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INTRODUÇÃO E PANORAMA MUNDIAL DA INCLUSÃO UNIASSELVI-PÓS Autoria: Giovani Mendonça Lunardi Indaial - 2022 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2022 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. L961i Lunardi, Giovani Mendonça Introdução e panorama mundial da inclusão. / Giovani Men- donça Lunardi. – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 116 p.; il. ISBN 978-65-5646-365-0 ISBN Digital 978-65-5646-366-7 1. Inclusão social. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 360 Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Da Era Dos Deveres Para A Era Dos Direitos ...........................7 CAPÍTULO 2 Diversidade E Inclusão Social ..................................................45 CAPÍTULO 3 As Organizações E A Responsabilidade Social .......................85 APRESENTAÇÃO Acadêmico, bem-vindo à disciplina de Introdução e Panorama Mundial da Inclusão. Nesta disciplina, vamos estudar juntos o percurso histórico, origens e conceitos da inclusão social. Também examinaremos a construção dos direitos sociais e coletivos e a inclusão de minorias em nossa sociedade, no Brasil e no mundo. Neste trajeto, abordaremos por que a inclusão tem se constituído em um imperativo do nosso tempo, tornando-se, assim, um princípio regulador que incide em nossas vidas, pautando nossas maneiras de nos conduzirmos e de conduzirmos os outros. Este estudo pretende levar adiante essas discussões, compreendendo a forma contemporânea que o imperativo da inclusão assume em nossos dias. No Capítulo 1, abordaremos os caminhos teóricos que descrevem a trajetória histórica e conceitual da inclusão social, bem como as teorias dos direitos coletivos e sociais que disciplinam os códigos normativos atuais, esclarecendo o percurso da era dos deveres para a era dos direitos. No capítulo 2, dando seguimento a nossa disciplina, trilharemos os caminhos teóricos que explicitam as várias faces da exclusão social relacionadas à discriminação de gênero, sexo, raça, pessoa com deficiência, idade, etnias e situação socioeconômica. Esses grupos historicamente discriminados fazem parte da grande maioria da população que se encontra em situação de vulnerabilidade social, necessitando assim de políticas públicas para a sua inclusão. Em nosso estudo, a partir do tema da diversidade e inclusão, investigaremos a relação entre minorias sociais e o mundo do trabalho, elucidando suas contradições e desigualdades, já que se nota que tal temática é prioritária na relação entre empresas e sociedade, visando à mitigação destas diferenças. Por fim, traçaremos um panorama do cenário atual sobre a inclusão de minorias na sociedade, no Brasil e no mundo. No capítulo 3, apresentaremos os principais conceitos de responsabilidade social. Será possível verificar os caminhos históricos e teóricos do desenvolvimento da conscientização da reponsabilidade social no âmbito das organizações empresariais. Analisaremos, também, o desenvolvimento dos mecanismos e processos que estimulam a prática da responsabilidade social dentro das instituições, investigando os impactos da diversidade e inclusão dentro das organizações. Por fim, verificaremos as práticas e fomento de implementação de políticas de diversidade e inclusão nas organizações. CAPÍTULO 1 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender os principais conceitos de inclusão social. • Entender as teorias dos direitos coletivos e sociais que disciplinam os códigos normativos atuais. • Analisar as implicações da diversidade e da inclusão na sociedade. • Compreender os aspectos históricos da inclusão social. 