter ....................................................................31 7 Anatomia do sistema pielocalicial .................................................................................................................35 8 Anatomia da adrenal ......................................................................................................................................37 Leitura recomendada .........................................................................................................................................39 Capítulo II Anatomia do Trato Urinário Inferior, 40 João Henrique Aguayo Mussy 1 Bexiga ............................................................................................................................................................41 2 Uretra .............................................................................................................................................................43 3 Próstata ...........................................................................................................................................................44 4 Pênis ...............................................................................................................................................................48 5 Testículos .......................................................................................................................................................52 6 Escroto ...........................................................................................................................................................53 Leitura recomendada .........................................................................................................................................55 Capítulo III Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior, 56 Rafael Maistro Malta 1 Rins ................................................................................................................................................................57 2 Ureter .............................................................................................................................................................60 3 Bexiga e micção .............................................................................................................................................61 Leitura recomendada .........................................................................................................................................66 Capítulo IV Fisiologia da micção, 67 Bruno Garcia Dias Introdução .......................................................................................................................................................68 1 Inervação ........................................................................................................................................................68 2 Fase de enchimento ........................................................................................................................................70 3 Fase de esvaziamento .....................................................................................................................................71 4 Via de controle central ...................................................................................................................................72 5 Arco reflexo miccional e maturação do trato urinário inferior ......................................................................73 Leitura recomendada .........................................................................................................................................73 Capítulo V Semiologia e propedêutica urológica, 74 José Vinícius de Morais Avaliação do paciente urológico .....................................................................................................................75 1 Queixa principal .............................................................................................................................................75 2 Manisfestações sistêmicas .............................................................................................................................75 3 Dor .................................................................................................................................................................75 3.1. Dor renal ..............................................................................................................................................76 3.2. Dor ureteral .........................................................................................................................................76 3.3. Dor vesical ...........................................................................................................................................76 3.4 Estrangúria ...........................................................................................................................................77 3.5 Dor prostática .......................................................................................................................................773.6 Dor peniana ..........................................................................................................................................77 3.7 Dor testicular ........................................................................................................................................77 4 Hematúria .......................................................................................................................................................78 5 Sintomas do trato urinário inferior .................................................................................................................78 5.1 Armazenamento ....................................................................................................................................78 5.2 Esvaziamento ........................................................................................................................................78 6 Incontinência ..................................................................................................................................................79 7 Outros sintomas .............................................................................................................................................79 8 Disfunção sexual ............................................................................................................................................79 9 Exame físico ...................................................................................................................................................80 9.1 Rim ........................................................................................................................................................80 10 Bexiga ..........................................................................................................................................................82 10.1 Pênis ...................................................................................................................................................82 10.2 Escroto ................................................................................................................................................82 10.3 Reto e ânus ..........................................................................................................................................82 10.4 Genitália feminina ..............................................................................................................................83 10.5 Exame neurológico .............................................................................................................................83 Leitura recomendada .........................................................................................................................................83 Seção II Exames e Procedimentos em Urologia, 84 Capítulo VI Imagem em urologia, 85 Nelson Gaspar Dip Júnior Introdução .......................................................................................................................................................86 1 Radiografia simples de abdome .....................................................................................................................86 2 Urografia excretora (UGE) ............................................................................................................................91 3 Ultrassonografia de rins e vias urinárias e de bolsa escrotal ..........................................................................95 4 Tomografia computadorizada de abdome ....................................................................................................102 Leitura recomendada .......................................................................................................................................110 Capítulo VII Exames urológicos específicos, 111 Felipe Goulart Nehrer Biópsia prostática .......................................................................................................................................... 112 1 Considerações gerais ....................................................................................................................................112 2 Preparo do paciente ......................................................................................................................................112 3 Indicações ....................................................................................................................................................113 4 Contraindicações ..........................................................................................................................................113 5 Técnica .........................................................................................................................................................113 6 Complicações ...............................................................................................................................................115 Uretrocistoscopia ........................................................................................................................................... 116 1 Considerações gerais....................................................................................................................................116 2 Indicações ....................................................................................................................................................116 3 Preparo do paciente ......................................................................................................................................117 4 Técnica .........................................................................................................................................................117 5 Complicações ...............................................................................................................................................120 Uretrocistografia Retrógrada e Miccional (UCM) ....................................................................................121 1 Considerações gerais....................................................................................................................................121 2 Indicações ....................................................................................................................................................121 3 Contraindicações ..........................................................................................................................................121 4 Preparo do paciente ......................................................................................................................................121 5 Técnica .........................................................................................................................................................122 6 Complicações ...............................................................................................................................................124 Estudo urodinâmico ......................................................................................................................................124 1 Considerações gerais....................................................................................................................................124 2 Indicações ....................................................................................................................................................125 3 Preparo do paciente ......................................................................................................................................125 4 Fases do estudo urodinâmico .......................................................................................................................125 5 Achados específicos nas fases do estudo urodinâmico ................................................................................1286 Complicações ...............................................................................................................................................129 Leiura recomendada ........................................................................................................................................130 Capítulo VIII Sondagem vesical e toque retal, 131 Felipe Guilherme Hamoy Kataoka Cateterismo vesical .......................................................................................................................................132 1 Características dos cateteres vesicais ...........................................................................................................132 1.1 Tipos ....................................................................................................................................................133 1.2 Tamanho ..............................................................................................................................................133 1.3 Número de vias ...................................................................................................................................135 1.4 Tipos de material ................................................................................................................................136 1.5 Tempo de permanência .......................................................................................................................137 2 Técnicas de sondagem (cateterismo) vesical ...............................................................................................138 2.1 Sondagem vesical masculina ..............................................................................................................138 2.2 Sondagem vesical feminina .................................................................................................................139 2.3 Sondagem difícil .................................................................................................................................140 3 Complicações ...............................................................................................................................................140 Toque retal .....................................................................................................................................................141 1 Indicações ....................................................................................................................................................141 2 Posição do paciente ......................................................................................................................................142 3 Técnica .........................................................................................................................................................143 Leitura recomendada .......................................................................................................................................144 Seção III Patologias Não Neoplásicas e Trauma, 145 Capítulo IX Infecções do Trato Urinário Inferior, 146 Luccas Santos Patto de Goes Introdução .....................................................................................................................................................147 1 Epidemiologia ..............................................................................................................................................147 2 Patogênese ...................................................................................................................................................148 3 Diagnóstico ..................................................................................................................................................151 4 Tratamento ...................................................................................................................................................152 5 Profilaxia ......................................................................................................................................................153 6 Bacteriúria assintomática .............................................................................................................................154 Leitura recomendada .......................................................................................................................................154 Capítulo X Infecções do Trato Urinário Superior, 155 Wellington Rodrigues Porciúncula Junior Introdução .....................................................................................................................................................156 Pielonefrite aguda (PNA) .............................................................................................................................156 1 Diagnóstico laboratorial ...............................................................................................................................156 2 Bacteriologia ................................................................................................................................................156 3 Ultrassom renal e tomografia computadorizada ..........................................................................................157 4 Diagnóstico diferencial ................................................................................................................................157 5 Manejo inicial ..............................................................................................................................................157 Nefrite bacteriana aguda focal ou multifocal (NBA) .................................................................................159 Pielonefrite enfisematosa (PNE) ..................................................................................................................159 Abscesso renal (ou carbúnculo) ...................................................................................................................160 Hidronefrose infectada e pionefrose ............................................................................................................161 Abscesso perirrenal .......................................................................................................................................161 Pielonefrite crônica (PNC) ...........................................................................................................................162 Pielonefrite xantogranulomatosa (PNX) ....................................................................................................162 Malacoplaquia ...............................................................................................................................................163 Equinococose renal (ou hidatidose) .............................................................................................................163 Leitura recomendada .......................................................................................................................................164 Capítulo XI Litíase urinária, 165 Nelson Gaspar Dip Júnior Introdução .....................................................................................................................................................166 1 Fisiopatologia ...............................................................................................................................................166 2 Composição ..................................................................................................................................................168 3 Localização ..................................................................................................................................................169 4 Tamanho .......................................................................................................................................................1695 Diagnóstico ..................................................................................................................................................170 5.1 Sinais e sintomas .................................................................................................................................170 5.2 Exames laboratoriais ..........................................................................................................................170 5.3 Exames de Imagem .............................................................................................................................171 6 Tratamento ...................................................................................................................................................172 6.1 Tratamento clínico ..............................................................................................................................172 6.2 Tratamento cirúrgico ..........................................................................................................................172 Leitura recomendada .......................................................................................................................................180 Capítulo XII Hiperplasia benigna da próstata, 182 Eduardo Hidenobu Taromaru Introdução .....................................................................................................................................................183 1 Função da próstata .......................................................................................................................................183 2 Anatomia ......................................................................................................................................................183 3 Epidemiogia .................................................................................................................................................185 4 Teorias fisiopatológicas ................................................................................................................................185 5 Fisiopatologia ...............................................................................................................................................186 6 Quadro clínico ..............................................................................................................................................187 7 Avaliação diagnóstica ...................................................................................................................................188 7.1 Avaliação básica .................................................................................................................................188 7.2 Avaliação especializada ......................................................................................................................188 8 Tratamento ...................................................................................................................................................190 8.1 Tratamento clínico ..............................................................................................................................190 8.2 Tratamento cirúrgico ..........................................................................................................................192 Leitura recomendada .......................................................................................................................................194 Capítulo XIII Fimose e parafimose, 195 Luccas Santos Patto de Goes Fimose ............................................................................................................................................................196 1 Quadro clínico ..............................................................................................................................................196 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................197 3 Tratamento ...................................................................................................................................................197 4 Complicações ...............................................................................................................................................198 Parafimose .....................................................................................................................................................199 1 Quadro clínico..............................................................................................................................................199 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................199 3 Tratamento ...................................................................................................................................................200 4 Complicações ...............................................................................................................................................201 Leitura recomendada .......................................................................................................................................201 Capítulo XIV Hidrocele e varicocele, 202 Felipe Guilherme Hamoy Kataoka Hidrocele ........................................................................................................................................................203 1 Quadro clínico ..............................................................................................................................................203 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................203 3 Tratamento ...................................................................................................................................................204 4 Complicações ...............................................................................................................................................204 Varicocele .......................................................................................................................................................204 1 Quadro clínico ..............................................................................................................................................205 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................206 3 Tratamento ...................................................................................................................................................206 4 Complicações ...............................................................................................................................................207 Leitura recomendada .......................................................................................................................................207 Capítulo XV Disfunção erétil, 208 Thiago Seiji Carvalho da Silveira Introdução .....................................................................................................................................................209 1 Anatomia do pênis ........................................................................................................................................209 1.1 Sistema Nervoso ..................................................................................................................................209 1.2. Sistema Vascular ................................................................................................................................209 2 Fisiologia da ereção .....................................................................................................................................2103 Fisiopatologia...............................................................................................................................................212 3.1 Fator Vascular ....................................................................................................................................213 3.2 Fator Neurológico ..............................................................................................................................213 3.3 Fator Endócrino .................................................................................................................................213 3.4 Medicamentos e Drogas Ilícitas .........................................................................................................213 3.5 Fator Psicogênico ...............................................................................................................................214 4 Diagnóstico ..................................................................................................................................................214 4.1 Testes Diagnósticos Específicos ..........................................................................................................215 5 Tratamento ...................................................................................................................................................215 5.1 Tratamento Farmacológico ................................................................................................................216 Leitura recomendada .......................................................................................................................................218 Capítulo XVI Ejaculação precoce, 220 Thiago Seiji Carvalho da Silveira Introdução .....................................................................................................................................................221 1 Definição ......................................................................................................................................................221 2 Prevalência ...................................................................................................................................................221 3 Fisiologia da ejaculação ...............................................................................................................................221 4 Classificação ................................................................................................................................................222 5 Etiologia .......................................................................................................................................................222 6 Tratamento ...................................................................................................................................................223 Leitura recomendada .......................................................................................................................................223 Capítulo XVII Déficit androgênico do envelhecimento masculino, 225 José Vinícius de Morais Introdução .....................................................................................................................................................226 1 Fisiopatologia...............................................................................................................................................226 2 Quadro clínico ..............................................................................................................................................227 3 Diagnóstico ..................................................................................................................................................227 4 Tratamento ...................................................................................................................................................228 5 Riscos e controvérsias ..................................................................................................................................230 Leitura recomendada .......................................................................................................................................230 Capítulo XVIII Priapismo, 231 Wellington Rodrigues Porciúncula Junior Introdução .....................................................................................................................................................232 1 Considerações gerais ....................................................................................................................................232 1.1 Priapismo isquêmico (veno-oclusivo ou de baixo fluxo) ....................................................................232 1.2 Priapismo recorrente (ou intermitente) ..............................................................................................234 1.3 Priapismo não isquêmico (arterial ou de alto fluxo) ..........................................................................234 1.4 Priapismo em crianças .......................................................................................................................234 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................235 3 Tratamento ...................................................................................................................................................235 Leitura recomendada .......................................................................................................................................237 Capítulo XIX Incontinência urinária, 239 Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior Introdução .....................................................................................................................................................240 1 Incontinência urinária de esforço feminina ..................................................................................................240 2 Incontinência urinária por hiperatividade detrusora ....................................................................................242 3 Incontinência urinária masculina .................................................................................................................244 Leitura recomendada .......................................................................................................................................245 Capítulo XX Urgências urológicas não traumáticas, 247 Octavio Henrique Arcos Campos Escroto agudo ................................................................................................................................................248 1 Torção de cordão espermático (torção de testículo) .....................................................................................248 1.1 Torção intra-vaginal ...........................................................................................................................249 1.2 Apresentação clínica ...........................................................................................................................250 1.3 Exames complementares .....................................................................................................................252 1.4 Manejo e tratamento cirúrgico ...........................................................................................................252 1.5 Torção intra-vaginal intermitente .......................................................................................................254 2 Torção extra-vaginal ....................................................................................................................................254 3 Torção de apêndice testicular e apêndice epididimal ...................................................................................254 4 Orquiepididimite..........................................................................................................................................255 5 Outras causas de dor testicular aguda ..........................................................................................................256 5.1 Gangrena de fournier .........................................................................................................................256 5.2 Edema escrotal idiopático ..................................................................................................................256 5.3 Purpura de henoch-schönlein .............................................................................................................256 6 Retenção urinária aguda ...............................................................................................................................256 6.1 Etiologia .............................................................................................................................................257 6.2 Apresentação clínica ...........................................................................................................................258 6.3 Diagnósticos diferenciais....................................................................................................................258 6.4 Tratamento ..........................................................................................................................................259 6.5 Fatores de risco e prevenção ..............................................................................................................259 7. Hematúria macroscópica .............................................................................................................................260 7.1 Considerações gerais das hematúrias ................................................................................................260 7.2 Abordagem inicial e tratamento da hematúria macroscópica ............................................................261 7.3 Hematúria macroscópica de origem prostática ..................................................................................262 7.4 Hematúria macroscópica de origem no trato urinário superior ........................................................262 7.5 Sangramento uretral ...........................................................................................................................263 Leitura recomendada .......................................................................................................................................264 Capítulo XXI Trauma urogenital, 265 Eder Oliveira Rocha Introdução .....................................................................................................................................................266 1 Quadro clinico ..............................................................................................................................................266 2 Diagnóstico por imagem ..............................................................................................................................267 3 Classificação ................................................................................................................................................267 4 Tratamento ...................................................................................................................................................268 5 Complicações ...............................................................................................................................................270 Trauma ureteral ............................................................................................................................................270 1 Quadro clínico ..............................................................................................................................................271 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................271 3 Classificação ................................................................................................................................................275 4 Tratamento ...................................................................................................................................................276 5 Complicações ...............................................................................................................................................277 Trauma de bexiga ..........................................................................................................................................277 1 Classificação ................................................................................................................................................277 2 Quadro clínico ..............................................................................................................................................277 3 Diagnóstico ..................................................................................................................................................278 4 Tratamento ...................................................................................................................................................278 Trauma de uretra ..........................................................................................................................................279 1 Quadro clínico ..............................................................................................................................................279 2 Diagnóstico ..................................................................................................................................................279 3 Tratamento ...................................................................................................................................................280 4 Complicações ...............................................................................................................................................281 Trauma genital ..............................................................................................................................................281 Leitura recomendada .......................................................................................................................................283 Capítulo XXII Doenças Sexualmente Transmissíveis, 284 Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres Introdução .....................................................................................................................................................285 1 Corrimento uretral ........................................................................................................................................286 1.1 Etiologia .............................................................................................................................................286 1.2 Etiopatogênia ......................................................................................................................................286 1.2.1 Uretrite gonocócica .........................................................................................................................286 1.2.2 Uretrite não gonocócica ..................................................................................................................287 1.2.3 Uretrites persistentes .......................................................................................................................287 1.3 Métodos diagnósticos para uretrites ..................................................................................................287 1.4 Tratamento para corrimento uretral ...................................................................................................2881.5 Fluxograma para manejo clínico do corrimento uretral ....................................................................290 2 Verrugas Anogenitais ...................................................................................................................................290 2.1 Etiologia .............................................................................................................................................290 2.2 Transmissão ........................................................................................................................................291 2.3 Epidemiologia .....................................................................................................................................292 2.4 Formas de apresentação .....................................................................................................................292 2.5 Métodos diagnósticos para o HPV .....................................................................................................293 2.6 Tratamento das verrugas anogenitais ................................................................................................294 2.7 Prevenção da infecção pelo HPV .......................................................................................................296 2.8 Fluxograma para manejo clínico das verrugas genitais ....................................................................297 3 Úlceras genitais ............................................................................................................................................297 3.1 Etiologia da úlcera genital .................................................................................................................297 3.2 Aspectos específicos das úlceras genitais ...........................................................................................298 3.2.1 Sífilis primária e secundária ............................................................................................................298 3.2.2 Herpes genital ..................................................................................................................................299 3.2.3 Cancroide .........................................................................................................................................300 3.2.4 Linfogranumoma venéreo (LGV) .....................................................................................................301 3.2.5 Donovanose .....................................................................................................................................301 3.2.6 Fluxograma para manejo clínico das úlceras genitais ...................................................................302 3.3 Métodos diagnósticos para úlceras genitais ......................................................................................302 3.4 Tratamento para úlcera genital ..........................................................................................................303 