8 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão 9 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Um tema que vem gradativamente ganhando espaço em nossa sociedade é o da inclusão social. Isso decorre principalmente devido à busca que todas as pessoas fazem para garantir sua efetiva participação na vida pública, tentando garantir seus direitos individuais, sociais e coletivos. Segmentos que antigamente, estavam à margem da sociedade, sendo excluídos e discriminados, agora tentam a ampliação de seus direitos e, consequentemente, a sua inclusão social. Essas ações são resultados das práticas de fortalecimento da cidadania e do reconhecimento de direitos, que acompanham a tendência histórica de ampliação dos espaços de representação política abertos pela pressão das lutas sociais, conforme apontam as pesquisas nas linhas analíticas de Habermas (1997) e Honneth (2003). Dessa forma, convidamos você, neste capítulo, a trilhar os caminhos teóricos que descrevem a trajetória histórica e conceitual sobre a inclusão social, bem como as teorias dos direitos coletivos e sociais que disciplinam os códigos normativos atuais, desvelando o percurso da era dos deveres para a era dos direitos (BOBBIO, 1992). 2 HISTÓRICO E ORIGENS DA INCLUSÃO SOCIAL A história humana sempre foi marcada pela busca da sobrevivência e, consequentemente, pelas lutas de acesso à comida, água, terras para plantio e poder econômico e político sobre grupos diversos. Segundo Norberto Bobbio (1992), o homem, desde os seus primórdios, encontra-se em um mundo hostil, tanto em face da natureza quanto a seus semelhantes. Para enfrentar essa dupla hostilidade, o homem buscou reagir inventando técnicas de sobrevivência e de defesa. Dessa forma, ao longo da história do Ocidente, inclusão e exclusão foram estratégias encontradas para agir sobre os sujeitos, conduzindo suas condutas e gerenciando os riscos que tais sujeitos poderiam produzir para a vida social e coletiva (HONNETH, 2003). Nos estudos de Michel Foucault (2008), pode-se perceber que em diferentes momentos históricos, também se procurou identifi car e marcar aqueles indivíduos que não se enquadravam nos padrões de normalidade. Podemos dizer, então, que a anormalidade sempre foi uma preocupação social e política, o que se diferiu em cada época são as práticas desenvolvidas para governá-la. 10 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão FIGURA 1 – MICHEL FOUCAULT FONTE: <https://www.amazon.com.br/Seguranca-Territorio-Populacao- Michel-Foucault/dp/8533623771>. Acesso em: 15 set. 2021. Segundo Foucault (2008), na Antiguidade e na Idade Média, visualizamos práticas de exclusão que ora aconteciam por extermínio, eliminação e morte, ora por segregação, afastamento e expulsão. Na Antiguidade Clássica, em Esparta, Atenas e Roma, as crianças que nasciam disformes eram levadas a um lugar secreto fora da cidade, onde seriam afogadas ou deixadas para morrer (BENVENUTO, 2006). No entanto, além dessas práticas de exclusão por eliminação, podemos encontrar, ainda na Idade Média, práticas de exclusão por afastamento ou desaparecimento social daqueles que eram considerados anormais (LOCKMANN, 2016). Nesse contexto, com relação à divisão em classes sociais, vamos perceber, conforme quadro a seguir, a constante luta de um grupo sobre outro nos diferentes períodos históricos da economia na sociedade ocidental: QUADRO 1 – PERÍODOS HISTÓRICOSDA SOCIEDADE OCIDENTAL Período Histórico Idade Antiga 4.000 a.C.-476 d.C. Idade Média 476 d.C-1453 d.C. Idade Moderna 1453 d.C.-1789 d.C. Idade Contemporânea 1789 d.C.-2021 d.C. Sistema econômico Escravidão Feudalismo Mercantilismo e capitalismo (Revolução Indus- trial) Capitalismo global. Sociedade do conheci- mento. Sociedade em Rede. Tipo de co- nhecimento Mitologia/Filosofi a Teologia Ciência Tecnologias. Tecnologias da Informa- ção e Comunicação. 11 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Tipos de classe social/ trabalho Aristocracia/Escra- vidão Nobres/Clero/ Servos Burguesia/Proleta- riado Classe rica/média/pobre. Trabalho fl exível. Capital cognitivo/intelec- tual. Terceiro setor/movimen- tos sociais: trabalho social/voluntarismo, empreendedorismo. Cooperativismo. FONTE: O autor. Para abordar ainda mais essa temática, recomendamos as obras de Michel Foucault: FOUCAULT, M. Do governo dos vivos. Rio de Janeiro: Achiamé, 2010. FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 2010. FOUCAULT, M. Ditos e escritos V: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007. FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. FOUCAULT, M. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 12 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Sugere-se ainda a entrevista com Michel Foucault, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=yO_F4IH-VqM. A partir do conceito de “trabalho”, podemos identifi car as várias faces da exclusão social. Segundo a etimologia, a palavra “trabalho” vem do latim vulgar tripaliari, que quer dizer martirizar, sacrifi car, torturar com o tripalium, um instrumento de tortura. Ou seja, para os romanos e também para os gregos, a atividade manual diária era vista como desagradável, remetendo à ideia de castigo, pena destinada aos escravos (CHAUÍ, 2005). FIGURA 2 - TRIPALIUM FONTE: <http://artecult.com/afi nal-e-trabalho-ou-tripalium/>. Acesso em: 15 set. 2021. O cidadão da polis grega e da civitas romana participava das atividades sociais, políticas, esportivas e culturais, cabendo aos escravos e às mulheres cuidar da terra, dos animais e da casa. O trabalho era visto como uma atividade desgastante, na qual o homem livre – cidadão – não deveria se ocupar (ARENDT, 2016). Os grandes fi lósofos da antiguidade, tais como Platão e Aristóteles, possuíam escravos e consideravam a atividade manual inferior à atividade intelectual. A theoria era superior à práxis. O pensamento especulativo tinha preferência sobre o pensamento prático. Estas considerações se transferiam também para a educação. A educação era voltada para a formação cultural do cidadão da polis sem se ocupar da educação técnica (CHAUÍ, 2005). 13 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Durante a Idade Média, a atividade manual era considerada uma atividade destinada aos servos. O trabalhador, no sistema feudal, é predominantemente um trabalhador agrícola ou rural. A classe proprietária, elite dominante, é composta pelos nobres e cleros. O trabalhador é um servo preso na terra, na qual produz o necessário para sua sobrevivência, sendo que a maior parte fi ca com o seu senhor, o proprietário. O trabalhador rural não tinha direitos e estava condenado a permanecer na terra produzindo para o seu senhor. Devido ao poder da Igreja, a educação, por sua vez, destinava-se exclusivamente ao clero, tendo por fi nalidade a educação pela fé. Pode-se verifi car que durante a Idade Antiga e Idade Média, a maioria das pessoas somente tinham deveres a serem cumpridos, seja como escravos ou como servos. É por isto que Bobbio (1992) denomina esse período de Era dos Deveres. Segundo o autor, os sistemas de regras criados na Antiguidade e na Idade Média são essencialmente imperativos e visam obter comportamentos desejados ou coibir os indesejados, recorrendo a sanções celestes ou terrenas. Isto pode ser comprovado nos códigos de deveres de Hamurabi, nas leis das doze tábuas e nos dez mandamentos de Moisés. Costuma-se atribuir aos babilônios antigos as primeiras formulações e codifi cações de normas sociais. Tais normas se apresentam no celebrado código de Hamurabi, formulado por volta de 1772 a.C., contendo uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual Iraque). Hamurabi é o sexto rei da Babilônia, responsável por decretar o código conhecido com seu nome. Esse código sobreviveu até os dias de hoje em cópias parciais, sendo uma na forma de uma grande estela e outras no formato de tabletes de barro (INFOESCOLA, 2021a). FIGURA 3 - ESTELA CONTENDO AS INSCRIÇÕES DO CÓDIGO DE HAMURABI FONTE: <https://www.infoescola.com/historia/codigo- de-hamurabi/>. Acesso em: 15 set. 2021. 14 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão O código de Hamurabi é visto como a mais fi el origem do direito, pois se trata da legislação mais antiga de que se tem conhecimento. O seu trecho mais conhecido é a chamada Lei de Talião. O termo vem do latim talionis, que signifi ca “como tal”, “idêntico”. Essa pena se baseia na justa reciprocidade do crime e da pena, frequentemente simbolizada pela expressão “olho por olho, dente por dente” (INFOESCOLA, 2021a). Sugerimos a leitura do artigo O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária de Vinicius Mendez Kersten, o qual se encontra disponível no link https://ambitojuridico.com.br/cadernos/ direito-penal/o-codigo-de-hamurabi-atraves-de-uma-visao- humanitaria/. Para aprofundar ainda mais seus conhecimentos, leia o Código de Hamurabi na íntegra a seguir: http://www.dhnet.org.br/direitos/ anthist/hamurabi.htm. Assim, várias culturas, religiões e civilizações antigas atestam a importância de sedimentar, normatizar e codifi car as práticas de coexistência social de forma a garantir a vida, as posses e as relações entre membros de uma comunidade, tribo, clã ou cidade. A própria Torá, a Lei Judaica Antiga – também denominada “Pentateuco” em alusão aos cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, os quais são conhecidos pelos cristãos como Antigo Testamento –, também contribuiu de maneira decisiva para a sedimentação de tais direitos em nossos processos civilizatórios (PAIM, 2003). FIGURA 4 - A TORÁ FONTE: <https://escola.britannica.com.br/artigo/ Tor%C3%A1/482696>. Acesso em: 15 set. 2021. 15 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Segundo Paim (2003), nos Dez Mandamentos – Leis de Moisés –, encontramos um embasamento normativo para a vida comunitária de um povo. Dessa forma, para adentrar e compreender mais sobre essa temática, recomendamos o fi lme Os Dez Mandamentos, dirigido por Cecil B. DeMille em 1957. FIGURA 5 - OS DEZ MANDAMENTOS FONTE: <http://www.adorocinema.com/fi lmes/fi lme-81064/>. Acesso em: 15 set. 2021. No entanto, esses códigos normativos estavam baseados em deveres e não em direitos. Sendo assim, muitas vezes, esses códigos legitimavam a exclusão social, tais como a escravidão, a servidão, a discriminação contra as mulheres e as crianças etc. Com o desenvolvimento do mercantilismo, com a Revolução Industrial e com o surgimento da burguesia, consolida-se o sistema capitalista, o qual dissolve os laços que prendiam os trabalhadores aos limites previamente defi nidos pela ordem feudal. Com a Revolução Industrial e o desenvolvimento científi co, o homem deixa de depender dos caprichos da natureza. Se antes a produção rural dependia das estações do ano, tempestades, estiagens, tempo cíclico, com a indústria, ao contrário, o homem introduz uma jornada linear de produção em processo executado pelos trabalhadores e completado com o produto vendido aos consumidores (CHAUÍ,2005). 16 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Nesse período, que marca a transição da Idade Média para a Idade Moderna, há uma migração da área rural para a área urbana, impondo um crescimento das cidades. Na Modernidade, o trabalhador rural se transforma em trabalhador urbano com um novo processo de socialização do trabalho dado pelo desenvolvimento industrial. O trabalhador recebe não mais na forma de produtos de sobrevivência, mas na forma de salário. Ampliam-se as opções de trabalho e a liberdade de ação do indivíduo (HABERMAS, 1997). Assim, na sociedade capitalista, uma característica fundamental é a necessidade de uma atividade remunerada, ou seja, que gere capital (renda, salário). Somente através do trabalho remunerado, o trabalhador pode comprar as mercadorias necessárias para a satisfação das necessidades básicas. No sistema capitalista, o trabalho está diretamente relacionado à geração de capital (renda, salário) necessário para nossa sobrevivência. No início do sistema capitalista, nos primórdios da Revolução Industrial, os trabalhadores não possuíam direitos assegurados. Predominava ainda uma visão depreciativa do trabalho, marcada pela exploração do trabalhador, mantendo certa forma de “escravidão” e “servilismo”. Continuava a separação de classes – agora na terminologia moderna – entre a burguesia (os donos dos meios de produção) e o proletariado (os operários). O trabalho, no regime escravo, feudal ou capitalista, tem uma mesma característica predominante: é uma atividade necessária para a sobrevivência humana. Dessa forma, independentemente do sistema econômico ou social, o trabalho tem acompanhado o homem desde os primórdios de sua existência, como atividade necessariamente útil, associada à produção dos seus meios de vida e à satisfação imediata de suas necessidades, como garantia de sua sobrevivência. O trabalho surge com a própria vida propriamente humana (ARENDT, 2016). Para aprofundar ainda mais nesse assunto, indicamos a leitura dos livros a seguir: ARENDT, Hannah. A Condição Humana. São Paulo: Forense Universitária, 2016. HONNETH, Axel. Lutas por reconhecimento: a gramática moral dos confl itos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. 