Leitura recomendada .......................................................................................................................................305 Capítulo XXIII Interpretação clínica do PSA, 306 Nelson Gaspar Dip Júnior Considerações gerais .....................................................................................................................................307 Biologia do PSA .............................................................................................................................................307 Características do PSA .................................................................................................................................310 1 PSA x idade ..................................................................................................................................................310 2 Densidade do PSA........................................................................................................................................311 3 Velocidade de Crescimento do PSA .............................................................................................................311 4 Relação livre/total ........................................................................................................................................311 PSA e o diagnóstico do câncer de próstata .................................................................................................312 PSA e o estadiamento do câncer de próstata ..............................................................................................313 PSA como marcador de resposta ao tratamento do CAP ..........................................................................313 Leitura recomendada .......................................................................................................................................314 Seção IV Tumores Urológicos, 316 Capítulo XXIV Câncer de próstata, 317 Eduardo Hidenobu Taromaru Introdução .....................................................................................................................................................318 1 Fatores de risco ...........................................................................................................................................318 2 Rastreamento (screening) do câncer de próstata ..........................................................................................319 3 Diagnóstico ..................................................................................................................................................319 4 Possíveis achados da BTRP .........................................................................................................................321 5 Estadiamento ................................................................................................................................................323 6 Exames complementares ..............................................................................................................................325 7 Outros exames laboratoriais .........................................................................................................................325 8 Exames de imagem ......................................................................................................................................325 8.1 US de Próstata via Abdominal ............................................................................................................325 8.2 Cintilografia óssea ..............................................................................................................................326 8.3 Tomografia Computadorizada de Pelve..............................................................................................326 8.4 Ressonância Magnética Multiparamétrica da Próstata .....................................................................326 9 Tratamento ...................................................................................................................................................327 9.1 CaP Localizado...................................................................................................................................327 9.2 CaP Localmente Avançado .................................................................................................................329 9.3 CaP Metastático .................................................................................................................................330 9.4 CaP Resistente à Castração ...............................................................................................................331 9.5 Tratamento Complementar Paliativo .................................................................................................332 Leitura recomendada .......................................................................................................................................332Capítulo XXV Câncer de bexiga, 334 Alexandre Crippa Sant’Anna Introdução .....................................................................................................................................................335 1 Fatores de risco ............................................................................................................................................335 2 Tipos histológicos ........................................................................................................................................335 3 Quadro clínico ..............................................................................................................................................336 4 Diagnóstico ..................................................................................................................................................336 5 Estadiamento ................................................................................................................................................337 6 Grau histológico ...........................................................................................................................................339 7 Tratamento ...................................................................................................................................................340 7.1 Tratamento dos Tumores Não Músculo-invasivos (pTa, pT1 e pTis) 340 7.2 Tratamento dos Tumores Músculo-invasivos ......................................................................................342 8 Seguimento ..................................................................................................................................................344 9 Complicações ...............................................................................................................................................344 Leitura recomendada .......................................................................................................................................344 Capítulo XXVI Câncer de rim, 346 Octavio Henrique Arcos Campos 1 Classificação ................................................................................................................................................347 2 Avaliação radiológica de massas renais .......................................................................................................348 3 Avaliação de lesões císticas..........................................................................................................................348 4 Carcinoma de células renais (CCR) .............................................................................................................348 4.1 Considerações Gerais .........................................................................................................................348 4.2 Etiologia .............................................................................................................................................350 4.3 Síndromes Familiares e Biologia Molecular ......................................................................................350 5 Patologia ......................................................................................................................................................350 6 Apresentação clínica ....................................................................................................................................353 7 Estadiamento ................................................................................................................................................353 8 Tratamento ...................................................................................................................................................355 Carcinoma de células renais localizado ...................................................................................................355 Carcinoma de células renais localmente avançado .................................................................................357 Tratamento de carcinoma de células renais avançado .............................................................................359 Manejo cirúrgico do CCR metastático .....................................................................................................360 Quimioterapia convencional (citotóxica) .................................................................................................361 9 Prognóstico ..................................................................................................................................................361 Leitura recomendada .......................................................................................................................................362 Capítulo XXVII Câncer de testículo, 365 Felipe Goulart Nehrer Introdução .....................................................................................................................................................366 1 Fatores de risco ............................................................................................................................................366 2 Classificação histológica ..............................................................................................................................367 2.1 Neoplasia intratubular de células germinativas (ITGCN) .................................................................367 2.2 Seminoma ............................................................................................................................................367 2.3 Carcinoma Embrionário .....................................................................................................................367 2.4 Coriocarcinoma ..................................................................................................................................368 2.5 Tumor do saco vitelino ........................................................................................................................368 2.6 Teratoma .............................................................................................................................................368 3 Quadro clínico ..............................................................................................................................................368 4 Exame físico .................................................................................................................................................369 5 Diagnóstico ..................................................................................................................................................369 5.1 Ultrassonografia com Doppler ...........................................................................................................369 5.2 Marcadores tumorais ..........................................................................................................................369 6 Manejo inicial ..............................................................................................................................................370 7 Estadiamento ................................................................................................................................................371 7.1 Considerações gerais ..........................................................................................................................371 7.2 Exames de imagem para estadiamento ...............................................................................................372 7.3 Marcadores tumorais para estadiamento ...........................................................................................372 7.4 Grupos de estadiamento .....................................................................................................................373 7.5 Classificação prognóstica de tumores germinativos avançados........................................................373 8 Tratamento ...................................................................................................................................................373 8.1 Princípios terapêuticos .......................................................................................................................373 8.2 Tratamento dos tumores seminomatosos ............................................................................................374 8.3 Tratamento dos tumores não seminomatosos .....................................................................................374 Leitura recomendada .......................................................................................................................................374 AUTORES ...................................................................................................... 375 17 - Urologia para Graduação Apresentação A atualização médica nos dias hoje se tornou um desafio. Buscando o termo “câncer de próstata” em um conceituado banco de dados, constatamos que foram publicados mais de 10.000 artigos científicos sobre o assunto em 2017, tornando humanamente impossível manter-se completamente atualizado. E devido a grande velocidade com que surge o conhecimento na área médica, o que temos como verdade hoje em cinco anos não mais será, fazendo com que a atualização seja fundamental. No ensino médico, observamos as mesmas dificuldades. E mais, em sua maioria, livros textos de Medicina para a graduação médica são voltados para as áreas básicas. Neste contexto surge o livro “Urologia para Graduação”, um trabalho conjunto da Universidade Nove de Julho – UNINOVE e do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM), com o objetivo de servir de curadoria, ou seja, uma fonte de conhecimento para a formação médica em Urologia na graduação. E mais. Pensando no aluno, o livro foi dividido em quatro seções para facilitar a compreensão dos temas, sendo que cada seção serve de base para as demais. São estas: Propedêutica; Exames e Procedimentos; Patologias; e Tumores Urológicos. Nosso objetivo é atualizar o livro a cada dois anos e lançar uma plataforma digital com casos clínicos em Urologia, de forma a manter nosso ensino médico em consonância com os nossos tempos. Fazemos um agradecimento especial à Diretora do curso de Medicina da UNINOVE, Dra. Renata Mahfuz Daud Gallotti, pois seu apoio foi fundamental para que nossa iniciativa tivesse êxito. Desejo a todos uma ótima leitura e muito obrigado! Alexandre Crippa Sant’Anna VOLTAR 18 - Urologia para Graduação Prefácio O livro Urologia para Graduação, impecavelmente organizado pelo Prof. Dr. Alexandre Crippa Sant’Anna e o Prof. Dr. Nelson Dip, representa um marco para o ensino de Urologia para a gradua- ção em Medicina, especialmente para o Curso de Medicina da UNINOVE. Mais uma vez, a Editora UNINOVE inova ao disponibilizar a alunos de graduação em Medicina obra de tamanha expressão. Parabenizo a todos os autores que elaboraram cada um dos capítulos de forma primorosa, clara e cien- tificamente balizada na literatura. Apresentar o livro Urologia para Graduação é uma grande honra para mim. Alunos de Medicina muito se beneficiarão com a leitura, uma vez que a obra se inicia na Seção I com a apresentação de fundamentais aspectos morfofuncionais em Urologia, incluindo trato uriná- rio superior, trato urinário inferior e a fisiologia da micção, essenciais para a compreensão dos aspec- tos semiológicos em Urologia. Ilustrações excelentes promovem a facilidade de leitura. Na sequência, a valorização da Semiologia está brilhantemente apresentada na Seção II, no ca- pítulo Semiologia e Propedêutica Urológica, introduzindo o leitor nos principais sintomas e sinais das afecções urológicas. A seguir, ainda na Seção II, são abordados aspectos cruciais relacionados a exames complementares, com indicações precisas e embasadas na literatura. Os procedimentos apli- cados à Urologia são também apresentados e discutidos na mesma seção. As afecções urológicas prevalentes, aquelas com maior risco de morte e os acometimentos uro- lógicos com maior poder de prevenção, de origem inflamatória, infecciosa, metabólica, traumática, neoplásica, entre outras, são brilhantemente apresentadas nas Seções III e IV, respeitando a hierarqui- zação da atenção em saúde e as melhores evidências científicas. Uma ótima leitura a todos. Renata Mahfuz Daud Gallotti VOLTAR Seção I AnAtomIA, FISIologIA e ProPedêutIcA em urologIA Capítulo I – Anatomia do Trato Urinário Superior, 20 Rafael Maistro Malta Capítulo II – Anatomia do Trato Urinário Inferior, 40 João Henrique Aguayo Mussy Capítulo III – Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior, 56 Rafael Maistro Malta Capítulo IV – Fisiologia da micção, 67 Bruno Garcia Dias Capítulo V – Semiologia e propedêutica urológica, 74 José Vinícius de Morais VOLTAR SEÇÃO II SEÇÃO III SEÇÃO IV cAPítulo I Anatomia do Trato Urinário Superior Rafael Maistro Malta VOLTAR 21 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Para entender a anatomia do trato urinário superior e seus desdobramentos clínico-cirúrgicos, faz-se necessário um entendimento base do retroperitônio e da topografia de seus órgãos. 1 Retroperitônio O trato urinário superior está contido dentro do compartimento retroperitoneal, uma cavida- de virtual localizada entre os músculos e ossos da parede abdominal posterior e o peritônio parietal. O limite posterior do retroperitônio é composto pela parede abdominal em sua porção lombar dividida entre a parede posterior e a parede lateral. A parede posterior é formada pelos seguintes músculos: • Psoas maior – origem entre o 12º arco costal e L5 com inserção no trocânter menor do fêmur • Psoas menor – origem de T12 a L1 e se insere na eminência iliopúbica • Ilíaco – origem da região caudal da fossa ilíaca e inserção no trocânter menor do fêmur • Quadrado lombar – origem em L5 e fossa ilíaca e inserção na borda inferior da 12ª costela e nos processos transversos de L1 a L4 • Sacroespinhais – grande grupo muscular que tem em sua face anterior um largo tendão inse- rido na crista sacral mediana, processos espinhosos de T11 a L5, e face dorsal da crista ilíaca e crista sacral lateral, onde junta-se aos ligamentos sacrotuberosos e sacroilíacos posterio- res. O músculo sacroespinhal subdivide-se em 3 porções: iliocostal, longuíssimo e espinhal. Figura 1 – Aspecto posterior do abdome. Observe o posicionamento dos rins e suas relações com a musculatura posterior e estruturas ósseas Rafael Maistro Malta - 22 O músculo quadrado lombar e o músculo sacroespinhal estão configurados entre a fáscia lombodorsal. A parede lateral é composta, abaixo do subcutâneo, pelos seguintes planos musculares e fáscias: • Oblíquo externo – origem nos arcos costais (5º até o 12º), percorrendo em direção inferome- dial até sua inserção na crista ilíaca e linha alba. Forma o ligamento inguinal, entre a crista ilíaca e o púbis. • Oblíquo interno – origem na fáscia lombossacral e na crista ilíaca, com suas fibras correndo em direção superomedial, inserindo-se na linha alba e arcos costais inferiores. • Transverso do abdome – origem no 1/3 lateral do ligamento inguinal, borda interna da cris- ta ilíaca, superfície interna das cartilagens costais das últimas 6 costelas e fáscia lombodor- sal com inserção na crista púbica e na linha iliopectínea, linha alba, perfazendo a bainha do reto abdominal. • Fáscia transversalis – atravessa a linha média anteriormente e se liga à fáscia lombodorsal. O limite superior do retroperitônio é formado pelos últimos arcos costais (10º, 11º e 12º) e o dia- fragma. Os arcos costais protegem as estruturas retroperitoneais. Desse modo, fraturas desses arcos são fortes indicadores de prováveis lesões retroperitoneais. Esses arcos diferem dos arcos superiores por serem mais curtose com uma angulação menor. A 11ª e a 12ª costelas são consideradas “flutuan- tes” por não se articularem de forma alguma com o esterno. Tais arcos são de grande importância to- pográfica para palpação e orientação cirúrgica de punções renais. Do mesmo modo que no tórax, para as punções renais percutâneas, é importante lembrar que o feixe vasculonervoso passa na borda in- ferior da costela superior, entre as camadas musculares internas e externas intercostais. A ordem de estruturas que compões o feixe vasculonervoso das costelas, de superior para inferior, é assim deter- minada: veia, artéria e nervo. 2 Fáscia toracolombar A fáscia toracolombar, também descrita como fáscia lombodorsal, é composta por 3 comparti- mentos, envolvendo a musculatura lombar (Figura 2): • Posterior – posterior ao músculo sacroespinhal. • Medial – entre o músculo sacroespinhal e o músculo quadrado lombar. • Anterior – anterior ao músculo quadrado lombar. Próximas à ponta da 12ª costela, essas três camadas unem-se em apenas uma, que segue em di- reção lateral, formando a aponeurose do músculo transverso do abdome. Tal região permite a facili- dade de acesso ao retroperitônio, através de apenas uma abertura na fáscia, sem que haja necessidade de incisão muscular. As vantagens dessa via de acesso cirúrgica são menor sangramento de parede no intraoperatório e menos dor no pós-operatório. 23 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Figura 2 – Fáscia toracolombar e a disposição da musculatura posterior por entre seus folhetos O compartimento no qual se localiza o trato urinário superior fica delimitado pela fáscia renal (Gerota), composta por uma lâmina anterior (fáscia de Toldt) e uma posterior (fáscia de Zuckerkandl), determinando os limites dos espaços retroperitoneais: espaço pararrenal posterior, espaço perirrenal e espaço pararrenal anterior. O espaço perirrenal contém a adrenal, o rim, o ureter, a gordura perirrenal, o pedículo vascular e os vasos gonadais. Os espaços perirrenais apresentam pontos de comunicação (na altura do hilo re- nal) com o espaço contralateral. Outra consideração importante a ser feita é que o espaço perirrenal é aberto inferiormente, apresentando ligação direta com a gordura pélvica extraperitoneal. O significa- do clínico-cirúrgico dessa disposição é que líquidos perinefréticos (coleções purulentas, urina, linfa ou sangue) ficam contidos dentro do espaço perirrenal se a fáscia renal estiver intacta e podem drenar contralateralmente ou inferiormente para a pelve. O espaço pararrenal anterior é delimitado entre a lâmina anterior da fáscia renal e a porção pos- terior do peritônio parietal. Seu valor clínico é o acesso à fáscia de Gerota e ao rim através da cavi- dade peritoneal, após a liberação da linha branca de Toldt (formada pela fusão do peritônio posterior e o mesentério colônico). Rafael Maistro Malta - 24 Figura 3 – Espaço perirrenal e as estruturas nele contidas. Nessa figura estão demonstrados três elementos do espaço perirrenal: o rim, os vasos do hilo renal e a gordura perirrenal. Note também a demonstração esquemática do acesso por lombotomia posterior, que pode ser realizada sem incisões musculares 3 Estruturas vasculares retroperitoneais O retroperitônio contém a aorta e seus ramos. A aorta adentra a porção retroperitoneal do ab- dome através do hiato aórtico, localizado no diafragma na altura de T12, correndo medialmente à es- querda da veia cava inferior (Figura 4). Os primeiros ramos emitidos são as artérias frênicas inferiores, responsáveis pela nutrição do diafragma e por emitir ramos adrenais superiores (artéria adrenal superior). Ao se comparar com ra- mos adrenais médios e inferiores, os ramos superiores são os mais anatomicamente constantes. O mais comum é que as artérias adrenais médias originem-se diretamente da aorta e as inferiores das artérias renais ipsilaterais (Figura 5). O segundo ramo da aorta é o tronco celíaco, que origina a artéria gástrica esquerda, a artéria es- plênica, e a artéria hepática comum. O terceiro ramo é a artéria mesentérica superior, na parte anterior da aorta, na altura de L1-L2, ao mesmo nível das artérias adrenais médias (Figura 4). Os próximos ramos a emergirem da aorta são as artérias renais na altura média de L1. Existe va- riação considerável das artérias renais em número, comprimento e localização (Figura 4). Em apro- ximadamente 25% dos pacientes, as artérias renais direita e esquerda são acompanhadas de artérias renais supranumerárias, sendo mais comuns a direita. 25 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior As artérias gonadais são os próximos ramos pareados da aorta, e surgem anterolateralmente. São denominadas, especificamente, artérias testiculares nos homens e ovarianas nas mulheres (Figura 4). Ramos pareados das artérias lombares emergem posteriormente, suprindo a parede lombar pos- terior e a coluna a cada nível vertebral. A artéria mesentérica inferior surge na linha média, ao nível de L3-L4, suprindo o colón esquerdo e reto alto. Próximo à bifurcação aortoilíaca, o último ramo aórtico, a artéria sacral média, emerge, corren- do inferiormente pelo sacro. Figura 4 – Aorta abdominal e seus ramos. Note, em destaque, a vascularização triarterial da adrenal, as artérias renais e as gonadais partindo da face lateral e anterior da aorta, respectivamente Rafael Maistro Malta - 26 Figura 5 – Esquema detalhando a vascularização da adrenal. Note os 3 ramos arteriais e suas respectivas origens, além das particularidades da drenagem venosa: a veia adrenal direita é curta, calibrosa e drena direto na VCI, enquanto que a via adrenal esquerda drena para a veia renal do mesmo lado A maior parte do sistema venoso retroperitoneal e seus ramos acompanham a vascularização ar- terial. Válvulas bicúspides estão presentes para manter o fluxo unidirecional cefálico. A maior estru- tura venosa retroperitoneal é a veia cava inferior (VCI), formada a partir da união das ilíacas comuns, inferior e a direita da bifurcação aórtica. A sua porção infra-renal corre anteriormente aos corpos ver- tebrais e paralelamente à aorta. Em sua porção suprarrenal, a VCI torna-se mais anterior e, ao nível do diafragma, é separada pelo pilar diafragmático direito. A VCI adentra o tórax pelo tendão central do diafragma, ao nível de T8 e termina no átrio direito. O sistema venoso é mais variável que o arterial, mesmo seguindo a tendência de sempre acom- panhá-lo (Figura 5). A veia lombar ascendente drena a parede abdominal e corre posteriormente ao músculo psoas e lateralmente aos corpos vertebrais, juntando-se às veias lombares ipsilaterais. Ao chegarem no tórax, formam o sistema Ázigos à direita e Hemiázigos à esquerda. Nos homens, as veias gonadais são formadas a partir do plexo pampiniforme, percorrendo pa- ralelamente a sua correspondente arterial e anteriormente ao ureter ipsilateral. A veia testicular es- querda habitualmente tem sua inserção na veia renal esquerda em um ângulo reto. Por outro lado, a veia testicular direita insere-se na VCI em sua porção anterolateral e em ângulo agudo (Figura 6). 27 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Em 10% dos casos ambas se inserem nas respectivas veias renais em 90º. O significado clínico des- se padrão justifica a maior incidência de varicocele à esquerda. O achado clínico de uma varicocele unilateral à direita e “súbita” deve levar a uma suspeita clínica de malignidade retroperitoneal, prin- cipalmente tumores renais, sendo recomendada a investigação radiológica do retroperitônio. Em mu- lheres, as veias ovarianas também são originadas do plexo pumpiniforme adjacente ao hilo ovariano, passando pelo ligamento do infundíbulo pélvico. Sua drenagem habitual também segue o mesmo pa- drão das veias testiculares. As veias renais percorrem anteriormente as artérias renais e desembocam na VCI ao nível de L1. A veia renal direita é mais curta e não tem tributárias importantes. A veiarenal esquerda é mais longa e recebe 3 tributárias: a veia gonadal esquerda (na face inferior), a segunda veia lombar esquer- da (na face posterior) e a veia adrenal esquerda (na face superior) (Figura 6). Em 1/6 dos casos, a veia renal direita é duplicada. Figura 6 – Veia cava inferior e seus ramos. Note, em destaque, a veia renal esquerda recebendo 3 ramos, fato que não ocorre na veia renal direita Rafael Maistro Malta - 28 4 Sistema linfático A regra geral de drenagem linfática do retroperitônio e dos órgãos genitourinários seguem o padrão de inferior para superior e da direita para a esquerda. De modo semelhante, o padrão de dre- nagem de metástases linfonodais de tumores primários em órgãos como rins e testículos segue a mes- ma lógica. Tumores à direita tendem a emitir metástases para as cadeias paracavais e interaortocavais (disseminação mais ampla), enquanto que tumores localizados à esquerda tendem a emitir suas metás- tases linfonodais apenas para a cadeia para-aórtica (disseminação mais restrita). A Figura 7 demons- tra essas características. Figura 7 – Cadeias linfonodais retroperitoneais paracaval (direita), interaortocaval (meio) e para-aórtica (esquerda) 5 Estruturas nervosas do retroperitônio As estruturas nervosas do retroperitônio são divididas em autonômicas e somáticas. O sistema nervoso autônomo consiste, de um modo geral, em 2 nervos com 2 corpos celulares: o neurônio pré- -ganglionar com seu corpo celular no sistema nervoso central, realizando sinapse periférica com um segundo neurônio em um gânglio periférico. A exceção a essa regra é a adrenal, que recebe inerva- ção direta do neurônio pré-ganglionar em sua camada medular. Assim, a medula adrenal é considera- da um gânglio especializado do sistema nervoso autonômico. O sistema nervoso parassimpático apresenta uma eferência de seus axônios crânio-sacral, origi- nando-se dos pares cranianos III, VII, IX e X e do ramo ventral do 2º, 3º e 4º nervos sacrais. Por outro 29 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior lado, o sistema nervoso simpático origina-se do 1º ramo torácico até os ramos de L2 pela raiz ventral, percorrendo do nervo espinhal correspondente ao tronco simpático ipsilateral. Os troncos simpáticos ficam próximos das artérias e veias lombares, cruzando com as mesmas, perpendicularmente. As fibras pré-ganglionares fazem sinapse dentro dos gânglios do tronco simpático e enviam fibras pós-ganglio- nares para a parede do corpo e extremidades inferiores. As fibras pré-ganglionares também podem dei- xar o tronco como nervos esplâncnicos para sinapse com os gânglios dos plexos autonômicos da aorta. O primeiro plexo nervoso abdominal é o celíaco, mandando ramos autonômicos para rins, adre- nal, pelve renal e ureter (através do gânglio renal autonômico). Alguns ramos autonômicos do testícu- lo também passam por esse plexo. Essa inervação explica, em parte, a presença de náuseas e vômitos causados por uma cólica renal ou uma torção de testículo. Depois do plexo celíaco, seguem, em sequ- ência inferior, o plexo aórtico, hipogástrico superior, hipogástrico inferior e pélvico. Os plexos mais superiores (celíaco, aórtico e hipogástrico) são predominantemente simpáticos, enquanto que o ple- xo pélvico tem predominância parassimpática. Grande parte da inervação das vísceras pélvicas passa pelos plexos hipogástricos superior e inferior. Em dissecções extensas ou radioterapia do retroperi- tônio, tais plexos podem ser inadvertidamente lesionados, causando ejaculação retrógrada (por falha do fechamento do colo vesical no momento da ejaculação) e ausência de contração e esvaziamento da vesícula seminal (Figura 8). O sistema nervoso somático é responsável pela sensibilidade e motricidade do abdome e mem- bros inferiores tem sua origem no retroperitônio, formam o plexo lombossacral com nervos origina- dos a partir de T12 (Figura 9). O último nervo subcostal é o T12 seguindo o padrão do feixe vasculonervoso subcostal, tendo sua origem inferior a 12º costela. Sua função é promover sensibilidade e motricidade à parede abdo- minal. Os seguintes nervos surgem a partir de fibras que se original dos cornos medulares e passam pelo plexo lombossacral, quais sejam: Ilio-hipogástrico origina-se de ramos de L1, inervando os músculos oblíquo interno e transver- so do abdome e sensibilidade posterolateral do glúteo e região púbica. • Ilioinguinal – surge de fibras do ramo anterior de L1 realizando também inervação motora dos músculos oblíquos internos e transverso do abdome além de sensibilidade da região me- dial da coxa, base do pênis, bolsa testicular e monte púbico (em mulheres, os lábios maiores). • Genitofemoral – formado a partir de fibras de L1-L2, com função motora do músculo cremás- ter e sensibilidade da bolsa testicular (ramo genital – passa pelo canal inguinal) e pele anterior da raiz da coxa (ramo femoral – passa inferiormente ao ligamento inguinal). Esse nervo deve ser protegido durante procedimentos como bexiga psoica e varicocelectomia laparoscópica. • Cutâneo-lateral – inervação exclusivamente sensitiva da pele da coxa até o joelho em sua porção anterolateral. Rafael Maistro Malta - 30 • Obturador – origem nos ramos L3-L4 com inervação motora do músculo obturador externo, pectíneo e musculatura do compartimento medial da coxa, além de função sensitiva da parte medial da coxa. Tem especial significado clínico durante procedimentos de ressecção transu- retral de bexiga, podendo ser estimulado pela corrente elétrica da ressecção, produzindo uma adução abrupta da perna, podendo ocasionar a perfusão da bexiga pelo aparelho endoscópico. • Femoral – origem em L2-L4, com inervação motora do ilíaco, do pectíneo e da musculatu- ra do compartimento anterior da coxa e sensibilidade da região anterior e medial da perna. • Ciático – origem de L4-S3, promovendo motricidade do compartimento posterior da coxa e restante dos músculos da perna. Importante ressaltar que pode ser lesionado especialmente durante procedimentos prolongados com uso de perneiras em flexão. Figura 8 – Plexos nervosos autonômicos do retroperitônio 31 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Figura 9 – Esquema demonstrando a formação do sistema nervoso somático localizado no retroperitônio 6 Anatomia cirúrgica, radiográfica e endoscópica do rim e ureter Os rins estão posicionados no retroperitônio, dentro da fáscia de Gerota, apoiados ou “deitados” sobre o músculo psoas. Essa concepção facilita a memorização da posição de seus polos: o superior é posterior e medial em relação ao polo inferior, além de apresentar uma rotação lateroposterior de 30º em relação ao plano coronal. Considerando a anatomia topográfica renal, o polo superior do rim esquerdo é localizado à altu- ra da 11ª costela, enquanto o rim direito encontra-se em posição inferior em relação ao esquerdo, que está à altura da 12ª costela. Os polos inferiores estão à altura da vértebra lombar de L3 e L4, respec- tivamente, enquanto o hilo renal encontra-se à altura de L1 (Figura 10). Rafael Maistro Malta - 32 Figura 10 – Posições anatômicas dos rins O tamanho médio é de 10 a 12 cm de comprimento, 5 a 7,5 cm de largura e de 2,5 a 3 cm de profundidade, pesando aproximadamente 125 a 170g cada um. Em crianças, os rins são relativamen- te maiores, apresentando lobulações proeminentes, resultando em uma exposição maior ao trauma re- nal fechado. Em cortes longitudinais do rim, duas principais regiões macroscópicas podem ser identificadas: o córtex, mais pálido e a medula, mais escura. A medula renal é dividida em 8 a 18 regiões estriadas triangulares denominadas pirâmides renais, que recebem em seus ápices os cálices renais menores, as primeiras estruturas do sistema coletor. As bases das pirâmides renais se localizam juntamente na di- visão entre o córtex e a medula renal (divisão corticomedular). O córtex renal tem, aproximadamen- te, 1 cm de comprimento, dispondo-se em contato comas bases das pirâmides e estendendo-se para o interior do parênquima renal na forma de divisórias entres as pirâmides, as chamadas colunas de Bertin. Nessa região passam as artérias segmentares e, em cirurgias percutâneas, punções nas colunas de Bertin devem ser evitadas com o intuito de evitar a lesão dessas artérias e sangramento significati- vo associado. A Figura 11 mostra todas as estruturas anatômicas discutidas até aqui. 33 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Figura 11 – Estruturas anatômicas que compõem o rim As estruturas do hilo renal estão dispostas da seguinte forma: veia renal (mais anterior), artéria renal (central), pelve renal (mais posterior). A vascularização arterial renal é feita classicamente por uma artéria para cada rim, originando-se diretamente da aorta, à altura de L1 e L2. Após a entrada no hilo, a artéria renal divide-se em ramos segmentares terminais (artéria segmentar anterior e posterior), sem anastomoses ou colaterais significativas entre elas. Em vista disso, uma obstrução arterial leva a um infarto renal segmentar. Tipicamente, o ramo segmentar posterior separa-se antes dos demais, ir- rigando o 1/3 medial posterior do rim. O ramo anterior segue dividindo-se em 4 ramos: ramo apical, ramo superior, ramo médio e ramo inferior. Em alguns casos, o ramo posterior passa anteriormente ao ureter, que resulta em uma compressão extrínseca, promovendo em uma parte dos casos uma es- tenose da junção ureteropiélica (estenose de JUP por vaso anômalo). Em 25 a 40% dos pacientes são encontradas alguma variação anatômica da vascularização renal, sendo a maioria representada por ar- téria renal supranumerária (Figura 12). Rafael Maistro Malta - 34 Figura 12 – Divisão da vascularização arterial renal Em teoria, o fato de não existirem anastomoses significativas entre artérias segmentares e de existir uma divisão precoce entre ramos anteriores e posterior, permite que o rim apresente uma linha avascular em seu corte coronal, denominada linha de Brodel. Nessa região, é possível uma incisão com menor perda sanguínea, principalmente durante a cirurgia (nefrolitotomia) anatrófica. Após adentrarem o seio renal, os ramos segmentares passam pelas colunas de Bertin, tornando-se as artérias interlobares. Ao curvarem-se para correr paralelas as bases das pirâmides renais são identi- ficadas como artérias arqueadas. Em seguida, emitem ramos menores, perpendiculares e denominadas artérias interlobulares que, por fim, emitem os ramos aferentes para os glomérulos renais (Figura 13). A drenagem venosa renal corre paralelamente à arterial. Entretanto, a drenagem venosa é com- posta por uma grande rede de anastomoses colaterais e uma drenagem renal periférica significativa. As veias renais percorrem anteriormente as artérias renais até atingirem a veia cava inferior. A veia renal direita tem de 2 a 4 cm e a esquerda de 6 a 10 cm. Por conseguinte, a veia renal esquerda aca- ba por receber mais ramos que a direita: a veia suprarrenal esquerda, a veia gonadal esquerda e a se- gunda veia lombar (de grande significado pelo risco de avulsão durante a manipulação cirúrgica). O cruzamento da veia renal esquerda abaixo da artéria mesentérica superior pode causar, sobretudo em crianças e adolescentes, a síndrome de “nutcracker” (hematúria, dor no flanco esquerdo, varicocele 35 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior esquerda, proteinúria ortostática, fadiga crônica e congestão pélvica). Observe, na Figura 4 deste ca- pítulo, a relação anatômica entre a veia renal esquerda, a aorta e a mesentérica superior. A veia renal pode ser comprimida entre a aorta (posterior) e a mesentérica superior (anterior), estabelecendo a sín- drome descrita. Figura 13 – Divisão da artéria segmentar, após sua entrada no parênquima renal A drenagem linfática do rim ocorre perifericamente ou através no hilo renal. Ocorre um dife- rente padrão de drenagem entre o rim direito e esquerdo, seguindo o padrão retroperitoneal (superior e para a esquerda). A inervação simpática do rim tem origem pré-ganglionar entre T8-L1 com contribuições signi- ficativas do plexo celíaco. O ramo pós-ganglionar segue as artérias através do plexo autonômico, pro- movendo vasoconstrição. Os ramos parassimpáticos são originários do vago e correm junto às fibras simpáticas, provocando vasodilatação renal. Entretanto, é importante ressaltar que rins transplanta- dos apresentam função normal porque o controle vasogênico renal é prioritariamente dependente do controle humoral. 7 Anatomia do sistema pielocalicial Os cálices renais variam amplamente em forma, tamanho e número, sendo diferentes, inclusive, para cada rim no mesmo paciente. A menor estrutura do sistema coletor é o cálice menor. De modo geral, o polo superior possui de 2 a 3 cálices menores, a região interpolar de 3 a 4, e o polo inferior, Rafael Maistro Malta - 36 de 2 a 3. Cada cálice menor geralmente recebe uma papila renal (ápice da pirâmide renal medular). O polo superior geralmente é drenado por um único cálice maior, assim como o inferior. Por outro lado, o segmento médio do rim é drenado por grupamentos caliciais anteriores e posteriores de pares de cálices. No formato clássico, todos esses cálices drenam em uma única pelve renal dentro do seio renal (pelve intrarrenal). Uma variante desse padrão seria a drenagem para uma pelve fora do seio re- nal (pelve extrarrenal). A capacidade da pelve renal varia de 3 a 10 ml (veja a Figura 11 e também a Figura 14, abaixo). Figura 14 – Disposição anatômica dos cálices renais maiores e menores, e pelve renal Os ureteres seguem levando a urina da pelve renal até a bexiga, medindo, em adultos, de 22 a 30 cm e diâmetro interno variando de 1,5 mm a 6 mm. Três regiões anatômicas são importantes por representarem os principais pontos de impactação de cálculos: a junção ureteropiélica (JUP), o cru- zamento sobre os vasos ilíacos, e a junção ureterovesical (JUV). O ureter se localiza lateralmente aos processos transversais das vértebras lombares. Arbitrariamente, o ureter é dividido em proximal, mé- dio e distal. Segundo a nomenclatura anatômica, é dividido em abdominal (da JUP até o cruzamento com as ilíacas), pélvico (do cruzamento até a bexiga) e intramural (JUV/parede vesical) (Figura 15). A vascularização do ureter segue uma importante anatomia, importante em procedimentos ci- rúrgicos que envolvem o ureter, não existindo um ramo arterial específico para a irrigação ureteral. 37 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Acima das artérias ilíacas comuns, os ramos vasculares penetram no ureter pela sua porção medial e assim que cruza a ilíaca, os ramos passam a ser laterais. A vascularização do ureter, na região proxi- mal recebe ramos da artéria renal e gonadal, a porção média do ureter recebe ramos diretos da aorta e a porção distal recebe ramos da artéria hipogástrica (ilíaca interna), vesical superior e inferior. Desse modo, deve-se respeitar essas particularidades durante a dissecção ureteral para se evitar a desvascu- larização e possível estenose ou fístula. Assim, incisões ureterais acima dos vasos ilíacos devem ser feitas lateralmente, enquanto que incisões mediais são mais adequadas na porção ureteral abaixo dos vasos ilíacos (Figura 15). Além dessa regra, existe uma região anatômica crítica na qual o ureter pas- sa imediatamente posterior à artéria uterina, o que muitas vezes pode resultar em ligadura inadvertida do ureter durante cirurgias ginecológicas Figura 15 – Esquerda: pontos de constrição fisiológica do ureter e possíveis áreas de impactação de cálculos. Direita: observe a distribuição de irrigação arterial do ureter (medial para porção alta e lateral para a porção pélvica) 8 Anatomia da adrenal As adrenais são órgãos endócrinos retroperitoneais, localizados cranialmente aos rins e separa- dos dele por uma fina camada de tecido conjuntivo. Em ambos os lados, as adrenais estão localizadasentre T11-T12. Sua dimensão varia de 2 a 3 cm de comprimento a 4 a 6 cm largura, pesando em mé- dia 6 gramas. A adrenal esquerda apresenta forma de crescente (meia-lua) e a direita, forma piramidal. A vascularização adrenal tem 3 fontes. Os ramos superiores são provenientes das artérias frêni- cas inferiores, os médios saem da face lateral da aorta e os inferiores surgem da artéria renal ipsilateral Rafael Maistro Malta - 38 (Veja Figura 5 nesse capítulo). Ao adentrar no órgão, as artérias distribuem-se em 3 camadas: arté- rias capsulares, ramos corticais fenestrados que suprem o córtex e as arteríolas medulares sinusoides. A medula renal recebe sangue de duas fontes: arterial das arteríolas medulares e venoso do sinusoide cortical. Essa dupla vascularização é importante para a produção de catecolaminas. O suprimento ve- noso advindo do córtex chega à medula com uma grande quantidade de glicocorticoides e isso é fun- damental para a síntese destas. A drenagem venosa varia em cada lado. À direita, um único ramo (veia adrenal direita) drena direto para veia cava inferior, enquanto que à esquerda (veia adrenal esquerda) drena para a veia re- nal ipsilateral. A inervação da adrenal é importante para o controle e regulação de síntese das catecolaminas pe- las células cromafins da medula renal, que recebe fibras pré-ganglionares do segmento torácico baixo e lombar, passando direto pela cadeia simpática, realizando sinapse direta na medula renal. A composição histológica básica da adrenal inclui o córtex e a medula. O córtex, por sua vez, subdivide-se em 3 camadas concêntricas: a zona glomerular (15%) – responsável pela produção de aldosterona, a zona fascicularda (80%) – responsável pela produção de glicocorticoides, principal- mente cortisol, e a zona reticular (5%) – responsável pela produção de esteroides sexuais. A medula adrenal é composta por células cromafins, que são, em sua essência, neurônios pós-ganglionares que perderam os axônios e os dendritos (Figura 16). 39 - Capítulo I | Anatomia do Trato Urinário Superior Figura 16 – A: esquema de divisão das camadas da adrenal (córtex e medula) e os principais hormônios produzidos. B: corte histológico das mesmas estruturas Leitura recomendada MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. NETTER, F. H. Atlas de anatomia humana. 6. ed. Porto Alegre: Saunders-Elsevier, 2015. SMITH, Joseph et al. Hinman’s atlas of urologic surgery. 4th. ed. Filadélfia: Elsevier; 2017. WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. cAPítulo II Anatomia do Trato Urinário Inferior João Henrique Aguayo Mussy VOLTAR 41 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Esse capítulo tem como propósito demonstrar a anatomia do trato urinário inferior, orientando o aluno em relação às características de cada órgão componente desse sistema. 1 Bexiga A bexiga, órgão cuja função é armazenar urina, tem a capacidade de aproximadamente 500ml e, quando cheia, assume a forma ovoide. Anterior e lateralmente, a bexiga é suportada por tecido con- juntivo e gordura perivesical retropúbica (espaço de Retzius). Esse espaço pode ser utilizado como acesso extraperitoneal à bexiga e à próstata. A base da bexiga tem íntima relação com as vesículas se- minais e ureteres terminais, como mostra a Figura 1 abaixo. A superfície vesical é formada pelo urotélio, antigamente chamado de epitélio de transição, composto por 6 camadas de células que repousam na membrana basal. Abaixo desta, segue a lâmina própria ou muscular da mucosa, seguida pela camada muscular. A camada muscular é dividida em 3 partes, a interna e a externa que possuem fibras longitudinais, e a central com fibras circulares. A cerca de 3 cm da entrada do ureter na bexiga, um reforço fibromuscular longitudinal chama- do de bainha de Waldeyer é formado e estende-se até o trígono vesical. Esse mecanismo impede o re- fluxo ureteral passivo de urina para o trato urinário superior. Nessa região é comum também ocorrer obstrução por cálculos. O triângulo de urotélio formado entre os dois meatos ureterais e o meato ure- tral interno é conhecido como trígono vesical. O trígono vesical, contíguo à próstata, é firmemente fixado à pelve. No homem, o colo vesical é formado por um anel muscular forte e composto por rica inervação noradrenérgica que contrai no momento da ejaculação promovendo o impulso anterógrado do esperma (Figura 2). A bexiga é irrigada pelos ramos das artérias ilíacas internas, que formam pedículos laterais e posteriores. As artérias obturatórias e glútea inferior também participam dessa irrigação. O plexo ve- noso vesical drena para o sistema da ilíaca interna e para o plexo vertebral. A drenagem linfática se faz para linfonodos ilíacos internos e externos. A inervação autonômica da bexiga e uretra é oriunda dos plexos vesical e prostático, que se ori- ginam a partir do plexo hipogástrico inferior. Fibras eferentes autonômicas da porção anterior do ple- xo pélvico (plexo vesical) passam pelos ligamentos laterais e posteriores para inervarem a bexiga. O plexo hipogástrico superior, abaixo da bifurcação da aorta se divide nos dois nervos hipogás- tricos inferiores direito e esquerdo. O nervo hipogástrico inferior atravessa o estreito superior de pel- ve e se une com os nervos esplâncnicos sacrais, originando o plexo hipogástrico inferior. João Henrique Aguayo Mussy - 42 Figura 1 – Relações anatômicas da bexiga no homem (acima) e na mulher (abaixo) Figura 2 – Bexiga no homem (corte coronal). Observe o trígono vesical, o colo vesical, a próstata e uretra prostática e membranosa 43 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Na via parassimpática do sistema nervoso autônomo, os neurônios pré-ganglionares estão loca- lizados na porção lateral da substância cinzenta intermédia da medula sacral, chamada de núcleo pa- rassimpático sacral. Os neurônios parassimpáticos pós-ganglionares se localizam na parede da bexiga e no plexo pélvico. O principal neurotransmissor do sistema parassimpático é a acetilcolina (ACh). Os receptores de ACh se localizam principalmente no fundo da bexiga e em menor quantidade na re- gião da uretra posterior. 2 Uretra A uretra é dividida em porções, anterior e posterior. A porção anterior começa na membrana perineal e vai até o meato uretral distal. Já a porção posterior começa no colo vesical e termina na membrana perineal. A uretra é composta por epitélio transicional ou urotélio, que se torna escamoso na fossa navicular (no homem), na sua porção mais distal. O suprimento arterial origina-se na artéria pudenda interna. A uretra masculina começa no colo vesical e se estende até o meato uretral na glande (Figura 3). Ela é composta por musculatura estriada e lisa. No homem a uretra pode ser dividida em quatro por- ções: prostática, membranosa, bulbar e peniana, essa última terminando na fossa navicular. Na porção membranosa encontram-se camadas musculares que formam o esfíncter uretral externo. O verumon- tanum é formado pelo alargamento e protrusão da uretra na parede posterior na uretra membranosa. Nele encontram-se os utrículos prostáticos (remanescentes mullerianos). Figura 3 – Uretra masculina. Note o esfíncter uretral interno (colo vesical), o esfíncter estriado externo (na uretra membranosa), as glândulas bulbouretrais (de Cowper), utrículo prostático e a uretra mais distal (fossa navicular) A uretra feminina estende-se do terço distal da parede vaginal anterior, do colo vesical até o me- ato uretral. A uretra na mulher tem aproximadamente 4 cm de comprimento (Figura 4). João Henrique Aguayo Mussy - 44 Figura 4 – Bexiga e uretra feminina (corte coronal). Observe o trígono vesical, a uretra feminina e sua íntima relação com a vagina 3 Próstata A próstata é uma glândula com formato ovoide e pesa cerca de 20 gramas. Ela é homólogaà glândula de Skene na mulher. A próstata é composta por tecido glandular e fibromuscular, e posiciona- da inferiormente à bexiga. No seu interior passa a uretra prostática, mergulhada na zona de transição. O ápice prostático é contiguo ao esfíncter estriado uretral (Figuras 5 e 6). O nervo cavernoso, respon- sável pela ereção, passa lateralmente à próstata, de cada lado, e deve ser preservado, quando possível, durante a prostatectomia radical para tratamento do câncer de próstata localizado. 45 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior A próstata é dividida em 3 zonas anatômicas: zona periférica, central e de transição. A zona de transição corresponde a 10% do tecido glandular normal, mas pode chegar até 80% na glândula com hiperplasia benigna. A zona central se expande para a base vesical e envolve os ductos ejaculatórios. Esta zona corresponde a 25% da glândula. A zona periférica é a maior, representando 70% da glân- dula na sua porção posterior e lateral. Aproximadamente 70% dos tumores de próstata são encontra- dos nessa zona. (Figura 7). Figura 5 – Próstata (corte sagital). Note sua relação com o colo vesical e as vesículas seminais anteriormente ao reto. Entre o reto e as vesículas seminais encontra-se a fáscia de Denonvilliers Figura 6 – Próstata (corte transversal). Note a uretra prostática ao centro e os ductos ejaculatórios inferiormente João Henrique Aguayo Mussy - 46 A irrigação prostática é feita tipicamente pela artéria vesical inferior. Esta se ramifica em ar- térias uretrais que entram na junção vesicoprostática posterolateralmente (às 5h e 7h) e penetram perpendicularmente até a uretra. Da artéria vesical inferior também se origina a artéria capsular, que penetra e irriga a porção anterior da glândula. Ramos da artéria pudenda interna e da retal média também complementam a irrigação prostática (Figura 8). Figura 7 – Modelo de McNeal da anatomia zonal da próstata. Note que a região periuretral está envolvida na zona de transição e os ductos ejaculatórios, envolvidos pela zona central A drenagem venosa é feita pelo plexo periprostático que se anastomosa com a veia dorsal pro- funda do pênis e a veia ilíaca interna, formando o plexo venoso de Santorini. Os linfonodos obturató- rios e ilíacos internos são os primeiros sítios de drenagem linfática da próstata. 47 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Figura 8 – Irrigação prostática. Note os ramos arteriais prostáticos partindo da artéria vesical inferior e os ramos nervosos do plexo pélvico (incluindo o ramo cavernoso para o pênis). Observe também a íntima relação venosa prostática e peniana profunda (plexo venoso de Santorini) As vesículas seminais são dois órgãos complementares e adjacentes à glândula prostática. Estão localizadas posteriormente à bexiga e na frente do reto e tem função reprodutiva bem estabelecida (armazenamento do esperma). Medialmente às vesículas seminais, localizam-se os ductos deferentes que parte dos testículos e entram no abdome inferior pelo canal inguinal. Correm cefalicamente, cur- vando-se posteriormente à bexiga para novamente deslocarem-se inferior e medialmente às vesículas seminais para entrarem na próstata (zona central) (Figura 9). Assim que penetram na próstata, os duc- tos deferentes recebem os ductos das vesículas seminais e passam a ser chamados de ductos ejacula- dores, que se abrem no utrículo prostático. João Henrique Aguayo Mussy - 48 Figura 9 – Próstata (visão posterior). Note as vesículas seminais lateralmente e os ductos deferentes medialmente. Observe também a inserção dos ureteres na musculatura detrusora vesical, bilateralmente 4 Pênis O pênis é composto por dois corpos cavernosos e um corpo esponjoso. Os corpos cavernosos são responsáveis pela ereção. Um septo permeável separa os dois corpos cavernosos. Estes são reves- tidos pela rígida túnica albugínea (Figura 10) e afastam-se de seu aspecto medial, prosseguindo late- ralmente até a crura, mantendo íntimo contato com o ísquio (Figura 11). Durante a ereção, as camadas externas e longitudinais e as camadas internas e circulares da tú- nica albugínea se esticam firmemente. O corpo cavernoso é circundado pela fáscia de Buck dorsal- mente. Essa fáscia se separa para envolver o corpo esponjoso ventralmente. A uretra é envolta pelo corpo esponjoso, que se expande na sua porção mais distal para formar a glande (Figuras 10 e 11). 49 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Figura 10 – Pênis, corpos cavernosos e esponjoso revestidos pela fáscia de Buck (profunda) e Dartos (superficial) João Henrique Aguayo Mussy - 50 Figura 11 – Pênis. Corpos cavernosos e sua relação com o ísquio na crura e musculatura perineal. Corpo esponjoso e glande estão esquematicamente separados dos corpos cavernosos para facilitar o entendimento anatômico A irrigação peniana é feita por um sistema arterial superficial originado da artéria pudenda exter- na e por um sistema profundo que surge lateralmente pela artéria pudenda interna. A artéria pudenda interna origina uma artéria profunda que supre o corpo cavernoso (artéria cavernosa), além da arté- ria dorsal e da artéria bulbouretral. Esta última supre o corpo esponjoso, a glande e a uretra. A artéria dorsal corre entre as veias dorsais e o nervo dorsal peniano abaixo da fáscia de Buck. Distalmente, ela supre os corpos cavernosos, o corpo esponjoso e a uretra (Figuras 12-13). 51 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Figura 12 – Pênis (corte transversal). Note os corpos cavernosos revestidos pela túnica albugínea, corpo esponjoso com uretra central e revestido pela túnica albugínea. Irrigação pelas artérias dorsais e veia dorsal profunda, além da veia dorsal superficial. Observe nesse corte as artérias dorsais (mais superiormente e logo abaixo da fáscia de Buck) e as artérias cavernosas localizadas no centro de cada corpo cavernoso Figura 13 – Vascularização arterial do pênis João Henrique Aguayo Mussy - 52 A drenagem venosa do pênis é feita pela veia superficial acima da fáscia de Buck e pela veia profunda abaixo dessa. A veia dorsal corre entre os corpos e drena para o plexo venoso periprostá- tico. A drenagem linfática converge no dorso e drenam bilateralmente para os linfonodos inguinais. 5 Testículos Os testículos são órgãos com funções reprodutivas e endócrinas que ficam alojados no escro- to. Cada testículo tem aproximadamente 5 cm de comprimento, com volume que varia de 15 a 25 ml. Este órgão tem forma ovoide e cor branca, com um pequeno pedículo em seu polo superior denomina- do apêndice testicular. O testículo é revestido por uma cápsula rígida, composta pelas túnicas vaginal visceral e albugínea. O epidídimo fica anexado ao testículo em sua porção posterolateral (Figura 14). Após a migração do testículo para a bolsa testicular, a comunicação entre o testículo e a túni- ca vaginal (conduto peritônio-vaginal) se fecha. Se isto não ocorrer, a criança pode desenvolver uma hérnia inguinal indireta. O testículo é composto por túbulos seminíferos que contém células germinativas, células de sustentação, dentre outras células. As células de Leydig, produtoras de testosterona, ficam dispostas no tecido intersticial ao redor dos túbulos seminíferos. Esse tecido intersticial corresponde a 20-30% do volume testicular. As células de Sertoli repousam na membrana basal dos túbulos seminíferos. Existem fortes junções entre essas células que compartimenta os túbulos seminíferos num espaço luminal, formando uma rede de anastomoses, chamada de rede testis, e forma de 12 a 20 ductos eferentes que se anastomosam para formar o epidídimo, um órgão anexo e localizado posterolateralmente ao testí- culo. O epidídimo é um grande emaranhado de um único ducto (se esticado teria cerca de 4 metros) e composto por 3 estruturas: cabeça, corpo e cauda. Da porção mais distal do epidídimo (a cauda) par- te o ducto deferente (Figura 14). A irrigação testicular é feita por três artérias:artéria testicular (ou artéria espermática interna), artéria do vaso deferente (ou artéria deferencial) e artéria cremastérica (ou artéria espermática exter- na). Destas, a artéria testicular é a mais importante na irrigação. A drenagem venosa é feita pelo plexo pampiniforme, que é uma rede de veias testiculares que se anastomosam na subida e ao redor da ar- téria testicular. Após o canal inguinal, forma-se a veia gonadal, que drena para a veia cava à direita, e para a veia renal esquerda à esquerda. A maior dificuldade de drenagem venosa do testículo esquerdo está relacionada com a presença de varicocele (dilatação dos vasos do plexo pampiniforme) desse lado. Todas as estruturas necessárias ao testículo chegam a ele (ou partem dele) pelo cordão espermá- tico, formado por um conjunto de fáscias e estruturas. São elas: as 3 artérias, o plexo pampiniforme, vasos linfáticos, o deferente, os nervos ilioinguinal e genitofemoral e as fáscias descritas na Figura 15. 53 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Figura 14 – Testículo (corte longitudinal). Note os túbulos seminíferos contidos em lobos, rede testis e ductos eferentes formando o epidídimo (cabeça, corpo e cauda) e finalmente o ducto deferente. À direita, esquema organizacional dos túbulos seminíferos. 6 Escroto A bolsa escrotal é uma dobra de pele da região perineal, que abriga o testículo, epidídimo e os elementos do funículo espermático. A pele do escroto é composta por pelos, bem pigmentada, rugo- sa, com muitas glândulas sudoríparas e ausência de gordura. Abaixo da pele encontra-se a fáscia de Dartos, cujo músculo liso é contíguo com as fáscias de Colles, Scarpa e a fáscia de Dartos do pênis. Depois da Dartos, seguem uma série de fáscias mais profundas que se continuam a partir das fáscias abdominais anteriores (Figura 15). As artérias da parede escrotal correm paralelas às rugas e não cruzam a rafe mediana. Ramos dos nervos ilioinguinal e genitofemoral inervam a parede escrotal anterior. João Henrique Aguayo Mussy - 54 Figura 15 – Escroto e cordão espermático. Acima: cordão espermático dirigindo-se inferiormente ao escroto através do anel inguinal externo, o deferente, a artéria espermática e o plexo pampiniforme. Observe o escroto com septo central e os testículos. Abaixo: as camadas que revestem o testículo (pele, Dartos, fáscia espermática externa, fáscia cremastérica, fáscia espermática interna, túnica vaginal – parietal e visceral, e túnica albugínea). 55 - Capítulo II | Anatomia do Trato Urinário Inferior Leitura recomendada MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. NETTER, F. H. Atlas de anatomia humana. 6. ed. Porto Alegre: Saunders-Elsevier, 2015. SMITH, Joseph et al. Hinman’s atlas of urologic surgery. 4th. ed. Filadélfia: Elsevier; 2017. WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. cAPítulo III Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior Rafael Maistro Malta VOLTAR 57 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior O objetivo deste capítulo não é detalhar minuciosamente a fisiologia renal, mas trazer conhe- cimentos sólidos que auxiliem o raciocínio clínico das principais patologias renais e os princípios ci- rúrgicos das mesmas. 1 Rins A principal função dos rins é a filtração glomerular. Através da filtração passiva do plasma pela membrana glomerular, o rim é capaz de regular a concentração de sal e água, eletrólitos e eliminar os subprodutos do metabolismo proteico. Figura 1 – Modelo esquemático do néfron Rafael Maistro Malta - 58 O processo de filtração é regido pela lei de Starling. A taxa de filtração glomerular (TFG) é de- terminada pelas diferenças nas pressões hidrostática e oncótica entre os capilares glomerulares e o espaço de Bowman, além da permeabilidade da membrana glomerular. A TFG reflete a função renal total. Clinicamente, a TFG pode ser estimada pelo clearance de creatinina. TFG = Permeabilidade glomerular x S x (pressão hidrostática – pressão oncótica), onde S é a área de superfície glomerular. Em condições normais, a TFG é mantida constante, apesar das flutuações nas pressões arterial sistêmica e do fluxo renal. Esta estabilidade é alcançada através do mecanismo de auto regulação e feedback túbulo-glomerular. Com o aumento da pressão arterial média (PAM), ocorre um aumento do tônus da arteríola afe- rente e consequente controle da pressão hidrostática. Da mesma forma, com a redução da PAM, ocor- re relaxamento do tônus da arteríola aferente e aumento do fluxo do glomérulo para manter a TFG constante. Esse é o mecanismo de autorregulação. A taxa de fluxo do ultrafiltrado tubular é monitorado por células da mácula densa, uma área de células especializadas, localizadas na porção ascendente da alça de Henle, na transição para o túbulo contorcido distal. As células da mácula densa são sensíveis à concentração de cloreto de sódio no tú- bulo contorcido distal (Figura 2). Figura 2 – Desenho esquemático do aparelho justaglomerular e da mácula densa Com a diminuição da TFG ocorre aumento da concentração de sódio e cloreto no ultrafiltrado. O aumento de NaCl gera resposta da mácula densa que produz renina e ativa o sistema renina-angio- tensina-aldosterona com o objetivo de reter sódio no organismo. 59 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior Existe uma complexidade de hormônios e substâncias vasoativas que, direta ou indiretamente, regulam o tônus vascular renal. Dentre eles, a endotelina é o mais potente vasoconstrictor e o óxido nítrico o maior vasodilatador. O rim também tem um papel importante na regulação da vitamina D. Esta vitamina contribui para a atividade fisiológica da mineralização óssea, mantendo o cálcio sérico e o fósforo normais atra- vés da absorção intestinal, além do aumento de reabsorção renal de cálcio. O hormônio PTH auxilia nesse processo com aumento da reabsorção óssea de cálcio e excreção de fósforo, estimulando a pro- dução de calcitriol. O hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina aumenta a reabsorção de água passivamente nos ductos coletores renais. Esse mecanismo tem a função de manter a osmolaridade e o volume atra- vés da regulação da excreção de água livre nos rins. Eritropoetina é um hormônio glicoproteico produzido essencialmente no córtex renal, mais pre- cisamente por fibroblastos intersticiais adjacentes aos túbulos proximais renais. Em pequenas quan- tidades é produzida no fígado e no cérebro. Sua principal função é regular a eritropoese, o processo natural de produção de glóbulos vermelhos do sangue, atuando diretamente na medula óssea. Os túbulos renais têm duas funções principais: absorção e secreção, sendo que cada segmen- to do túbulo tem uma função especializada. O túbulo contorcido proximal (TCP) é responsável pela reabsorção de 60% do filtrado glomerular. Ali o sódio é reabsorvido ativamente e traz com ele outros solutos. Noventa por cento do bicarbonato também é reabsorvido no TCP. Junto com todos esses so- lutos a água é reabsorvida de forma passiva devido ao gradiente osmótico desencadeado. Na alça de Henle é absorvido cerca de 30% do sódio e reabsorvido NaCl em excesso para formar um interstício medular extremamente concentrado. A porção descendente torna hiperosmolar o fluido tubular, por ser permeável à água e impermeável a solutos. Na porção ascendente, ocorre o contrário, pois não há reabsorção de água com a saída de solutos por meio do gradiente de concentração, sendo que no final do trajeto da alça de Henle, há como resultado urina hiperosmolar. Esse complexo meca- nismo importante para a concentração urinária é chamado de mecanismo de contracorrente (Figura 3). No túbulo contorcido distal, ocorre a reabsorção do excesso de sódio que não foi absorvido an- teriormente. Já no túbulo coletor, ocorre a reabsorção de água livree concentração urinária, regula- da pelo ADH. Rafael Maistro Malta - 60 Figura 3 – Mecanismo multiplicador de contracorrente 2 Ureter A função do ureter é transportar urina desde o rim até a bexiga. Esse transporte decorre da peris- talse ureteral, através de marca-passo que se origina no cálice menor, cuja atividade elétrica determi- na o ritmo de contração ureteral. O impulso elétrico é então propagado passivamente, célula a célula, distalmente, promovendo o efeito mecânico de peristalse e contração ureteral que propele a urina para baixo, em direção à bexiga. Se algo interrompe esse processo (estenose de JUP – junção ureteropiéli- ca, por exemplo), o transporte de urina fica prejudicado. Distalmente, o bolus de urina passa através da junção ureterovesical (JUV) e atinge a bexiga. Esta junção permite a passagem de urina para a bexiga, porém impede seu retorno para o ureter. Este mecanismo antirrefluxo ocorre de forma passiva e é corroborado pela bainha de Waldeyer. Quando há uma anormalidade anatômica na JUV ou pressão intravesical é muito elevada pode ocorrer reflu- xo de urina para o trato urinário superior. Nas gestantes e na infância ocorrem alterações fisiológicas na contratilidade do ureter com con- sequente dilatação fisiológica. Nas gestantes, esse efeito é devido a ação da progesterona. 61 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior 3 Bexiga e micção A micção pode ser explicada por um complexo circuito neural entre o cérebro e a coluna espi- nhal que coordena a atividade da musculatura lisa vesical e da uretra, promovendo assim, armazena- mento e esvaziamento da urina. Além disso, a continência é garantida pela ação voluntária do músculo estriado do esfíncter uretral. A bexiga, como órgão de armazenamento, obedece a lei de Laplace, onde a tensão na parede da bexiga para armazenar a uma certa pressão é diretamente proporcional ao raio da sua curvatura. Assim, devido à sua complacência, a bexiga consegue armazenar urina em baixa pressão. Figura 4 – Lei de Laplace, onde T é a tensão da parede vesical, R é o raio, Pves é a pressão intravesical e d é a espessura da parede vesical Rafael Maistro Malta - 62 A bexiga desempenha várias funções importantes. Primeiro, ela deve armazenar um volume so- cialmente adequado de urina. A parede da bexiga deve ser capaz de esticar e rearranjar-se para per- mitir um aumento no volume da mesma, sem aumento de sua pressão. Por outras palavras, a parede vesical deve ser altamente complacente. Em segundo lugar, o músculo liso e os nervos intrínsecos têm de ser protegidos da exposição à urina pelo urotélio. Este que também deve se expandir prontamente durante o enchimento vesical. Em terceiro lugar, o esvaziamento da bexiga requer ativação sincrônica do músculo liso do corpo da bexiga, porque se apenas uma parte da parede contrair, as áreas não con- traídas podem evitar o aumento da pressão necessária para que a urina seja expelida através da uretra de modo efetivo. Isto é o que frequentemente ocorre em um homem idoso com HPB que desenvolve retenção urinária aguda e divertículos vesicais. O músculo liso consiste em uma lâmina contendo inúmeras pequenas células em forma de fuso ligadas entre si por junções justas. As células do músculo liso contêm actina e miosina, mas essas pro- teínas não estão dispostas em um sarcômero comum. Em vez disso, cada célula muscular lisa consiste de uma matriz mais variável de proteínas contráteis que é ligada à membrana plasmática nos comple- xos de junção intercelular. O músculo liso mantém um nível constante de tensão que pode ser modu- lado por hormônios circulantes, por fatores locais, como óxido nítrico, ou por atividade nos nervos autonômicos. O músculo liso é mais adaptável do que o músculo esquelético e é capaz de ajustar seu comprimento em uma faixa muito maior. A contração do músculo liso é lenta, sustentada e resistente à fadiga. O músculo liso leva 30 ve- zes mais tempo para se contrair e relaxar do que o músculo esquelético e pode manter a mesma ten- são contrátil por períodos prolongados usando menos de 1% do custo de energia. Os receptores muscarínicos induzem a contração do detrusor, em resposta à acetilcolina libera- da pelas terminações nervosas parassimpáticas. Esse processo é mediado por entrada de cálcio atra- vés de canais de cálcio. Embora o cálcio tenha o mesmo papel desencadeante na contração em todos tipos de músculo, o mecanismo de ativação é diferente no músculo liso. A resposta contrátil é mais lenta e mais duradoura do que a do músculo esquelético e cardíaco, por exemplo. Evidências recentes sugerem que a bexiga “normal” pode ser espontaneamente ativa e gerar con- trações espontâneas exacerbadas que poderiam contribuir para o desenvolvimento de uma bexiga hipe- rativa. Uma população de células na bexiga conhecidas como células intersticiais ou miofibroblastos parecem desempenhar um papel de marca-passo na atividade espontânea da bexiga. A parede da bexiga também é composta pelo estroma, que entremeia as bandas de músculos, va- sos e nervos. Os principais constituintes do estroma da bexiga são colágeno e elastina, em uma matriz composta de proteoglicanos. As células principais são fibroblastos. As propriedades mecânicas pas- sivas da parede vesical dependem das propriedades visco-elásticas do estroma e do músculo detrusor relaxado. Na bexiga normal, os colágenos mais abundantes são os tipos I, III e IV. 63 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior A proporção de tecido conjuntivo para a de músculo liso aumenta significativamente em bexigas pouco complacentes quando comparada com bexigas normais. A relação do colágeno tipo III para o tipo I também foi significativamente elevada. Pode-se concluir que a fraca função de armazenamen- to vesical é secundária a uma alteração no tecido conjuntivo da parede vesical, especialmente com o aumento do colágeno tipo III. As funções básicas da bexiga são o armazenamento de urina, manutenção de composição de uri- na e esvaziamento apropriado em intervalos de tempo determinados. O urotélio possui funções fisio- lógicas vinculadas a todas essas funções básicas e, como tal, não pode ser considerado uma simples barreira inerte entre a urina e o plasma. A camada de glicosaminoglicanos (GAG) presente no urotélio pode ter importância na antia- derência bacteriana e na prevenção do dano urotelial por macromoléculas. No entanto, não há evi- dência definitiva que a camada GAG atua como a barreira epitelial primária entre a urina e o plasma. As umbrella cells ou células em guarda-chuva são responsáveis por essa barreira primária de várias formas. Primeiro, elas têm a capacidade de aumentar e diminuir consideravelmente a sua área de superfície, principalmente na superfície apical (luminal). Em segundo lugar, elas podem ser multi- nucleadas. Terceiro, elas têm uma membrana de superfície apical incomum, que é descrita como uma unidade assimétrica, com o folheto externo constituído por placas proteicas e lipídios, e com um fo- lheto interno de lipídios. Quarto, essas células mantêm um gradiente extremamente alto entre o plasma e a urina em termos de concentração de água, de ureia e de potássio, osmolalidade e pH. Além disso, proteínas chamadas uroplaquinas podem ter um papel fundamental na barreira plasma-urina primária por atuarem como um local de ligação primária do uropatógeno Escherichia coli. A micção depende também de um controle nervoso. O trato urinário inferior é inervado por três conjuntos de nervos periféricos que envolvem os sistemas parassimpático, simpático e os nervos so- máticos. Os nervos parassimpáticos pélvicos surgem no nível sacral, e tem como função contrair a be- xiga e relaxar a uretra. Já os nervos simpáticos lombares inibem o corpo da bexiga e excitam a base da bexiga e a uretra. Os nervos pudendos inervam o esfíncter uretral externo. Os neurônios parassimpáticos pós-ganglionares estão localizados na parededo detrusor, bem como no plexo pélvico. É um fato importante porque pacientes com cauda equina ou lesão do ple- xo pélvico são neurologicamente descentralizados, mas podem não ser completamente desnervados, mantendo alguma contração vesical. As vias simpáticas periféricas seguem uma rota complexa que passa da cadeia de gânglios sim- páticos para os gânglios mesentéricos inferiores e então, através dos nervos hipogástricos para, final- mente, chegarem aos gânglios pélvicos. Já os neurônios motores do esfíncter uretral externo estão localizados ao longo da borda lateral do corno ventral, comumente referido como o núcleo de Onuf. Rafael Maistro Malta - 64 A via aferente do trato urinário baixo é transmitida por axônios aferentes na região pélvica, hi- pogástrica e pudenda para a medula espinhal lombossacra. Os neurônios aferentes primários dos ner- vos pélvico e pudendo estão contidos nos gânglios da raiz dorsal sacral. A via aferente pélvica, que monitora o volume da bexiga e a amplitude da contração da bexiga, consiste em fibras mielinizadas (Aä) e não mielinizados (tipo C). Durante condições neuropáticas e possivelmente condições inflamatórias, há recrutamento de fibras C que formam uma nova via aferen- te funcional que pode causar incontinência de urgência e possivelmente dor na bexiga. Figura 5 – Corte transversal da medula espinal sacral. Distribuição neuroanatômica de aferentes primários e componentes eferentes de armazenamento e reflexos de micção. Os componentes aferentes são mostrados apenas à esquerda e os eferentes são mostrados apenas à direita. Ambos os componentes são, obviamente, distribuídos bilateralmente e assim se sobrepõem amplamente. Os componentes aferentes viscerais representam a bexiga, uretra e fibras aferentes genitais (glande ou clitóris) contidos nos nervos pélvico e pudendo. Os componentes aferentes perineais cutâneos representam as fibras aferentes que inervam a pele perineal contidas no nervo pudendo. EUS – esfíncter uretral externo; LCP – projeção colateral lateral; MCP – projeção colateral medial; SPN – núcleo parassimpático sacral. Múltiplos caminhos de reflexos são organizados no cérebro e na medula espinhal e resultam na coordenação entre a bexiga urinária e a uretra. As vias centrais que controlam a função do trato uriná- rio inferior são organizadas como simples circuitos de liga-desliga que mantém uma relação recípro- ca entre a bexiga urinária e a saída de urina na uretra. 65 - Capítulo III | Fisiologia do Trato Urinário Superior e Inferior A acomodação da bexiga, com o aumento de volume de urina, é principalmente um fenômeno passivo dependente das propriedades intrínsecas do músculo liso vesical e do estroma, bem como da via eferente parassimpática. Existe também um reflexo simpático da bexiga que contribui como um feedback negativo ou mecanismo de armazenamento de urina, que promove o fechamento da uretra e inibe as contrações neuronais da bexiga durante o seu enchimento. Os nervos motores pudendos são ativados pela via aferente da bexiga (reflexo guardião), enquanto que durante a micção esses neurô- nios são inibidos. A fase de armazenamento da bexiga pode ser alterada para a fase miccional involuntariamen- te ou voluntariamente. O primeiro é facilmente demonstrado na infância ou em pacientes com bexi- ga neuropática quando a tensão da parede da bexiga excede o limiar de micção devido ao aumento do volume de urina. Neste momento, o aumento de tensão dos receptores aferentes inverte o padrão para o eferente de esvaziamento, disparando as vias parassimpáticas sacrais e inibindo os caminhos simpá- ticos e somáticos. A fase de micção consiste em um relaxamento inicial do esfíncter uretral seguido em alguns segundos por uma contração da bexiga, um aumento de pressão da bexiga e fluxo de urina. O relaxamento do músculo liso da uretra durante a micção é mediado por ativação de uma via paras- simpática que desencadeia a liberação de óxido nítrico e pela remoção dos estímulos excitatórios so- máticos para a uretra. A via parassimpática de controle de micção é regulada por uma via complexa organizada pelo centro pontino de micção. O sistema neural de controle de micção funciona como um simples circuito de liga-desliga para manter uma relação recíproca entre o reservatório (bexiga) e os componentes de saída (uretra e es- fíncter uretral). Este circuito é modulado por vários neurotransmissores e é sensível a uma variedade de drogas. Na infância, os circuitos funcionam de forma puramente reflexa para produzir movimen- tos involuntários. No entanto, no adulto o armazenamento de urina e a sua liberação estão sujeitas a controle voluntário. Lesões ou doenças do sistema nervoso em adultos podem interromper o controle voluntário da micção, causando o ressurgimento da micção reflexa, resultando em hiperatividade do músculo de- trusor e incontinência urinaria. Devido à complexidade do controle nervoso central do trato urinário inferior, a incontinência pode resultar de uma variedade de distúrbios neurológicos. Estudos experi- mentais indicam que a hiperatividade do detrusor ocorre após uma ampla gama de doenças neuroló- gicas, incluindo a interrupção dos circuitos inibitórios corticais, interrupção da função dos gânglios basais (doença de Parkinson), danos nas vias do cérebro para a medula espinhal (esclerose múltipla, lesão da medula espinhal) e sensibilização dos aferentes da bexiga. Vários mecanismos contribuem para o surgimento de disfunção vesical, incluindo reorganização de conexões sinápticas na medula espinhal, mudanças na expressão dos neurotransmissores e recep- tores, alterações nas interações neurais de órgãos-alvo e mudanças na função do músculo liso. Uma compreensão dos eventos fisiológicos que regulam a micção e a continência fornece uma base racio- nal para o manejo da disfunção do trato urinário inferior. Rafael Maistro Malta - 66 Leitura recomendada GUYTON, Arthur C. (in memoriam); HALL, John Edward. Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro : Elsevier, 2017. MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2017. NARDI, Aguinado Cesar. Urologia Brasil. São Paulo: Planmark; 2013. NETTER, H. Frank. The Ciba Collection of Medical Illustrations: v. 6: kidneys, ureters, and urinary bladder. 11 th ed. New York: [S.l.], 1973. TANAGHO, E. A.; McANINCH, J. W. Smith’s General Urology. 17th ed. New York: The McGraw- Hill Companies; 2008. ZATZ, Roberto. Bases fisiológicas da nefrologia. São Paulo: Atheneu; 2011. cAPítulo IV Fisiologia da micção Bruno Garcia Dias VOLTAR 68 - Capítulo IV | Fisiologia da micção Introdução O ato fisiológico de urinar é um complexo processo que envolve transmissão de impulsos ner- vosos, contração e relaxamento de musculaturas lisa e estriada, dutos e reservatório com dois princi- pais objetivos: armazenar e eliminar a urina. Para se compreender a fisiologia da micção é importante entender sobre os órgãos e estruturas envolvidos nesse processo. Embora já descrita sob enfoque mais anatômico no capítulo de anatomia do trato urinário inferior, aqui essas funções fisiológicas serão abordadas com maiores detalhes. A urina, formada nos rins, escoa através dos ureteres seguindo o gradiente de pressão e peristal- tismo até a bexiga, onde é armazenada a baixas pressões. A bexiga é composta por um músculo cha- mado detrusor e, como tal, pode contrair ou relaxar, armazenando ou eliminando a urina para o meio externo através da uretra. Há também dois esfíncteres fundamentais para retenção ou esvaziamento da urina: o esfíncter interno, localizado no colo vesical e composto por musculatura lisa, e o esfíncter externo, localizado na uretra membranosa e composto por musculatura estriada (o esfíncter externo possui também um componente intrínseco involuntário, denominado esfíncter intrínseco) (Figura 1). Entre os esfíncteres interno e externo temos,no homem, a glândula prostática, responsável por parte da produção do líqui- do espermático, que não é objeto de função miccional e, portanto, não fará parte da discussão deste capítulo. Esta glândula, no entanto, pode causar obstrução da uretra quando há hiperplasia e, portan- to, problemas para urinar (Figura 1). O esfíncter externo está dentro de uma região conhecida como diafragma urogenital. Na mulher, esses mecanismos esfincterianos funcionam de forma um pouco diferente, por conta das características anatômicas da uretra feminina e suas relações com a bexiga. 1 Inervação Entre os receptores encontrados na bexiga destacam-se o receptor muscarínico M3 e o recep- tor β-adrenérgico β3. Na musculatura lisa do esfíncter interno (colo vesical) predominam receptores α-adrenérgicos α1 (mais especificamente, os subtipos α1a) e na musculatura estriada do esfíncter ex- terno (esfíncter voluntário da uretra membranosa) temos os receptores nicotínicos. O sistema nervoso central (SNC) controla essas funções através do sistema nervoso autômono (simpático e parassimpá- tico) e voluntário (somático). Sinais são enviados para o trato urinário através dos nervos por três importantes vias eferentes (motoras). O primeiro nervo eferente, denominado nervo pélvico, é autônomo, parassimpático e se origina da região sacral da medula espinhal entre os níveis S2 e S4. A acetilcolina (Ach) liberada pelo nervo pélvico é ligada aos receptores M3 presentes no músculo detrusor, provocando sua contração. Bruno Garcia Dias - 69 Figura 1 – Representação esquemática dos esfíncteres da uretra posterior masculina O segundo nervo, que se origina também na região sacral, entre S2 e S4, é o nervo pudendo, so- mático e que funciona sob controle voluntário. O nervo pudendo também libera Ach que atua sobre o receptor nicotínico no esfíncter externo (uretra membranosa). A Ach, liberada a partir do nervo pu- dendo, se liga no receptor nicotínico e promove a contração do esfíncter externo. O nervo pudendo está sempre em funcionamento quando o organismo está promovendo a continência social, permitin- do o aumento da resistência uretral e a permanência da urina na bexiga. O terceiro nervo denomina-se nervo hipogástrico e é parte do sistema nervoso simpático. Suas fibras pré-simpáticas são provenientes da região toracolombar da medula espinhal, entre os níveis T10 e L2, e fazem sinapse em um gânglio pélvico que, por sua vez, passa informações a uma fibra pós-si- náptica. Esses estímulos seguem por duas vias distintas e atuam em órgãos alvos diferentes: a bexiga e o esfíncter interno (colo vesical). Por ser um nervo pós-simpático, possui como neurotransmissor principal a noradrenalina (NA). Quando a NA liga-se ao receptor β3 no músculo detrusor, provoca seu relaxamento (um efeito negativo) e quando liga-se ao receptor α1, no esfíncter interno, provoca sua 70 - Capítulo IV | Fisiologia da micção contração (um efeito positivo). Assim, fica claro que o nervo hipogástrico (ou sistema nervoso simpá- tico) é completamente responsável pelo armazenamento de urina de modo continente, com a muscu- latura vesical detrusora relaxada (aumentando a complacência vesical) e o esfíncter interno contraído (auxiliando os mecanismos de continência). Receptores sensoriais presentes na bexiga transmitem informações através de impulsos nervo- sos aferentes sobre mínima e imperceptível pressão vesical e detrusora, inflamação e outros estímu- los, acompanhando principalmente o nervo simpático e parassimpático aos seus núcleos situados na medula espinhal toracolombar e sacral, respectivamente. Esses feixes aferentes terminam no corno dorsal da medula espinhal, formado por substância cinzenta. Essas fibras aferentes são de dois tipos: mielinizadas A-delta (fibras rápidas) e tipo C não mielinizadas (fibras lentas). Durante enchimento normal da bexiga, as fibras A-delta normalmente são as responsáveis por passar informações da be- xiga e as fibras C, que possuem alto limiar de disparo, ficam nesse momento inativas. As fibras C são ativadas principalmente nos processos de urgência miccional, onde estímulos considerados nocivos à bexiga são detectados nas mais diversas situações (infecção urinária, irritantes químicos, acidez, au- mento do potássio, entre outros), gerando sensações desagradáveis como dor, queimação e desconforto na região hipogástrica. Em uma situação considerada nociva ao armazenamento (cistite, por exem- plo) as fibras C sensitivas podem ser danificadas, permitindo sintomas muito desagradáveis com pe- quena distensão vesical. 2 Fase de enchimento Com a bexiga vazia, não há alongamento das fibras musculares do detrusor. Nessa situação, o nervo pélvico sensorial apenas envia impulsos lentos em direção aos neurônios na medula espinhal na região sacral que estimulam o nervo hipogástrico (simpático) da região toracolombar que, de manei- ra coordenada, sensibiliza os receptores α1 no esfíncter interno, causando sua contração. Ao mesmo tempo, o nervo hipogástrico estimula os receptores β3 na musculatura detrusora, causando seu rela- xamento. Essas ações do nervo hipogástrico são coordenadas pela ponte e encéfalo, e permitem que a bexiga receba urina de forma contínua, mantendo-se complacente e com baixa pressão. Além disso, existem alguns sinais que estão sendo enviados para a medula sacral (núcleo de Onuf, voluntário), que inibem o nervo pélvico eferente, ao mesmo tempo que estimula, nessa mesma região, o nervo pudendo que, por sua vez, envia estímulo aos receptores nicotínicos no esfíncter externo, cau- sando sua contração. Por esse motivo somos capazes de manter a continência de maneira voluntária. Em suma, os eventos mais importantes da fase de enchimento são (Figura 2): • Sistema nervoso simpático (ativo) – relaxamento da bexiga e manutenção da continência; • Sistema nervoso parassimpático (inibido) – contrações do detrusor ausentes; • Sistema nervoso somático/nervo pudendo (ativo) – contração do esfíncter externo. Bruno Garcia Dias - 71 Figura 2 – Esquema demonstrando o funcionamento das vias nervosas na fase de enchimento 3 Fase de esvaziamento Durante a fase de esvaziamento, ou seja, quando a bexiga está repleta, ocorre a distensão das fi- bras musculares do detrusor com envio de estímulos aferentes através do nervo pélvico (sensorial). A grandeza dessa distensão detrusora é diretamente proporcional ao disparo de estímulos que seguem pelo nervo pélvico sensorial. Isso significa que, quanto mais cheia a bexiga, maior será o desejo (von- tade) para urinar. À medida que esses estímulos alcançam a ponte (centro pontino coordenador), pro- gressivamente ocorrerá uma inibição do nervo hipogástrico (simpático) que culminará com a inibição do relaxamento vesical e a inibição dos receptores α1, promovendo relaxamento do esfíncter interno (colo vesical). Além disso, o centro pontino da micção também estimulará o nervo pélvico (parassimpático) eferente que estimulará a contração do detrusor, através da sua ação nos receptores muscarínicos M3. 72 - Capítulo IV | Fisiologia da micção Por fim, o nervo pudendo, sob estímulo parassimpático indireto, também será inibido, fato que promoverá o relaxamento do esfíncter externo voluntário. Em resumo, os eventos mais importantes da fase de esvaziamento são (Figura 3): • Sistema nervoso simpático (inibido) – relaxamento da bexiga ausente; • Sistema nervoso parassimpático (ativo) – contrações do detrusor; • Sistema nervoso somático/nervo pudendo (inibido) – relaxamento do esfíncter externo. Figura 3 – Esquema demonstrando o funcionamento das vias nervosas na fase de esvaziamento 4 Via de controle central A formação reticular da ponte é fundamental para o controle do armazenamento e esvaziamen- to normal de urina. Sua projeção medial é conhecida como centro miccional da ponte e sua ativação estimula o processo de micção, gerando uma redução da pressão uretral via projeções para neurônios Bruno Garcia Dias- 73 inibitórios sacrais na coluna celular intermediária (comissura cinzenta dorsal), que em parte inibe os neurônios motores do esfíncter externo no núcleo de Onuf. Ocorre também um aumento da pressão vesical por meio da via parassimpática sacral excitatória que contrai o detrusor e relaxa a musculatura pélvica. Enquanto a projeção lateral da formação reti- cular é conhecida como centro de continência da ponte, essa segue o caminho oposto, isto é, excita a musculatura estriada do esfíncter externo após ativar o núcleo de Onuf. O controle de inibição central se projeta de um centro do giro frontal inferior do telencéfalo para neurônios que inibem a atividade do giro cíngulo, da área parassimpática pré-óptica e da substância cinzenta periaquedutal. 5 Arco reflexo miccional e maturação do trato urinário inferior Nos primeiros anos de vida, o sistema urinário funciona por arco reflexo. Ainda por imaturidade no desenvolvimento das vias supramedulares de regulação do processo miccional, as fibras muscula- res do detrusor, quando estiradas pelo enchimento de urina, enviam sinais aferentes à medula espinhal que, por meio de um arco reflexo, provoca a micção. Conforme o sistema nervoso ganha maturidade, esse processo fica sob controle de centros cerebrais superiores. O controle voluntário, nesse circuito, requer uma grande quantidade de fibras neuronais e é, pro- vavelmente, acompanhado pela inibição da via interneuronal sacral, que promove o reflexo miccio- nal. Quando há lesão ou interrupção das fibras da medula espinhal com perda de controles superiores (trauma ou doença neurológica, por exemplo), as vias sacrais interneuronais são restabelecidas e o arco reflexo miccional começa a predominar novamente. Essa via interneuronal sacral pode estar en- volvida na patogênese da hiperatividade detrusora. Leitura recomendada McANINCH, Jack W.; LUE, Tom F. Urologia geral de Smith e Tanagho. 18. ed. – Porto Alegre: AMGH, 2014. NARDI, Aguinado Cesar. Urologia Brasil. São Paulo: Planmark; 2013. WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed. edition review. Philadelphia: Saunders, 2015. cAPítulo V Semiologia e propedêutica urológica José Vinícius de Morais VOLTAR 75 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica Avaliação do paciente urológico Pacientes podem necessitar de avaliação urológica desde o pré-natal até a senilidade. Apesar da evolução dos métodos diagnósticos, a abordagem básica depende de história e exame físico. É importante investigar, além dos sintomas relacionados à queixa principal, antecedentes pessoais como comorbidades, doenças pregressas, uso de medicações, cirurgias prévias, manipulação do trato urinário e antecedentes familiares. Hábitos como, por exemplo, tabagismo, e exposição ocupacional, são também relevantes para diversas patologias do trato geniturinário (TGU). 1 Queixa principal Esse tópico deve ser categoricamente definido mesmo que a avaliação identifique situações mais sérias e urgentes. É importante avaliar duração, severidade, cronicidade, periodicidade e grau de limitação gerada. 2 Manisfestações sistêmicas As principais manifestações sistêmicas de patologias urológicas são febre e perda de peso. Febre está associada a processos infecciosos de órgãos parenquimatosos, tais como o rim (pielo- nefrite) e próstata (prostatite). Cistite é, essencialmente, patologia que não provoca febre. Perda pon- deral pode acontecer em estágios avançados de neoplasias, porém também pode estar presente em infecções crônicas ou falência renal. 3 Dor Geralmente associada à obstrução (cálculos independente do tamanho e coágulos, por exemplo) ou inflamação, podendo ser caracterizada por dor local ou referida. Processos inflamatórios provocam dor mais severa quando envolvem o parênquima de órgãos sólidos do trato geniturinário, a citar: pielonefrite, prostatite e epididimite. Geralmente a dor é conse- quente ao edema e distensão da cápsula do órgão envolvido. Quando a inflamação envolve a mucosa, tais como a da bexiga e do ureter, produz desconforto. Tumores geralmente não causam dor, exceto em casos de obstrução, ou extensão além do órgão primário, envolvendo nervos adjacentes. É manifestação tardia de doenças avançadas. José Vinícius de Morais - 76 3.1. Dor renal É decorrente da distensão da cápsula renal e localizada no ângulo costovertebral, lateral ao músculo sacroespinhoso, abaixo da 12ª costela. Pode irradiar-se anteriormente para flanco, quadrante inferior do abdome e genitália (testículos ou parede vaginal). Doenças renais e retroperitoneais podem ser suspeitadas se houver dor testicular, cujo testículo se apresente normal ao exame físico. Esse fato é explicado pela origem embriológica do órgão. Pode haver associação com sintomas gastrintestinais pela proximidade ou por estímulo reflexo do gânglio celíaco. Diferentemente de dor de origem intraperitoneal, em que o repouso ameniza o sin- toma, a dor renal cursa com agitação e inquietação do paciente durante a crise álgica. 