17 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 A seguir, indicaremos alguns fi lmes com temas relacionados aos assuntos abordados: Tema: Escravidão, Servidão e Proletariado: Spartacus FIGURA 6 – CAPA DO FILME SPARTACUS FONTE: <https://fi lmow.com/spartacus-t1058/>. Acesso em: 22 nov. 2021. Spartacus é um dos grandes épicos do cinema mundial, trazendo Kirk Douglas numa de suas melhores atuações como um gladiador que lidera um grupo de escravos em busca de liberdade contra as forças do Império Romano. Coração Valente FIGURA 7 – CENA DO FILME CORAÇÃO VALENTE FONTE: <https://www.cpt.com.br/melhores-fi lmes-do-cinema/ coracao-valente>. Acesso em: 22 nov. 2021. 18 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão William Wallace (Mel Gibson) é um plebeu escocês que foi criado pelo tio Argyle Wallace (Brian Cox), pois seu pai foi brutalmente assassinado por soldados ingleses. Já adulto, William retorna à Escócia, reencontra sua grande paixão Murron MacClannough (Catherine McCormack) e decide casar-se com ela. Sempre que ocorria um casamento na região, o nobre inglês tinha o direito de passar a noite de núpcias com a noiva. Para poupar sua amada, William propõe a Murron um casamento em segredo. No entanto, logo na primeira noite juntos, sua esposa é morta por soldados ingleses. Extremamente magoado e revoltado, William declara guerra aos ingleses em nome da independência da Escócia. Movido pelo rancor e pelo desejo de fazer justiça, o jovem plebeu assume a liderança do exército escocês e impressiona os adversários. Tempos Modernos FIGURA 8 – CENA DO FILME TEMPOS MODERNOS FONTE: <https://www.todamateria.com.br/tempos-modernos- fi lme-chaplin/>. Acesso em: 22 nov. 2021. Um clássico do cinema mudo, dirigido por Charles Chaplin, retrata com lirismo a alienação do trabalhador moderno. Um operário de uma linha de montagem, que testou uma "máquina revolucionária" para reduzir a hora do almoço, é levado à loucura pela "monotonia frenética" do seu trabalho. Após um longo período em um sanatório, ele fi ca curado de sua crise nervosa, mas desempregado. Ele deixa o hospital para começar sua nova vida, mas encontra uma crise generalizada e equivocadamente é preso como um agitador comunista, que liderava uma marcha de operários em protesto. Simultaneamente, uma jovem rouba comida para salvar suas irmãs famintas, que ainda são bem garotas. Elas não têm mãe, e o pai 19 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 está desempregado, que logo vem a morrer em um confl ito. A lei vai cuidar das órfãs, mas enquanto as menores são levadas a jovem consegue escapar. 1 A atividade econômica na sociedade sempre foi uma preocupação para os diferentes povos do mundo. Em todas as épocas da História da humanidade, o ser humano tem se preocupado em resolver, de maneira efi ciente, os problemas relativos à questão econômica. Assinale a alternativa CORRETA que apresenta a sequência dos períodos históricos da Economia: a) Escravidão/Feudalismo/Mercantilismo/Revolução Industrial/ Capitalismo Global. b) Escravidão/Feudalismo/Mercantilismo/Capitalismo Global/ Revolução Industrial. c) Escravidão/Feudalismo/Revolução Industrial/Capitalismo Global/ Mercantilismo. d) Escravidão/Mercantilismo/Revolução Industrial/Capitalismo Global/ Feudalismo. 3 CONCEITOS DE INCLUSÃO SOCIAL De acordo com Camargo (2017, s.p.), “inclusão é um paradigma que se aplica aos mais variados espaços físicos e simbólicos. Os grupos de pessoas, nos contextos inclusivos, têm suas características idiossincráticas reconhecidas e valorizadas”. O autor também pontua que, “segundo o referido paradigma, identidade, diferença e diversidade representam vantagens sociais que favorecem o surgimento e o estabelecimento de relações de solidariedade e de colaboração”. Essas lutas travadas por minorias sociais, ao mesmo tempo em que conquistaram direitos muitas vezes negados às diferentes identidades, também passaram a ameaçar as posições e as formas hegemônicas ocupadas pela cultura branca e masculina. Pouco a pouco, essas lutas também estão possibilitando o empoderamento que leva esses sujeitos a reconhecerem para si outras posições que não a da periferia. 