3.2. Dor ureteral A dor ureteral caracteriza-se por ser aguda, tipo cólica e consequente a processos obstrutivos, promovendo distensão, hiperperistalse e espasmo da musculatura lisa do ureter. Pode-se inferir possível localização da obstrução de acordo com localização da dor: • No ureter superior pode-se associar a dor testicular ipsilateral ou vagina. • No ureter médio, a dor se localiza em quadrantes inferiores do abdome, podendo simular apendicite ou diverticulite aguda. • No ureter distal, a dor costuma se irradiar para a região inguinal e escroto ou grandes lábios vaginais. • Na junção ureterovesical (JUV), a dor associa-se a sintomas de armazenamento, e/ou dor ao longo da uretra ou ponta do pênis (glande). 3.3. Dor vesical A dor vesical é causada por retenção urinária aguda ou inflamação. Dor suprapúbica constante, sem retenção, raramente tem origem urológica. 77 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica Figura 1 – Projeção cutânea da dor renal (pontilhado) e da dor ureteral (linhas) 3.4 Estrangúria Dor suprapúbica ao final da micção. 3.5 Dor prostática Vago desconforto perineal ou retal e lombalgia. Associa-se a sintomas de armazenamento. 3.6 Dor peniana No pênis flácido, geralmente é secundária à inflamação da bexiga ou uretra, sendo referida prin- cipalmente no meato ureteral, ou parafimose. No pênis ereto, está relacionada a priapismo ou à doença de Peyronie. 3.7 Dor testicular Pode ser dor referida de origem renal, ureter superior, retroperitônio ou hérnia inguinal. José Vinícius de Morais - 78 Como dor primária, pode ser aguda decorrente de processos inflamatórios (orquite ou orquie- pididimite) e isquêmicos (torção de testículo), ou crônica não inflamatórias, decorrentes de hidroce- le e varicocele. 4 Hematúria Hematúria é definida como presença de sangue na urina, sendo significativa se houver mais que 3 hemácias por campo de grande aumento (400x). Pode ser microscópica (ou seja, aparece apenas no exame de urina) ou macroscópica (vista a olho nu), com aumento da chance de patologia significativa quanto maior o grau da hematúria. Geralmente é indolor. Entretanto, quando dolorosa costuma estar relacionada a processos inflamatórios ou obstrutivos. Pode ser dividida em hematúria inicial (proveniente da uretra anterior), total (originária da be- xiga e do trato urinário superior) ou terminal (proveniente do trígono, colo vesical ou próstata). A presença de coágulos indica grau mais significativo, com maior probabilidade de que uma pa- tologia urológica seja identificada. 5 Sintomas do trato urinário inferior 5.1 Armazenamento • Frequência – ocorre por aumento da diurese ou diminuição da capacidade vesical. O espera- do para adulto é de 5 a 6 vezes com volume aproximado de 300 ml em cada micção. • Noctúria – aumento da frequência urinária noturna. • Urgência – vontade imperiosa de urinar. • Disúria – dor ou desconforto durante a micção. • Incontinência de urgência– vontade imperiosa de urinar associada à perda involuntária de urina. 5.2 Esvaziamento • Jato fraco – diminuição da força ou calibre do jato. • Hesitância – atraso para iniciar a micção. • Intermitência – interrupção involuntária da micção. • Esforço miccional – uso de musculatura abdominal para realizar micção. • Gotejamento terminal – perda de pequenas quantidades de urina após terminar micção. • Esvaziamento incompleto – sensação de presença de urina na bexiga após micção. 79 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica 6 Incontinência Perda involuntária de urina. Apresenta-se de diversas formas: • Incontinência contínua (verdadeira) – perda contínua de urina decorrente de fístulas ou ec- topia ureteral. • Incontinência de esforço – perdas que ocorrem com atividades que aumentam a pressão intra-abdominal. • Incontinência de urgência – perda involuntária de urina precedida de urgência. • Incontinência por transbordamento ou paradoxal – perda de urina que ocorre com a bexiga com- pletamente repleta, com elevação de pressão intravesical capaz de vencer a resistência uretral. • Enurese – incontinência urinária durante o sono, geralmente noturna, normal até os 3 anos. 7 Outros sintomas • Poliúria – aumento do volume da diurese. • Polaciúria – aumento de frequência com baixo volume urinado. • Oligúria – diurese menor que 500 ml em 24 horas. • Anúria – ausência completa de produção de urina. • Pneumatúria – presença de gás na urina. Relacionada a fístulas intestinais ou infecções por bactérias produtoras de gás. • Fecalúria – conteúdo intestinal presente na urina. • Quilúria – urina de aspecto leitoso, por presença de linfa. • Urina turva – precipitação de fosfatos ou presença de pus (piúria). • Descarga uretral – saída de secreção uretral não relacionada à micção. 8 Disfunção sexual • Perda de libido – perda do desejo ou impulso sexual por decréscimo de níveis de androgênios. • Disfunção erétil (impotência) – inabilidade de ter ou manter ereção suficiente que permita intercurso sexual. • Ejaculação precoce – ejaculação que ocorre em curto período de tempo, impedindo ativida- de sexual satisfatória. • Anejaculação – falha de ejaculação resultante de agentes farmacológicos, denervação sim- pática consequente a doenças sistêmicas (Diabetes, por exemplo) ou cirurgias envolvendo o colo vesical, a próstata ou o retroperitônio. • Anorgasmia – ausência de orgasmo, de origem psicogênica, farmacológica ou neuropatia periférica. José Vinícius de Morais - 80 • Hematospermia (ou hemospermia) – presença de sangue no sêmen, decorrente de inflama- ção ou lesão mucosa da vesícula seminal. 9 Exame físico 9.1 Rim Ausculta na área costovertebral pode revelar sopro sistólico por estenose de artéria renal. Inspeção é importante principalmente para diagnóstico diferencial como em casos de dor neu- rológica causada por Herpes zoster. O melhor método palpatório é com paciente em posição supina. Consiste na compressão com uma das mãos no ângulo costovertebral, enquanto outra mão palpa região subcostal ipsilateral duran- te inspiração profunda (Figura 2). Existem duas manobras semiológicas para palpação: Método de Guyon – na palpação do rim direito, a mão esquerda do examinador posiciona-se na parte superior da região lombar do paciente com a extremidade dos dedos no ângulo formado pela última costela, exercendo pressão de média intensidade ou superior, enquanto a mão direi- ta deprime pouco a pouco a parede abdominal anterior (hipocôndrio direito e flanco na linha he- miclavicular) por baixo do rebordo costal direito. Para o rim esquerdo, a mão esquerda realiza a palpação na parede anterior do abdome e a mão direita é aplicada na região lombar. Método de Israel – paciente em decúbito lateral contrário ao lado que se pretende examinar. O membro inferior contralateral deve se manter em extensão e o ipsilateral em flexão sobre a ba- cia. O examinador deve se posicionar ao lado oposto do que se examina, olhando para a cabeça do paciente. A posição das mãos é semelhante ao método de Guyon. A tentativa de palpação do rim com a mão anterior se faz durante a inspiração, momento em que o órgão desce, tornando-o mais acessível. Normalmente tem consistência firme, superfície regu- lar, lisa e não dolorosa. Os rins podem se tornar palpáveis nas seguintes situações: distopia renal, rins policísticos, hi- dronefrose e tumor renal. O sinal de Giordano é uma manobra crucial no paciente com dor lombar, pois ela é capaz de identificar processos inflamatórios renais, distinguindo-os de outras causas. O sinal de Giordano é re- alizado através da punho-percussão da região lombar acometida e traduz-se como positivo quando o paciente apresenta dor no momento em que o punho do examinador percute a região lombar acome- tida. Sinal de Giordano positivo é clássico em quadros de pielonefrite aguda, mas também pode estar positivo em qualquer processo inflamatório/infeccioso que acomete os rins (abscesso renal e pielone- frite xantogranulomatosa, por exemplo) (Figura 3). 81 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica Figura 2 – Exame bimanual do rim Figura 3 – Sinal de Giordano, realizado através da punho-percussão lombar José Vinícius de Morais - 82 10 Bexiga A bexiga normal não é palpável ou percutível com menos de 150 ml. Percussão é superior à palpação para diagnóstico de distensão vesical, isto é, para a identificação de um bexigoma. O exame bimanual (associação de palpação com toque vaginal ou retal com a palpação vesical), é fundamental para avaliar a mobilidade vesical, e pode ajudar na diferenciação de tumores infiltrati- vos, principalmente em tumores de bexiga. 10.1 Pênis A inspeção é passo essencial do exame físico, pois permite diagnóstico de diversas patologias penianas, desde inúmeras doenças infecciosas, como por exemplo, herpes, sífilis, HPV, corrimentos uretrais, assim como lesões sugestivas de neoplasias, estenoses do meato uretral, fimose, parafimose, hipospádias e epispádias, entre várias outras. A palpação pode revelar presença de placas endurecidas que auxiliam no diagnóstico de doen- ça de Peyronie. 10.2 Escroto A inspeção pode revelar aumento de volume, alterações cutâneas sugestivas de infecção, HPV, varicoceles de graus avançados, entre outras. Ao realizar o teste de transiluminação, pode-se diagnos- ticar hidroceles. A palpação permite avaliar posição, consistência e tamanho dos testículos, presença de nódulos testiculares ou epididimários, dilatação do plexo pampiniforme e avaliação de hérnias inguinais com palpação do anel inguinal externo simultânea à manobra de Valsalva. Ainda mais, a palpação do cor- dão espermático permite identificar os ductos deferentes, nódulos, cistos e outras condições que aco- metem o cordão. Sendo essa uma região termosensível, é desejável que o exame físico do escroto seja executado em ambiente com temperatura adequada. 10.3 Reto e ânus A inspeção anal avalia presença de lesões neoplásicas, cutâneas, fissuras, fístulas, hemorroidas e HPV. Como discutido e detalhado em outro capítulo, o exame digital permite avaliar tonicidade do esfíncter, o que pode sugerir alterações neurológicas, presença de lesões intrínsecas do reto e avalia- ção de tamanho, consistência, sensibilidade e presença de nódulos na próstata. 83 - Capítulo V | Semiologia e propedêutica urológica 10.4 Genitália feminina A genitália feminina deve ser avaliada com a paciente em posição de litotomia. A inspeção é em- pregada para identificar lesões ulcerosas ou vegetantes, presença de secreções não fisiológicas, trofis- mo vaginal e presença de perdas urinárias ou prolapsos às manobras de Valsalva. A palpação pode identificar nódulos e cistos uretrais, abaulamentos ou infiltração de órgãos adjacentes. 10.5 Exame neurológico Importante para avaliar alterações sensitivas ou motoras pélvicas, principalmente relacionadas à disfunções miccionais. Leitura recomendada DENKER, B. M. Alteraçõesda função renal e urinária. In: KASPER, D. L. et al. Harrison medicina interna. 16. ed. Porto Alegre: McGrw-Hill; 2006. GERBER, G. S. Evaluation of the urologic patient: history, physical examination, and Urinalysis. In: WEIN, A. J. et al. Campbell-Walsh Urology. 11th ed. Philadelphia: Elsevier; 2016. McANINCH, J. W. Symptoms of disorders of the genitourinary tract.In: McANINCH, J. W.; KUE, T. F. Smith & Tanagho’s general urology. 18th ed. Philadelphia: McGraw-Hill; 2013. MENG, M. V. Physical examination of the genitourinary tract. In: McANINCH, J. W.; KUE, T. F. Smith & Tanagho’s General Urology. 18th ed. Philadelphia : McGraw-Hill; 2013. Seção II exAmeS e ProcedImentoS em urologIA Capítulo VI – Imagem em urologia, 85 Nelson Gaspar Dip Júnior Capítulo VII – Exames urológicos específicos, 111 Felipe Goulart Nehrer Capítulo VIII – Sondagem vesical e toque retal, 131 Felipe Guilherme Hamoy Kataoka VOLTAR SEÇÃO I SEÇÃO III SEÇÃO IV cAPítulo VI Imagem em urologia Nelson Gaspar Dip Júnior VOLTAR 86 - Capítulo VI | Imagem em urologia Introdução A prática clínica urológica é amplamente baseada em métodos de imagem, fundamentais para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento de várias doenças urológicas. Litíase urinária, tumores urológicos, ITU altas e suas complicações, HPB patologias congêni- tas do trato urinário, avaliação de hematúrias, entre muitas outras, em algum momento de sua evolu- ção necessitarão de avaliação por imagem. Exames urológicos específicos que envolvam imagem (uretrocistoscopia e uretrocistografia re- trógrada e miccional) serão discutidos no capítulo Exames Específicos em Urologia. Esse capítulo presta-se à discussão da radiografia de abdome, urografia excretora, US de rins e vias urinárias e TC de abdome. 1 Radiografia simples de abdome O R-X simples de abdome é um método de imagem simples, de baixo custo e de grande valia em algumas situações urológicas. Pode ser realizado, inclusive, no leito com aparelhos portáteis. Embora a emissão de radiação e a baixa contrastação de partes moles, o R-X simples pode ser útil em identificar patologias nos rins, ureteres e bexiga, seja no diagnóstico, seja no acompanhamento de tratamentos. Dessa forma, uma radiografia simples de abdome em incidência ântero-posterior pode demons- trar anormalidades ósseas, calcificações anormais (determinados padrões de calcificação indicam do- enças específicas), grandes massas de tecidos moles e os limites renais. Além disso, o R-X simples de abdome pode ser utilizado no controle de tratamentos após litotripsia extracorpórea por ondas de choque e implante de cateteres duplo J na via excretora urinária. Veja as Figuras 1 a 5, exemplifican- do alguns exemplos desses usos. Nelson Gaspar Dip Júnior - 87 Figura 1 – R-X simples de abdome AP. Note a presença de um cálculo radiopaco em ureter distal esquerdo 88 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 2 – R-X simples de abdome AP. Note a presença de um cálculo de ureter superior esquerdo Nelson Gaspar Dip Júnior - 89 Figura 3 – R-X simples de abdome AP. Note um cálculo coraliforme completo no sistema coletor do rim direito 90 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 4 – Cálculo renal localizado em cálice inferior esquerdo Nelson Gaspar Dip Júnior - 91 Figura 5 – Cálculos renais esquerdos, localizados nos cálices médio e inferior (setas completas). Note um cateter duplo J bem posicionado no sistema coletor à esquerda, com uma curvatura na pelve renal (seta incompleta) e a outra na bexiga (calcificada) 2 Urografia excretora (UGE) Com o estabelecimento da TC de abdome sem contraste como método de imagem ideal para a maioria das patologias urológicas, a UGE deixou de ser utilizada em larga escala por urologistas. Embora limitada para diagnosticar uma série de condições, ela tem seu valor, principalmente para o estudo do sistema coletor. Trata-se de um método contrastado, bem tolerado e de simples realização, realizado a partir de uma sequência de radiografias do abdome, antes e depois da injeção do contraste, que será filtrado e delineará os cálices menores, maiores, pelves renais, ureteres e bexiga. 92 - Capítulo VI | Imagem em urologia As indicações clássicas da UGE são: (1) delineamento do sistema coletor e ureteres, (2) iden- tificação do nível de lesão ureteral, (3) opacificação do sistema coletor para identificação de cálculos durante a LECO ou cirurgia percutânea, (4) demonstração da função renal na avaliação de emergên- cia de pacientes instáveis e (5) demonstração da anatomia dos rins e ureteres em situações especiais (transureterouretero anastomose ou após derivações urinárias, por exemplo). Antes da realização do exame, as seguintes observações são fundamentais: • O paciente deve estar hidratado. • Medicações que interferem na filtração glomerular (captopril, por exemplo) e hipoglicemian- tes orais (risco de acidose lática) devem ser suspensas. • Ausência de ITU (pelo risco de disseminação da infecção). • Função renal satisfatória (creatinina até 2,0 mg/dL) • História negativa de alergia ao iodo (incluindo frutos do mar que são ricos em iodo). A sequência seriada de radiografias está relacionada com as fases da UGE, como seguem (Figura 6): • Fase pré-contraste – É uma radiografia simples AP do abdome realizada antes da injeção in- travenosa do contraste, com o objetivo de avaliar alterações no sistema urológico previamen- te ao uso do contraste (identificação de litíase, por exemplo). • Fase nefrográfica – É a fase onde o contraste se impregna no parênquima renal, mas é pouco visualizado pela radiografia. Portanto, é uma fase de pouco valor diagnóstico. • Fase excretora – É a fase mais importante do exame, onde o contraste preenche todo o sis- tema coletor renal, a pelve e os ureteres. Essa fase é estudada através de uma série de radio- grafias realizadas com intervalos de 5 minutos (5 – 10 – 15 – 20 – 25 minutos), com objetivo de se identificar problemas como falhas de enchimento (cálculos, tumores da via excretora, por exemplo), estreitamentos (estenose de JUP e ligaduras ureterais, por exemplo) e extrava- samento do meio de contraste (trauma de ureter, por exemplo). Além disso, faz parte da fase excretora uma radiografia com a bexiga vazia, a fim de se identificar problemas com o esva- ziamento vesical (obstrução infravesical) e a presença de lobo mediano prostático. Quando existem obstruções importantes, a drenagem da urina pode ficar muito lentificada, com pre- juízo da filtração renal. Nesses casos, radiografias tardias (12, 24 ou 36 horas) também po- dem ser realizadas. Nelson Gaspar Dip Júnior - 93 Figura 6 – UGE nomal. A: radiografia pré-contraste; B: início da fase excretora (5 minutos); C e D: fase excretora; E: fase excretora com bexiga cheia; F: fase excretora com bexiga vazia As Figuras 7 e 8 são fases excretoras de UGE identificando uma estenose de JUP direita e um tumor de pelve renal direita, respectivamente. 94 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 7 – Estenose de JUP direita muito bem identificada pela UGE (fase excretora) Nelson Gaspar Dip Júnior - 95 Figura 8 – Carcinoma urotelial de pelve renal direita. Observe a falha de enchimento na pelve renal promovida pelo contraste (fase excretora). 3 Ultrassonografia de rins e vias urinárias e de bolsa escrotal O US dos rins e vias urinárias e o US de bolsa escrotal têm ampla utilidade na prática clínica urológica. Dentre as indicações para realização de um US de rins e vias urinárias, as principais são: • Rins – Rins normais (parênquima renal e seio renal possuem ecogenicidades diferentes – relação corticomedular), cálculos renais, cistos renais simples e complexos (não é possível classificar os cistos complexos pelo US, apenas pela TC), espessura do parênquima renal, dilatações (hidronefrose), doença renal policística, trauma renal leve (acompanhamento). 96 - Capítulo VI | Imagem em urologia • Ureteres – Cálculosde JUP e JUV (não é bom para identificar cálculos de ureter médio) e dilatações. Se associado ao Doppler, é possível identificar a ejaculação de urina pelos mea- tos ureterais. • Bexiga – Espessura da parede, resíduo pós-miccional, lobo mediano prostático (projeção ve- sical), cálculos vesicais, divertículos vesicais, tumores de bexiga. O US de bolsa testicular também é um método de imagem muito útil, com as seguintes indica- ções principais: • Escroto – Espessamento de parede, invasão tumoral, síndrome de Fournier, hérnias inguino- -escrotais (indiretas). • Testículos e Epidídimos – Tumores, hidrocele (simples, encistada e infectada), abscesso tes- ticular, cistos testiculares, cistos de epidídimo, tumores de epidídimo, trauma contuso/pene- trante (hematomas e integridade da túnica albugínea). Quando associado ao Doppler, pode definir os principais diagnósticos diferenciais de escroto agudo, ou seja, a torção de testícu- lo e a orquiepididimite. • Cordão espermático – Varicocele, tumores, cistos de cordão (espermatocele), hérnias ingui- no-escrotais (indiretas). As figuras a seguir demonstram uma série desses diagnósticos. Figura 9 – Rim direito normal. Note sua relação com o fígado e a evidente diferença de ecogenicidade entre o córtex e a medula Nelson Gaspar Dip Júnior - 97 Figura 10 – Cisto renal simples em rim direito. Note as paredes finas e conteúdo hipoecogênico líquido, sem outros comemorativos Figura 11 – Tumor renal em polo renal inferior 98 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 12 – Cálculo coraliforme (setas incompletas). Observe a presença da sombra acústica posterior Figura 13 – Múltiplos cálculo renais (seta completa). Observe a presença da sombra acústica posterior (seta incompleta) Nelson Gaspar Dip Júnior - 99 Figura 14 – Cálculo na junção ureterovesical (JUV) esquerda (seta) 100 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 15 – Duas lesões tumorais na bexiga. Note a diferença de ecogenicidade entre as lesões (cinza) e a urina (preta), tornando-as facilmente identificáveis Nelson Gaspar Dip Júnior - 101 Figura 16 – Cálculo vesical (seta maior) e espessamento da musculatura vesical (bexiga de esforço – setas menores), ambas alterações relacionadas à evolução da HPB 102 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 17 – Tumor de testículo (seta) 4 Tomografia computadorizada de abdome Para identificação de condições patológicas do trato urinário, a tomografia computadorizada (TC) pode ser realizada com ou sem a injeção do contraste iodado intravenoso. É um método de ima- gem muito eficiente em demonstrar problemas urológicos, relativamente barato e seguro. A TC sem contraste do abdome total (abdome superior e pelve) é o padrão-ouro para diagnósti- co da litíase urinária. Ela determina com precisão o número, tamanho, localização e densidade (dure- za) dos cálculos urinários, fatores cruciais relacionados às decisões de tratamento. A TC sem contraste é realizada em tempo curto, apresentando 98% de sensibilidade e 99% de especificidade para o diag- nóstico da litíase urinária. Além disso, também permite o diagnóstico diferencial de flebólitos e pro- cessos inflamatórios intra-abdominais (apendicite e diverticulite, por exemplo). Entretanto, a TC sem contraste não determina a função renal e não é isenta de radiação que, embora em baixas doses, de- vem ser consideradas em gestantes e crianças. Por outro lado, a TC com contraste é realizada em várias outras situações em urologia, como por exemplo, no diagnóstico de tumores urológicos, avaliação de nódulos de adrenal, processos obs- Nelson Gaspar Dip Júnior - 103 trutivos não litiásicos, trauma do sistema urinário (principalmente rins e ureteres), entre outros. Uma TC com contraste também é cabível em casos de dúvida diagnósticas de processos litiásicos, e tam- bém na identificação de complicações da litíase urinária (pielonefrite obstrutiva e abscesso renal, por exemplo). Quando os cortes da TC possibilita a visualização do meio de contraste nos rins e sistema coletor (cortes coronais) ela é denominada Uro-TC. As principais contraindicações para o uso do con- traste são alergia ao iodo e insuficiência renal instalada. A TC com contraste é composta de 4 fases (Figura 18): • Fase pré-contraste – obtenção de imagens dos órgãos abdominais sem a administração de contraste endovenoso. Essa fase é importante para a avaliação de calcificações (litíase uriná- ria) e gordura (angiomiolipoma, por exemplo) • Fase arterial – Fase que ocorre imediatamente à administração do contraste (em torno de 20- 30 segundos), que aparece no interior dos vasos arteriais, incluindo a Aorta e as artérias re- nais. Essa fase também promove o realce de contraste nos córtices renais. Ela é importante para pesquisa da anomalias vasculares (aneurismas e fístulas arteriovenosas, por exemplo) e tumores hipervascularizados (carcinoma renal de células claras, por exemplo). • Fase nefrográfica – Após a fase arterial, o parênquima renal torna-se homogêneo para o re- alce de contraste (90-120 segundos após a injeção). A pesquisa de cistos renais, tumores do parênquima renal e processos inflamatórios/infecciosos do rim é feita nessa fase. • Fase Excretora / Fase Tardia – Fase em que o contraste é filtrado pelos rins e aparece den- tro do sistema coletor (cálices e pelve renal, ureteres e bexiga). Essa fase é importante para o diagnóstico de falhas de enchimento (tumores da via excretora) e anomalias congênitas ou adquiridas do sistema coletor. 104 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 18 – Fases da TC de abdome com contraste. Note, a presença do contraste nas artérias renais e no córtex renal (B – fase arterial), a homogeneidade do contraste no parênquima renal (C – fase nefrográfica) e a presença do contraste na pelve renal (D – fase excretora) A densidade dos órgãos antes e depois da injeção do contraste (realce) é feita através das unida- des Hounsfied (UH), uma medida numérica (Tabela 1). É importante entender essa avaliação numé- rica, porque desfechos diagnósticos e de tratamentos são dados a partir dessa análise. Por exemplo, a densidade de um cálculo pode ser medida em UH, definido a dureza do mesmo. Isso permite a to- mada da melhor decisão terapêutica (veja detalhes sobre essa discussão no capítulo Litíase Urinária). Outro exemplo clássico é no estudo de tumores renais, onde, um realce de contraste de uma lesão só- lida maior que 15 UH, praticamente define o diagnóstico de tumor maligno (veja detalhes dessa dis- cussão no capítulo Câncer de Rim). Nelson Gaspar Dip Júnior - 105 Tabela 1 – Densidade dos tecidos e componentes do organismo em unidades Hounsfield (UH) Fonte: Autores Figura 19 – A: litíase renal direita; B: litíase ureteral direita 106 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 20 – Cisto renal Bosniak I. Fase nefrográfica Figura 21 – Tumor de rim. Fase nefrográfica Nelson Gaspar Dip Júnior - 107 Figura 22 – Cálculo coraliforme. Fase pré-contraste 108 - Capítulo VI | Imagem em urologia Figura 23 – Angiomiolipoma . Fase pré-contraste Nelson Gaspar Dip Júnior - 109 Figura 24 – Abscesso renal. Fase nefrográfica Figura 25 – Trauma renal grau IV. Note o extravasamento de contraste através do sistema coletor na fase excretora da TC (seta) 110 - Capítulo VI | Imagem em urologia Leitura recomendada BRISBANE, Wayne; BAILEY, Michael R.; SORENSEN, Mathew D. An overview of kidney sto- ne imaging techniques. Nat Rev Urol. v. 13, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/nru- rol.2016.154>. Acesso em: 05 set. 2018. BRUCE L, MCCLENAN. Imaging the renal mass: a historical review. v. 23, n. 2S. 2014. Radiology. Disponível em: <https://doi.org/10.1148/radiol.14140733>. Acesso em: 05 set. 2018. FOWLER, K. A. et al. US for detecting renal calculi with nonenhanced CT as a reference standard. Radiology, v. 222, n. 1.Disponível em: https://doi.org/10.1148/radiol.2221010453>. <https://www. ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11756713>. Acesso em: 05set. 2018. HENEGHAN, J. P. et al. Helical CT for nephrolithiasis and ureterolithiasis: comparison of conven- tional and reduced radiation-dose techniques. Radiology, v. 229, n. 2, 2003. Disponível em: <https:// doi.org/10.1148/radiol.2292021261>. Acesso em: 05 set. 2018.. SCHOOTS, IVO G. Bosniak Classification for complex renal cysts reevaluated: a systematic review. American J Urol, v.198, n. 1, 2017. Disponível em: <doi: https://doi.org/10.1016/j.juro.2016.09.160>. Acesso em: 05 set. 2018. TÜRK, C. et al. EAU Guidelines on urolithiasis 2016. 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Além de permitir a identificação da próstata e estruturas adjacentes, como vesículas seminais e bexiga, também possibilita a realização de biópsia prostática para coleta de material histopatológico e realização de tratamentos minimamente invasivos como braquiterapia e radioablação. A posição anatômica da próstata, localizada anteriormente ao reto, entre o colo vesical e o dia- fragma urogenital, proporciona um acesso ideal de tal método de imagem por via transretal. Atualmente, com o desenvolvimento tecnológico, diversas melhorias vêm sendo incorporadas à ultrassonografia transretal convencional de próstata, como por exemplo a fusão de imagens em tempo real de ressonância magnética, aumentando ainda mais a acurácia diagnóstica do câncer de próstata. 2 Preparo do paciente O termo de consentimento informado deve ser sempre obtido antes da realização da biópsia transretal de próstata (BTRP), bem como orientações sobre possíveis riscos e benefícios do procedi- mento ao paciente. Pelo caráter invasivo do exame, a BTRP geralmente é realizada em ambiente hospitalar sob se- dação, com monitorização e suporte clínico adequados. Não há necessidade de interrupção de ácido acetilsalicílico (aspirina/AAS), entretanto, medica- ções anticoagulantes, como varfarina e clopidogrel, devem ser descontinuadas 5-7 dias antes da rea- lização do procedimento. Na impossibilidade de suspensão, devem ser substituídos por heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular. Antibioticoprofilaxia é recomendada para todos pacientes, independente da presença ou não de fatores de risco, por um período máximo de 24h. Em geral, podem ser utilizados fluoroquinolonas, sulfametoxazol-trimetropim, cefalosporinas ou aminoglicosídeos como antibióticos de escolha, de- vendo-se atentar à necessidade de mudança do espectro de cobertura em condições especiais, como por exemplo em pacientes portadores de válvulas cardíacas e próteses ortopédicas, devido ao maior risco de infecção. A realização de fleet enema anteriormente ao exame é uma prática urológica de rotina para re- duzir a quantidade de fezes no reto e permitir uma melhor janela acústica de visualização. Entretanto, para fins de redução de infecção, esse tema ainda é controverso. Felipe Goulart Nehrer - 113 3 Indicações A principal indicação da biópsia prostática é diagnosticar o câncer de próstata na presença de PSA alterado e/ou anormalidades sugestivas de malignidade no toque retal (presença de nódulos ou áreas de endurecimento). 4 Contraindicações As principais contraindicações absolutas à realização da biópsia prostática compreendem coa- gulopatia significativa, imunossupressão severa e prostatite aguda. Condições anorretais dolorosas e estenose anal não são consideradas contraindicações à realização do exame, devendo ser considerado bloqueio anestésico regional ou anestesia geral em tais situações. 5 Técnica O paciente é posicionado em decúbito lateral esquerdo com membros inferiores fletidos a 90°, podendo também ser utilizado, quando necessária, a posição de litotomia ou decúbito lateral direito. Antes de se iniciar o procedimento, deve ser realizado toque retal em busca de nodulações prostáticas e anormalidades anorretais (Figura 1). Figura 1 – Posição de decúbito lateral esquerdo (DLE) com membros inferiores fletidos a 90°. Nota-se o aparelho de ultrassom introduzido no canal anal para visualização prostática através da parede anterior do reto 114 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos Após introdução do aparelho via transretal, identifica-se a próstata, uretra prostática e estrutu- ras adjacentes nos planos sagital e transverso. Além da aferição do volume prostático, qualquer al- teração sugestiva de malignidade, como por exemplo, a presença de nódulos hipoecoicos, deve ser documentada (Figura 2). Figura 2 – Visualização da próstata pelo USTR em corte sagital. A seta azul representa o probe do aparelho de ultrassom, a seta vermelha representa a próstata e a seta verde representa a bexiga. A zona periférica (ZP) é o local mais frequente de desenvolvimento do câncer de próstata. ZC = Zona Central Procede-se então à anestesia prostática através da infiltração de lidocaína a 1-2% nos nervos ca- vernosos periprostáticos bilateralmente, devendo-se evitar injeção direta intravascular pelo risco de absorção sistêmica e toxicidade pelo anestésico local. A obtenção de fragmentos prostáticos é feita através de uma agulha específica acoplada ao probe do ultrassom, de forma sistemática e randomizada a partir da base prostática, seguindo ao terço mé- dio, até o ápice prostático em ambos lobos. O material obtido é colocado em solução de formol para conservação e encaminhado ao patologista para avaliação histopatológica (Figura 3). Felipe Goulart Nehrer - 115 Figura 3 – Frascos com formol para acondicionamento dos fragmentos prostáticos e posterior avaliação histopatológica Classicamente, eram obtidos 6 fragmentos no total (biópsia sextante), mas com o passar dos anos foi evidenciado que 6 fragmentos eram insuficientes para identificação de tumor. Estudos demonstra- ram que um número estendido a 10-12 fragmentos, ou até mesmo 18-21 fragmentos (biópsia de satu- ração) propiciam melhor acurácia diagnóstica. 6 Complicações Por ser um exame invasivo, não é isento de complicações. Contudo, a incidência de complica- ções com necessidade de hospitalização é baixa (< 1%). Apesar de incomuns, as complicações mais frequentes são infecção e sangramento. As com- plicações infecciosas em sua maioria envolvem bactérias provenientes do intestino grosso (E. coli) e apresenta-se como ITU sintomática manejadas com antibioticoterapia oral. Entretanto, deve-se atentar para o desenvolvimento de prostatite bacteriana aguda em qualquer paciente que apresente sinais de sepse após biópsia de próstata, porque esses casos necessitam de internação, antibioticoterapia endo- venosa e suporte clínico. Um segundo problema para o qual deve-se sempre estar atento é a resistên- cia bacteriana, por conta do uso indiscriminado de antibióticos (principalmente quinolonas). O atraso em reconhecer essa situação pode levar a evoluções mais graves e complexas das ITU que ocorrem após a BTRP. 116 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos Sangramento retal é a complicação mais comum, sendo em geral autolimitado e controlado por compressão direta pelo ultrassom durante o exame. Raramente, na presençade sangramento persis- tente, pode haver necessidade de tamponamento direto, anuscopia/colonoscopia com injeção de agen- tes esclerosantes e até mesmo angioembolização. Complicações menos frequentes incluem: hematospermia com resolução espontânea em 4-6 se- manas, reflexo vasovagal manejado com expansão volêmica e posição de Trendelemburg, e retenção urinária aguda com necessidade de sondagem vesical de demora. O desenvolvimento de disfunção erétil pós biópsia prostática ainda não está bem caracterizado, porém estudos atuais apontam para possível lesão inadvertida dos nervos cavernosos periprostáticos durante o procedimento, principalmente em pacientes submetidos à múltiplas BTRP. Uretrocistoscopia 1 Considerações gerais A uretrocistoscopia é um dos procedimentos endoscópicos mais comuns na prática urológica, sendo realizado rotineiramente em ambiente ambulatorial ou em centro cirúrgico. Tal exame permite a visualização direta de todas as porções da uretra e bexiga masculina e fe- minina, além de possibilitar a avaliação do trato urinário alto através da cateterização ureteral e insti- lação de contraste iodado retrógrado (pielografia retrógrada). Esse exame é realizado através de um aparelho urológico denominado cistoscópio (ou uretrocis- toscópio), que possui características bem específicas. Existem diversas marcas de uretrocistoscópios disponíveis, que variam em tamanho (em French – Fr) e tipos (rígido ou flexível). 2 Indicações A maioria das indicações destina-se a fins diagnósticos. Entretanto, no mesmo procedimento com objetivo diagnóstico também podem ser realizadas intervenções terapêuticas (passagem endos- cópica de cateter duplo J, por exemplo). As principais indicações diagnósticas da uretrocistoscopia são: • Investigação de hematúria macroscópica ou microscópica • Investigação de neoplasias de uretra ou bexiga • Avaliação no trauma de uretra e bexiga • Investigação de sintomas do trato urinário inferior, como infecção urinária de repetição, LUTS, incontinência urinária e síndrome da dor pélvica crônica Felipe Goulart Nehrer - 117 3 Preparo do paciente O termo de consentimento informado deve ser sempre obtido antes da realização do procedimento. A presença de infecção urinária ativa deve ser sempre tratada antes da uretrocistoscopia devido ao risco de bacteremia e sepse após manipulação do trato urinário. A antibioticoprofilaxia (isto é, o uso de antibióticos para se evitar uma infecção) não deve ser realizada de rotina em procedimentos com intuito diagnóstico, ou seja, sem realização de terapêutica intervencionista no trato urinário, exceto em pacientes com fatores de risco (Tabela 1). Tabela 1 – Fatores de risco do hospedeiro relacionados ao maior risco de infecção do trato urinário Fonte: Os autores Para pacientes que serão submetidos a procedimentos terapêuticos, como biópsia ou ressecção transuretral de bexiga (RTUb), é recomendada a administração profilática de fluoroquinolona ou sul- fametoxazol-trimetropina com duração menor que 24 horas. Antes da realização da uretrocistoscopia, a pele é preparada com soluções antissépticas, segui- do de injeção uretral de lidocaína gel lubrificante, seguindo os mesmos princípios da sondagem vesi- cal de demora (ver capítulo específico). 4 Técnica Antes da introdução do uretrocistoscópio na uretra, deve-se realizar inspeção da genitália exter- na em busca de lesões cutâneas e anormalidades anatômicas. A introdução do aparelho em homens e mulheres segue técnicas distintas devido às diferenças anatômicas da uretra. 118 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos Em homens, o pênis deve ser angulado 90º graus em relação à parede abdominal enquanto o uretrocistoscópio atravessa a uretra anterior, sendo realizado um posicionamento anterior ao alcançar a uretra membranosa e prostática até a entrada na bexiga. Esse movimento deve ser realizado devido ao formato anatômico em J da uretra masculina ao avançar na pelve (Figura 4). Figura 4 – Posicionamento adequado do pênis em ângulo de 90° graus para introdução do uretrocistoscópio rígido na uretra anterior masculina A introdução do uretrocistoscópio em mulheres é mais simples devido ao comprimento curto da uretra feminina, devendo o aparelho ser posicionado anteriormente desde o início do procedimento, do meato uretral até a bexiga (Figura 5). Felipe Goulart Nehrer - 119 Figura 5 – Posicionamento adequado do uretrocistoscópio rígido em posição anterior para introdução na uretra feminina Deve-se realizar uma avaliação sistemática do trato urinário inferior com o avançar do aparelho na uretra, buscando identificar a presença de lesões ou estenoses, localizar estruturas importantes (veromontanum, glândulas de Littrè e utrículo prostático em homens) e aferir o tamanho dos lobos prostáticos (comprimento da uretra prostática) (Figura 6). Figura 6 – Esquerda: Uretra peniana; Meio: veromontanum (seta branca); Direita: Lobos prostáticos laterais (setas azuis) Uma vez alcançada a bexiga, deve-se localizar os meatos ureterais e o trígono vesical, avaliar cuidadosamente a mucosa vesical em busca de lesões, corpos estranhos (cálculos vesicais, por exem- 120 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos plo) ou alterações estruturais (trabeculações, divertículos vesicais e tumores, por exemplo) em toda sua parede (Figura 7). Figura 7 – Da esquerda para a direita: Bexiga normal, bexiga com trabeculações (bexiga de esforço), divertículo vesical e tumor de bexiga Após o término do procedimento, a bexiga deve ser esvaziada ou, se necessário, realizar a pas- sagem de sonda vesical de demora. 5 Complicações As complicações da cistoscopia diagnóstica são incomuns, sendo as mais frequentes aquelas de etiologia infecciosa (ITU sintomática), que geralmente são manejadas com antibioticoterapia oral. A tentativa de introdução forçada do aparelho em uretras doentes (estenoses, por exemplo) pode promover lesões agressivas da mucosa e da parede uretral, causando sangramentos às vezes impor- tantes, edemas ou falsos trajetos uretrais. Quando a uretra é lesionada e ocorre impossibilidade de as- censão do uretrocistoscópio até a bexiga, geralmente uma cistostomia é necessária porque o trauma uretral causado pelo aparelho impedirá o paciente de urinar espontaneamente. No caso de uretrocistoscopia com abordagens terapêuticas, as complicações variam conforme o procedimento realizado, podendo ocorrer sangramento, infecção urinária, lesão uretral e até mesmo perfuração vesical extra ou intraperitoneal. Felipe Goulart Nehrer - 121 Uretrocistografia Retrógrada e Miccional (UCM) 1 Considerações gerais A uretrocistografia retrógrada e miccional é um exame radiológico contrastado que tem como objetivo avaliar as relações anatômicas e as características funcionais da uretra e da bexiga. O exame é dividido em fases pré e pós-injeção de contraste iodado visando avaliar a morfolo- gia, comportamento estático e dinâmico do trato urinário inferior em momentos semelhantes aos do funcionamento fisiológico normal. 2 Indicações As indicações principais da UCM são a avaliação do trato urinário inferior em condições pato- lógicas ou traumáticas, podendo ser realizada em crianças ou adultos. Na população pediátrica é um dos principais exames para avaliação de anormalidades anatômicas congênitas como o refluxo vesico-ureteral (RVU) em pacientes com história de infecção urinária febril em meninas e meninos, bem como na investigação de válvula de uretra posterior (VUP) em meninos. No contexto de trauma urológico é utilizada para avaliação de lesões uretrais (lesões traumáti- cas da uretra anterior e posterior) e vesicais (lesões traumáticas extra ou intraperitoneais de bexiga) em busca de distorções anatômicas e extravasamento de contraste. Também pode ser realizada na investigação de LUTS, fístulas urinárias e evolução pós-opera- tória de cirurgias urológicas. 3 Contraindicações As contraindicações principais à realizaçãoda uretrocistografia são infecção urinária ativa, ges- tação e história prévia de alergia/hipersensibilidade ao contraste iodado. 4 Preparo do paciente O termo de consentimento informado deve ser obtido antes do procedimento, bem como o pa- ciente deve ser orientado a respeito dos riscos e benefícios do exame para reduzir a ansiedade e faci- litar a colaboração durante sua realização. A profilaxia antibiótica é indicada apenas na presença de fatores de risco que favoreçam o de- senvolvimento de infecção, não sendo realizada de rotina em todos os pacientes. O paciente é orientado a urinar antes de iniciar o exame e, a seguir, colocado em decúbito dor- sal horizontal, com membros inferiores fletidos e abduzidos (posição de rã) para passagem do cateter uretral, após assepsia adequada. 122 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos 5 Técnica Fasé pré-contraste Inicialmente, antes da injeção do contraste, realiza-se uma radiografia simples da bexiga em in- cidência anteroposterior (AP) com o paciente em decúbito dorsal horizontal para avaliar a téc- nica empregada, posicionamento ideal e possíveis variações anatômicas. Fase retrógrada A seguir é realizada a cateterização da uretra distal com instrumento específico ou sonda de Foley, com insuflação do balão na fossa navicular em pacientes do sexo masculino, ou sonda- gem vesical em pacientes do sexo feminino (em mulheres, a sonda fica posicionada no interior da bexiga, e não na uretra), para injeção de contraste iodado. Inicia-se a infusão de contraste na uretra com realização de radiografias nas incidências oblíqua es- querda (OE) e oblíqua direita (OD), buscando identificar alterações anatômicas, falhas de enchimen- to, imagens de adição ou extravasamento de contraste ao longo do seu trajeto até a bexiga (Figura 8). Em pacientes do sexo masculino, é importante não confundir, durante a fase retrógrada, a ima- gem fisiológica em ‘ponta de lápis’ relacionada ao esfíncter uretral fechado na uretra membra- nosa, com patologias relacionadas à estenose de uretra (Figura 8). Figura 8 – Fases da uretrocistografia retrógrada. A: fase pré-contraste; B e C: fase retrógrada em incidências oblíquas. Note a seta demonstrando a imagem em ponta de lápis promovida pelo esfíncter uretral masculino fechado (seta vermelha) Cistografia A fase cistográfica em geral é realizada como continuação da fase retrógrada da UCM, porém pode ser feita de forma isolada em contextos específicos. Felipe Goulart Nehrer - 123 Nessa fase, avalia-se a bexiga com diversos volumes, sendo realizadas radiografias em incidên- cia AP com pequeno enchimento (100ml), médio enchimento (200ml) e grande enchimento ve- sical (300-500ml), além de incidências oblíquas com a bexiga repleta. Avalia-se a parede e mucosa vesicais, presença de imagens de adição, falhas de enchimento e extravasamento de contraste extravesical (que pode ocorrer para o retroperitônio – extraperito- neal – ou para dentro da cavidade peritoneal – intraperitoneal). Além disso, é importante identificar a junção ureterovesical (JUV) bilateralmente em busca de refluxo vesico-ureteral (RVU) que já pode se pronunciar nessa fase de cistografia. Fase miccional Após a bexiga estar repleta de contraste, pede-se ao paciente para iniciar a micção enquanto se obtém radiografias nas incidências oblíquas, buscando anormalidades no colo vesical e uretra prostática durante essa fase dinâmica de esvaziamento vesical (Figura 9). Além disso, é importante avaliar a presença de RVU para o trato urinário superior através de uma radiografia em incidência AP que inclua a topografia renal, permitindo sua classificação em diversos graus, se presente (Figura 9). Por fim, realiza-se uma radiografia simples em incidência AP da bexiga a fim de avaliar a pre- sença de resíduo pós-miccional ao final da micção. Após o término do procedimento, é realizado o esvaziamento vesical completo e remoção de cateteres utilizados. Figura 9 – Fase miccional da uretrocistografia. A: fase miccional normal. Observe o colo vesical aberto (seta vermelha); B: incidência AP incluindo a topografia renal. Note a presença de refluxo vesico-ureteral (seta amarela) e dilatação dos cálices renais, com presença de contraste em ambos os ureteres, pelves e cálices renais (refluxo grau V) 124 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos 6 Complicações As complicações mais comuns após a realização da UCM são disúria e desconforto perineal transitórios, em geral mais atribuídos à cateterização uretral que à presença do material contrastado. O risco de ITU sintomática é inerente a qualquer procedimento que envolva cateterização ure- tral, que geralmente é minimizada com assepsia adequada e profilaxia antibiótica, sendo manejada com antibioticoterapia oral, se necessário. Complicações menos comuns incluem hipersensibilidade/reação alérgica ao contaste iodado, trauma uretral, reflexo vasovagal e disreflexia autonômica devido à distensão vesical. Reflexo vaso- vagal e disreflexia autonômica são condições diferentes. Embora ambos geralmente ocorram devido ao enchimento rápido da bexiga, o primeiro é representado por um hiperestímulo parassimpático, en- quanto que o segundo, por hiperestímulo simpático. O reflexo vasovagal pode ocorrer em qualquer indivíduo, saudável ou não, levando a uma res- posta parassimpática exagerada, principalmente sobre os vasos sanguíneos (hipotensão) e o coração (bradicardia). Esses sinais devem ser prontamente identificados e o tratamento iniciado. Esses casos são melhor manejados com esvaziamento vesical imediato, infusão parenteral de volume (solução cristaloide) e uso de drogas alfa-adrenérgicas, se necessário. A disreflexia autonômica é uma condição potencialmente grave que ocorre em pacientes com lesão medular acima de T6 (paraplégicos, tetraplégicos). Essa síndrome se caracteriza pela respos- ta exacerbada do sistema simpático ocasionada pela falta de controle do sistema parassimpático, de- corrente do enchimento rápido da bexiga. Esse hiperestímulo simpático promove hipertensão (muitas vezes grave) com bradicardia (ou outras bradiarritmias) reflexa. Total atenção deve ser dada a esse tipo de complicação e os sinais e sintomas prontamente reconhecidos para que se institua o tratamen- to precoce, que inclui esvaziamento vesical imediato, retirada dos cateteres, monitorização contínua dos sinais vitais e do coração e uso de anti-hipertensivos, se necessário. Se não adequadamente tratados, pacientes que apresentam reflexo vasovagal ou disreflexia au- tonômica podem evoluir para parada cardiorrespiratória e óbito. Estudo urodinâmico 1 Considerações gerais O estudo urodinâmico tem como principal objetivo avaliar a função do trato urinário inferior, que em condições normais deve ser responsável pelo armazenamento de urina em baixas pressões e posterior eliminação de forma voluntária com fluxo normal. É um exame invasivo, desconfortável, dependente da compreensão do paciente e da interpretação do examinador, devendo assim ser indicado de forma direcionada quando a história clínica, exame Felipe Goulart Nehrer - 125 físico e exames anteriores não foram suficientes para realizar um diagnóstico acurado e instituir tratamento adequado. O estudo urodinâmico é dividido em 3 fases principais: urofluxometria livre, fase de enchimen- to vesical (ou fase cistométrica) e fase miccional (ou estudo fluxo-pressão). 2 Indicações O estudo urodinâmico tem diversas indicações para avaliar o funcionamento do trato urinário inferior. Resumidamente, busca-se investigar patologias que alterem a capacidade normal de enchi- mento vesical, prejudiquem o esvaziamento vesical e resposta de tratamentos previamente instituídos. Segue abaixo as principais indicações do estudo urodinâmico: • Avaliação complementar do LUTS • Avaliação complementar da incontinência urinária • Avaliação complementar da bexiga hiperativa e bexiga neurogênica • Avaliação complementar da resposta insatisfatóriaa tratamentos instituídos 3 Preparo do paciente O paciente deve ser informado a respeito do procedimento, a fim de reduzir a ansiedade e faci- litar a colaboração para melhor resultado final. Na fase de urofluxometria livre o paciente é orientado a ingerir líquidos (água) até repleção ve- sical completa e posterior micção espontânea sem sondagem (não invasiva) no aparelho de aferição urodinâmica, não necessitando de preparo específico. Caso seja indicado o estudo completo com as fases cistométrica e miccional, o paciente é posiciona- do em decúbito dorsal horizontal para realização de sondagens após assepsia adequada da região genital. Após sondagem, a posição para realização do exame pode ser ortostática ou sentada, dependen- do da decisão do paciente e do examinador. A profilaxia antibiótica é indicada apenas na presença de fatores de risco que favoreçam o de- senvolvimento de infecção (veja tabela anteriormente descrita nesse capítulo), não sendo realizada de rotina em todos os pacientes. 4 Fases do estudo urodinâmico Conforme já descrito acima, as 3 fases principais do estudo urodinâmico serão descritas aqui. • Urofluxometria livre A urofluxometria livre é uma fase não invasiva que avalia o fluxo urinário em um período de tempo (fluxo urinário x tempo), sendo indicativo do esvaziamento vesical, podendo ser 126 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos realizada de forma isolada ou complementar ao restante do exame. Durante essa fase do exame avalia-se o volume urinado, o tempo de micção e o fluxo urinário máximo (Qmax). A presença de fluxo urinário reduzido não permite diferenciar entre causas obstrutivas ana- tômicas/funcionais ou contração inadequada da musculatura detrusora, visto que não há passagem de sondas para aferição pressórica nessa fase do exame. Figura 10 – Urofluxometria livre. A curva vermelha evidencia o fluxo urinário em mililitros por segundo (ml/s), onde o pico é referente ao fluxo máximo (Qmax), apresentando na figura acima um padrão sinusoidal compatível com a normalidade. A curva azul se refere ao volume urinado em mililitros (ml) durante um determinado tempo medido em segundos (s), do início ao fim da micção • Fase de enchimento vesical ou cistométrica A fase de cistometria avalia a relação pressão x volume da bexiga durante seu enchimento. Nessa fase, inicia-se o enchimento da bexiga enquanto são avaliados parâmetros relacio- nados à sensibilidade, complacência e capacidade vesical em diversos volumes infundidos. São introduzidas 2 sondas uretrais, sendo uma de maior calibre e responsável pela instila- ção de soro fisiológico ou água destilada para enchimento vesical, e outra de menor calibre responsável pela aferição da pressão intravesical. Por último, é introduzida uma sonda re- tal responsável pela aferição da pressão intra-abdominal. A partir da diferença entre as pressões intravesical e intra-abdominal consegue-se avaliar a pressão detrusora (Pves – Pabd = Pdet). Durante essa fase, é possível avaliar características da bexiga relacionadas à sua capacida- de de armazenamento de urina, presença de contrações involuntárias da musculatura detru- sora e alterações do esfíncter uretral. Felipe Goulart Nehrer - 127 Figura 11 – A curva vermelha é referente à pressão intravesical, que deve apresentar apenas pequenas variações durante o enchimento vesical, porque em condições normais a bexiga deve armazenar urina sob baixas pressões. Nessa curva avalia-se os desejos miccionais em volumes variados de enchimento e a capacidade cistométrica máxima (CCM) ao atingir o volume máximo de urina suportado pelo paciente no interior da bexiga. A curva verde se refere à pressão intra-abdominal, que sofre variações de acordo com situações de aumento pressórico, como tosse ou manobra de Valsalva. A curva roxa evidencia a pressão detrusora, que em condições normais de enchimento deve permanecer sem alterações, uma vez que a musculatura da bexiga está relaxada durante essa fase. Na condição chamada de bexiga hiperativa ocorrem contrações dessa musculatura (hiperatividade detrusora), independente da pressão abdominal, notando-se picos pressóricos que podem ou não estar associados a perdas urinárias • Fase miccional ou estudo de pressão-fluxo A fase miccional avalia a relação pressão detrusora x fluxo urinário durante o esvaziamen- to vesical. Ela é iniciada com a micção espontânea do paciente, sendo avaliados pressão detrusora de abertura, volume urinado, fluxo urinário máximo, tempo de micção e resíduo pós-miccional. Durante essa fase consegue-se diferenciar alterações do fluxo urinário relacionadas a obs- truções anatômicas/funcionais ou devido à contração inadequada da musculatura detruso- ra da bexiga. 128 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos Figura 12 – A fase miccional estuda o esvaziamento vesical. A curva azul indica o volume urinado em mililitros (ml) durante determinado período de tempo em segundos (s). A curva vermelha representa o fluxo urinário em mililitros por segundo (ml/s), sendo identificado o fluxo urinário máximo (Qmax) representado pelo pico da curva. O formato da curva vermelha deve ser correlacionado aos valores da curva roxa (pressão detrusora) a fim de se avaliar a força realizada pelo detrusor para vencer a resistência uretral (pressão detrusora) e iniciar a micção 5 Achados específicos nas fases do estudo urodinâmico • Urofluxometria livre (fluxo x tempo) Parâmetros avaliados: (1) volume urinado, (2) tempo de micção e (3) fluxo urinário máxi- mo (Qmax). Como já citado anteriormente, a presença de fluxo urinário alterado (Qmax < 12 ml/s) não permite diferenciar causas obstrutivas anatômicas/funcionais de contração inadequada da musculatura detrusora. Entretanto, através da interpretação dos valores e formato da curva, pode-se direcionar o raciocínio clínico a respeito da patologia subjacente. A curva compatível com fluxo urinário normal tem formato sinusoidal ou formato de sino. • Fase cistométrica ou de enchimento vesical (pressão x volume) Parâmetros avaliados: (1) sensibilidade, (2) complacência e (3) capacidade vesical. A sensibilidade é avaliada através da percepção de enchimento vesical pelo paciente em volumes distintos, podendo estar reduzida, normal, aumentada e até mesmo ausente. Esse parâmetro é subjetivo. A complacência vesical é definida pela capacidade da bexiga em armazenar urina em baixas pressões fisiológicas, sendo determinada por propriedades da musculatura lisa detrusora e componentes viscoelásticos do tecido conectivo. Pode estar reduzida, normal ou aumentada. Felipe Goulart Nehrer - 129 A capacidade vesical máxima é determinada pela quantidade máxima de urina que o paciente pode suportar antes de iniciar a micção, sendo os valores normais aqueles entre 350 e 500ml. Contrações involuntárias da musculatura detrusora (hiperatividade detrusora) podem ser evidenciadas durante essa fase, sendo definidas por contrações que ocorrem sem o desejo do paciente, podendo acarretar, a longo prazo, deterioração do trato urinário superior por refluxo vesico-ureteral, se a pressão detrusora estiver acima de 40cmH20. Em mulheres em investigação de incontinência urinária, podem ser realizadas manobras de esforço (Valsalva) a fim de evidenciar perdas urinárias (VLPP) na ausência de contração de- trusora, as quais podem estar relacionadas à hipermobilidade uretral (VLPP > 90 cmH20) ou à deficiência esfincteriana intrínseca (VLPP < 60 cmH20). • Fase miccional ou estudo de fluxo-pressão (pressão x fluxo): Parâmetros avaliados: (1) pressão detrusora de abertura, (2) volume urinado, (3) fluxo uri- nário máximo, (4) tempo de micção e (5) resíduo pós-miccional. A pressão detrusora de abertura é definida como pressão necessária realizada pela muscu- latura detrusora para vencer a resistência uretral e iniciar a micção. Três condições básicas devem ser avaliadas para direcionar o raciocínio clínico: o Pressão detrusora de abertura normal (Pdet < 20)associada a fluxo urinário normal (Qmax > 12) é compatível com a normalidade. o Pressão detrusora elevada (Pdet > 40) associada a fluxo urinário reduzido (Qmax < 12) é indicativo de obstrução infravesical. O exemplo clássico desse tipo de situação patológica é obstrução (anatômica e/ou funcional) consequente à evolução da HPB. o Pressão detrusora reduzida (Pdet < 20) associada a fluxo urinário reduzido (Qmax < 12) é indicativo de hipocontratilidade detrusora (detrusor sem força de contração). O exem- plo clássico desse tipo de situação é a falência detrusora consequente à evolução da HPB ou trauma raquimedular com lesão do plexo pélvico parassimpático (trauma sacral). Ao final da micção é realizado o esvaziamento vesical através dos cateteres inseridos para afe- rição do resíduo pós-miccional. 6 Complicações As complicações mais comuns são disúria e desconforto perineal devido à passagem dos cate- teres, em geral transitórios e que desaparecem em 1-2 dias. Apesar da assepsia adequada e profilaxia antibiótica quando indicada, pode haver ocorrência de ITU sintomática, quase sempre tratada com antibióticos orais sem intercorrências. Complicações menos comuns incluem traumatismo uretral, reflexo vasovagal e disreflexia au- tonômica, já discutidos anteriormente nesse capítulo. 130 - Capítulo VII | Exames urológicos específicos Leiura recomendada AMERICAN CANCER SOCIETY. Tests for prostate cancer. Early detection, diagnosis and staging. Disponível em: <https://www.cancer.org/cancer/prostate-cancer/detection-diagnosis-staging/how-di- agnosed.html>. Acesso em>: 04 set. 2018. BURKHARD. F. C. EUA Guidelines on urinary incontinence in adults: 2016. 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In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. PROSTATE CANCER UK. Prostate biopsy. Disponível em: <https://prostatecanceruk.org/prostate- -information/prostate-tests/prostate-biopsy>. Acesso em: 04 set. 2018. SAMPLASKI, M. K.; JONES, J. S. Two centuries of cystoscopy: the development of imaging, ins- trumentation and synergistic technologies. BJU Int., v. 103, n. 2, Jan. 2009. Disponível em: <https:// doi.org/10.1111/j.1464-410X.2008.08244.x>. Acesso em: 04 set. 2018. cAPítulo VIII Sondagem vesical e toque retal Felipe Guilherme Hamoy Kataoka VOLTAR 132 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal Cateterismo vesical O procedimento de cateterização vesical motivado por retenção urinária aguda tem origem no an- tigo Egito, sendo encontradas descrições a esse respeito, também, em outras civilizações do passado, tanto do oriente quanto do ocidente. Esses fatos demonstram que, de longa data, a humanidade deparou- -se com essa situação clínica e, mesmo que de princípio não compreendesse a necessidade da drenagem sob o ponto de vista fisiológico, compreendia, ao menos, a necessidade do alívio sintomático imediato. Galhos, juncos e madeira oca foram alguns dos artifícios utilizados para tal intento, tendo ape- nas a partir do século XIX se desenvolvido alguns dos dispositivos utilizados atualmente, alguns dos quais homenageando seus próprios criadores (Nelaton, Foley, por exemplo). Tão importante quanto saber realizar a cateterização vesical, é saber quando indicar o procedi- mento. Didaticamente, as indicações podem ser divididas em diagnósticas e terapêuticas. Na prática as indicações mais corriqueiras são: retenção urinária aguda ou crônica, eliminação de resíduo pós- -miccional, quantificação de débito urinário, irrigação vesical para hematúria macroscópica, dilata- ção uretral, coleta de urina para análise laboratorial, mensuração de pressão intravesical e uretral em estudo urodinâmico e terapia intravesical com BCG para câncer de bexiga. Conhecer e respeitar as características anatômicas do trato urinário masculino e feminino é es- sencial para a realização adequada do procedimento. Por não se tratar do escopo do capítulo, não se- rão realizadas considerações a esse respeito, devendo o leitor consultar o capítulo pertinente inserido na obra (Anatomia do Trato Urinário Inferior). 1 Características dos cateteres vesicais A função básica de um cateter vesical é permitir a drenagem de urina. Além disso, um cateter ve- sical também pode ser usado para quantificar a diurese, irrigação vesical (lavagem da bexiga quando existem sangramentos) e instilação de determinados tipos de medicações no interior da bexiga (insti- lação de BCG para o tratamento de tumor não músculo-invasivo de bexiga, por exemplo). A escolha do tipo e tamanho do cateter depende das seguintes variáveis: indicação primária, tipo de fluido ao qual se espera drenar, cateterização prévia, idade, gênero, história prévia e peculia- ridades anatômicas do paciente. Além do tipo e tamanho, outras características como número de vias, tempo de permanência e tipo de material (látex, silicone, policloreto de polivinil – PVC) são impor- tantes atributos relacionados ao cateter e à função que será atribuída ao mesmo. Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 133 1.1 Tipos Considerando o tipo, os cateteres (ou sondas) podem apresentar vários tipos de pontas e orifícios de abertura. Cateteres ou sondas de Robinson, Coudè, Malecot, Nelaton e Foley são os mais conhecidos, sendo os dois últimos os mais utilizados na prática clínica (Figura 1). Figura 1 – Tipos de cateteres (sondas) vesicais 1.2 Tamanho A unidade de medida adotada internacionalmente é o French (Fr), onde 1 Fr equivalente a 0,33 mm (1 mm corresponde a 3 Fr). Existem cateteres de vários tamanhos, desde aqueles muito pequenos e delicados usados em crianças ou procedimentos delicados (6 ou 8 Fr), até aqueles bastante calibrosos (24 a 30 Fr) usados em situações específicas em adultos. O tamanho (em Fr) de um cateter sempre representa o diâmetro externo (e não o interno) do mesmo. Desse modo, é importante considerar o material utilizado na confecção do cateter, porque, dependendo do material, o diâmetro interno do cateter pode variar. Por exemplo, considerando que ambos tenham o mesmo tamanho, um cateter de Nelaton possui diâmetro interno maior que um cate- ter de Foley de 2 vias, porque o PVC é material mais rígido e resistente, permitindo que a parede do cateter seja mais fina e, consequentemente, uma luz (diâmetro interno) maior. 134 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal Universalmente, cada tamanho (diâmetro externo) de cateter é representado por uma cor, iden- tificada na válvula de enchimento do balão. Assim, o tamanho de uma sonda de Foley pode ser reco- nhecido por sua cor, sem a necessidade de avaliação mais detalhada do número descrito na própria sonda ou em sua embalagem. Para fins de aprendizado, seguem abaixo os principais tamanhos de ca- teteres e suas respectivas cores: • 8 Fr preto • 10 Fr cinza • 12 Fr branco • 14 Fr verde claro • 16 Fr laranja • 18 Fr vermelho • 20 Fr amarelo • 22 Fr azul escuro ou roxo • 24 Fr azul claro • 26 Fr rosa A Figura 2 demonstra alguns exemplos do que está descritoacima. Figura 2 – Tamanhos diferentes representam cores diferentes dos cateteres de Foley Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 135 1.3 Número de vias De forma bem didática, os cateteres podem ter uma, duas ou três vias. O tipo mais básico de cateter é o de uma via, cujo exemplo mais clássico e utilizado é representado pelo cateter de Nelaton. O cateter (ou sonda) de Nelaton, também denominado sonda uretral ou sonda de alívio, é feito de PVC e utilizado para drenagem de urina da bexiga que, por algum motivo, não pode ser eliminada por micção espontânea (retenção urinária aguda por raquianestesia, por exemplo). Como o próprio nome sugere, esse cateter é usado de forma temporária, isto é, é introduzido na bexiga para drenagem da urina retida, e retirado. Cateteres de uma via podem possuir um ou mais orifícios de drenagem e não possuem balão para insuflação. Cateteres de duas vias são classicamente representados pelas sondas de Foley. Uma das vias (a menor) possui uma válvula e é utilizada para insuflar um balão localizado na extremidade distal da sonda, cuja função é mantê-la locada no interior da bexiga através da uretra (todas as sondas de de- mora, por conceito, devem possuir um balão que permite a ‘fixação’ da sonda no interior da bexiga). A segunda via (a maior) é utilizada para drenagem do conteúdo vesical (urina) e acopla-se a um cole- tor do tipo sistema fechado na extremidade proximal da sonda. Cateteres de três vias são também representados por sondas de Foley e, além das duas vias des- critas no parágrafo anterior, possuem uma terceira via que funciona para irrigação da bexiga. A irriga- ção vesical é usada principalmente para a ‘lavagem’ vesical em situações de sangramentos dos mais diversos tipos (consequentes a doenças ou de pós-operatórios), seja da bexiga, da próstata ou do trato alto. Entretanto, a irrigação vesical também pode ter o objetivo de instilação de medicamentos no in- terior da bexiga (por exemplo, o alúmen para tratamento de hematúria incoercível). De um modo ge- ral, as sondas de três vias utilizadas para irrigação vesical são mais calibrosas que aquelas usadas para cateterismo de alívio ou sondagem vesical de demora para drenagem de urina. 136 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal Figura 3 – Sondas de Foley de 2 e 3 vias e sonda uretral (Nelaton) de 1 via 1.4 Tipos de material O material utilizado na confecção de sondas ou cateteres podem variar. O tipo de material utilizado confere determinadas características para as sondas. O material ideal para sondagem vesical, principalmente para aquelas que permanecem por um tempo determinado no interior do organismo e em contato com as mucosas uretral e vesical, deve ser atóxico, apirogênico, maleável e de fácil manejo, permitir o máximo conforto e evitar infecções. Materiais como o látex, a borracha, o silicone e o PVC são os mais utilizados, podendo até mesmo serem revestidos com antibióticos. Nenhum desses materiais possuem todas essas características ideais, tendo, portanto, vantagens e desvantagens. Sondas de látex são maleáveis, fáceis de manusear e relativamente confortáveis, mas podem ser tóxicas e pirogênicas (por conta da alergia ao látex desenvolvida por alguns pacientes), e permitem a formação de biofilmes, tornando contaminados todos os pacientes que permanecem sondados por mais de 4 semanas. Por outro lado, sondas de silicone são praticamente atóxicas e apirogênicas, não formam biofilmes, mas são mais rígidas e muito mais desconfortáveis para os pacientes. Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 137 Figura 4 – Sondas de Foley de 2 e 3 vias de látex e de silicone Embora a confecção de sondas e cateteres com revestimento de antibióticos siga um racional muito interessante, seu uso ainda não está bem estabelecido. Muitas limitações ao uso de antibióticos em sondas ainda são evidentes e não existem até o momento estudos que respaldem seu benefício clí- nico, não sendo, portanto, recomendados de rotina. 1.5 Tempo de permanência Cateteres ou sondas podem permanecer por tempo curto ou prolongado. Conceitualmente, tempo curto se refere àquele tipo de sonda que, assim que cumprida sua função, é imediatamente retirada. O exemplo mais claro desse tipo de situação é a sondagem vesical de um paciente que, após cirurgia realizada com raquianestesia, evolui com retenção urinária aguda temporária por ação da anestesia locorregional sobre a função vesical. Nesse caso, a sondagem vesical é denominada de alívio e realizada com sonda uretral de uma via. Assim que o efeito da raquianestesia termina, as funções miccionais fisiológicas são recuperadas, e o paciente volta a urinar normalmente. Por outro lado, o tempo prolongado de sondagem, embora sem limite definido, deve ser sem- pre o menor possível. Quanto maior o tempo de permanência da sonda no organismo, maior também é a chance de ocorrer infecções urinárias e outras complicações. Por esse motivo, o problema que le- vou à necessidade de sondagem vesical deve ser solucionado, a fim de que a sonda seja removida no menor intervalo de tempo possível. O exemplo clássico desse tipo de problema é a sondagem vesical de um paciente portador de HPB que evolui com retenção urinária aguda, uma complicação da doen- 138 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal ça. Nesse caso, a sondagem é denominada de demora e realizada com sonda de Foley (de látex ou si- licone) de duas vias. Se houver hematúria, uma outra complicação da HPB, a sondagem de 3 vias é recomendada, porque assim a irrigação vesical pode ser utilizada para tratamento do sangramento. A sonda de demora só será retirada quando o problema de base for resolvido, isto é, o tratamento cirúr- gico da próstata (retirada do fator obstrutivo) for realizado. Caso haja necessidade de manutenção da sonda de demora (uso prolongado), trocas regulares são recomendadas, no máximo, a cada 30 dias. 2 Técnicas de sondagem (cateterismo) vesical Em um paciente adulto, sem história urológica prévia e risco de anormalidades, sugere-se rea- lizar a primeira tentativa de sondagem com um cateter 16 Fr, não sendo essa uma regra fixa e imutá- vel, mas apenas uma orientação. A técnica de cateterização vesical deve ser efetuada com o médico em posição lateral ao pa- ciente no lado correspondente ao da sua mão dominante. Todos os materiais a serem utilizados devem estar disponíveis e acessíveis. O paciente deve estar em posição supina (em mulheres com as pernas em posição “frog-leg”). O procedimento deve ser realizado de forma asséptica e, se a sondagem for de demora e necessitar ativação do mecanismo de retenção, o mesmo só deve ser insuflado após con- firmação do posicionamento da sonda na bexiga e com água destilada, não devendo se utilizar outros fluídos que permitam cristalização. Na impossibilidade de confirmação do posicionamento da sonda no interior da bexiga, é recomendável insuflar o balão com 5 ml para evitar lesão uretral significati- va. Caso a extremidade da sonda esteja posicionada fora da bexiga e, portanto, em qualquer porção da uretra, o mínimo enchimento do balão promoverá dor e desconforto importante no paciente, exigin- do a parada imediata de insuflação do balão da sonda vesical. Nesses casos, a sonda deve ser retirada e um método alternativo de sondagem deve ser utilizado. O procedimento de sondagem vesical, seja de demora ou de alívio, não exige, por si só, o uso de antibióticos. Antibióticos só devem ser usados quando a situação ou patologia urológica (ou não urológica) exigir. A técnica de sondagem vesical é diferente em homens e mulheres e, portanto, serão descritas separadamente a seguir. 2.1 Sondagem vesical masculina Após o paciente posicionado em decúbito dorsal, a assepsia deve ser realizada na região genital, incluindo o púbis, o escroto, o corpo do pênis e a glande (para isso, o prepúcio deve ser obrigatoriamente retraído). Previamente à inserção da sonda, deve-se realizar a lubrificaçãouretral com lubrificante anes- tésico em forma de geleia (lidocaína a 2%), devendo a mesma ser instilada lentamente (1 ml de lu- brificante por segundo, em média). O volume de lubrificante anestésico deve respeitar o tamanho da uretra masculina, e um volume de 20 ml deve ser instilado e permanecer na uretra por pelo menos 15 Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 139 minutos para benefício máximo do paciente. Volumes menores de 20 ml de anestésico não permiti- rão lubrificação adequada da uretra, podendo ocorrer lesões na uretral provocadas pela passagem ou mal posicionamento da sonda. A instilação rápida do lubrificante anestésico pode provocar distensão abrupta das paredes uretrais e provocar sangramentos (uretrorragia) desnecessários. O uso de lubrifi- cantes sem anestésico é possível, sendo até mesmo discutível a vantagem teórica do componente anes- tésico. Contudo, na prática clínica, é habitual o uso de lubrificantes anestésicos. Após a instilação e ação do lubrificante anestésico, a técnica consiste em içar o pênis a 90 graus com a mão não dominante e progredir a sonda por 7-12 cm, devendo-se então horizontalizar o pênis e continuar a progressão até a bifurcação da sonda, quando então confirma-se a drenagem e ativa-se o mecanismo de retenção/fixação da sonda (isto é, insufla-se o balão com água destilada). Em pacien- tes não circuncisados o prepúcio deve ser colocado em posição normal para evitar a parafimose, após o término da sondagem. A sonda deve ser gentilmente fixada no abdome ou na coxa, de maneira que não permita lesões iatrogênicas como ulcerações e hipospádia no meato uretral. Como descrito anteriormente, o tamanho e o tipo de cateter escolhido dependerão de cada si- tuação específica. Sondas de demora (Foley) adequadas à uretra masculina geralmente têm tamanho mínimo de 16 Fr. Para sondas de alívio, um tamanho de 10-12 Fr são adequados à drenagem de uri- na da bexiga de um homem. 2.2 Sondagem vesical feminina Em mulheres, o meato uretral estará 1 a 2,5 cm abaixo do clitóris. Os mesmos princípios relativos à assepsia e lubrificação utilizados para a uretra masculina devem ser aplicados à uretra feminina, mas com algumas diferenças. Primeiro, a melhor posição para realizar o procedimento é aquela denominada ‘frog leg’, onde as pernas são posicionadas em flexão e abdução. Segundo, a assepsia deve incluir o púbis, as regiões inguinais (as faces internas das coxas também podem ser incluídas), os lábios maiores e menores, o clitóris, o vestíbulo vaginal e o meato uretral. Em algumas situações, a assepsia também deve envolver as paredes vaginais. Terceiro, pelo fato de a uretra feminina ser mais curta (3-5 cm), a quantidade de lubrificante anestésico deve ser menor, e um volume de 5-10 ml já é suficiente para uma sondagem vesical adequada. Após a assepsia e lubrificação, os lábios vaginais devem ser afastados com uma das mãos, o me- ato uretral identificado e a sonda gentilmente progredida até sua metade, não sendo necessária pro- gressão até a bifurcação. Assim que ocorrer a drenagem de urina, o balão deve ser insuflado. Sondas de demora (Foley) 14 Fr, 16 Fr e 18 Fr são, de forma geral, adequadas à uretra femini- na. Outras situações (irrigação vesical após uma RTU de bexiga, por exemplo) podem exigir catete- res maiores para irrigação. Sondas de alívio 8 ou 10 Fr são cabíveis às mulheres. 140 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal 2.3 Sondagem difícil A dificuldade de cateterização geralmente ocorre em homens por uma série de situações, quais sejam: aumento prostático, aumento do tônus do esfíncter estriado (geralmente por dor ou medo), estenoses da uretra, obesidade mórbida (com pênis embutido), fimose importante, hipospádias, entre outras condições que, de alguma forma, impedem a visualização/identificação do meato uretral ou promovem estreitamento de alguma porção da uretra masculina. Em mulheres, condições que alteram a anatomia do meato uretral ou da uretra feminina geral- mente são as causas associadas à sondagem difícil. São exemplos dessas situações: atrofia vaginal, obesidade mórbida, radioterapia pélvica, fístulas que envolvem a uretra, cirurgias prévias e distopias genitais ou vesicais. Dentre as várias estratégias usadas para solucionar essas situações incluem: maior lubrificação e anestesia, uso de guia rígido de sondagem, uso de fio guia hidrofílico, sondas para dilatação, son- das de silicone, sondagem guiada por toque retal ou toque vaginal e até mesmo com uretrocistoscopia (preferencialmente flexível). Na falha dessas alternativas, geralmente procede-se a uma cistostomia (introdução da sonda no interior da bexiga através da parede abdominal) que pode ser realizada por punção ou por cirurgia aberta. 3 Complicações Uma das complicações comuns da cateterização vesical é a infecção, que só deve ser tratada quando sintomática. Bacteriúria assintomática dispensa antibioticoterapia, salvo condições subjacen- tes que demandem tratamento. Em caso de sintomas, o tratamento antibiótico não deve exceder 5-7 dias. O uso de profilaxia antibiótica antes, durante e após retirada do cateter é desencorajado, exce- to para situações de risco (por exemplo, imunossupressão, idade avançada, uso de corticoides, etc.). Hematúria microscópica é quase que uma regra em pacientes sondados. Hematúria macroscópica ou uretrorragia podem ocorrer por trauma direto da sonda na uretra ou como consequência de uma infecção. Em homens, o prepúcio, exposto no momento da assepsia e não retraído ao final do procedi- mento, pode sofrer edema importante e ser incapaz de ser retraído posteriormente, situação conheci- da como parafimose. Nesses casos, a redução digital da glande pode ser muito traumática e dolorosa, havendo necessidade de tratamento cirúrgico (postotomia ou postectomia). Outra situação relativamente comum em pacientes sondados por tempo prolongado é a lesão uretral provocada pela presença da sonda. A sonda comprime determinadas porções da uretra, poden- do ocasionar hipospádias (em homens e mulheres), lesões na glande e estenoses de uretra. Sondagem difícil, principalmente em homens, pode ser desafiadora. O manejo inadequado da sonda pode provocar traumas uretrais de graus variados, incluindo lesões uretrais complexas e fal- sos trajetos. Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 141 Por fim, uma complicação incomum é a incapacidade de esvaziamento do balão no momento da retirada da sonda. Isso geralmente ocorre por problemas na válvula ou na via do balão, ou enchi- mento do balão com a mesma seringa utilizada para a instilação da xilocaína geleia, que se cristaliza na via do balão, entupindo-a. Esse problema pode ser resolvido através de uma das alternativas: la- vagem da via do balão com o objetivo de desobstruí-la, e rompimento do balão com (1) a introdução de fio guia resistente na via do balão, (2) uretrocistoscopia, (3) punção supra-púbica ou (4) injeção de 2-3 ml de éter sulfúrico na via do balão. Toque retal Parte essencial do exame físico urológico, o toque retal (ou exame digital da próstata) é realiza- do em indivíduos do sexo masculino, com o objetivo de avaliar a próstata. Entretanto, além da prós- tata, também podem ser avaliados o esfíncter anal (tonicidade), o canal anal e o reto terminal. Como método auxiliar, o toque retal é realizado no estudo bimanual da bexiga e em casos de sondagem ve- sical difícil em homens. 1 Indicações As indicações clássicas para toque retal são: propedêutica da HPB, propedêutica e estadiamen- to clínico do câncer de próstata, patologias inflamatórias da próstata (prostatites), propedêutica de ou- tros diagnósticos diferenciais (tumor de reto, por exemplo) e trauma urológico pélvico envolvendo a uretra e/ou bexiga. O toque retal é fundamental, junto com anamnese dirigida e dosagem do PSA, para a avaliação do paciente com HPB. Nesses casos, o toque retal traz informações importantes no que diz respeito às características da doença, permitindoa mensuração do tamanho aproximado da próstata e a análi- se da consistência, sensibilidade e nodulações da zona periférica. Para o câncer de próstata (CaP), além das características descritas no parágrafo anterior para HPB, a avaliação da presença de nodulações e/ou áreas de endurecimento que ocorrem na zona periférica e são cruciais para a suspeita diagnóstica do CaP e direcionamento da biópsia transretal. Além disso, o toque retal é capaz de definir a extensão da doença, permitindo o estadiamento clínico da doença. Prostatites são processos inflamatórios que acometem a próstata e podem ocorrer tanto em adul- tos jovens, homens de meia idade e idosos. Prostatites em homens mais jovens são sintomáticas (febre alta, prostração, desconforto pélvico e sintomas urinários) e o toque retal demonstra próstata muito sensível e dolorosa, quente e de consistência amolecida (prostatite aguda ou tipo I). Em homens ido- sos, as prostatites são geralmente assintomáticas e o toque retal pode mostrar próstata amolecida, mas indolor e sem sinais flogísticos importantes (prostatite bacteriana assintomática ou tipo IV). Em relação aos traumas urogenitais, aqueles que envolvem a pelve óssea (fratura de bacia em livro aberto) podem levar a lesões muitas vezes graves da bexiga e, principalmente, da uretra. Quando 142 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal ocorrem lesões uretrais complexas por cisalhamento que promovem a ruptura completa da uretra, tan- to a próstata quanto a bexiga (segmento vesicoprostático) se deslocam em direção cefálica e a próstata assume posição anatômica anômala, fora da sua topografia habitual. Desse modo, o toque retal permi- te a suspeita diagnóstica dessas alterações, onde o dedo do examinador não é capaz de tocar a prósta- ta, mas sim a loja prostática ocupada por um hematoma. Além disso, o reto e o esfíncter anal também podem ser avaliados. Sangue e espículas ósseas podem ser encontradas dentro da luz retal, determi- nando a lesão do reto, e a hipotonicidade do esfíncter pode sugerir um trauma raquimedular associado. 2 Posição do paciente O toque retal é melhor executado com o paciente em ortostase e curvado sobre a mesa de exa- me, ou na posição de prece maometana (genuflexão). Outras posições também cabíveis são o decú- bito lateral e o decúbito dorsal. Na posição de ortostase, o paciente deve se posicionar com as coxas próximas à mesa de exa- me, com os pés separados a uma distância de aproximadamente 45 cm e os joelhos discretamente fle- xionados. Ele deve então se curvar em 90 graus sobre a mesa ou maca de exame, até que seu tórax repouse sobre os antebraços. As vantagens dessa posição incluem o relativo conforto para o paciente e para a mão/dedo do examinador (em pronação). A posição de genuflexão, também dita posição de prece maometana, é bem adequada à realiza- ção do toque retal, porque essa posição facilita o acesso do dedo do examinador à próstata (em prona- ção). Além disso, a posição em genuflexão permite a fácil inspeção da região perianal e do esfíncter anal, às vezes importantes para a propedêutica e diagnósticos de patologias da região anal e perianal (condiloma acuminado e hemorroidas, por exemplo). Contudo, ela traz desconforto ao paciente, que muitas vezes se sente constrangido ao assumi-la. A posição em decúbito lateral com os membros inferiores fletidos fornece bom acesso do dedo do examinador à próstata e permite exame ectoscópico adequado. Embora o examinador tenha que trabalhar com a mão/dedo lateralizados, ela é bastante confortável ao paciente. Por fim, o decúbito dorsal com as pernas fletidas e abduzidas (posição ginecológica) pode ser utilizado para o toque retal. É também confortável ao paciente, mas tem como desvantagens a inspe- ção limitada da região anal e perianal, e a maior dificuldade de alcance do dedo do examinador à prós- tata, principalmente em pacientes obesos. Todas as posições aqui descritas estão demonstradas na Figura 5. Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 143 Figura 5 – Posições para a realização do toque retal 3 Técnica O toque retal deve ser realizado ao término do exame físico, não costuma durar mais que 30 se- gundos e não gera grandes desconfortos ao paciente. Ao médico cabe calçar luvas de procedimento (não são necessárias luvas estéreis) e lubrificá-las generosamente. Por conta da brevidade do exame, o uso de gel lubrificante anestésico não tem valor es- tabelecido. Quando em decúbito dorsal, ao iniciar o exame, o médico deve repousar a palma da mão não dominante sobre o abdome inferior do paciente de maneira a contê-lo e causar-lhe contrapressão gentil. O exame em si se inicia com o afastamento das nádegas e inspeção estática e dinâmica do ânus. Inicialmente projeta-se apenas uma falange do dedo indicador para permitir tempo de relaxamento e acomodação do mesmo, prosseguindo-se então a introdução do dedo até que a próstata seja alcança- da. A avaliação de tônus esfincteriano deve ser realizada no momento em que a porção inicial do dedo indicador (primeira falange) é introduzida. A próstata então deve ser “varrida”. Nesse momento são avaliados o tamanho, a consistência, a sensibilidade e a pesquisa de nódulos ou áreas de endurecimento na zona periférica. Normalmente, a próstata tem o diâmetro de uma castanha, a consistência semelhante à oposição do polegar com o dedo mínimo, e é indolor ao toque. Além da próstata, deve se examinar toda a circunferência retal em busca de sinais sugestivos de malignidades ou outras doenças anorretais (Figura 6). 144 - Capítulo VIII | Sondagem vesical e toque retal Figura 6 – Toque retal em posição de ortostase (em pé com o tronco fletido) Se necessário e disponível, o conteúdo de fezes em dedo de luva deve ser utilizado para cultura com intuito de detectar patologias gastrointestinais. É mandatório oferecer ao paciente lenços, sabão e toalhas para higienização após o exame e, de bom alvitre por parte do médico, que se retire por alguns instantes, permitindo ao paciente que se recomponha para conclusão da consulta. Leitura recomendada TAILLY, Thomas; DENSTEDT, John D. Fundamentals of urinary tract drainage. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia: Saunders, 2015.Cap 6, p. 119-135. Seção III PAtologIAS não neoPláSIcAS e trAumA Capítulo IX – Infecções do Trato Urinário Inferior, 146 Luccas Santos Patto de Goes Capítulo X – Infecções do Trato Urinário Superior, 155 Wellington Rodrigues Porciúncula Junior Capítulo XI – Litíase urinária, 165 Nelson Gaspar Dip Júnior Capítulo XII – Hiperplasia benigna da próstata, 182 Eduardo Hidenobu Taromaru Capítulo XIII – Fimose e parafimose, 195 Luccas Santos Patto de Goes Capítulo XIV – Hidrocele e varicocele, 202 Felipe Guilherme Hamoy Kataoka Capítulo XV – Disfunção erétil, 208 Thiago Seiji Carvalho da Silveira Capítulo XVI – Ejaculação precoce, 220 Thiago Seiji Carvalho da Silveira Capítulo XVII – Déficit androgênico do envelhecimento masculino, 225 José Vinícius de Morais Capítulo XVIII – Priapismo, 231 Wellington Rodrigues Porciúncula Junior Capítulo XIX – Incontinência urinária, 239 Jose Carlos Losito Paiva da Fonseca Junior Capítulo XX – Urgências urológicas não traumáticas, 247 Octavio Henrique Arcos Campos Capítulo XXI – Trauma urogenital, 265 Eder Oliveira Rocha Capítulo XXII – Doenças Sexualmente Transmissíveis, 284 Rodolfo Anísio Santana de Torres Bandeira e Daniel Cernach Ayres Capítulo XXIII – Interpretação clínica do PSA, 306 Nelson Gaspar Dip Júnior VOLTAR SEÇÃO I SEÇÃO II SEÇÃO IV cAPítulo Ix Infecções do Trato Urinário Inferior Luccas Santos Patto de Goes VOLTAR 147 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior Introdução Infecção do trato urinário baixo (ITU baixa) é definida como uma resposta inflamatória do uroté- lio do trato urinário inferior frente à invasão bacteriana. Gera sintomas urinários como disúria, polaciú- ria e urgênciamiccional, mas não cursa com febre. Essa patologia deve ser diferenciada da bacteriúria assintomática, que, por definição, é a presença de bactérias na urina na ausência de sintomas urinários (nesses pacientes, a urocultura também pode estar positiva). Além disso, ITU baixa também deve ser distinguida de ITU alta (pielonefrite aguda, por exemplo), que, além dos sintomas mencionados, tam- bém apresentará febre e dor lombar com sinal de Giordano positivo. É definida laboriatorialmente como a presença de leucócitos e bactérias no exame de urina tipo I (piúria e bacteriúria, respectivamente), associada a urocultura positiva para o patógeno em questão. ITU baixa é condição muito frequente e geralmente apresenta curso benigno e autolimitado. Em alguns casos, podem ocorrer quadros de ITU alta por ascenção bacteriana ao trato urinário superior. 1 Epidemiologia ITU baixa é o tipo de infecção mais comum na prática clínica, gerando cerca de 7 milhões de consultas por ano nos EUA, com 100.000 internações. É responsável por 1,2% das consultas em mu- lheres e 0,6% em homens. Acomete preferencialmente mulheres (30 x mais que homens), sendo que destas, 30% apresentam a doença com ate 24 anos de idade. Cinquenta por cento das mulheres apre- sentarão pelo menos um episódio de ITU baixa durante a vida. É de baixa incidência antes puberda- de, com aumento progressivo com o início da atividade sexual. Após este período, a incidência média é de 1-2% por ano, significando, portanto, que o avançar da idade aumenta progressivamente o risco de ITU baixa, principalmente em mulheres (Figura 1). Em homens é incomum, mas o crescimento prostático é o principal fator responsável pelo aumento da incidência de ITU após os 50 anos de vida, chegando a se equiparar com as taxas em mulheres. As recorrências podem ser comuns principalmente em mulheres, sendo que sua proporção se ele- va de acordo com o número de infecções subsequentes. A taxa de cura espontânea varia de 57- 80%. ITU recorrente (ou de repetição) é definida como 3 ou mais infecções em 6 meses ou 4 ou mais episódio em 1 ano e, comumente, há um fator desencadeador do quadro. Mesmo em situações de re- corrência, os danos ao trato geniturinário em longo prazo não ocorrem ou são mínimos, e certamente não ocorrerá lesão renal em quadros de ITU baixa. Luccas Santos Patto de Goes - 148 Figura 1 – Prevalência de ITU em mulheres em relação à idade 2 Patogênese O germe mais comum associado à ITU baixa é a E. coli, que ocorre em 85% dos casos e é pro- veniente do reservatório intestinal humano. A infecção se dá pela ascensão bacteriana à parede e in- tróito vaginal, seguindo pela uretra até se alojar na bexiga (via ascendente). Em ambiente hospitalar, outras bactérias passam a ter importância maior, sendo este fato variável de acordo com a microbiota da instituição em questão. A Figura 2 mostra os agentes bacterianos mais comuns envolvidos. 149 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior Figura 2 – Principais agentes etiológicos causadores de ITU baixa Outras vias de infecção como a hematogênica e a linfática também podem promover ITU bai- xa, mas são muito incomuns. O conhecimento dos fatores de virulência associados ao agente bacteriano e dos mecanismos de defesa do hospedeiro são de fundamental importância para o manejo da infecção. Os fatores de virulência mais importantes são: a capacidade de adesão das bactérias ao urotélio vesical, a receptividade do epitélio vesical e a presença de biofilme. O processo de adesão bacteriana ocorre através da produção de adesinas (fimbrias) pelo micror- ganismo. As cepas que possuem fímbrias (fimbriadas) têm maior facilidade para adesão. Fímbrias tipo 1 favorecem a adesão ao urotélio da bexiga (ITU baixa), enquanto que fímbrias (ou pili) do tipo P (pielonefritogênicas) são aquelas que permitem maior facilidade de adesão ao trato urinário superior. Outro fator que influi na virulência do agente é a receptividade do epitélio. O urotélio é um epi- télio impermeável, fator que dificulta a adesão bacteriana. Assim, para que a bactéria penetre nas cé- Luccas Santos Patto de Goes - 150 lulas do epitélio urotelial, uma ligação molecular deve ocorrer entre ambas. No interior do citoplasma celular, as bactérias se multiplicam e se desenvolvem em comunidades estruturadas, coordenadas e funcionais (Figura 3). Neste cenário urotelial intracelular, a ação dos antimicrobianos fica prejudicada pela pouca penetração destas substãncias. Quando a proliferação bacteriana atinge um pico de repli- cação, ocorre a lise celular e as bactérias deixam o interior da célula urotelial para atingirem o interior (luz) da bexiga, perpetuando a infecção. Figura 3 – Biofilme. Note, à esquerda, o grande número de bactérias se multiplicando no interior da célula urotelial. À direita, observe o rompimento da célula urotelial com a liberação das bactérias para o interior da bexiga Defesas naturais do organismo são importantes para evitar a instalação da infecção ou combater uma ITU baixa já instalada. O principal fator protetor é a micção, porque o ato de urinar promove ou clearance bacteriano, carreando as bactérias para fora do organismo antes de aderirem. Ainda, o pH urinário ácido, a presença de ureia, ácidos orgânicos e proteína de Tamm-Horsfall na urina também progetem o urotélio porque impedem o crescimento e a adesão bacteriana. A presença de lactobacilos no introito vaginal e uretra distal competem com os patógenos causadores de ITU. Além disso, a pre- sença de estrógeno e o pH vaginal também proporcionam um meio hostil às bactérias. Alterações nos mecanismos de defesa, como a obstrução infravesical e o refluxo para o trato urinário alto facilitam a infecção. Patologias ou situações como diabetes mellitus, gota, anemia falci- forme e idade avançada também podem elevar as taxas de ITU baixa. A gestação gera um ambiente propício à infecção bacteriana. Em média, 4-7% das gestantes apresentam bacteriúria assintomática, e destas, 25-35% desenvolvem pielonefrite aguda se não trata- das. Isso ocorre pela alteração do pH vaginal, dilatação ureteral decorrente da presença de progeste- rona (alteração da contração ureteral) e da obstrução mecânica do útero sobre o ureter. Outra patologia que altera estes mecanismos é a bexiga neurogênica, que prejudica o esvazia- mento vesical, principalmente quando acompanhada de dissinergismo vesico-esfincteriano, que ele- va a pressão intravesical e pode permitir a ascenção desses patógenos. 151 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior 3 Diagnóstico Primeiramente, deve-se avaliar o quadro clínico do paciente que pode envolver disúria, polaciú- ria e urgência miccional. Hematúria macroscópica terminal também pode ocorrer como consequência da contração do trígono e colo vesical inflamados. A presença de febre indica infecção do trato alto. Os exames complementares inicialmente solicitados são a urina tipo I (leucocitúria, hematúria, bacteriúria presentes e nitrito positivo) e a urocultura. Leucocitúria ocorre frente a qualquer dano ao trato geniturinário. Leucocitúria associada a sin- tomas tem 80-95% de sensibilidade e 50-76% de especificidade para diagnóstico de ITU. Leucocitúria (piúria) positiva com urocultura negativa define o conceito de piúria estéril que pode estar associada à tuberculose, à litíase urinária ou a tumor urológico. A hematúria macro ou microscópica está presente em 40-60% das ITU. Quando associada à bac- teriúria, sua especificidade para infecção urinária se eleva consideravelmente. De importância relevante para o diagnóstico, a urocultura demonstra, além da presença de infec- ção, o microrganismo responsável e sua sensibilidade aos principais antibióticos utilizados para trata- mento (antibiograma). Mesmo na presença de ITU instalada, uroculturas podem ser negativas em até 20% dos casos (falso-negativos), principalmente por conta de hiperidratação. Exames falso-positivos podem ocorrerpor contaminação do meio externo. A coleta de urina para análise pode ser feita através do jato urinário médio ou punção suprapú- bica. Em culturas do jato médio, a presença de 102 e 105 UFC/ml indica infecção em mulheres sinto- máticas e em homens, respectivamente. Já pela punção suprapúbica, o achado de qualquer número de bactérias indica infecção, porque a urina armazenada no interior da bexiga é estéril em condições fisiológicas. A técnica da punção consiste em inserir uma agulha ou jelco na linha média do abdome, logo acima da sínfise púbica, num ângulo cefálico de 20º, após assepsia correta do local e aspirar urina para análise (Figura 4). Os exames de imagem ficam reservados para presença ou suspeita de complicações que serão discutidos no capítulo de ITU alta. Os exames de imagem mais usualmente utilizados são o US de rins e vias urinárias e a TC de abdome. Luccas Santos Patto de Goes - 152 Figura 4 – Técnica de punção suprapúbica. Note a região anatômica correta de punção (desenho inferior) e angulação cefálica da agulha de punção (desenho superior) 4 Tratamento O tratamento da ITU baixa tem como objetivo primordial a erradicação do microrganismo causa- dor com antibióticos. Um antibiótico ideal deve ter as seguintes características principais: sensibilida- de para o agente, altas concentrações urinárias, facilidade de administração, poucos efeitos colaterais, tratamento por tempo curto e baixo custo. Para a erradicação efetiva do agente etiológico, níveis uri- nários do antibiótico devem ser maiores que a concentração inibitória mínima (CIM) capaz de inibir o crescimento bacteriano. A concentração plasmática não tem relevância para ITU baixa, ganhando importância para infecções altas e complicações. A resistência bacteriana é uma realidade nos dias atuais, principalmente devido ao uso indiscri- minado de antibióticos. Temos, basicamente, 3 tipos de resistência desenvolvidas ou herdadas pelo agente etiológico, a saber: • Herança autossômica – é uma resistência natural, onde o patógeno está fora do espectro de ação da droga. • Adquirida por resistência cromossômica – seleção natural por uso indiscriminado prévio da droga. • Adquirida mediada por plasmídeo – compartilhamento de material genético (plasmídeo) en- tre as cepas, com transmissão de genes de resistência. 153 - Capítulo IX | Infecções do Trato Urinário Inferior Existem diversas classes de drogas consideradas adequadas para o tratamento da ITU baixa. As mais utilizadas são as quinolonas, a macrodantina, as cefalosporinas e as sulfas. O tempo de tratamen- to pode variar, sendo que em mulheres hígidas apresentando ITU baixa não complicada, o uso de anti- bióticos por 3 dias é suficiente e efetivo. Para homens, o tratamento não deve ser menor que 5-7 dias. 5 Profilaxia Antes da discussão sobre profilaxia, alguns conceitos importantes precisam ser definidos: os ti- pos de ITU de repetição e as formas de utilização dos antibióticos. Existem basicamente 2 tipos de ITU de repetição (ou recorrente): aquele causado por persis- tência bacteriana (isto é, a despeito do tratamento, a bactéria persiste viável e não tratada) ou aqueles oriundos de reinfecção (isto é, a bactéria é debelada e reinfecta o hospedeiro). No primeiro caso (per- sistência bacteriana), é obrigatória a investigação detalhada do trato urinário a procura de anomalias (litíase obstrutiva, cálculo coraliforme, HPB). No segundo caso (reinfecção), as reinfecções podem ser provocadas pelo mesmo ou por outro microorganismo. Em relação ao uso de antibióticos, existem 3 formas de emprego: • Antibioticoterapia – emprego do antibiótico para fins de tratamento, ou seja, da erradicação do agente etiológico e da infecção. • Antibioticoprofilaxia (ou profilaxia antibiótica) – emprego do antibiótico com o objetivo de diminuir reinfecções, isto é, o uso do antibiótico em indivíduos livres de infecção para pre- veni-las. Exemplo: mulher com ITU baixa de repetição por reinfecção. • Antibioticossupressão – uso do antibiótico com o intuito de evitar complicações, mas não de erradicar a infecção. Exemplo: mulher com cálculo coraliforme completo e ITU alta de repetição. Nesse caso, o uso do antibiótico tem a finalidade de evitar a disseminação bacte- riana e suas complicações. A erradicação do agente só será alcançada com o tratamento ci- rúrgico e remoção do cálculo. Em caso de ITU de repetição por reinfecção não complicada, a profilaxia com ¼ a ½ da dose de antimicrobianos pode ser utilizada. Existem 3 tipos de profilaxia antibiótica: (1) quimioprofilaxia prolongada, (2) automedicação orientada e (3) profilaxia pós-coito. A quimioprofilaxia prolongada pode ser feita diariamente ou em dias alternados, por perío- dos prolongados (6 a 12 meses) objetivando um controle das recorrências. A quimioprofilaxia possui eficácia de 95%, porém, após seu término, as chances de reinfecções serão as mesmas que aquelas pré-tratamento. A automedicação orientada é um tratamento feito em dose e tempo usual para tratamento de um ITU baixa não complicada. A paciente mantém a medicação consigo e, aos primeiros sintomas mic- cionais, inicia o tratamento. Essa estratégia de tratamento só deve ser feita em mulheres que enten- dam a doença, o objetivo do tratamento e as orientações médicas. Luccas Santos Patto de Goes - 154 A terceira forma é a profilaxia pós-coito. Está bem estabelecida uma forte correlação entre ITU e relações sexuais em mulheres. Logo, pode-se orientar o uso de uma dose de antibiótico após o ato sexual em mulheres com ITU de repetição, a fim de se evitar novos episódios. A profilaxia com antimicrobianos para procedimentos urológicos deve ser iniciada entre 30 a 120 minutos antes do início do procedimento, sendo mantida por um período de até 24 horas ou até a retirada da sonda vesical de demora, a fim de prevenir ITU em procedimentos invasivos. Esse tipo de profilaxia deve ser utilizado em cirurgias urológicas em geral, biópsia de próstata e litotripsia ex- tracorpórea. Não devemos utilizá-la em casos simples como, por exemplo, a troca de uma sonda ve- sical de demora. 6 Bacteriúria assintomática Pacientes com ITU instalada devem ser sintomáticos. Bacteriúria assintomática ocorrem quan- do bactérias estão presentes em exame de urina e/ou urocultura positiva em pacientes assintomáti- cos. Apenas devemos tratar essa condição em gestantes (risco de prematuridade, ascenção da infecção com pielonefrite e sepse materna) e em casos onde houve anteriormente uma manipulação cirúrgica do trato geniturinário. Em todas as demais situações (principalmente em idosos), a bacteriúria assintomática não deve ser tratada devido à baixa virulência destas cepas, com intuito de evitar uma futura resistência cro- mossômica adquirida por seleção natural. Leitura recomendada ANTHONY J. et al. Infections of the urinary Tract. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia: Saunders, 2015. CAI, T. et al. The role of asymptomatic bacteriuria in young women with recurrent urinary tract in- fections: to treat or not to treat? Clin Infect Dis, v. 55, n. 6, Sept. 2012. Disponível em: <http://www. ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22677710> <https://doi.org/10.1093/cid/cis534>. Acesso em: 05 set. 2018. GRABE, M. et al. Guidelines on urological infections 2015. European Association of Urology. Disponível em: <https://uroweb.org/wp-content/uploads/19-Urological-infections_LR2.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018. NABER, K. G. (Ed.) et al. Urogenital Infections. European Association of Urology, 2010. Disponível em: <http://www.icud.info/urogenitalinfections.html>. < http://www.icud.info/PDFs/ICUD%20 Urogenital%20Infections.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018. NGUYEN, Hiep T. Bacterial infections of the urinary tract. In: McANINCH, Jack; LUE, Tom F. (Ed.). Smith and Tanagho’s General Urology (Smith’s General Urology). 18th ed. New York: McGraw-Hill Medical, 2013. cap. 14. SHOSKES, D. Urinary tractinfections retrieved from: The American Urological Association Educational Review Manual in Urology. 3rd ed. 2011. p. 737-766. Chapter: 23. cAPítulo x Infecções do Trato Urinário Superior Wellington Rodrigues Porciúncula Junior VOLTAR 156 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior Introdução Infecções do trato urinário alto (ITU alta) são menos frequentes que infecções que acometem a bexiga (ITU baixa – cistites). Quando ocorrem, são mais graves para o paciente e de mais difícil ma- nejo urológico, principalmente por conta da grande variedade de apresentação clínica. Sintomas clássicos de ITU alta incluem febre, calafrios e dor lombar, que podem não estar presen- tes em todos os casos, nem mesmo indicar severidade ou gravidade. Também, os achados de imagem não estão diretamente relacionados à gravidade dos casos. Por exemplo, uma paciente imunossupri- mida por diabetes mellitus pode apresentar um quadro de evolução muito grave e letal sem apresen- tar febre ou alterações de imagem importantes. A principal entidade clínica é a pielonefrite (aguda, enfisematosa, xantogranulomatosa), mas abscessos que acometem o rim e suas imediações, pionefroses e outras condições menos comuns po- dem caracterizar uma ITU alta. Pielonefrite aguda (PNA) É uma condição patológica de diagnóstico clínico com apresentação variada. A apresentação clássica da PNA se dá pelo início súbito de calafrios, febre ≥ 37.9ºC, dor no flanco ou lombar uni ou bilateral. Estes sinais/sintomas podem estar associados à disúria, aumento da frequência urinária e urgência. O diagnóstico clínico é dado pela história clínica que claramente inclui os achados acima, além de sinal de Giordano positivo. Esse sinal é característico de processos inflamatórios/infecciosos que acometem o trato urinário superior, principalmente o rim e a pelve renal. Contudo, outras condições patológicas podem simular sinal de Giordano positivo (Herpes zoster no dermátomo lombar, absces- so de psoas, tumores renais grandes com necrose central, entre outros). 1 Diagnóstico laboratorial Exames de sangue podem revelar hemograma com leucocitose e predominância de neutrófilos, aumento na velocidade de hemossedimentação (VHS), níveis elevados de proteína C reativa (PCR) e creatinina (se insuficiência renal estiver presente). Além disso, o clearance de creatinina pode dimi- nuir, hemoculturas podem ser positivas, exame de urina tipo I pode revelar numerosos leucócitos (com ou sem hematúria) e urocultura geralmente positiva identificando o agente etiológico. 2 Bacteriologia Culturas de urina são positivas na quase totalidade dos casos. Contudo, por volta de 20% dos pacientes apresentam urocultura cultura negativa. É importante pontuar que uroculturas que demons- trem o agente etiológico em número menor que 100.000 unidades formadoras de colônias por mililitro Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 157 de urina (UFC/ml) são consideradas negativas. Escherichia coli (E. coli) é o principal agente bacteria- no envolvido e está presente em 80% dos casos. Isso se deve aos fatores de virulência presentes nes- se subgrupo, principalmente o pili P (pielonefritogênico), que permite a adesão da bactéria ao epitélio da pelve e parênquima renal. Espécies mais resistentes podem estar presentes (Proteus, Klebsiella, Pseudomonas, Serratia, Enterobacter ou Citrobacter) e devem ser suspeitadas em pacientes com ITU recorrentes, hospitalizados ou com cateteres internos, bem como naqueles que necessitaram de ins- trumentação do aparelho urinário recente. Outras espécies de bactérias Gram-positivas como E. fae- calis, S. epidermidis e S. aureus raramente causam pielonefrite. Hemoculturas são positivas em quase 25% das PNAs não complicadas em mulheres, mas este fato não influencia a decisão terapêutica. Hemoculturas ficam reservadas para pacientes com necessidade de hospitalização ou com fatores de risco associados (gravidez, por exemplo). 3 Ultrassom renal e tomografia computadorizada Esses exames geralmente são solicitados quando não existe melhora do quadro após 72 horas de antibioticoterapia adequada. Eles podem evidenciar um aumento renal, parênquima atenuado ou hipo- ecoico e uma compressão do sistema coletor. Além disso, a TC pode demonstrar um fator obstrutivo (cálculo ureteral, por exemplo) e outras complicações como pionefrose e abscesso renal associados. Se contraste for utilizado, ele pode não ser excretado pelo rim acometido pelo processo infeccioso (edema parenquimatoso), condição conhecida como exclusão funcional renal. 4 Diagnóstico diferencial Doenças que podem causar algum grau de dor semelhante ao da pielonefrite devem ser elenca- dos. Patologias como apendicite aguda, diverticulite e pancreatite podem causar dor lombar, mas de características diferentes daquelas da PNA. Outras doenças podem representar um desafio para o diag- nóstico diferencial porque, embora não acometam o rim e a pelve renal, cursam com sintomas mui- to semelhantes e, como já mencionado acima, com sinal de Giordano positivo. O herpes zoster pode causar dor superficial na região lombar, mas não está associado a sintomas de ITU, e o diagnóstico será feito por inspeção quando as erupções bolhosas e dolorosas surgirem. Na grande maioria dessas doenças, o exame de urina é normal e a urocultura negativa. 5 Manejo inicial Inicialmente deve-se diferenciar PNA não complicada, que geralmente não requer hospitaliza- ção, da PNA complicada, que requer internação e intervenção cirúrgica urológica. Fatores compli- cadores de uma PNA são representados por obstrução e estase urinária, abscessos, imunossupressão, gestação e comorbidades associadas. Um outro fator complicador são as anomalias do trato urinário, 158 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior que podem dificultar a drenagem adequada no sistema coletor. Anomalias urológicas são encontradas em aproximadamente 16% dos casos de PNA. PNA não complicada pode ser de tratamento hospitalar ou ambulatorial. Casos de evolução mais precoce em pacientes hígidos e que se apresentam em bom estado geral podem ser tratados com anti- bióticos por via oral, em regime ambulatorial. Contudo, portadores de PNA não complicada de evolu- ção mais prolongada e que cursam com febre alta, desidratação, prostração e mal estado geral devem ser internados para antibioticoterapia parenteral. Fatores complicadores (PNA complicada) sempre exigem internação e, geralmente, uma intervenção cirúrgica. Em pacientes com diagnóstico de PNA não complicada candidatos à tratamento ambulatorial, uma avaliação radiológica inicial não é mandatória. Já em casos de PNA complicada ou suspeita, o exame preconizado é a tomografia computadorizada sem contraste, que permite uma excelente ava- liação do trato urinário, da gravidade e extensão da infecção. Em situações específicas, o uso do con- traste pode ser necessário. Para tratamento ambulatorial, a droga de escolha é uma fluoroquinolona por 7-10 dias. Na sus- peita de microrganismos Gram-positivos, a amoxicilina ou amoxicilina/clavulanato é a droga reco- mendada. Uma dose parenteral de antibiótico pode ser administrada, porém não existe consenso se essa conduta tem benefícios. Para o paciente que necessita de internação, exames de imagem são sempre necessários, assim como os exames laboratoriais recomendados e descritos anteriormente nesse capítulo. Os antibióticos recomendados por via parenteral incluem as fluoroquinolonas, aminoglicosídeos com ou sem ampici- lina ou uma cefalosporina de terceira geração com ou sem aminoglicosídeo. Na suspeita de bactérias Gram-positivas, ampicilina/sulbactam com ou sem aminoglicosídeo é o antibiótico recomendado. O período adequado de tratamento é de 14-21 dias. Havendo melhora do quadro (clinicamente estável) nas primeiras 72 horas e ausência de fator complicador, o paciente poderá receber alta hospitalar e completar o tratamento em regime ambulatorial. Naqueles com obstruçãodo trato urinário a drenagem deve realizada da maneira mais simples e eficaz possível, visto que o rim obstruído tem dificuldade em concentrar e excretar o agente antibiótico. Quando a resposta ao tratamento inicial é lenta, parcial ou ausente, uma reavaliação imediata é mandatória. Culturas de urina e sangue devem ser repetidas e a troca do antibiótico orientada pelo an- tibiograma. Uma TC deve ser realizada em busca de complicações como abscessos, anomalias ana- tômicas ou fator obstrutivo não suspeito. O uso de contraste não é necessário para o diagnóstico, mas quando utilizado pode demostrar alterações funcionais como diminuição do fluxo sanguíneo renal, atraso na função de pico e na excreção do radioisótopo, além de defeitos corticais associados ao re- fluxo vesicoureteral. O seguimento do paciente é obrigatório. Uma urocultura por volta do sexto dia é preconizada para confirmar que o trato urinário está livre de infecção. Entre 10 e 30% dos pacientes apresentarão Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 159 uma recaída e necessitarão de um novo curso de terapia por 14 dias. Em alguns casos, o tratamento com antibióticos pode se prolongar por até 6 semanas. Nefrite bacteriana aguda focal ou multifocal (NBA) É uma infecção renal aguda grave e incomum com um infiltrado leucocitário exuberante confinado a um (focal) ou a vários lobos renais (multifocal). Clinicamente tem apresentação semelhante à da PNA, porém é mais severa. Metade dos pacientes é diabética e a sepse é comum. Bactérias Gram- negativas geralmente são as responsáveis e quase 50% apresentam bacteremia. Existem evidências que sugerem que a NBA seria o ponto médio da evolução entre a PNA e o abscesso renal. Avaliação por imagem é necessária e define o diagnóstico. No ultrassom, a lesão geralmente é mal delimitada, marginada e hipoecogênica. Na TC o uso de contraste é necessário, pois a lesão é de difícil visualização se o contraste não for utilizado. Áreas sólidas em forma de cunha com pouco real- ce são identificadas no parênquima renal. O tratamento inclui medidas de suporte e antibioticoterapia parenteral por pelo menos 7 dias, seguidos de mais 7 dias de antibiótico via oral. Na falta de resposta, novos exames devem ser reali- zados a fim de descartar complicações como uropatia obstrutiva, abscesso renal ou perirrenal, tumor renal ou trombose aguda da veia renal. Pielonefrite enfisematosa (PNE) É uma urgência urológica caracterizada por infecção necrotizante do parênquima renal causada por uropatógenos formadores de gás. Sua patogênese é pouco conhecida. A taxa global de mortalida- de relatada está entre 19% e 43%. É incidente em diabéticos e muito rara em não diabéticos. Diabetes juvenil parece não ser fator de risco. É mais comum em mulheres. Usualmente, apresenta-se com uma PNA grave, onde a maioria dos pacientes exibe a clássica tríade de febre, vômitos e dor lombar. E. coli é a principal bactéria identificada, porém outros orga- nismos menos comuns como Klebisiella e Proteus podem estar presentes. O diagnóstico é confirmado através de exames de imagem que mostram a presença de gás no parênquima renal. À medida que a infecção progride, o gás se estende para o espaço perirrenal e re- troperitônio. O principal diagnóstico diferencial é a pielite enfisematosa que se traduz pela presen- ça de gás na via coletora (pelve renal), geralmente em pacientes não diabéticos e com quadro clínico mais ameno e não letal. O ultrassom geralmente sugere a presença de gás no interior do parênquima renal, que é confir- mada pela TC, exame de escolha para definir a extensão e a gravidade do processo. A presença de gás disposto de forma irregular ou a presença de gás em bolhas está associada a uma destruição rápida do parênquima e altas taxas de mortalidade (50-60%). 160 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior Logo, trata-se de uma emergência urológica que deve ser conduzida com medidas para sepse, pois a grande maioria dos pacientes está séptica no momento do diagnóstico. Nefrectomia é manda- tória se não há mais função renal e se não há resposta satisfatória ao antibiótico nas primeiras horas. Havendo obstrução da via coletora, esta deve ser imediatamente solucionada. Abscesso renal (ou carbúnculo) É uma coleção organizada de material purulento confinado ao parênquima renal. O paciente acometido por abscesso renal tem história de doença (PNA, por exemplo) ou obstrução renal prévia (cálculo obstrutivo associado à infecção, por exemplo), sem predomínio de gênero ou lateralidade. O organismo típico é uma bactéria Gram-negativa, que acessa o rim por via ascendente. Carbúnculo é um termo utilizado quando o abscesso renal é causado por Stafilococos por via hematogênica, que era responsável por 80% dos casos antes da descoberta dos antibióticos. Além da tríade clássica, perda de peso ocasionalmente está presente na apresentação clínica. História prévia de 1 a 8 semanas de infecção por Gram-positivos ou PNA/outra ITU por Gram-negativos comumente estão presentes, ainda mais quando há fatores complicadores como estase, litíase, gravidez ou diabetes tipo II. Tipicamente, o paciente apresenta hemograma com leucocitose. Piúria e bacteriú- ria não estão presentes, exceto quando há comunicação do abscesso com sistema coletor. Urocultura, hemocultura e cultura do abscesso pode identificar o agente etiológico em 13-15% dos casos. Após suspeição clínica de uma coleção purulenta no interior do parênquima renal, deve-se pro- ceder sua confirmação com estudos de imagem. O US renal pode mostrar uma lesão hipoecoica e de margens indeterminadas na fase aguda que, posteriormente, se tornará bem definida. A diferenciação entre abscesso e massa tumoral muitas vezes pode ser impossível. A TC, quando disponível, deve ser o exame de escolha, pois proporciona excelente delineamento do abscesso tanto antes quanto após o uso de contraste intravenoso. Na persistência de dúvida diagnóstica uma biópsia por agulha fina guia- da deve ser realizada. Embora o tratamento clássico do abscesso seja a drenagem cirúrgica aberta ou percutânea, para lesões menores que 3 cm (ou menores que 5 cm em pacientes estáveis) um tratamento conservador com antibiótico intravenoso e observação clínica cursa com bons resultados. Na ausência de resposta ao tratamento clíni co ou em abscessos maiores que 5 cm, a drenagem cirúrgica é mandatória. A anti- bioticoterapia empírica depende da fonte de infecção suspeita. Quando o agente etiológico é Gram- positivo instalado por via hematogênica, uma penicilina de largo espectro ou vancomicina são as drogas de escolha. Se suspeita-se de infecção por Gram-negativo instalado por via ascendente, as opções mais adequadas são cefalosporinas de terceira geração, aminoglicosídeos ou penicilinas anti-Pseudomonas. Exames de imagem seriados devem ser realizados até resolução do abscesso. Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 161 Hidronefrose infectada e pionefrose Hidronefrose infectada é infecção bacteriana que ocorre em um rim hidronefrótico. O termo pionefrose refere-se à hidronefrose infectada associada à destruição supurativa do parênquima renal (presença de pus), onde existe perda total ou quase total de função renal. Geralmente é difícil deter- minar quando termina uma e inicia outra. Clinicamente, o paciente apresenta sinais graves de infecção, febre alta, desidratação, prostra- ção, dor em flanco e sinal Giordano positivo. Contudo, nem todos esses sintomas podem estar presen- tes e o paciente pode relatar apenas uma leve dor no flanco associado a sintoma gástrico leve ou vago. Além disso, pode não ocorrer bacteriúria, se houver completa obstrução do trato urinário. Logo, uma história em busca de fatores complicadores é importante, principalmente sobre litíase. Os achados de ultrassom incluem a presença de hidronefrose e níveis de debris no sistema cole- tor dilatado. Na TC, além do sistema coletor dilatado, podem ser identificadosaumento da espessura da pelve renal, infiltração da gordura perirrenal e estrias nefrográficas. O tratamento consiste na anti- bioticoterapia adequada e drenagem do sistema coletor quando necessário. Após estabilização clínica do paciente, o tratamento definitivo da causa da obstrução deve ser instituído. Abscesso perirrenal Usualmente resulta de uma ruptura de um abscesso agudo localizado na cortical do rim, com in- filtração do espaço perinefrético, ou por via hematogênica, responsável por um terço dos casos. Nesse último caso, a fonte da infecção é a pele na grande maioria dos casos. Além disso, quase um terço dos pacientes são portadores de diabetes mellitus. Quando há ruptura da fáscia de Gerota e o abscesso estende-se a tecidos vizinhos, passa a ser chamado de abscesso paranefrético. Entretanto, a ruptura da Gerota raramente ocorre. Desse modo, abscessos paranefrético se originam, primariamente, de processos infecciosos de órgãos vizinhos e que mantêm relação anatômica com os rins, como o pâncreas, o intestino ou cavidade pleural. As princi- pais bactérias envolvidas são E. coli, Proteus, e S. aureus. A apresentação clínica é semelhante à da PNA, porém com início insidioso e sintomas presentes por mais de 5-7 dias. Quase metade dos pacientes pode estar afebril e uma massa pode ser palpável na região lombar. O diagnóstico diferencial com abscesso de psoas deve ser lembrado, principalmente quando o sinal do psoas é positivo. O abscesso perinefrético deve ser suspeitado quando não há res- posta após 3 a 4 dias de antibioticoterapia adequada para tratamento de uma PNA. Entretanto, geral- mente esses casos são acompanhados de abscessos renais. O exame de escolha é a TC, que na maior parte das vezes identifica o abscesso perinefrético e sua extensão para psoas ou flanco quando presentes, fornecendo informações anatômicas para o mane- jo correto. A mortalidade é de aproximadamente 12% nas séries mais recentes devido à melhor acurá- cia dos métodos de imagens. A despeito disso, apenas 35% tem o diagnóstico correto na apresentação. 162 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior Após o diagnóstico, a antibioticoterapia parenteral e medidas de suporte para sepse (se houver) devem ser prontamente iniciadas. Os tipos de antibióticos são os mesmos que para o abscesso renal. Para abscessos menores que 3 cm, o tratamento conservador em pacientes imunocompetentes tem uma boa taxa de cura. Em coleções maiores ou sem resposta à terapia inicial conservadora, o tra- tamento cirúrgico é a escolha e consiste de drenagem. Nefrectomia deve ser realizada em rins não funcionantes ou gravemente infectados. Na sequência, o fator causal, quando presente, deve ser iden- tificado e tratado. Pielonefrite crônica (PNC) É uma doença rara e caracteriza-se por infecções bacterianas recorrentes que ocorrem durante um período prolongado. Esse processo inflamatório renal crônico leva à cicatriz renal devido à des- truição dos néfrons, que são substituídos por tecido cicatricial. Contudo, PNC dificilmente evolui para insuficiência renal terminal, exceto quando há anomalias funcionais ou estruturais do trato uri- nário. Infelizmente, PNC é assintomática e os sintomas só vão aparecer se ocorrer insuficiência renal. Os achados essenciais de imagem são as assimetrias no contorno renal e áreas de cicatriz com defor- midade de um ou mais cálices adjacentes. O manejo consiste no tratamento da infecção, se presente, evitando drogas nefrotóxicas. Medidas gerais preventivas de futuras infecções e a monitorização da função renal são estratégias importantes. Pielonefrite xantogranulomatosa (PNX) É uma infecção renal crônica rara e grave, com uma prevalência de 0,6-1,4%, que geralmente resulta em destruição renal difusa ou segmentar. A apresentação unilateral é a mais comum e culmina com rim não funcionante e aumentado de volume, secundário à obstrução por cálculos. Diabetes pa- rece ser fator de risco e o pico de incidência vai da quinta a sétima década de vida. O processo se inicia pela pelve e cálices renais, que posteriormente se estende ao parênquima renal, destruindo-o juntamente com os tecidos adjacentes. Pode ser confundido com praticamente to- das as doenças inflamatórias do rim e com carcinoma de células renais (tumor renal) em exames de imagem e congelação. Nefrolitíase, obstrução e infecção são os fatores primários envolvidos na patogênese, associada a uma resposta inflamatória aguda inadequada. Histologicamente, PNX é caracterizada por acúmu- lo de macrófagos ricos em lipídeos, também chamados de células de xantoma (foam cells), mas que não são específicas da doença. PNX deve ser suspeitada em pacientes com ITU em rim aumentado, não funcionante ou mal funcionante, com cálculo ou lesão indistinguível de tumor. Os principais sintomas são dor lombar ou no flanco (69%), febre e calafrios (69%) e bacteriúria persistente (46%). Outros sintomas vagos, como mal-estar, podem estar presentes. A principal bactéria envolvida é o Proteus, mas E. coli também é Wellington Rodrigues Porciúncula Junior - 163 muito comum. TC é método de escolha para confirmação diagnóstica. Malacoplaquia e linfoma de- vem fazer parte dos diagnósticos diferenciais. Nefrectomia total ou parcial consiste na base do trata- mento com remoção de todo tecido comprometido além do renal. Por fim, a PNX tem sido associada com carcinoma de células renais, carcinoma urotelial papilar da pelve renal ou bexiga e carcinoma de células escamosas da pelve renal. Malacoplaquia Palavra de origem grega que significa “placa macia”, é uma doença inflamatória incomum que foi originalmente descrita por Michaelis e Gutmann (1902). Pode afetar, além do rim, outros ór- gãos como a bexiga, órgãos gastrointestinais, a pele, os pulmões, os ossos e linfonodos mesentéricos. Malacoplaquia é mais comum em homes (4:1) na quinta década de vida, geralmente imunodeprimi- dos e debilitados ou portadores de doenças crônicas. Sua patogênese exata é desconhecida, mas acredita-se que resulte de uma função anormal de macrófagos em resposta à infecção bacteriana, mais comumente E. coli, dando origem aos corpúscu- los de Michaelis-Gutmann. Além disso, a associação de malacoplaquia com comprometimento do es- tado de saúde é bem aceita. O diagnóstico é feito pela presença de macrófagos teciduais grandes (células de von Hansemann) com inclusões citoplasmáticas (corpúsculos de Michaelis-Gutmann) observados na biópsia do órgão acometido. Esses achados são patognomônicos da doença. A massa renal pode ser única ou múltipla e pode complicar com trombose de veia renal. Nos estudos de imagem os rins estão aumentados de volume com múltiplos defeitos de enchimento. Na TC, os focos de malacoplaquia são menos densos do que o parênquima normal e geralmente não há obstrução e cálculos como na PNX. A lesão pode ser indistinguível de processos inflamatórios ou neoplásicos. O controle das ITU estabiliza a doença e, em caso de progressão, o tratamento cirúrgico (nefrectomia) deve ser realizado. O prognóstico de- pende da extensão da doença, apresentando sobrevida curta (6 meses) em doença bilateral ou trans- plantados ou mais longa em doença unilateral. Equinococose renal (ou hidatidose) A infecção constitui-se em uma zoonose causada pela larva do parasita Echinococcus granu- losus. Apresenta distribuição mundial, sendo Portugal considerado endêmico. A doença renal é rara, ocorrendo em apenas 2% dos casos. Homem é o hospedeiro intermediário e, após ingestão, a larva é filtrada pelo fígado e pode atingir os pulmões. Destas, 3% caem na corrente sanguínea e acometem o rim, onde sofrem processo de encistamento (cistos hidáticos), que crescem a uma velocidade de 1cm/ ano. Os sintomas aparecem 5 a 10 anos após o processo inicial. Geralmente é lesão única e no córtex renal. A maioria dos pacientes é assintomática ou tem massa no flanco. Raramente altera função renal e pode se comunicar com a via coletora causandohidatidúria (nesses casos, o diagnóstico pode ser 164 - Capítulo X | Infecções do Trato Urinário Superior feito pela presença de cistos hidáticos na urina). O teste mais confiável para o diagnóstico utiliza antí- genos hidáticos. A ultrassonografia e a TC são úteis para caracterizar a massa. O prognóstico da equi- nococose é bom, mas depende do local e do tamanho dos cistos. A cirurgia é o principal tratamento e o cisto deve ser removido sem ocorrer ruptura, pois seu conteúdo é altamente antigênico, podendo le- var a choque anafilático fatal e recorrência da doença. Leitura recomendada ANTHONY J. et al. Infections of the urinary Tract. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia: Saunders, 2015. CAI, T. et al. The role of asymptomatic bacteriuria in young women with recurrent urinary tract in- fections: to treat or not to treat? Clin Infect Dis, v. 55, n. 6, Sept. 2012. Disponível em: <http://www. ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22677710> <https://doi.org/10.1093/cid/cis534>. Acesso em: 05 set. 2018. GRABE, M. et al. Guidelines on urological infections 2015. European Association of Urology. Disponível em: <https://uroweb.org/wp-content/uploads/19-Urological-infections_LR2.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018. NABER, K. G. (Ed.) et al. Urogenital Infections. European Association of Urology, 2010. Disponível em: <http://www.icud.info/urogenitalinfections.html>. < http://www.icud.info/PDFs/ICUD%20 Urogenital%20Infections.pdf>. Acesso em: 05 set. 2018. NGUYEN, Hiep T. Bacterial infections of the urinary tract. In: McANINCH, Jack; LUE, Tom F. (Ed.). Smith and Tanagho’s General Urology (Smith’s General Urology). 18th ed. New York: McGraw-Hill Medical, 2013. cap. 14. SHOSKES, D. Urinary tract infections retrieved from: The American Urological Association Educational Review Manual in Urology. 3rd ed. 2011. p. 737-766. Chapter: 23. cAPítulo xI Litíase urinária Nelson Gaspar Dip Júnior VOLTAR 166 - Capítulo XI | Litíase urinária Introdução A formação e o desenvolvimento de cálculos no trato urinário é condição bastante comum, com taxas médias de incidência de 20% ao redor do mundo. Essa patologia torna-se importante pelo fato de acometer indivíduos jovens e em fase produtiva, podendo promover impactos consideráveis na economia de um país. Embora de curso benigno e com impacto relativamente limitado na qualidade de vida do paciente, pode evoluir de modo a propiciar complicações graves e algumas vezes letais. O pico de incidência de cálculos urinários se dá em torno dos 30 anos, mas a taxa de incidên- cia se mantém elevada entre 30-69 anos em homens e 40-79 anos em mulheres. A doença é 2-3 vezes mais comum em homens que em mulheres, estando diretamente relacionada ao estilo de vida e à in- gesta hídrica. Populações que vivem em pontos geográficos do globo terrestre quentes, áridos, secos, montanhosos, desérticos ou regiões tropicais possuem mais chance de desenvolverem cálculos uriná- rios, por conta da maior perda líquida por transpiração e formação de urina mais concentrada. Pelos mesmos motivos, a incidência de litíase é maior em meses mais quentes do ano e em populações mais expostas aos raios solares. Também, atividades ocupacionais que envolvem altas temperaturas se asso- ciam a taxas mais altas de litíase. Além disso, a obesidade, o Diabetes mellitus e a síndrome metabó- lica estão associadas à formação de cálculos no sistema urinário. Este fato é explicado pelo aumento da resistência à insulina, que leva a pH urinário ácido (precipitação de ácido úrico) e à hipercalciú- ria. Assim, constituem-se fatores de risco para a doença: altas temperaturas, baixa ingesta hídrica, se- dentarismo, obesidade, diabetes e síndrome metabólica. Embora não bem estabelecidos, hipertensão arterial e ingesta de sódio em níveis elevados parecem também se relacionarem positivamente com a formação de cálculos urinários. 1 Fisiopatologia Fisiopatologicamente, três processos devem ocorrer: (1) supersaturação, (2) nucleação e (3) agregação/crescimento. De forma bastante didática, supersaturação é uma quantidade maior de solu- to em relação àquilo que o solvente pode dissolver. O excesso de soluto não dissolvido precipita-se, permitindo que uma etapa fundamental do processo ocorra, que é a formação do núcleo inicial do cál- culo urinário (nucleação). A partir desse núcleo e da manutenção de um ambiente supersaturado, no- vos cristais se decantarão e se agregarão ao núcleo inicial, desencadeando o crescimento do cálculo. Vários fatores podem interferir direta ou indiretamente nessas etapas. Existem fatores inibidores e indutores da formação de cálculos. Entre os inibidores (protetores) da formação de cristais, encon- tram-se a proteína de Tamm-Horsfall, o citrato e o magnésio. Produzida na alça de Henle ascendente e no túbulo contorcido distal, a proteína de Tamm-Horsfall é a mais abundante na urina e funciona atra- vés da inibição direta da ligação entre Cálcio e Oxalato. O citrato e o Magnésio atuam de forma pro- tetora através da formação de citrato de Cálcio (em vez de oxalato de Cálcio) e oxalato de Magnésio (em vez de oxalato de Cálcio). Tanto citrato de Cálcio como o oxalato de Magnésio possuem pKa mais Nelson Gaspar Dip Júnior - 167 elevado, isto é, têm maior capacidade de se dissolverem na mesma quantidade de soluto. Por outro lado, o grupo de indutores da formação de cristais estão em maior número e compreendem o Cálcio, o Sódio, o oxalato, o ácido úrico, o fosfato, a cistina e as bactérias produtoras da enzima urease. Cálcio e oxalato permitem a formação do principal composto de cálculos urinários. O Sódio, através de uma série de condições, permite o aumento da excreção renal de Cálcio. Àcido úrico, fosfato e cistina são componentes diretos de cálculos urinários e bactérias produtoras de urease se relacionam com a pro- dução de cálculos infecciosos de estruvita (fosfato-amônio-magnésio). Além do fenômeno fisiopatológico geral descrito acima, uma série de processos característi- cos estão relacionados à formação de vários tipos específicos de cálculos. Aqui descreveremos os três mais importantes. Cálculos de oxalato de Cálcio podem se originar de uma gama de condições renais ou sistêmi- cas que culminam com o excesso de Cálcio na urina, isto é, hipercalciúria. O mais importante deles, entretanto, é aquele denominado hipercalciúria absortiva, que, basicamente, ocorre por um aumento da capacidade absortiva intestinal de Cálcio. O excesso de Cálcio na corrente sanguínea leva à inibi- ção transitória do PTH e aumento da excreção renal de Cálcio (hipercalciúria), mantendo os níveis de Cálcio sanguíneo normais. Cálculos de ácido úrico ocorrem principalmente por baixa capacidade de dissolução (diminui- ção do pKa) por diminuição do pH urinário (pH ácido). Quando o pH da urina atinge valores menores que 5,5 (urina ácida) inicia-se o processo de precipitação do ácido úrico e as demais etapas de nucle- ação e agregação/crescimento. Além disso, baixo volume urinário e a hiperuricosúria também corro- boram com a aceleração do processo de formação de cálculos de ácido úrico. O terceiro importante processo é aquele associado à formação de cálculos de infecção, deno- minados cálculos de estruvita ou fosfato-amônio-magnesiano. A presença de urina infectada por bac- térias produtoras de urease é condição fundamental para que esse tipo de cálculo ocorra. Em síntese, na presença de urease, a ureia é transformada em amônia (NH3). Amônia reage com a água para for- mar NH4+ e liberação de OH-. A alcalinização da urina permite a reação para formação do fosfato e a incorporação do Magnésio, culminando com os três componentes da fórmula: amônio, fosfato e Magnésio. Bactérias estão entremeadas às camadas de estruvita, o que os estabelecem como cálculos infecciosos e, necessariamente, precisam ser extraídos do organismo para que a infecção seja tratada de forma definitiva. A Figura 1 ilustra o processo descritoacima. 168 - Capítulo XI | Litíase urinária Figura 1 – Fisiopatologia do cálculo de estruvita e sua relação com o pH urinário 2 Composição Os principais tipos de cálculos são os compostos por Cálcio, mas existem cálculos que não con- tém Cálcio. Por volta de 80% dos cálculos contêm compostos de Cálcio e mais da metade deles (60%) são formados por oxalato de Cálcio. Hidroxiapatita e brushita são também compostos de Cálcio, mas menos comuns. Cálculos sem Cálcio são formados por ácido úrico, estruvita e cistina e têm incidên- cia de 7%, 7% e 1-3%, respectivamente. Quanto mais Cálcio em sua composição, mais duro e radiopaco é o cálculo. A concentração de Cálcio aumenta a dureza, que pode ser traduzida por aumento da densidade na tomografia. Quanto mais densos (mais duros) os cálculos, mais difíceis de serem tratados. Nelson Gaspar Dip Júnior - 169 3 Localização Cálculos urinários se localizam mais frequentemente nos rins e nos ureteres. Menos comumen- te, pode ocorrer litíase na bexiga e na uretra. Nos rins, eles podem ocupar os cálices superiores, médios ou inferiores, e também a pelve renal. Quando se trata de localização, duas localizações anatômicas são importantes: (1) cálculos que estão localizados nos cálices superiores ou médios (também chamados de grupamento calicial não inferior) e (2) cálculos que estão localizados nos cálices inferiores (grupamento calicial inferior). Considerando apenas a localização, cálculos do grupo calicial superior/médio são mais facilmente tratados que aque- les localizados no grupamento inferior. O ângulo infundíbulo-piélico, o comprimento e a largura do infundíbulo (via de saída) são componentes importantes que são estudados quando se planeja o trata- mento de um cálculo localizado no cálice renal inferior. Cálculos de estruvita (de infecção) podem se tornar muito volumosos e atingir um ou mais cá- lices e a pelve renal. Por definição, cálculos que acometem a pelve renal e pelo menos um cálice é denominado coraliforme incompleto, enquanto que aqueles que acometem todos os cálices e a pelve renal são chamados de coraliformes completos. Nos ureteres, os cálculos podem ocupar qualquer uma das suas 3 porções: ureter superior (proxi- mal), ureter médio ou ureter inferior (distal). De um modo geral, os cálculos impactam nos pontos de estreitamento fisiológico do ureter, isto é, na junção ureteropiélica (JUP – ureter proximal), no cruza- mento do ureter com os vasos ilíacos (ureter médio) e na junção ureterovesical (JUV – ureter distal). Cálculos da bexiga (ou vesicais) geralmente são formados dentro da própria bexiga e, portanto, não são provenientes do trato alto (rins e ureteres). A fisiopatologia clássica envolvida na formação desses cálculos dá-se por dificuldade de esvaziamento da bexiga e acúmulo (estase) de urina conse- quente a uma obstrução infravesical, como ocorre na HPB. Por outro lado, cálculos da uretra (ou uretrais) raramente são formados na própria uretra. Eles geralmente impactam nos pontos de constrição fisiológica da uretra, na tentativa de eliminação espon- tânea feita pelo organismo, a partir da bexiga. 4 Tamanho Cálculos em diversas localizações do trato urinário podem assumir tamanhos variados. Quanto maior o tamanho (volume) de um cálculo, mais difícil sua eliminação (tratamento). Para a escolha de tratamento de cálculos renais, considera-se tamanhos diferentes, dependendo do grupo calicial em que se localiza o cálculo. Assim, para o grupamento superior/médio (não infe- rior), cálculos de até 2 cm (20 mm) são tratados de forma menos invasiva, enquanto que aqueles > 2 cm merecem tratamentos mais agressivos. Para o grupamento inferior, justamente por conta da maior dificuldade de trajeto e de eliminação, o tamanho limite desses cálculos é diferente. Desse modo, cál- 170 - Capítulo XI | Litíase urinária culos de até 1 cm (10 mm) são passíveis de tratamento menos invasivo, enquanto que estratégias mais invasivas estão indicadas para cálculos > 1 cm de tamanho. Em relação aos cálculos ureterais, aqueles de até 0,5 cm (5 mm) têm chance em torno de 80% de serem eliminados espontaneamente, com ou sem auxílio de medicamentos específicos (terapia ex- pulsiva – será discutida adiante). A partir de então, para cada 1 mm de incremento no tamanho, dimi- nui-se aproximadamente 10% na chance de eliminação espontânea. Dessa forma, um cálculo de 0,6 cm tem chance média de 60-70% de eliminação, 0,7 cm de 40-50%, 0,8 cm de 30-40%, 0,9 cm de 20- 30% e 1 cm < 10% de chance. 5 Diagnóstico 5.1 Sinais e sintomas Cálculos urinários só provocam dor quando causam obstrução do fluxo de urina. A dor de ori- gem renal é tipo cólica (cólica renal ou nefrética), localizada na região lombar do lado acometido e consequente à dilatação da cápsula renal. Por outro lado, a dor de origem ureteral é também tipo cóli- ca (cólica ureteral), mas provocada pelo aumento do peristaltismo do ureter, com o intuito de eliminar o cálculo. Como mencionado antes, cálculos ureterais impactam nos três pontos anatômicos de cons- trição fisiológica do ureter e provocam quadros álgicos diferentes. Cálculos impactados na JUP/ureter proximal causam dor lombar com irradiação para o testículo/parede vaginal ipsilateral. Cálculos que impactam no ureter médio (cruzamento do ureter com os vasos ilíacos) geram dor na região do flan- co. Cálculos impactados no ureter distal provocam dor em fossa ilíaca ipsilateral, com irradiação para o escroto/lábios vaginais. É importante salientar que um cálculo ureteral impactado em qualquer po- sição pode promover dilatação de todo o sistema coletor e promover, consequentemente, dor de ori- gem renal por distensão capsular. Além da dor, outros comemorativos podem estar associados, sendo os mais comuns a hematú- ria e a infecção urinária. A hematúria, que pode ser micro ou macroscópica, é decorrente do hiperpe- ristaltismo ureteral associado ao dano da mucosa do ureter promovido pelo deslocamento do cálculo. A infecção urinária é decorrente da impactação do cálculo e estase urinária no sistema coletor. Vale lembrar que a presença de leucócitos na urina nem sempre significa infecção, mas sim uma resposta de defesa esperada do organismo durante o deslocamento do cálculo e a crise álgica. 5.2 Exames laboratoriais • Hemograma – geralmente não apresenta alterações. Leucocitose com ou sem desvios à es- querda só será observada se houver obstrução urinária associada à infecção instalada. • Urina I – quase sempre apresenta alterações. Hematúria e leucocitúria são frequentemente observadas e ocasionadas pelo deslocamento do cálculo associado ao dano mucoso do siste- Nelson Gaspar Dip Júnior - 171 ma coletor. Bactérias (bacteriúria) e sais relacionados à composição do cálculo (oxalato, ura- to, fosfato) podem estar presentes. Cálculos de estruvita podem alcalinizar a urina, enquanto que os de ácido úrico, podem torná-la ácida. • Urocultura – a menos que uma infecção esteja instalada, seja por obstrução e estase, seja pela presença de um cálculo de estruvita (coraliforme), a urocultura encontrar-se-á negativa. • Creatinina – provas de função renal geralmente estarão dentro dos limites da normalidade, exceto em paciente desidratado (por conta de infecção febril ou desidratação), obstruções bi- laterais ou obstruções unilaterais em pacientes com rim único. 5.3 Exames de Imagem Exames de imagem são fundamentais no diagnóstico e programação de tratamento de cálculos urinários. Um exame de imagem adequado é capaz de fornecer ao médico o número, a localização, o tamanho e a dureza de um cálculo urinário, além de fornecer informações adicionais como a presença de obstrução (dilatações) e o diagnóstico de complicações (pionefrose, abscessos renais, por exemplo). Cálculos que contêm Cálcio são radiopacos e podem ser vistos em radiografias simples do ab- dome. Quanto maior a concentração de Cálcio em sua composição, mais radiopaco torna-se o cálcu- lo. Cálculos sem Cálciotambém podem aparecer no R-X, mas são menos radiopacos, entretanto. De maior para menor radiopacidade, estão os cálculos de fosfato de Cálcio, oxalato de Cálcio, estruvita e cistina. Cálculos de ácido úrico são radiotransparentes e, portanto, não aparecem no R-X de abdome. A ultrassonografia dos rins e vias urinárias pode demonstrar dilatações do sistema coletor (rins e ureteres) e identificar cálculos renais, e nas porções proximal e distal dos ureteres. Por conta das al- ças intestinais e do músculo psoas, os cálculos de ureter médio são difíceis de serem visualizados. A ferramenta técnica ultrassonográfica que consolida o diagnóstico de um cálculo urinário é a presença da sombra acústica posterior, que aparece em cálculos geralmente ≥ 5 mm. A Tomografia Computadorizada (TC) é o exame ideal para a pesquisa e diagnóstico da litíase urinária. Ela deve compreender todo o abdome e, salvo raras exceções, ser realizada sem contras- te. Tanto o contraste como o cálculo apresentam cor branca nos filmes da tomografia e, portanto, a presença do contraste pode prejudicar a análise das características do cálculo (número, tamanho, posição e densidade). A TC de abdome sem contraste é capaz de identificar cálculos de qualquer composição e determinar o número, o tamanho, a posição e a densidade desses cálculos dentro do trato urinário. 172 - Capítulo XI | Litíase urinária 6 Tratamento 6.1 Tratamento clínico Fazem parte do tratamento clínico da litíase urinária: (1) a terapia expulsiva, (2) o tratamento específico para determinados tipos de cálculo e (3) as medidas gerais de prevenção à formação de no- vos cálculos. O conceito de terapia expulsiva é definido pela utilização de uma ou mais medicações com o objetivo de eliminar o cálculo sem a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Dentro desse racional, duas drogas desempenham papel de importância: os α-bloqueadores e os corticoides. Os α-bloqueadores são drogas bem estabelecidas no auxílio farmacológico da eliminação de cálculos, principalmente os ureterais. O papel central do α-bloqueador é promover o relaxamento da musculatura lisa ureteral, fa- cilitando a passagem do cálculo até a bexiga. O uso de corticoides tem um papel menos estabelecido, mas essa classe de drogas pode ser empregada com o objetivo de reduzir o edema mucoso do ureter, complementando a ação do α-bloqueador. Entretanto, as características do cálculo são importantes, isto é, terapia expulsiva não está indicada para todos os tipos de cálculos. Os cálculos que mais se be- neficiam desse tipo de tratamento medicamentoso são aqueles ≤ 5 mm localizados no ureter distal. Com exceção do cálculo de ácido úrico, tratamentos específicos utilizados para cálculos de ou- tros compostos (oxalato de Cálcio, por exemplo) não têm o objetivo de reduzi-los de tamanho, mas sim de prevenir a formação de novos cálculos. Esses tratamentos só podem ser utilizados a partir do momento em que se conhece a composição do cálculo ou a alteração metabólica instalada no organis- mo. Por exemplo, cálculos de oxalato de Cálcio geralmente são formados a partir de duas alterações metabólicas clássicas: a hipercalciúria (excesso de Cálcio na urina – fator formador) e a hipocitratúria (níveis reduzidos de citrato na urina – fator protetor). Nesses casos, a hidroclorotiazida pode ser usada para bloquear a bomba de Na+/Ca++, permitindo uma excreção menor de Cálcio na urina. Além dis- so, o citrato pode ser reposto na forma de citrato de potássio por via oral. Outro exemplo é a alteração do pH urinário associada à formação de cálculos de ácido úrico (nesse caso, pH ácido). A alcaliniza- ção da urina com bicarbonato de sódio pode evitar a formação de novos cálculos e reduzir o tamanho dos cálculos já formados, por mudança do pKa do ácido úrico. 6.2 Tratamento cirúrgico Assim como para o tratamento clínico, as características do cálculo são importantes para a de- cisão terapêutica. Os fatores mais importantes envolvidos na estratégia de tratamento são o tamanho, a posição e a densidade do cálculo. Para facilitar o entendimento, o tratamento será demonstrado de forma ilustrativa, consideran- do o tratamento cirúrgico padrão para cada situação específica. Para o tratamento de cálculos renais, tamanho e posição são os fatores mais importantes. Nelson Gaspar Dip Júnior - 173 • Cálculo renal – cálice não inferior o ≤ 20 mm (2 cm) o LECO o Ureterolitotripsia flexível • Cálculo renal – cálice não inferior o ≥ 20 mm (2 cm) o Cirurgia Percutânea • Cálculo renal – cálice inferior o ≤ 10 mm (1 cm) o Avaliar a via de saída o LECO o Ureterolitotripsia flexível 174 - Capítulo XI | Litíase urinária A via de saída é um fator importante que deve ser considerado, principalmente quando se opta por formas de tratamento menos invasivas para cálculos < 1 cm em cálice inferior (LECO, por exem- plo). Trata-se do trajeto que o cálculo deve percorrer, a partir do cálice inferior, até acessar o ureter. Esse trajeto é formado basicamente pelo infundíbulo do cálice inferior, pela pelve renal e pela relação anatômica entre eles. Desse modo, quanto mais largo e mais curto o infundíbulo, mais fácil será o per- curso que o cálculo deve percorrer. Também, quanto mais obtuso o ângulo (> 90º) formado entre o in- fundíbulo e a pelve renal (ângulo infundíbulo-piélico) maior facilidade o cálculo terá de ser eliminado. Figura 2 – O estudo da via de saída do cálice inferior • Cálculo renal – cálice inferior o ≥ 10 mm (1 cm) o Cirurgia percutânea o Ureterolitotripsia flexível (se percutânea contraindicada) Nelson Gaspar Dip Júnior - 175 Os cálculos coraliformes (estruvita) completos ou incompletos certamente são os de tratamen- to mais desafiador porque, além de possuírem grandes volumes (grande massa de cálculo) são, ainda, infecciosos. Esses cálculos devem sempre ser tratados cirurgicamente e acabam envolvendo formas mais agressivas de tratamento para sua resolução completa. Considerando o tratamento de cálculos ureterais, os fatores mais importantes são localização e tamanho. Cálculos ≤ 1 cm localizados nas porções mais distais do ureter são mais facilmente tratados, por conta da facilidade de acesso ureteral por via endoscópica. • Cálculo coraliforme o Completo ou incompleto o Cirurgia percutânea o Nefrolitotomia anatrófica (cirurgia aberta) • Ureter superior o LECO o Ureterolitotripsia flexível o Ureterolitotripsia semirrígida (casos selecionados) 176 - Capítulo XI | Litíase urinária A densidade é um fator que também deve ser considerado, porque cálculos menos densos (mais moles) podem ser tratados de forma menos invasiva (LECO, por exemplo), porque se fragmentam mais facilmente. A densidade é mais utilizada para cálculos renais, podendo também ser útil para cál- culos ureterais. A densidade é uma medida tomográfica, cujo valor é dado em unidades Hounsfield (UH). Quanto mais hidratado é um cálculo, menos denso (mais mole) ele é e, portanto, os valores UH são também menores. Densidades ≤ 500 UH definem cálculos moles, entre 500 e 1000 UH cálcu- los de dureza intermediária e, ≥ 1000 UH cálculos duros. Isso significa, por exemplo, que é grande a chance de fragmentação de um cálculo com densidade < 500 UH submetido a tratamento com LECO. A LECO (Litotripsia Extracorpórea por Ondas de Choque) é, na verdade um tipo de tratamento minimamente invasivo, e não um procedimento cirúrgico propriamente dito. A LECO é aplicada atra- vés de uma máquina (existem vários modelos) em regime ambulatorial e com o paciente sob sedação e analgesia para evitar dor, contratura muscular e movimentação. A máquina possui um foco que é di- recionado sobre o cálculo que se deseja tratar e ondas de choque mecânico (impulsos mecânicos) são liberadas. Esses impulsos atravessam a pele, a parede muscular, a cápsula e o parênquima renal, in- cidindo sobre o cálculo, permitindo a sua vibração e fragmentação. Os fatores mais importantes para a indicaçãoda LECO são o tamanho e a posição do cálculo, a via de saída favorável (para cálculos de cálice inferior), a distância pele-cálculo (não deve ser maior que 10 cm) e a densidade do cálcu- lo. Quando bem indicado, é um procedimento bastante efetivo, com altas taxas de sucesso. Contudo, complicações como hematúria, infecção, fragmentação incompleta, rua de cálculos e cólica renal pós- -LECO podem ocorrer. A Figura 3 demonstra a LECO de forma esquemática. • Ureter médio/distal o Ureterolitotripsia semirrígida o LECO (não indicada para ureter distal devido ossos pélvicos) Nelson Gaspar Dip Júnior - 177 Figura 3 – Esquema demonstrando a LECO Cirurgia percutânea ou nefrolitotripsia percutânea, como o próprio nome indica, é realizada através de um trajeto cirúrgico feito pelo cirurgião a partir da pele, com o paciente sob anestesia ge- ral. Através desse canal de trabalho cirúrgico, um aparelho denominado nefroscópio acessa o sistema coletor e identifica o cálculo. O nefroscópio permite a entrada de uma fonte de litotripsia intracorpó- rea (litotridor ultrassônico, laser, litotridor balístico pneumático) que fragmenta o cálculo. A cirurgia percutânea, quando bem indicada, é muito efetiva. Suas principais complicações incluem sangramen- to, infecção, perfuração de outros órgãos abdominais e torácicos (cólon e pleura, por exemplo) e difi- culdade ou impossibilidade de acesso ao cálculo. A Figura 4 demonstra esquematicamente a cirurgia percutânea. 178 - Capítulo XI | Litíase urinária Figura 4 – Esquema demonstrando a nefrolitotripsia percutânea A ureterolititripsia é realizada através de um aparelho delicado, fino e comprido, denominado ureteroscópio. Dependendo do tamanho e posição ureteral em que se encontra o cálculo, o paciente pode ser submetido à anestesia geral ou raquianestesia. Cálculos de ureter médio e inferior geralmente são de acesso mais fácil e, por isso, o ureteroscópio semirrígido é o mais adequado e o paciente sub- metido à raquianestesia. Por outro lado, cálculos localizados em ureter superior, principalmente em homens, são tratados com o ureteroscópio flexível sob anestesia geral. As fontes de litotripsia intra- corpóreas mais utilizadas para a ureterolitoripsia semirrígida são o litotridor balístico pneumático e o laser. Já para a ureterolitotripsia flexível, a única fonte de litotripsia cabível é o laser. As principais associadas a esses métodos de tratamento são as lesões ureterais, sangramentos, extrusão do cálculo para fora do ureter e estenoses ureterais que se desenvolvem mais tardiamente. Quando existe dano ureteral ou presença de múltiplos fragmentos após a litotripsia, um cateter de drenagem ureteral cha- mado duplo J geralmente é implantado no ureter com o objetivo de evitar cólica ureteral pós-opera- tória, facilitar a cicatrização do ureter e a eliminação dos fragmentos residuais. Nelson Gaspar Dip Júnior - 179 Figura 5 – Ureteroscópio semirrígido (imagem superior) e flexível (imagem inferior). Note que o aparelho flexível é mais delicado e muito mais maleável, permitindo uma deflexão de até 270º de sua extremidade distal Figura 6 – Ureterolitotripsia semirrígida. A: identificação do cálculo em ureter médio. Note a presença do fio guia e a resposta inflamatória ureteral na imagem superior. B: imagem do cálculo sendo fragmentado com laser. C: fragmento menor sendo retirado com basket extrator de Dormia 180 - Capítulo XI | Litíase urinária Figura 7 – A: Visão endoscópica da passagem do cateter duplo J. B: R-X simples de abdome demonstrando o posicionamento correto de cateteres duplo J implantados bilateralmente Leitura recomendada BARRIONUEVO MORENO, P. et al. Surgical management of kidney stones: a systematic review. Mayo Clinic 2015. BRIAN, R. et al. Surgical management of upper urinary tract calculi. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell- Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015, p. 1772. FULGHAM, P. F. et al. Clinical effectiveness protocols for imaging in the management of ureteral cal- culous disease: AUA technology assessment. J Urol., v. 189, n. 4, Apr. 2013. Disponível em: <https:// doi.org/10.1016/j.juro.2012.10.031>. <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23085059>. Acesso em: 05 set. 2018. FURYK, J. S. et al. Distal ureteric stones and tamsulosin: a double-blind, placebo-controlled, rando- mized, multicenter trial. Ann Emerg Med, v. 67, n. 1, Jan. 2016. 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O crescimento da glândula pode contri- buir para o aumento dos sintomas do trato urinário inferior (STUI) de duas maneiras: obstrução direta ao esvaziamento vesical devido ao aumento tecidual (componente estático) e pelo aumento do tônus e da resistência da musculatura lisa (componente dinâmico). 1 Função da próstata A principal função da próstata é armazenar e secretar um fluido claro e levemente alcalino (pH 7,29), compondo 10-30% do volume do fluido seminal que, junto com os espermatozoides (5%), cons- titui o sêmen. O resto do fluido seminal é produzido pelas duas vesículas seminais (60-70%). A alca- linidade do fluido seminal ajuda aneutralizar a acidez do trato vaginal, prolongando o tempo de vida dos espermatozoides. (WIKIHOSP). 2 Anatomia A próstata é anatômica e macroscopicamente dividida em lobos. O lobo anterior (ou istmo) cor- responde a uma porção da zona de transição e o posterior, da zona periférica. Os lobos laterais direito e esquerdo englobam todas as zonas e o lobo mediano (ou lobo médio) corresponde a uma porção da zona central. Embora a divisão zonal de McNeal seja algumas vezes descrita como um modelo ana- tômico, essa divisão é mais uma divisão histológica que anatômica, onde zonas diferentes estabele- cem patologias diferentes. A Figura 1 mostra a localização de cada zona dentro da próstata e a Tabela 1 descreve suas características. Para mais detalhes sobre a anatomia prostática, veja o capítulo refe- rente à anatomia do trato urinário inferior. Eduardo Hidenobu Taromaru - 184 Figura 1 – Modelo de McNeal (1988) demonstrando a anatomia zonal da próstata Tabela 1 – Características das zonas prostáticas Fonte: Autores 185 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata 3 Epidemiogia O avançar da idade e a presença dos testículos representam as determinantes mais importan- tes para o desenvolvimento da HBP, que é a principal causa de STUI. É a doença urológica mais pre- valente em homens idosos. Existem alguns fatores que contribuem para o desenvolvimento da HPB. Atividades físicas regulares e ingestão moderada de álcool parecem atenuar as manifestações clínicas indesejáveis da HBP. Fatores sócio-econômicos podem influenciar, e pacientes de alta renda possuem maior incidência de HPB, devido à melhor percepção do quadro clínico e facilidade de acesso ao uro- logista. Em contrapartida, os pacientes de baixa renda cursam com altas taxas de tratamento cirúrgi- co, por conta da dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Outros fatores, como raça, obesidade, tipo de atividade profissional e ritmo de atividade sexu- al, têm sido implicados no processo, mas, de acordo com dados mais recentes, não se correlacionam claramente com o desenvolvimento da HBP. 4 Teorias fisiopatológicas Existem 6 teorias que explicam o crescimento da próstata. Elas serão resumidas nos parágrafos a fim de propiciar o entendimento do processo complexo e multifatorial relacionado à doença. • Papel dos andrógenos – A testosterona é produzida principalmente pelas células de Leydig dos testículos, que são responsáveis pela produção de 90 a 95% desse hormônio. Essas cé- lulas sofrem estímulo da hipófise através do hormônio luteinizante (LH) que, por sua vez, é controlado pelo hipotálamo por meio da liberação do LHRH. Os restantes 5 a 10% da testos- terona são produzidos pelas glândulas adrenais. A testosterona circulante se liga à albumina e às globulinas, representando 95% da testosterona plasmática. A forma livre corresponde a apenas 2-5% da testosterona circulante, que penetra nas células prostáticas passivamente, so- fre a conversão em di-hidrotestosterona (DTH) por ação da enzima 5-alfa redutase. A DHT, um metabólito 30 vezes mais potente que a testosterona, liga-se aos receptores androgênicos (RA) no citoplasma (complexo DHT-RA). Esse complexo receptor-hormônio é então trans- portado ativamente ao núcleo e se liga a sítios específicos DNA, estimulando a proliferação celular e, consequentemente, o crescimento da próstata. • Papel dos estrógenos – Os estrógenos não têm papel muito bem estabelecido. Entretanto, ob- serva-se que, com o avançar da idade, há uma diminuição da testosterona livre plasmática, enquanto que o estradiol livre permanece em mesmos níveis, alterando-se de forma impor- tante a relação testosterona/estradiol livres, com aumento proporcional de 40% deste último. Acredita-se que esse desequilíbrio hormonal afetaria a disposição e o número de RA prostá- ticos, influenciando igualmente no crescimento da próstata. Além disso, as células prostáticas possuem receptores estrogênicos (α no estroma e β no epitélio) que podem ser diretamente estimulados pelo estrógeno, promovendo a proliferação celular. Eduardo Hidenobu Taromaru - 186 • Fatores de crescimento – A interação entre os fatores de crescimento e os hormônios esteroi- des podem alterar o equilíbrio entre a proliferação e a morte celular (apoptose). Esse dese- quilíbrio pode estimular o crescimento da glândula. • Teoria linfocitária – Estudos sugerem uma associação entre inflamação e HPB. Isso ocorre pela intensa resposta ao processo de inflamação ativadas pelas células T (linfócitos T), pro- vocando a HPB. • Redespertar embriológico – Fatores de crescimento, hormônios, citocinas e outras substân- cias atuam na próstata do embrião promovendo seu crescimento. Essa teoria defende que to- dos esses fatores voltem a atuar na próstata com o avançar da idade do homem. • Genética – O papel da hereditariedade parece estar consolidado. Filhos de homens com HPB têm de 3-5 vezes mais chances de serem submetidos à cirurgia prostática por crescimento be- nigno. Além disso, esses indivíduos apresentam próstatas de maior volume e doença que se instala em idades mais precoces. 5 Fisiopatologia A HPB se instala na zona transicional, situada em torno da uretra. Nessa região ocorre a proli- feração de nódulos formados por tecido glandular ou estroma fibromuscular, que variam em quanti- dade e constituem os dois padrões histológicos da HPB. O processo de hiperplasia prostática condiciona o aparecimento de sintomas miccionais que, na verdade, resultam de três mecanismos fisiopatológicos distintos: • Obstrução uretral propriamente dita (aumento da resistência uretral) – fator mecânico (estático). • Hiperatividade de musculatura lisa – fator funcional (dinâmico). • Resposta do detrusor à obstrução – fator funcional (dinâmico). O processo de obstrução uretral decorre do efeito mecânico causado pelo crescimento prostático e de um efeito funcional, relacionado com a contração das fibras musculares existentes no colo vesi- cal, cápsula e estroma prostático. Essas fibras, ricas em receptores α-adrenérgicos, tendem a se con- trair por estimulação simpática, ocluindo a luz uretral. Esse mecanismo explica os quadros de LUTS/ STUI em pacientes com glândulas sem crescimento exagerado. O detrusor, por sua vez, sofre um pro- cesso de hipertrofia que preserva o fluxo urinário nas fases iniciais da obstrução, mas reduz a compla- cência e a capacidade vesical, levando ao aparecimento de urgência, polaciúria e redução do volume miccional. Nessa mesma fase, surgem alterações em receptores nervosos da mucosa vesical, que con- dicionam o aparecimento de instabilidade vesical e agravam os sintomas de LUTS/STUI. A história natural dos quadros de HBP é bem conhecida e apresenta algumas implicações prá- ticas relevantes. Os pacientes atingidos por esse processo apresentam sintomas urinários flutuantes, com períodos de exacerbação do quadro e períodos espontâneos de acalmia. Esse comportamento faz 187 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata com que algumas medidas terapêuticas usadas em pacientes com HBP produzam uma falsa impres- são de eficiência, por se acompanharem de melhora das manifestações que ocorrem pela história na- tural oscilante, e não pelo tratamento medicamentoso em si. Sob o ponto de vista clínico, aos 55 anos cerca de 25% dos homens podem apresentar sintomas da HPB, e esse número pode acometer até 50% dos homens com 75 anos. (MARTINS, 2013). 6 Quadro clínico A obstrução provocada pela HPB leva a alterações estruturais compensatórias do trato urinário: hipertrofia da musculatura detrusora e formação de divertículos. Esses sintomas decorrentes da HPB no processo de envelhecimento masculino, incluem distúrbios de esvaziamento e/ou armazenamento. O aumento da resistência uretral é o principal responsável pelos sintomas de esvaziamento (an- tes ditos obstrutivos), e os fatores dinâmicos, pelos sintomas de armazenamento (antes ditos irritati- vos) (Tabela 2). Tabela 2 – Classificaçãodos sintomas do trato urinário inferior (LUTS/STUI) Fonte: Autores Eduardo Hidenobu Taromaru - 188 7 Avaliação diagnóstica 7.1 Avaliação básica O diagnóstico de HPB é iminentemente clínico. A avaliação inicial básica inclui anamnese deta- lhada dos STUI, história de cirurgias prévias do trato geniturinário, avaliação da função sexual, medica- ções usuais e exame físico com toque retal e palpação abdominal suprapúbica, para excluir bexigoma, além da avaliação da frequência miccional e o gráfico do volume miccional diário. Devem ser solicitados exames laboratoriais incluindo urina tipo I, urocultura, PSA, creatinina e ureia. 7.2 Avaliação especializada A avaliação da severidade dos LUTS/STUI pode ser realizada através de questionários valida- dos como I-PSS (Escore Internacional de Sintomas Prostáticos – mais comumente utilizado), AUA-SI (Índice de Sintomas da Associação Americana de Urologia), DAN-PSS (Escore de Sintomas Prostáticos Danish), ICIQ (Consulta Internacional sobre Questionário de Incontinência) e BPH Impact Index (Índice de impacto da HPB). A Tabela 3 descreve os sintomas envolvidos no I-PSS e detalha a pon- tuação para cada sintoma. 189 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata Tabela 3 – Escore Internacional de Sintomas Prostáticos – I-PSS Fonte: Autores Todas as questões se referem a sintomas apresentados pelo paciente no último mês. A pontua- ção final é a soma das pontuações das sete questões apresentadas na Tabela 3. A pergunta referente à qualidade de vida é um direcional para tomada de decisões e não faz parte da pontuação do I-PSS. Valores finais entre 0 e 7 pontos definem a sintomatologia leve (LUTS leve), entre 8 e 19 a sintoma- tologia moderada (LUTS moderado), e aquela entre 20 e 35, a sintomatologia severa (LUTS severo). Os doentes com uma pontuação I-PSS > 8 quase sempre têm indicação de tratamento. • Ultrassonografia da Próstata via Abdominal É útil para avaliar as dimensões da próstata (não é muito preciso, podendo superestimar em até 30% o volume real), presença do lobo mediano (maior que 1 cm adentrando para luz vesical estabelece fator importante para o insucesso do tratamento clínico), as caracte- Eduardo Hidenobu Taromaru - 190 rísticas do trato inferior (espessamento da parede vesical, cálculos vesicais e resíduo pós- -miccional – considerado ideal até 50 ml). A ultrassonografia transretal é mais precisa para definir o tamanho da próstata, entretanto, seu caráter invasivo limita sua utilização rotineira. • Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias Basicamente, o US de rins e vias urinárias é útil para avaliar dilatações do sistema coletor, representadas por dilatação dos cálices e pelve renal (hidronefrose) associadas ou não à di- latação ureteral (uretero-hidronefrose). • Urofluxometria A urofluxometria serve para caracterizar grosseiramente o grau de obstrução infravesical, devendo-se ressaltar que um fluxo baixo nem sempre significa compressão provocada pela próstata, podendo resultar de hipotonia do detrusor ou de outros processos obstrutivos, como estreitamentos uretrais. Sob o ponto de vista prático, fluxo urinário máximo maior do que 15 ml/s é considerado normal e fluxo inferior a 10 ml/s sugere a existência de pro- cesso obstrutivo infravesical. • Estudo Urodinâmico Completo Em pacientes muito sintomáticos e sem obstrução anatômica evidente, ou em casos de pre- sença de outras doenças que possam interferir na contratilidade ou inervação da musculatura vesical (bexiga neurogênica), está indicada a realização do estudo urodinâmico comple- to. Esse estudo tem por objetivo mensurar a capacidade vesical (normal no homem de 400 a 500 ml), a complacência vesical (capacidade de armazenar urina em baixa pressão, ide- al abaixo de 40 cm de H20), presença de hiperatividade detrusora, estudo fluxo-pressão (capacidade de mensurar a pressão intravesical simultaneamente ao fluxo) e demonstrar de maneira simples o resíduo pós-miccional. Basicamente, esse exame deve ser solicitado quando existem dúvidas de que os STUI estejam sendo causados pela compressão prostá- tica ou por falência detrusora. Para mais detalhes sobre o estudo urodinâmico, veja o capí- tulo Exames Urológicos Específicos. 8 Tratamento O paciente deve ser informado sobre todas as alternativas de tratamento aplicáveis, relatando os riscos e os benefícios particulares de cada uma delas. O tratamento da HPB é indicado em pacientes sintomáticos cujo LUTS tenha impacto sobre a qualidade de vida ou naqueles que apresentem com- plicações decorrentes da evolução da doença. 8.1 Tratamento clínico O tratamento clínico da HPB inclui a observação vigilante e o uso de medicações. 191 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata Observação vigilante pode ser adequada para pacientes com LUTS leve, secundários à HPB (IPSS < 8) e pacientes com sintomas moderados (IPSS 8-19) que não estejam incomodados, e que não apresentem complicações (insuficiência renal pós-renal/dilatação do trato urinário superior, retenção urinária aguda, infecção urinária recorrente, litíase vesical e hematúria recorrente). Esses pacientes po- dem ser acompanhados, devendo ser reexaminados anualmente ou quando se tornarem incomodados. • Tratamento Medicamentoso o α-bloqueadores (antagonistas do receptor adrenérgico-α 1 ) – Pacientes com STUI mo- derados a severos secundários à HPB (IPSS > 7), podem ser tratados efetivamente com essa classe de medicamentos, com eficácia ao redor de 60%. Os α-bloqueadores rela- xam a musculatura lisa da próstata e do colo vesical. Todos α-bloqueadores disponíveis no mercado têm eficácia semelhante, entretanto, a doxazosina (2-4mg) e a terazosina (2- 5mg) são menos seletivos que a tansulosina (0,4mg) em relação ao bloqueio α-seletivo, podendo provocar mais hipotensão. Doxazosina e terazosina são medicamentos mais ba- ratos e requerem titulação da dose e controle mais rigoroso da pressão arterial. O tempo de ação inicia-se após 48-72 horas de uso, devendo ser reavaliados entre 2-4 semanas. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam disfunção ejaculatória, tontura (4- 12%), palpitação (3-10%), fraqueza (6%), sonolência (6%) e congestão nasal (5%). Pacientes para os quais foram oferecidos α-bloqueadores devem ser questionados sobre plane- jamento da cirurgia de catarata, pois o uso de α-bloqueadores previamente à cirurgia oftalmológica pode provocar a síndrome intraoperatória de íris frouxa (floppy íris), que consiste em miose intrao- peratória progressiva, e íris flácida que ondula em resposta à irrigação intraoperatória com potencial prolapso da íris. Tem sido relatado mais frequentemente com o uso da tansulosina, sendo menos co- mum com outros α-bloqueadores. o Inibidores da 5-α redutase – Finasterida (5 mg diário), é um inibidor da isoenzima tipo II, e a dutasterida (0,5mg diário), da isoenzima tipo I e II. O bloqueio da enzima impede a conversão de testosterona em DHT, diminuindo a proliferação celular e o crescimento prostático. Devem ser utilizados em pacientes com LUTS secundários à HPB, com vo- lume prostático maiores de 40-50g, e que não desenvolveram complicações obstrutivas agudas, uma vez que seu tempo de ação inicia-se após 3 a 4 meses de uso (pico de ação com 6 meses de uso). Atualmente, são indicados em pacientes com riscos cirúrgicos, e que pelos dados clínicos e laboratoriais, apresentam potencial risco de complicações obs- trutivas a médio e longo prazo. Estima-se que o uso de finasterida leve a uma redução de aproximadamente 15 a 30% do volume da glândula e 50% no valor do PSA sérico, de- vendo-se corrigir o valor real do PSA após 6 meses de uso da medicação (multiplican- do-se por 2 o valor dosado). A eficácia do tratamento deve ser avaliada após 3 meses de uso, no mínimo. Os efeitos colaterais mais frequentes estão relacionados à disfunções Eduardo Hidenobu Taromaru - 192 sexuais e compreendem diminuição do volume da ejaculação, da libido e disfunção eré- til. Esses efeitosocorrem em 10-15% dos casos e são reversíveis com a descontinuação do tratamento. Inibidores da 5-α redutase podem ser utilizados para tratar hematúria de origem prostática, pois suprimem o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) prostático, reduzindo/cessando completa- mente o sangramento e diminuindo as recorrências. Alguns estudos demonstraram redução do sangra- mento ou da necessidade de transfusões em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da próstata. Entretanto, não há evidências suficientes para seu uso no pré-operatório. o Combinação de α-bloqueador e inibidores 5-Αr – É considerado um tratamento efetivo em pacientes com LUTS obstrutivo associado ao aumento do volume prostático. o Agentes anticolinérgicos – São efetivos nos pacientes com LUTS secundário à HPB, quando predominam sintomas de armazenamento e com baixo resíduo pós-miccional. o Agentes fitoterápicos – Apresentam efeitos modestos. Até o momento, os estudos dis- poníveis não sugerem que estes agentes possuam efeitos clinicamente significativos nos pacientes com LUTS secundário à HPB. 8.2 Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico está indicado quando há falha do tratamento medicamentoso, e os sinto- mas da obstrução alteram a qualidade de vida do paciente. As indicações de tratamento cirúrgico obri- gatório estão relacionadas às complicações advindas do processo obstrutivo: • Insuficiência renal pós-renal secundária à HPB (hidronefrose e/ou uremia); • Infecção recorrente do trato urinário; • Hematúria macroscópica recorrente; • Cálculos vesicais (presença de divertículo vesical não é uma indicação absoluta de cirurgia, a menos que esteja associado à ITU recorrente ou disfunção vesical progressiva); • Retenção urinária aguda. As modalidades de tratamentos cirúrgicos dependem da experiência do cirurgião e da disponi- bilidade da tecnologia. • Ressecção Transuretral de Próstata (RTUP) RTUP monopolar é o tratamento cirúrgico mais comumente utilizado, idealmente para pa- cientes com volumes prostáticos menores que 80g, evitando-se assim a síndrome da into- xicação hídrica (SIH) que ocorre em 2% dos casos. A SIH é uma complicação decorrente da utilização do líquido de irrigação hiposmolar. O uso de líquido hiposmolar (sem eletró- litos) é obrigatório para evitar a condução de corrente elétrica ao paciente. A solução de continuidade ocasionada pela lesão tecidual da ressecção promove absorção do líquido hi- 193 - Capítulo XII | Hiperplasia benigna da próstata posmolar (água livre) para a corrente sanguínea e instertício, podendo promover a diluição do sódio, gerando um quadro de hiponatremia dilucional. Os primeiros sintomas de SIH incluem desorientação, náuseas e vômitos, hipertensão arterial e bradicardia. Outras possíveis complicações são: hematúria perioperatória (10%), perfuração da cápsula (2%), retenção urinária pós-operatória (7%), tamponamento por coágulos (5%), infecção do trato urinário (3%), ejaculação retrógrada (70%), esclerose do colo vesical (3%), incon- tinência urinária (1,5%) e disfunção erétil (5%). Com o advento da RTUP bipolar, o risco da SIH foi eliminado devido à utilização de solu- ção salina para a irrigação. Essa nova tecnologia permite a ressecção de próstatas com vo- lumes um pouco maiores. • Prostatectomia Aberta Tipicamente realizada em pacientes com próstatas superiores a 80-100g. A via de acesso à próstata pode ser transvesical (abertura da bexiga e acesso à próstata pelo colo vesical) ou retropúbica a Millin (abertura da cápsula prostática para acesso à próstata). Prostatectomia aberta é considerada a cirurgia mais eficaz dentre todas as possibilidades de tratamento ci- rúrgico. Ela cursa com resultados duradouros, maiores taxas de sucesso, melhora da quali- dade de vida em 60-87% dos pacientes e aumento nas taxas do fluxo urinário em mais de 300%. Possui morbidade reduzida com as melhoras das técnicas cirúrgicas, taxa de trans- fusão sanguínea ao redor de 7-14% e taxa de esclerose do colo vesical ao redor de 6%. • Laserterapia Ablação transuretral da próstata com Holmium laser ou Green laser se constituem as mais estudadas hoje para o tratamento cirúrgico da HPB, sendo a primeira técnica mais utiliza- da para enucleação (HoLep) e a segunda para vaporização. De uma maneira geral, técni- cas a laser proporcionam menor tempo de permanência hospitalar, menor tempo de cateter vesical no pós-operatório, menor risco de sangramento, sem necessidade de interrupção do uso de anticoagulantes. O uso destas técnicas ainda é limitado devido aos custos e menor disponibilidade nos centros hospitalares. • Incisão Transuretral da Próstata (TUIP ou Prostatotomia) É um tratamento cirúrgico alternativo para pacientes com STUI moderado a severo e prós- tatas menores que 30g. • Terapias Minimamente Invasivas Terapia transuretral da próstata com agulhas (TUNA), que emitem energia de radiofrequ- ência de baixo nível através de agulhas inseridas no parênquima prostático via transuretral, provocando necrose de coagulação. Eduardo Hidenobu Taromaru - 194 Termoterapia transuretral por microonda (TUMT), através de uma antena intrauretral que libera calor para a próstata, provocando também necrose de coagulação. O lift de uretra prostática (Urolift) consiste na liberação de pequenos implantes permanentes por cistoscopia, que retraem os lobos laterais da próstata abrindo a luz da uretra prostática. A embolização das artérias prostáticas (EAP), realizada através de cateterismo da artéria femoral, sendo capaz de reduzir o volume prostático em até 30%. Essas técnicas podem ser realizadas sob regime ambulatorial, sob anestesia local, oferecen- do menos morbidades ao paciente. No entanto, os resultados são inferiores aos da RTUP. • Prostatectomia Laparoscópica ou Robótica Com o intuito de reduzir a morbidade associada à cirurgia aberta, têm sido propostas técnicas menos invasivas. A primeira prostatectomia laparoscópica para HPB foi realizada em 2002 e a pri- meira cirurgia robótica em 2008. Possuem taxa de transfusão intraoperatória de aproximadamente 3,5%. A grande dificuldade, principalmente para utilização da técnica robótica, é o custo relaciona- do ao equipamento. Leitura recomendada AMERICAN UROLOGICAL ASSOCIATION EDUCATION AND RESEARCH. McVary, Kevin T. et al. Management of Benign Prostatic Hyperplasia (BPH). Guideline documents. 2010. Published 2010; Reviewed and Validity Confirmed 2014. Disponível em: <http://www.auanet.org/guidelines/be- nign-prostatic-hyperplasia-(2010-reviewed-and-validity-confirmed-2014)>. Acesso em: 09 fev. 2018. MARTINS, Renato Ferreira. Avaliação da eficácia clínica da vaporização da próstata com o Laser Green Light utilizando o score internacional de sintomas prostáticos – IPSS. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Hospital Federal da Lagoa. Rio de Janeiro, 2013. Mc VARY, Kevin T. et al. Update on AUA Guideline on the Management of Benign Prostatic Hyperplasia. The Journal of Urology, v. 185, p. 1793-1803, May 2011. Disponível em: <http://www. jurology.com/article/S0022-5347(11)00224-2/fulltext>. Acesso em: 09 fev. 2018. WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. cAPítulo xIII Fimose e parafimose Luccas Santos Patto de Goes VOLTAR 196 - Capítulo XIII | Fimose e parafimose Fimose Fimose fisiológica é uma condição comum ao nascimento em indivíduos do sexo masculino, e se define como a incapacidade de retrair o prepúcio e expor a glande por conta da presença de aderên- cias naturais que mantêm o prepúcio e a glande unidos. Durante os primeiros 3-4 anos de vida, quan- do o pênis cresce, detritos epiteliais denominados esmegma se acumulam sob o prepúcio separando gradualmente o prepúcio da glande. Ereções penianas intermitentes fazem com que o prepúcio se tor- ne completamente retrátil. Estudos demonstram que a incidência de fimose diminui ao longo da vida. No momento do nas- cimento, menos de 5% dos meninos têmum prepúcio totalmente retrátil e este número aumenta para 15% em 6 meses, 50% em 1 ano, 80% em 2 anos, e aproximadamente 90% em 3 anos. A presença do prepúcio, principalmente quando comprometido pela fimose, é sabidamente um fator de risco bem estabelecido para o câncer de pênis. Embora seja uma neoplasia maligna rara, cur- sa com taxas de incidência mais elevadas em países subdesenvolvidos, associadas principalmente à falta de higiene genital relacionada à fimose, que está presente em 25-75% dos pacientes com cân- cer de pênis. Quando fimoses fisiológicas persistem ou se tornam fimoses patológicas consequentes à uma gama variada de situações clínicas, o procedimento cirúrgico denominado postectomia (ou circuncisão) está indicado. Além disso, alguns países do mundo realizam a postectomia por motivos religiosos ou cultu- rais, ou para fins epidemiológicos de controle profillático de determinadas doenças como o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Outrossim, a circuncisão tem papel crucial na redução da incidência do câncer de pênis, podendo diminuir o risco da neoplasia em até 10 vezes. (GOES, 2015). 1 Quadro clínico A fimose geralmente é assintomática na infância. Todavia, crianças que possuem o prepúcio mui- to fechado podem desenvolver ITU de repetição e/ou processos inflamatórios e infecciosos da glan- de e do prepúcio (balanopostite). Em homens na puberdade e na fase adulta, o motivo da procura pelo especialista é o desconfor- to provocado pelo anel fibrótico, que dificulta a exposição da glande (principalmente quando o pênis está ereto), prejudicando ou impedindo a masturbação ou a atividade sexual. Além disso, fimose muito severa com incapacidade completa de expor a glande pode cursar com infecções associadas ou evoluir com tumores penianos em longo prazo. Uma causa bastante comum de desenvolvimento de fimose em homens de meia-idade ou mais idosos é a presença de diabetes mellitus não controlado, onde níveis elevados e permanentes de gli- cemia promovem balanopostites de repetição, inflamação, fibrose prepucial e fimose, num periodo de tempo relativamente curto. Luccas Santos Patto de Goes - 197 2 Diagnóstico O diagnóstico da fimose é clínico e feito através do exame físico, inclusive das suas complica- ções (balanopostite, parafimose e câncer de pênis, por exemplo). A fimose pode ser classificada em quatro graus de acordo com a exposição da glande. Essa gra- duação permite, além de avaliar a severidade dessa condição patológica, prever a chance de resolu- ção com o desenvolver da criança (Figura 1). Figura 1 – Classificação da fimose • Grau I – retração prepucial adequada com boa exposição de glande; • Grau II – retração parcial do prepúcio, com exposição do meato; • Grau III – retração mínima do prepúcio, com exposição apenas do meato; • Grau IV – sem retração prepucial. 3 Tratamento Embora a postectomia ou circuncisão seja estabelecida como tratamento padrão para a fimose, outros procedimentos clínicos podem ser utilizados, como por exemplo, o uso de corticoide tópico em diversas apresentações, sendo uma opção em casos não complicados, com taxas elevadas de sucesso (GOES, 2015). Deve-se ressaltar, no entanto, que este tipo de terapia associada à massagem prepucial pode gerar descolamento brusco do prepúcio em crianças, que evoluem com retrações cicatriciais do prepúcio e piora do quadro. A postectomia, por definição, é um procedimento cirúrgico com objetivo de retirar o anel fibró- tico prepucial, permitindo a exteriorização permanente da glande. Tem como indicações clássicas: • ITU recorrente; • Balanopostite de repetição; 198 - Capítulo XIII | Fimose e parafimose • Balanite xerótica obliterante; • Refluxo vesicoureteral em crianças; • Necessidade de cateterismo intermitente limpo; • Parafimose. O procedimento cirúrgico pode ser realizado através de uma variedade de técnicas, como a ex- cisão prepucial tradicional, a utilização de dispositivos para outros profissionais não especializados realizarem a postectomia de forma segura e simples (Plastibel), facilitando sua realização em massa. A postectomia tem índices de morbidade baixos, com taxa de mortalidade em nosso país de 0,0013%, sendo considerada um procedimento seguro e de baixa complexidade. É uma cirurgia que pode ser realizada em caráter ambulatorial, com anestesia local, e pós-operatório manejado pelo pró- prio paciente (Figura 2). Figura 2 – Técnica tradicional de Postectomia 4 Complicações A complicação a curto prazo mais importante da fimose é a parafimose (discutida nos próximos parágrafos). A presença da fimose a longo prazo aumenta as chances de ITU e balanopostites de repetição, o risco de contração de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e o risco de câncer de pênis. Luccas Santos Patto de Goes - 199 Parafimose A parafimose é uma complicação da fimose, quando ocorre a incapacidade de redução do prepúcio, com constrição da glande pelo anel fibrótico da fimose. É uma emergência urológica porque causa uma isquemia progressiva da glande, levando, num estágio mais avançado, à ne- crose glandar. De um modo geral, a parafimose ocorre em indivíduos com fimoses importantes e que mantêm a atividade sexual ou masturbação, a despeito de todo desconforto provocado pelo anel fibrótico prepucial. 1 Quadro clínico A apresentação clínica da parafimose é representada por edema da glande e prepúcio subjacen- te e dor local (Figura 3). Alterações isquêmicas e/ou necróticas da glande ocorrem quando a parafi- mose permanece instalada e sem resolução por tempo prolongado, indicando um quadro mais grave. Figura 3 – Parafimose. Note o prepúcio retraído e impossibilitado de retornar à sua posição normal por conta do anel fibrótico da fimose. Observe também o edema da glande 2 Diagnóstico O diagnóstico da parafimose é clínico e feito através da anamnese e do exame físico. A história clínica é típica. O paciente relata ser portador de fimose mais complexa (graus III e IV) e, geralmente, 200 - Capítulo XIII | Fimose e parafimose já iniciou suas atividades sexuais ou masturbação. A dor local quase sempre está associada. O exame físico é esclarecedor e as condições descritas acima são facilmente identificadas. Os principais sinais observados pelo examinador são: (1) prepúcio retraído, (2) edema do prepúcio, (3) edema da glande e (4) áreas de tecido desvitalizado ou necrótico em casos de parafimose instalada por tempo prolon- gado. Alguns pacientes apresentam dificuldade miccional. 3 Tratamento Parafimose é uma emergência urológica e, assim que o diagnóstico é dado, o tratamento deve ser imediatamente estabelecido. Existem dois tipos de tratamento: o conservador e o cirúrgico. O tratamento conservador consiste na redução do prepúcio para sua posição fisiológica original através de manobras manuais (Figura 4), que podem ser facilitadas pelo uso de compressas de gelo e até punção do prepúcio com agulha para drenagem venosa antes da redução manual. Embora esse procedimento solucione a parafimose e o sofrimento tecidual, ele não corrige a fimose. Assim, o pa- ciente deve ser muito bem orientado e preparado para que a postectomia (tratamento definitivo) seja precocemente realizada para retirada do prepúcio doente. Figura 4 – Manobra manual – tratamento conservador da parafimose Quando as manobras manuais falham, o procedimento cirúrgico denominado dorsotomia deve ser realizado. Esta cirurgia implica em uma incisão vertical e dorsal do prepúcio com posterior Luccas Santos Patto de Goes - 201 sutura horizontal aumentando o diâmetro prepucial, facilitando a sua redução (Figura 5). Nesses casos, mesmo que a chance de uma nova parafimose seja menor, a postectomia (tratamento definitivo) também deve ser realizada de forma eletiva. Figura 5 – Dorsotomia cirúrgica do prepúcio. Note a incisão dorsal e vertical com sutura na transversal Para os casos onde há impossibilidade da dorsotomia por conta de dificuldadestécnicas associa- das ao edema do prepúcio, a postectomia pode ser realizada no momento do diagnóstico. 4 Complicações As complicações mais temidas da parafimose são as perdas teciduais do prepúcio e da glande, necrose da glande e até mesmo necrose da porção mais distal do pênis. Outras complicações observa- das são infecções locais e retenção urinária aguda. Leitura recomendada GÓES, Luccas Santos Patto de. Avaliação da função sexual em pacientes submetidos à postectomia. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Comissão de Residência médica Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Residência médica, Urologia. São Paulo, 2015. cAPítulo xIV Hidrocele e varicocele Felipe Guilherme Hamoy Kataoka VOLTAR 203 - Capítulo XIV | Hidrocele e varicocele Hidrocele A hidrocele consiste em uma coleção líquida escrotal, podendo ser comunicante, por persistên- cia do conduto peritoneo vaginal em crianças, ou não comunicante, por desequilíbrio entre secreção pela túnica vaginal visceral e reabsorção pela túnica vaginal parietal. Esse desequilíbrio cria um espa- ço real e de tamanho variável, dependendo da quantidade de líquido acumulada. Várias são as causas que levam à formação de uma hidrocele, não sendo possível identificar o agente causal na maioria dos casos. Geralmente é decorrente de trauma externo, processos inflamatórios, neoplasias ou consequente à realização de cirurgia urológica, sendo a complica- ção mais comum observada após a correção cirúrgica de varicocele sem a utilização de técnicas microscópicas. Nesses casos, ocorre ligadura dos vasos linfáticos no momento do tratamento das varizes do plexo pampiniforme, dificultando a absorção e drenagem de líquido pela túnica vaginal visceral, promovendo a hidrocele. 1 Quadro clínico O acúmulo de líquido propiciará um aumento de volume escrotal, geralmente indolor. Hidroceles volumosas podem dificultar atividades cotidianas como deambulação e/ou ter impacto negativo no desempenho sexual. Dor geralmente aparece quando o líquido acumulado se contamina e se infecta com agentes patogênicos do meio externo (hidrocele infectada). À inspeção, o exame físico evidenciará um aumento de volume do escroto e, à palpação, um conteúdo de aspecto cístico de limites bem definidos, envolvendo o(s) testículo(s) acometido(s). Hidroceles volumosas podem promover escarificação da pele da bolsa escrotal por atrito com a face interna da coxa, e evoluir com infecção cutânea, algumas vezes de maior gravidade. Quando ocorre infecção da hidrocele, as paredes das túnicas ficam inflamadas e espessas, e a diferenciação diagnós- tica de tumores malignos pode se tornar muito difícil ou impossível. 2 Diagnóstico O diagnóstico é via de regra clínico. O uso de transiluminação é um método prático, barato e inócuo, servindo como ferramenta para diagnóstico diferencial de hérnias inguinais, uma vez que o conteúdo líquido permite a passagem de luz (transluminescência positiva). Entretanto, hidroceles complexas e/ou septadas podem não permitir transiluminação positiva por conta das suas paredes espessas ou pela presença de múltiplos septos. A ultrassonografia da bolsa escrotal é importante porque possibilita, além do diagnóstico da hi- drocele, o diagnóstico de tumores testiculares, a identificação de sinais de infecção, a presença de sep- tações e de outras patologias associadas (hérnia inguinal indireta, por exemplo). Essas situações são importantes na definição de tratamento para cada tipo de hidrocele. Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 204 3 Tratamento Os objetivos do tratamento são melhorar a qualidade de vida, o aspecto estético do escroto e evitar complicações. O tratamento é intervencionista, podendo ser de abordagem cirúrgica tradicional ou minimane- te invasiva, ou percutânea por escleroterapia. As abordagens tradicionais são realizadas por incisão longitudinal na rafe ou por incisão trans- versa unilateral no escroto, sendo a escolha realizada na dependência de uni ou bilateralidade. O procedimento cirúrgico consiste em isolar a túnica vaginal parietal, aspirar o conteúdo e reali- zar o reparo (eversão/marsupialização da túnica), visando evitar recidivas futuras. As técnicas de reparo dividem-se em técnicas de excisão e técnicas de plicatura, sendo a primeira com menor potencial de recorrência e maior chance de hematoma, e a segunda, o inverso. As taxas de sucesso do tratamento cirúrgico giram em torno de 90-100%. Outra opção de tratamento é a escleroterapia, cujas taxas de sucesso variam de 33-75%, sendo geralmente recomendadas para pacientes frágeis e com muitas comorbidades. A escleroterapia consis- te na aspiração do conteúdo líquido e instilação de substância esclerosante associada com anestésico local. Vários agentes esclerosantes podem ser utilizados, como por exemplo tetraciclina, álcool 95% e soluções fenólicas a 2,5%. Esse método pode ter efeitos adversos sobre a fertilidade, não devendo ser indicada para homens com interesses reprodutivos. 4 Complicações As taxas de complicações giram em torno de 19%, com destaque para hematomas. Além des- sa, infecção, edema, lesão de vasos espermáticos e dor crônica também podem ocorrer, sendo em sua maioria conduzidas com tratamento clínico e até mesmo expectante. Varicocele Trata-se de uma dilatação anormal das veias testiculares que formam o plexo pampiniforme, sen- do considerada a principal causa de infertilidade masculina. Classicamente, sua prevalência estimada é de 15% da população geral. Em adultos é responsável por infertilidade em 35% e 80% dos homens com infertilidade primária e secundária, respectivamente. Sua gênese se dá no período pré-puberal e caracteriza-se por ser tempo-dependente, manifestando- se, via de regra, a partir da adolescência. As teorias etiológicas se baseiam em aumento de pressão venosa, incompetência ou ausência congênita de válvulas venosas e variação da drenagem venosa espermática. Sob o ponto de vista clínico, a bilateralidade é a regra e não a exceção, embora, por questões anatô- micas, a varicocele seja mais proeminente no lado esquerdo. Esse fato decorre de a veia gonadal esquer- da drenar em um ângulo de 90 graus (ângulo reto) na veia renal esquerda em um percurso 10 cm maior 205 - Capítulo XIV | Hidrocele e varicocele que o da contralateral. Essa sobrecarga pressórica hidrostática, principalmente em posição ortostática, transmite-se sobre o sistema venoso testicular e, insidiosa e paulatinamente, sobrepõe à capacidade val- vular venosa gerando um fluxo retrógrado. Não raro, homens com essa condição também apresentam varizes de membros inferiores e doença hemorroidária, denotando o caráter sistêmico da doença venosa. É na infertilidade que reside a motivação principal para procura de tratamento para varicocele e, nesses termos, o comprometimento da espermatogênese tem sido o foco de investigações dessa doença nas últimas décadas, sendo propostas várias teorias. Dentre elas, destacam-se: (1) refluxo de metabólitos renais e adrenais, gerando vasoconstrição crônica, (2) disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, inviabilizando a produção mínima de testosterona necessária para espermatogênese, (3) estase e pres- são venosa, comprometendo o suprimento sanguíneo e a microvasculatura, (4) hipertermia testicular, em que a presença da estase venosa prejudica o sistema de resfriamento do sangue arterial, mantendo a temperatura testicular próxima ou igual à temperatura corpórea, (5) hipóxia e estresse oxidativo, gerados pelo aquecimento testicular e (6) hipóxia crônica, levando ao desequilíbrio entre espécies reativas de oxigênio e antioxidantes. É certo que não existe um único mecanismo específico, todavia, atualmente, considera-se a hipertermia testicular como principal evento pelo qual ocorre o estresse oxidativo e todo o impacto negativo sobre a espermatogênese. 1 Quadro clínico O aumento da temperatura testicular associada ao estresse oxidativo é que vai provocartodos os sintomas. A varicocele possui clínica bastante variada, podendo apresentar-se como assintomática ou dor testicular crônica impactante. A dor, quando presente, é do tipo peso, às vezes diária, outras vezes intermitente, e em graus variados de severidade. O impacto negativo da temperatura e radicais livres sobre a fertilidade pode levar a alterações importantes na produção de espermatozoides, diminuindo principalmente sua produção (oligosper- mia) e capacidade de progressão (astenospermia), culminando com a incapacidade de gestação por métodos naturais (infertilidade masculina). Por fim, os efeitos acima mencionados também podem danificar o testículo acometido ao longo do tempo, levando à hipofrotia ou atrofia testicular. Embora exista uma relação direta entre o grau de severidade da varicocele com o quadro álgi- co e com os padrões espermatogênicos, em alguns pacientes essa correlação não é observada. Assim, presume-se que um paciente com varicocele importante (grau III – veja definição abaixo) seja mais sintomático e com parâmetros piores do espermograma, mas nem sempre essa associação é estabelecida. Felipe Guilherme Hamoy Kataoka - 206 2 Diagnóstico O diagnóstico é clínico e todo homem em investigação para infertilidade deve ter seu escroto examinado. Se detectada varicocele, a mesma deve ser categorizada conforme a classificação de Dubin e Amelar (1978), descrita abaixo: • Grau I – Não visível. Palpável apenas com manobra de Valsalva; • Grau II – Não visível. Palpável sem manobra de Valsalva; • Grau III – Visível e palpável sem manobra de Valsalva. A varicocele é dita subclínica quando é detectada somente por exame ultrassonográfico e, assim como a de Grau I, não tem significância clínica estabelecida. O exame deve ser realizado em sala adequada com temperatura entre 22 e 25 graus Celsius, uti- lizando luz branca, com o médico sentado e o paciente em pé, executando manobra de Valsalva. O médico traciona gentilmente a bolsa testicular com uma suave elevação das estruturas do cordão con- tra a bolsa testicular, visando identificar as varizes. Um método de imagem bastante utilizado é o US de bolsa escrotal com Doppler, que é capaz de visualizar a dilatação e o refluxo vascular venoso no plexo pampiniforme. Quando a queixa é de infertilidade, o espermograma (pelo menos duas amostras com intervalo mínimo de 15 dias entre elas) é importante para determinar o nível de alteração espermática. 3 Tratamento O tratamento dessa patologia ainda hoje é motivo de controvérsias, sendo consideradas indicações adequadas para tratamento cirúrgico (1) a presença de varicocele palpável, (2) alteração da análise semi- nal, (3) potencial feminino preservado para gravidez natural e (4) assimetria testicular maior que 20% (testículo acometido pelo menos 20% menor que o contralateral). Dor não é indicação precisa, devendo o tratamento ser realizado somente se houver varicocele palpável, desde que tenham sido descartadas outras causas álgicas e na ausência de responsividade a medidas conservadoras para manejo de dor. O tratamento é cirúrgico, com diferentes vias de acesso, não sendo recomendadas abordagens escrotais pela possibilidade de dano ao suprimento arterial do testículo. Dentre as técnicas utiliza- das, existem a retroperitoneal, a inguinal convencional, a laparoscópica e a microscópica inguinal ou subinguinal, cada uma com vantagens e desvantagens. As técnicas microscópicas são as de menor potencial de complicações, sendo então as mais recomendadas. Em última análise, a cirurgia rende bons resultados com melhora da análise seminal em 60-80% e taxas de gravidez variando de 20-60%. Se possível, deve ser ofertado o tratamento microcirúrgico, dado o menor potencial de complicações e resultados satisfatórios. 207 - Capítulo XIV | Hidrocele e varicocele 4 Complicações A hidrocele é a princial complicação pós-operatória e decorre da obstrução linfática, variando sua incidência de 3% a 33%. A recorrência da varicocele pode ocorrer em taxas que variam de 0,6% a 45%, sendo mais corriqueira quando utilizadas técnicas sem microscopia. Todavia, a complicação mais temível é a lesão de artéria testicular, podendo levar até mesmo à atrofia testicular. Leitura recomendada FRANK, A. Celigoj;, RAYMOND, A. Costabile.surgery of the scrotum and seminal vesicles. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. Cap. 41, p. 954-956. GOLDSTEIN, M. Surgical Management of male infertility. In: WEIN, Alan J. et al. Campbell-Walsh urology. 11th ed edition review. Philadelphia : Saunders, 2015. Cap 25, p. 604-610. ZYLBERSZTEJN, D.S. Varicocele. In: NARDI, Aguinado Cesar. Urologia Brasil. São Paulo: Planmark; 2013. Cap 18, p. 221-231 cAPítulo xV Disfunção erétil Thiago Seiji Carvalho da Silveira VOLTAR 209 - Capítulo XV | Disfunção erétil Introdução Durante muito tempo, por questões socioculturais, o estudo de problemas relacionados à sexu- alidade humana foi considerado um tabu pela sociedade e comunidade científica. Mudanças culturais e sociais ocorridas, principalmente após os anos 1970, colaboraram sobremaneira para uma mudança nesse paradigma. Nas últimas décadas houve um avanço científico significativo sobre a fisiologia da ereção e a fisiopatologia da disfunção erétil. A disfunção erétil (DE) pode ser definida como a incapacidade de se obter e/ou manter uma ere- ção peniana com rigidez suficiente para uma atividade sexual satisfatória. Estudos epidemiológicos estimam uma prevalência entre de 40-60% de algum grau de disfun- ção erétil em homens entre 40 e 70 anos. No entanto, a proporção de homens que buscam algum tipo de tratamento é menor por restrições culturais e dificuldade de aceitação do problema. 1 Anatomia do pênis 1.1 Sistema Nervoso O centro autonômico espinhal responsável pela ereção está localizado ao nível de T12-L2 (sim- pático) e S2-S4 (parassimpático). As fibras nervosas se reúnem para formar os plexos hipogástrios in- feriores e pélvicos que enviam nervos para os órgãos pélvicos. Os nervos cavernosos seguem pela superfície posterolateral da próstata, passando paralelamen- te à uretra membranosa em direção aos corpos cavernosos e corpo esponjoso para inervar as artérias helicoidais do pênis. O centro motor somático espinhal está localizado no segmento S2-S4 (núcleo de Onuf) e iner- vam os músculos isquiocavernoso e bulboesponjoso através do nervo pudendo, permitindo a contra- ção voluntária da musculatura pélvica. A ereção peniana natural pode acontecer de 3 formas: • Estimulação genital – Por estímulo tátil ou reflexa. • Estímulo central – Psicogênica ou sem contato, através de estímulos visuais, olfativos e psi- cogênicos (fantasias). • Origem central – Ereção fisiológica noturna, sem relação com estímulos sensoriais. Acontece durante o sono REM (rapid eyes movement), a fase mais profunda do sono. 1.2. Sistema Vascular O suprimento arterial peniano se origina das artérias pudendas interna e seus ramos: bulbouretral (corpo esponjoso e uretra), dorsal do pênis (pele e glande) e artérias cavernosas (corpos cavernosos). Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 210 A drenagem venosa ocorre através das veias superficial e profunda do pênis. A profunda, após entrar na pelve, deságua no plexo venoso prostático de Santorini, também conhecido como comple- xo da veia dorsal profunda do pênis. Daí, seguem através da veia pudenda interna para terminar na veia cava inferior. Para maiores detalhes sobre a anatomia dos corpos cavernosos e irrigação peniana, veja o capí- tulo referente à Anatomia do Trato Urinário Inferior. 2 Fisiologia da ereção A ereção normal ocorre por reflexo espinhal desencadeado por estímulos sensoriais como vi- são, tato, imaginação e olfato. Esses estímulos chegam ao sistema nervoso central por fibras nervosas aferentes onde ocorre a modulação da função sexual e erétil no sistema nervoso central. Dopamina, acetilcolina,ocitocina e peptídeo vasoativo intestinal são os principais neurotransmissores envolvi- dos nessa modulação. A ativação dos nervos autonômicos parassimpáticos causa ereção por enchimento e retenção de sangue nos corpos cavernosos. O estímulo colinérgico mediado pela Ach estimula a produção de óxido nítrico sintase (eNOS) que, por sua vez, estimulará a produção de óxido nítrico (NO) pelas terminações nervosas do nervo cavernoso. Então, o NO penetra nas células musculares lisas dos vasos sanguíne- os penianos (artérias helicinais) e estimula a produção de GMP cíclico (GMPc) que, por sua vez, leva ao influxo de Cálcio para o retículo endoplasmático, promovendo o relaxamento da musculatura lisa vascular. Esse relaxamento (vasodilatação) permite aumento do influxo de sangue arterial para os cor- pos cavernosos que se enchem de sangue, promovendo a tumescência peniana (ereção). Associada a esse mecanismo, a contração do músculo isquiocavernoso (somático) comprime os corpos caverno- sos proximais dando rigidez à ereção (Figura 1). A detumescência peniana ocorre por um mecanismo oposto. Após a ejaculação, o estímulo sim- pático leva à liberação de noradrenalina pelas terminações nervosas do nervo hipogástrico que ati- vam a adenil-ciclase e a degradação do GMPc. A redução nos níveis de GMPc citoplasmático leva à saída de Cálcio do retículo endoplasmático, promovendo a contração da musculatura lisa dos vasos e detumescência (flacidez) (Figura 2). Alternativamente, os níveis de GMPc também podem cair pela ação da fosfodiesterase tipo 5, presente em níveis elevados no tecido erétil, e responsável por degra- dar o GMPc em GMP. 211 - Capítulo XV | Disfunção erétil Figura 1 – Fisiologia da ereção peniana. Observe as funções da acetilcolina, eNOS, NO, GMPc e o influxo de Cálcio para o retículo endoplasmático Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 212 Figura 2 – Fisiologia da detumescência peniana. Observe as funções da noradrenalina, GMPc (queda) e o efluxo de Cálcio do retículo endoplasmático 3 Fisiopatologia A DE é uma condição multifatorial, onde um conjunto de fatores de risco podem atuar para pro- mover DE como um evento final. Sedentarismo, idade, obesidade, transtornos psicológicos, dislipidemia, hipogonadismo, tabagismo, alcoolismo, hipertensão arterial, depressão, procedimentos cirúrgicos, radioterapia pélvi- ca, traumatismos, uso de medicamentos ou drogas ilícitas estão entre os fatores de risco que podem levar à disfunção erétil. Esses fatores, combinados ou não a outras condições (DAEM, por exemplo), estão incluídos em 5 grandes grupos de fatores responsáveis pela DE, a saber: fator vascular, fator 213 - Capítulo XV | Disfunção erétil neurológico, fator endócrino, fator psicogênico e medicamentos e/ou drogas ilícitas. Cada um deles será melhor descrito nos parágrafos seguintes. 3.1 Fator Vascular A maioria dos casos de DE arteriogênica é atribuída à doença arterial difusa. O que ocorre, ba- sicamente, é a falha dos mecanismos de vasodilatação das artérias do corpo cavernoso. Fatores de risco para doença aterosclerótica e disfunção erétil são semelhantes e devem ser abordados de maneira conjunta. Até 50 % dos homens com disfunção erétil grave têm algum grau de isquemia miocárdica. 3.2 Fator Neurológico DE consequente a fator neurológico ocorre por uma falha na condução de impulsos nervosos e prejuízo na produção de NO. Alterações neurológicas como acidente vascular cerebral, tumores do SNC, traumatismos ra- quimedulares, cirurgia pélvicas, radioterapia pélvica, neuropatia diabética são causas importantes de disfunção erétil. Doenças neurológicas como Alzheimer e doença de Parkinson podem levar à disfunção erétil pelo efeito direto sobre o mecanismo da ereção ou pela diminuição da libido que pode ocorrer nes- sas condições. 3.3 Fator Endócrino O diabetes é um dos principais fatores de risco para disfunção erétil. Cerca de 75% dos homens diabéticos apresentam algum grau de disfunção erétil que pode preceder, em alguns anos, complica- ções microvasculares e neuropáticas da doença. O diabetes ocasiona DE por conta das lesões neuro- lógicas (polineuropatia) e vasculares (vasculopatia) que ocorrem com a evolução da doença. A síndrome metabólica (obesidade, hipertensão, dislipidemia, resistência insulínica) é um im- portante fator de risco para o surgimento de disfunção erétil. Hiperprolactinemia, distúrbios da tireoide, síndrome de Cushing e doença de Addison podem causar diminuição da libido e disfunção erétil. Baixos níveis de testosterona presente na deficiência androgênica do envelhecimento masculi- no (DAEM) têm impacto negativo sobre a função sexual e ereção. 3.4 Medicamentos e Drogas Ilícitas O uso de alguns medicamentos pode levar à disfunção erétil. A DE é comum em homens idosos e coexiste, em muitos casos, com outras doenças como diabetes, depressão e doenças cardiovascula- Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 214 res, que também são fatores de risco para disfunção erétil. É comum o uso de múltiplas medicações para o tratamento dessas doenças, que podem contribuir em algum grau para o surgimento ou agra- vamento da DE. Anti-hipertensivos, diuréticos, antidepressivos, antipsicóticos, anticonvulsivantes e bloqueadores androgênicos são exemplos de medicações com impacto negativo sobre a função erétil. Anti- hipertensivos do tipo beta-bloqueadores potencializam a atividade alfa1-adrenérgica levando à DE. Bloqueadores alfa-1 (doxazosina, por exemplo) e bloqueadores do receptor de angiotensina II (losar- tana, por exemplo) têm efeito oposto e podem até melhorar a função sexual . Diuréticos tiazídicos, não tiazídicos e espironolactona têm efeito negativo sobre a função erétil. Antiandrogênicos usados para fins de castração química (gosserrelina, por exemplo), levam à diminuição acentuada da libido, e geralmente é acompanhada de disfunção erétil. A finasterida, usa- da no tratamento da hiperplasia prostática, é um antiandrogênico com efeito menor sobre a testoste- rona circulante e a função sexual. 3.5 Fator Psicogênico A DE psicogênica é definida pela incapacidade do indivíduo conseguir ou manter ereções satis- fatórias de origem predominantemente psicológica. Geralmente tem início repentino, caráter seletivo e padrão normal de ereções noturnas. Ansiedade, sentimento de culpa, medo e estresse estão em geral presentes nesses pacientes. A avaliação psicológica pode ser muito útil nesse grupo de pacientes. Condições psiquiátricas como depressão e ansiedade são fatores de risco para o aparecimento de disfunção erétil. Importante atentar para medicações usadas no tratamento de distúrbios psiquiátri- cos e que podem influenciar negativamente a função sexual. 4 Diagnóstico História clínica, exame físico completo e investigação detalhada dos fatores de risco são fundamentais na investigação diagnóstica. Avaliação de aspectos psicossociais, religiosos e conjugais devem sempre ser abordados durante a consulta médica. Alguns questionários podem ser utilizados, embora não sejam fundamentais. O questionário mais utilizado é o IIEF (International Index of Erectile Function) com 15 itens ou IIEF-5 (versão resumi- da) com 5 itens. São úteis para avaliar a função erétil basal, avaliar a resposta ao tratamento utilizado e a elaboração de ensaios clínicos. Exames complementares laboratoriais devem incluir hemograma completo, glicemia de jejum, hemoglobina glicada, testosterona total e perfil lipídico. Dependendo da presença de fatores de risco específicos e outras comorbidades, exames adicionais podem ser necessários. 215 - Capítulo XV | Disfunção erétil Disfunção erétil é um marcador de doença vascular silenciosa. Portanto, avaliação cardiológi- ca completa deve ser realizada, principalmente em pacientes de risco intermediário e alto. Quando há suspeita de risco cardíaco intermediário ou alto, as atividades sexuais devem ser suspensas até que a avaliação adequada seja realizada por um cardiologista.Exames complementares adicionais, como teste de ereção fármaco-induzida (TEFI), arteriogra- fia pudenda, ecodoppler peniano e eletroneuromiografia podem ser solicitados em casos específicos e para pacientes complexos. A revascularização peniana em casos selecionados pode ser curativa para pacientes com histórico de trauma pélvico com lesão arterial. É recomendável avaliação psicológica para todos os pacientes com disfunção erétil, pois um componente psicogênico está presente na maioria dos casos. 4.1 Testes Diagnósticos Específicos Na maioria dos casos, não é necessária a utilização de testes diagnósticos mais avançados para o diagnóstico da causa da DE. A realização desses exames em excesso, muitas vezes acaba por atrasar o início do tratamento sem fornecer informações que alterem a abordagem terapêutica de maneira significativa. No entanto, em casos selecionados, alguns testes podem ter alguma utilidade. Em pacientes com história de traumatismo pélvico, deformidade peniana, submetidos a cirurgias neurológicas ou vascu- lares, esses exames podem ser realizados. Ecodoppler peniano, cavernosografia dinâmica, angiogra- fia seletiva do pênis e TEFI estão entre os mais utilizados para avaliação vascular. Testes neurológicos raramente são utilizados e, na maioria das vezes, não alteram a conduta terapêutica. 5 Tratamento O surgimento dos inibidores orais da fosfodiesterase tipo 5 (PDEi-5) representou um avanço importante no tratamento farmacológico da DE, sendo considerados a primeira opção na maioria dos casos. Antes do aparecimento desses fármacos, não existia tratamento não invasivo eficaz para DE. São medicamentos com boa eficácia, seguros e de fácil utilização. É importante reforçar os benefícios de mudanças do estilo de vida em pacientes com DE. Atividade física regular, dieta saudável, interrupção do tabagismo e do uso de drogas ilícitas devem ser recomendados a todos os pacientes. Alteração na classe de medicamentos utilizados no controle da pressão arterial e ajuste de do- ses de medicações psicoativas utilizadas no tratamento de distúrbios psiquiátricos podem ter benefí- cio sobre a função erétil quando a causa medicamentosa é identificada. Intervenções psicoterapêuticas cognitivo-comportamentais mostram eficácia nos casos de dis- função erétil psicogênica. Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 216 Doenças da tireoide, hipófise e adrenais devem ser adequadamente tratadas por médico endo- crinologista. O tratamento do hipogonadismo (DAEM) com reposição de testosterona está indicado em homens com sinais e sintomas associados ao déficit de testosterona. 5.1 Tratamento Farmacológico • Inibidores de PDE-5 É a primeira linha de tratamento para homens com DE. Potencializam a resposta erétil fisiológica porque inibem a PDE-5, mantendo as concentrações de GMPc elevadas. É necessário estímulo sexual com consequente liberação de NO para que o fármaco exerça sua ação. Em pacientes onde o estímu- lo nervoso está prejudicado (lesão de nervos após prostatectomia radical para tratamento de câncer de próstata, por exemplo) os efeitos são mais modestos. A principal diferença entre as medicações disponíveis no mercado está relacionada ao tempo de ação e meia-vida da droga. A seguir estão listadas as principais medicações utilizadas e suas características: o Sildenafila – comprimidos de 25, 50 e 100 mg e meia-vida de 3-5 horas. Ingerir a medi- cação 1 hora antes da atividade sexual. o Tadalafila – comprimidos de 5 e 20 mg. A dose recomendada para uso sob demanda é de 20 mg de 30 a 60 minutos antes da atividade sexual, com meia-vida de cerca de 17 horas. A formulação de 5 mg pode ser utilizada para uso diário, que é mais confortável para alguns pacientes, pois a relação temporal entre o uso da medicação sob demanda e a atividade sexual pode ser fator de estresse em alguns casos. o Vardenafila – comprimidos de 5, 10 e 20 mg e meia-vida de 4-5 horas. Recomendada ingesta de 30 minutos a 1 hora antes da relação sexual. o Iodenafila – comprimidos de 40, 80 e 160 mg. Início de ação após cerca de 30 minutos. Duração até 18 horas. Os efeitos colaterais são transitórios e incluem cefaléia, rubor facial, congestão nasal, distúr- bios visuais e dispepsia. Os inibidores de PDE-5 são contraindicados em pacientes que fazem uso de nitratos pelo ris- co de hipotensão grave e potencialmente fatal. Homens com angina instável, insuficiência cardíaca, IAM recente e arritmia cardíaca devem ser adequadamente avaliados por um cardiologista antes do início do tratamento. • Terapia Intrauretral O alprostadil é uma prostaglandina (PGE-1) sintética que pode ser aplicada por via uretral. A absorção ocorre através da mucosa uretral para o corpo esponjoso e cavernoso, aumentando os níveis de AMP cíclico (AMPc), relaxando a musculatura lisa arterial. Essa vasodilatação arterial é promovi- da por AMPc e, portanto, diferente daquela causada por PDEi-5 e mediada por GMPc e NO. 217 - Capítulo XV | Disfunção erétil A medicação (Muse®) consiste em microesferas sob forma de supositório inserido por via ure- tral através de aplicador próprio, nas doses de 500 e 1000 mcg. Dor peniana e escrotal são os princi- pais efeitos colaterais. Comparado à injeção intracavernosa, sua eficácia é inferior. • Injeção Intracavernosa A injeção intracavernosa (IIC) de papaverina foi o primeiro tratamento clínico eficaz para DE e, até 1998, considerada a primeira linha de tratamento para a maioria dos casos. Atualmente, três gru- pos de fármacos são utilizados com essa finalidade: papaverina (vasodilatador), fentolamina (bloque- ador alfa-adrenérgico) e prostaglandina E1 (vasodilatador). A injeção intracavernosa de PGE-1 (Caverject®) nas doses de 10 e 20 µg tem boa eficácia e me- nores índices de priapismo quando comparada a preparados de papaverina e fentolamina. Dor local é o principal efeito indesejado desse tipo de medicação. A papaverina é um derivado não opioide da papoula que promove a ereção pelo relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos através da inibição das fosfodiesterases. Ao contrário da PGE-1, a papaverina pode causar fibrose cavernosa e apresenta uma maior chance de causar priapis- mo. É usada habitualmente nas doses de 30-60 mg. A fentolamina, um bloqueador de receptores alfa-1 e alfa-2 adrenérgicos, é utilizada geralmen- te em combinação com a papaverina (Bimix®) para potencializar os efeitos de rigidez e duração da ereção. A combinação entre papaverina, PGE-1 e fentolamina (Trimix®) também pode ser utilizada com boa resposta. A terapia intracavernosa é eficaz em praticamente todas as etiologias de DE. Como inconve- niente, há a necessidade de autoaplicação da medicação, que muitas vezes não é bem aceita pelos pa- cientes. É importante que as primeiras aplicações sejam realizadas sob supervisão médica adequada. • Implante Cirúrgico de Próteses Penianas Apesar da revolução no manejo clínico da DE com o surgimento dos PDEi-5, a procura por ci- rurgias para implante de próteses penianas permanece relevante nos dias atuais. De maneira geral, existem 2 tipos de próteses: maleável (ou semi-rígida) e infláveis de 2 ou 3 compartimentos. Devido ao custo menor e à facilidade de implantação, as próteses maleáveis são as mais utili- zadas no Brasil. É composta de uma haste metálica flexível revestida por silicone. Existem diversos tamanhos e diâmetros disponíveis no mercado e a escolha deve ser feita no intraoperatório, após re- alização da medida dos corpos cavernosos. A via penoescrotal é a mais comumente utilizada para o implante de próteses semi-rígidas.. As próteses penianas infláveis de 3 volumes (mais utilizadas) são compostas de dois cilindros cavernosos, uma bomba escrotal e um reservatório abdominal. Apesar da técnica cirúrgica mais complexa em relação às próteses semirrígidas, o procedimento é de fácil execução de maneira geral. Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 218 As complicações relacionadas ao implante de próteses penianaspodem ser divididas em com- plicações intraoperatórias, pós-operatórias precoces e pós-operatórias tardias. No ato operatório pode ocorrer perfuração uretral ou dos corpos cavernosos durante a dilatação dos mesmos. Edema e hema- toma podem surgir no pós-operatório precoce. Tardiamente, ptose da glande devido à utilização de próteses curtas e extrusão da prótese são complicações possíveis. A complicação mais temida pelo urologista é a infecção periprotética. As taxas de infecção variam entre os estudos, variando entre 0,6 a 8,9%. A manifestação clínica principal é a dor persistente após 2 meses do ato cirúrgico e é geralmente acompanhada de edema local. O tratamento com antibióticos não é eficaz devido à formação de biofilme que impede a ação adequada dos medicamentos. Nos casos de infecção, o tratamento mais adequado consiste na remoção cirúrgica da prótese e drenagem de eventuais coleções. Culturas devem ser coletadas para direcionar o tratamento antibiótico no pós-operatório. Como alternativa, a realização de cirurgia de resgate utilizando soluções antissépticas com lavagem exaustiva dos corpos cavernosos após retirada da prótese infectada e colocação de uma nova prótese no mesmo procedimento vem sendo realizada com sucesso. • Dispositivo a Vácuo Também chamado de dispositivo de constrição por vácuo, consiste na aplicação de pressão ne- gativa no pênis através de mecanismo de vácuo para atrair o sangue passivamente para o interior dos corpos cavernosos e subsequente constrição com anel elástico na base do pênis para manter a ereção suficiente para o intercurso sexual. A ereção conseguida por esses dispositivos é artificial e pelo fato de os corpos cavernosos pro- ximais permanecerem flácidos (instabilidade da base peniana) a aderência e satisfação dos pacientes a esse método é limitada. Ainda, pode ocorrer a formação de hematomas e petéquias na região peniana. Apesar do uso desses dispositivos ser comum em vários países, no Brasil não existem fabrican- tes de dispositivos a vácuo autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o que limita seu uso em maior escala. • Terapia por Ondas de Choque de Baixa Energia Ainda em caráter experimental, a terapia por ondas de choque de baixa energia aplicada so- bre o pênis tem sido utilizada a fim de promover um melhor fluxo sanguíneo peniano pelo estímulo à angiogênese e função endotelial. Os resultados iniciais são animadores, porém estudos bem controlados de longo prazo ainda pre- cisam ser realizados para que o método possa ser estabelecido como uma forma de terapia para a DE. Leitura recomendada BATTY, G. D. et al. Erectile Dysfunction and later cardiovascular disease in men with type 2 diabetes: prospective cohort study based on the ADVANCE (Action in diabetes and vascular disease: Preterax 219 - Capítulo XV | Disfunção erétil and Diamicron Modified-release controlled evaluation) trial. J Am Coll Cardiol., v. 56, n. 23 Nov. 2010. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21109113>. Acesso em: 01 mar. 2018. BELLA, A. J.; BROCK, G. B:Intracavernous pharmacotherapy for erectile dysfunction. Endocrine. v. 23, n.2-3, Mar./Apr. 2004. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15146094>. Acesso em: 01 mar. 2018. BRANT, M. D.; LUDLOW, J. K.; MULCAHY, J. J. The prosthesis salvage operation: immediate re- placement of the infected penile prosthesis. J Urol. v, 155, n. 1, Jan. 1996. Disponível em: < https:// www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7490819>. Acesso em: 01 mar. 2018. BURNETT, A. L: Erectile dysfunction. J Urol. v. 175, n. 3, Mar. 2006. 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Acesso em: 01 mar. 2018. cAPítulo xVI Ejaculação precoce Thiago Seiji Carvalho da Silveira VOLTAR 221 - Capítulo XVI | Ejaculação precoce Introdução Diferente de outras espécies animais, a ejaculação em humanos não está relacionada apenas à função reprodutiva para perpetuação da espécie. De modo geral, a maioria das ejaculações nos ho- mens está inserida no contexto de uma vida sexual saudável, sem fins reprodutivos. A partir da segunda metade do último século, começaram a surgir estudos e publicações de maior relevância sobre ejaculação precoce (EP) ou ejaculação rápida. 1 Definição Apesar de não existir uma definição muito bem consolidada, alguns autores e consensos de es- pecialistas trabalham para definir EP de modo mais adequado. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a EP como “a incapacidade de controle ejacu- latório suficiente para a satisfação de ambos os parceiros durante o ato sexual”. A Associação Americana de Psiquiatria define como “orgasmo e ejaculação antes ou muito rapida- mente após a penetração vaginal, sem que o indivíduo deseje e que tenha caráter persistente e recorrente”. A definição mais utilizada atualmente é a proposta pela International Society for Sexual Medicine (ISSM), que define a EP como “ejaculação que sempre ou quase sempre ocorre antes ou em cerca de 1 minuto após a penetração, com consequências pessoais negativas como insatisfação, incômodo, frustração e/ou desinteresse na intimidade sexual”. 2 Prevalência Estima-se que a EP pode estar presente em até 30% dos homens entre 18-59 anos, e não está re- lacionada à idade, raça ou estado civil. Levando em consideração apenas o tempo de latência ejaculatória intravaginal (TLEI) menor que 1 minuto, a prevalência torna-se menor (cerca de 1- 5 %). 3 Fisiologia da ejaculação O sêmen masculino é constituído basicamente de espermatozoides (produzidos nos testículos) e secreções ricas em enzimas produzidas pela próstata e vesículas seminais. A ejaculação representa a fase final do ciclo de resposta sexual do homem e é geralmente acom- panhada do orgasmo. É dividida em 2 fases: emissão e expulsão do sêmen. Na fase de emissão há a participação do epidídimo, ductos deferentes, vesículas seminais, próstata e uretra prostática, enquan- to que a fase de expulsão envolve a uretra e músculos pélvicos. Ocorre por mecanismo reflexo que envolve o sistema nervoso, onde os estímulo periféricos che- gam ao sistema nervoso central por vias aferentes que modulam o estímulo e enviam sinais eferentes via nervos periféricos aos órgãos envolvidos na ejaculação. Os principais neurotransmissores envol-Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 222 vidos são a dopamina e a serotonina (5-HT). A serotonina após ligação com receptores (5-HT2C) no neurônio pós-sináptico, exerce seu efeito fisiológico e é recaptada por receptores presentes nos neu- rônios pré-sinápticos após a sua ação. A hipossensibilidade dos receptores pós-sinápticos pode estar envolvida na gênese da EP, fato que explicaria a eficácia dos inibidores de recaptação da serotonina no tratamento dessa condição. 4 Classificação A EP pode ser classificada em: • Primária – Presente desde o início da vida sexual do indivíduo em todas ou quase todas as atividades sexuais. A maioria ejacula em até 2 minutos após a penetração, com alguns ho- mens ejaculando antes da penetração. • Secundária ou adquirida – Homens que anteriormente tinham função ejaculatória normal e que passaram a apresentar o problema em algum momento da vida. Geralmente, há algum fator ou doença desencadeante. Algumas doenças endocrinológicas ou urológicas podem de- sencadear um quadro de EP. • Ocasional – Episódios de EP em algumas situações específicas. É considerada variação nor- mal do desempenho sexual. Na maioria dos casos não necessita de tratamento específico. • “Premature-like” – Homens que apresentam latência ejaculatória normal ou perto do normal, porém há uma percepção subjetiva por parte do paciente de uma diminuição da latência eja- culatória. Psicoterapia está indicada nessas situações. 5 Etiologia Não há uma etiologia definida sobre uma causa específica para os casos de EP. É mais prová- vel que uma combinação de fatores biológicos e psicossociais estejam presentes na maioria dos casos. Estudos realizados em irmãos gêmeos mostram que há influência de fatores hereditários e gené- ticos na susceptibilidade à EP, provavelmente mediados por alterações nos mecanismos serotoninér- gicos do sistema nervoso central. A serotonina é um neurotransmissor com efeitos inibitórios sobre o mecanismo central de controle da ejaculação. Medicamentos que inibem a receptação da serotonina na fenda sináptica em geral causam um aumento no TLEI. O hipertireoidismo não tratado pode ser causa de EP secundária e o tratamento dessa condição deve preceder o tratamento específico da EP. Ansiedade, preocupação com o desempenho sexual e início precoce da vida sexual são fatores também relacionados à EP. É difícil precisar se os quadros de ansiedade são causa ou efeito dos epi- sódios de ejaculação rápida. A associação entre disfunção erétil e ejaculação precoce ocorre em até 50% dos pacientes. 223 - Capítulo XVI | Ejaculação precoce 6 Tratamento • Psicoterapia Tratamentos comportamentais vêm sendo utilizados no tratamento da EP. Baseiam-se, basica- mente, em técnicas de “stop-start” na tentativa de conseguir um maior tempo de latência ejaculató- ria intravaginal. Contudo, até o momento, não existe evidência científica robusta que suporte a indicação desse tipo de tratamento para todos os casos de EP. Há ainda resistência por parte de muitos homens, além de má aderência aos tratamentos que envolvem psicoterapia. Comparado com a terapia farmacológica, os resultados da terapia comportamental são clara- mente inferiores. • Anestésicos Tópicos Anestésicos tópicos na forma de gel ou spray (lidocaína, por exemplo) podem ser usados no tra- tamento da EP com bons resultados. Como efeitos adversos, há relatos de hipoestesia peniana, disfun- ção erétil e alterações de sensibilidade da mucosa vaginal da parceira. • Tratamento Farmacológico Com o surgimento dos inibidores de receptação da serotonina no início da década de 90 para tratamento da depressão, essas medicações começaram a ser utilizadas em maior escala no tratamen- to da EP em caráter off-label. Atuam aumentando a concentração da serotonina na fenda sináptica em neurônios centrais e pe- riféricos. Paroxetina, clomipramina, citalopram e fluoxetina são medicações comumente usadas para o tratamento da EP. Entre elas, a paroxetina é a mais usada, apresentando os melhores resultados em relação ao TLEI (aumento de até 8x). A dose deve ser diária para obtenção dos melhores resultados, variando 10-40 mg/dia. Sintomas gastrointestinais, disfunção erétil e vertigem estão entre os princi- pais efeitos colaterais. Mais recentemente foi aprovada para uso comercial a dapoxetina (Priligy®) como tratamento específico da ejaculação precoce. É utilizada sob demanda na dose de 30-60 mg de 1-2 horas antes das relações. No Brasil ainda não foi lançado comercialmente. O tramadol, analgésico opioide sintético, já foi testado como medicação para EP. Apesar de au- mentar o TLEI quando usado sob demanda, os efeitos colaterais e o potencial de adicção tornam seu uso restrito atualmente. Leitura recomendada ALTHOF, S. E. et al. International Society Guidelines for the diagnosis and treatment of premature ejaculation. J Sex Med., v. 7, n. 9, Sept. 2010. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub- med/21050394>. Acesso em: 01 mar. 2018. Thiago Seiji Carvalho da Silveira - 224 ALTHOF, S.. E. Prevalence, characteristics and implications of premature ejaculation/rapid ejacu- lation. J Urol., v. 175, n. 3, pt. 1, Mar. 2006. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub- med/16469562>. Acesso em: 01 mar. 2018. BUVAT, J. Pathophysiology of premature ejaculation. The journal of Sexual Medicine. 2001; v. 8, Suppl. 4. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21967394>. Acesso em: 01 mar. 2018. GIULIANO, F.; CLÉMENT, P. Serotonin and premature ejaculation: from physiology to patient ma- nagement. Eur Urol., v. 50, n. 3, Sept. 2006. Disponivel em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pub- med/16844284>. Acesso em: 01 mar. 2018. McMAHON C. G. et al. 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A testosterona é um hormônio essencial em todas as fases da vida do homem, desde o desen- volvimento embrionário até a velhice. Nas fases iniciais do embrião, ela é crucial para o desenvolvi- mento e maturação de todos os órgãos genitais masculinos. Na puberdade, é importante no início da espermatogênese e no desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. Na fase adulta é respon- sável por manter a espermatogênese, a libido e a função sexual e, na fase senil, tem influência na ma- nutenção da saúde óssea e muscular, na capacidade de concentração e do ciclo sono-vigília. A prevalência de DAEM aumenta com a idade, obesidade e diabetes. Há estudos que demons- tram uma prevalência de níveis de testosterona abaixo de 325 ng/dL em 12% na sexta década de vida, 20% na sétima década, 30% na oitava e 50% após os 80 anos. A queda nos níveis de testosterona é fortemente associada a condições sistêmicas como queimaduras (mais de 15% de superfície corpó- rea), lesão cerebral, cirurgias, hepatopatias, pneumopatias, infarto do miocárdio, sepse, HIV, insufici- ência renal crônica e uso crônico de opioides. 1 Fisiopatologia As células de Leydig produzem 95% da testosterona em homens, que pode ser encontrada na forma livre (0,5 a 3%) ou ligada à albumina (maior parte) ou à globulina ligadora de hormônios se- xuais (SHBG). Pela forte ligação ao SHBG, essa forma não tem ação sobre as células. Apenas a for- ma livre ou ligada à albumina, que então compõe a testosterona biodisponível. Seu mecanismo de ação ocorre da seguinte forma: assim que entra na célula, a testosterona, sob ação da 5-alfa redutase, transforma-se em di-hidrotestosterona (DHT) para então se ligar ao receptor androgênico (RA) no ci- toplasma da célula. Esse complexo DHT-RA atravessa a membrana nuclear (carioteca) para atuar no núcleo, aumentando a taxa de transcrição do DNA e, consequentemente, a atividade global da célula. Teoricamente, esse processo acontece em todas as células do organismo. Entretanto, em algumas cé- lulas específicas (neurônios e músculo estriado, por exemplo), a testosterona pode se ligar diretamen- te ao RA, sem necessidade de se transformar em DHT. Alterações nos níveis de testosterona podem ocorrer por falência testicular (hipogonadismo pri- mário) ou alteração no eixo hipotálamo-hipófise-gônada (hipogonadismo secundário). A queda rela- cionada à idade não altera os níveis de LH, sugerindo hipofunção gonadal primária, enquanto que a queda relacionada a doenças sistêmicas podem ter os dois componentes. Com o avançar da idade, ocorre diminuição do volume de células de Leydig e aumento de SHBG, o que gera menor produção de testosterona e menor proporção de testosterona biodisponível. Ocorre José Vinícius de Morais - 227 também declínio da espermatogênese com elevação de FSH. Há controvérsia em relação à qualidade do sêmen e à fertilidade. 2 Quadro clínico A deficiência androgênica tem associação com mortalidade, piora da qualidade de vida, disfun- ções sexuais e metabólicas. Assim que o homem se torna adulto, os níveis séricos de testosterona atin- gem seus maiores picos, mantendo-se dessa forma e sem maiores mudanças até os 40 anos. A partir de então, estima-se que a testosterona sofra um decréscimo lento e progressivo de 1-2% do seu valor basal por ano. Entretanto, não existe uma relação direta entre essa taxa de queda e a presença de sin- tomas, estabelecendo-se uma associação extremamente variável entre os níveis séricos de testostero- na e o aparecimento e severidade dos sintomas no indivíduo. Dessa forma, enquanto indivíduos mais sensíveis ao hormônio podem apresentar sintomas com pequenas quedas, outros podem estar assinto- máticos mesmo com os níveis de testosterona abaixo do limite inferior da normalidade. Os sinais e sintomas mais comuns associados a DAEM compreendem basicamente a perda ou alteração da função dos órgãos estimulados pela testosterona. Assim, disfunção erétil, perda ou dimi- nuição da libido, fraqueza generalizada, indisposição, fogachos, sudorese, ganho de peso, obesidade central, perda de massa muscular e óssea, dificuldade de concentração e de memória, insônia, altera- ções de humor, irritabilidade e depressão são comemorativos da DAEM. Por conta das funções sexuais serem altamente dependentes da ação da testosterona, disfunção erétil e perda ou diminuição da libido costumam ser os primeiros sintomas a aparecer e os que levam o homem a procurar tratamento. 3 Diagnóstico O estabelecimento do diagnóstico baseia-se na presença de sintomas e nível sérico de testos- terona total abaixo de 300 ng/dL. Conceitualmente, o diagnóstico só pode ser firmado na presença dessses dois eventos, isto é, os sintomas associados ao teste laboratorial demonstrando níveis de tes- tosterona abaixo do limite inferior. Por conta da variação circadiana, prefere-se a dosagem da testosterona no período da manhã, entre 8 e 10 horas. Dosagem de testosterona livre ou biodisponível deve ser feita se a testosterona to- tal estiver no limite inferior. É importante avaliar os níveis de gonadotrofinas e prolactina para exclu- são de hipogonadismo secundário. 228 - Capítulo XVII | Déficit androgênico do envelhecimento masculino Figura 1 – Organograma diagnóstico para o hipogonadismo masculino 4 Tratamento O objetivo do tratamento é restaurar os níveis fisiológicos da testosterona com alívio dos sinto- mas e é denominado terapia de reposição hormonal (TRH). Diversos estudos demonstram que a TRH está associada com a melhora da sensibilidade à insulina, diminuição da circunferência abdominal, melhora do padrão lipídico e índice de massa corporal (IMC), da satisfação sexual global, densidade óssea e da depressão. Não há benefícios da reposição em pacientes com níveis limítrofes. Há variadas formas de administração da TRH (oral, injetável intramuscular e subcutânea, trans- dérmica e transmucosa), cada uma com vantagens e desvantagens específicas, devendo o tratamento ser individualizado para cada paciente. A Tabela 1 resume o tipo de medicação, a via de administra- ção, a dose e as vantagens e desvantagens para cada forma de tratamento. José Vinícius de Morais - 229 Tabela 1 – Esquemas de TRH para tratamento da DAEM Fonte: Autores Antes de iniciar o tratamento, deve-se realizar avaliação completa do paciente incluindo o toque retal e o PSA, presença de sintomas urinários com realização de IPSS ou fluxometria, pesquisa apneia do sono e desejo de paternidade. Devem ser dosados os níveis séricos de testosterona, prolactina, hematócrito e hemoglobina. Exames auxiliares, porém não obrigatórios, podem ser realizados, incluindo densitometria óssea, testosterona livre, SHBG, perfil lipídico, função hepática, função tireoidiana e glicemia. O seguimento, após início da TRH, é feito a cada 3 meses no primeiro ano e então anual, se não houver alterações, com avaliações à mesma maneira do pré-tratamento. A TRH é contraindicada nas seguintes situações: neoplasia maligna da próstata, neoplasia ma- ligna da mama, prolactinomas, hematócrito maior que 50%, sintomas severos do trato urinário infe- rior (IPSS > 19), insuficiência cardíaca descompensada e apneia do sono. 230 - Capítulo XVII | Déficit androgênico do envelhecimento masculino 5 Riscos e controvérsias Pode ocorrer eritrocitose, o que leva a aumento da viscosidade sanguínea, podendo agravar do- enças cardiovasculares. Trabalhos demonstram