20 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Segundo Nascimento (2010), a inclusão social diz respeito a sujeitos individuais, vulnerabilizados em decorrência do processo histórico e da característica cultural das sociedades nas quais estão inseridos perpassando o todo social. Dessa forma, o seu estudo conceitual se torna relevante. Inclusão social é um conceito usado de forma bastante genérica, tanto nos livros quanto nos discursos políticos. Para entender o que signifi ca esse termo, é preciso compreender antes seu oposto, a exclusão social, principalmente de algumas categorias fora do mercado de trabalho, e como estamos em uma sociedade capitalista, fora da participação comunitária. Nessas categorias estão, por exemplo, mulheres, idosos, defi cientes físicos, imigrantes etc. É nesse contexto que se usa o termo “exclusão social” para designar setores que foram momentaneamente excluídos de uma sociedade. A expressão “inclusão social” emerge para designar as políticas de assistência voltadas especifi camente para esse público (INFOESCOLA, 2021b). Um dos primeiros pensadores a afi rmar que os homens colocam em primeiro lugar seus interesses pessoais egocêntricos foi Maquiavel (1469-1527). Ele apontava que os homens, desde os seus primórdios, estão em luta constante pela sua autopreservação e sobrevivência. Nesta visão pessimista do ser humano, Maquiavel coloca que os sujeitos individuais se contrapõem numa concorrência permanente de interesses,poder e sobre os cálculos estratégicos da política. Na sua obra O Príncipe, Maquiavel cria o marco na origem das refl exões políticas modernas, após o Feudalismo. A época da qual Maquiavel fez parte era uma época em que a Itália estava esfacelada politicamente, dividida em várias regiões que não se entendiam e que viviam guerreando entre si. Diante dessa situação política, Maquiavel escreveu sua obra pensando em dar conselhos a um futuro príncipe que pudesse unifi car a Itália em torno de um ideal republicano. É importante ressaltar que não importava para tal com que meios devesse contar, desde que a Itália fi casse livre das lutas sociais e regionais. Para atingir o elevado fi m da unifi cação de seu Estado, o Príncipe poderia, portanto, valer-se de qualquer meio. Maquiavel é o primeiro pensador a usar a palavra Estado no sentido que conhecemos hoje em termos de unidade política e absoluta (MAQUIAVEL, 2010). 21 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 FIGURA 9 - O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL FONTE: <https://www.amazon.com.br/Pr%C3%ADncipe-Nicolau- Maquiavel-ebook/dp/B00A384W6C>. Acesso em: 15 set. 2021. Outro ponto fundamental a ressaltar no pensamento de Maquiavel, para que não seja mal interpretado, é o que diz respeito ao aspecto ético. Podemos dizer, então, que Maquiavel, pelo fato de defender que a Itália fosse unifi cada a qualquer custo, não possuía princípios éticos? Ao contrário, Maquiavel ousou afrontar a moral apregoada pela Igreja Católica, incentivadora, inclusive, de muitos confl itos regionais na Itália de então. Ousou, também, deixar de lado uma moral que falava em nome do amor e que, nos bastidores da política, matava pessoas. Não é verdadeiro afi rmar que Maquiavel não tinha princípios éticos (GRUPPI, 1980). Compreendemos sua ética na medida em que compreendemos seu objetivo com relação à política e, por consequência, seu amor pela Itália que desejava ver unifi cada. Maquiavel visa separar o mundo da política do mundo moral cristão, buscando entender as leis específi cas da política tal como aconteciam. Conforme afi rma Gruppi (1980), Maquiavel funda uma nova moral, que é a moral do cidadão, do homem que constrói o Estado, uma moral imanente, mundana, que vive no relacionamento entre os homens. Não é mais a moral da alma individual, que deveria se apresentar ao julgamento divino formosa e limpa. As discussões surgidas a partir do Renascimento colocam o homem como centro das decisões do seu próprio destino, não mais vinculado ao poder da Igreja, nem à nobreza feudal e nem a uma concepção política, livre da moral. Naquele período, vários foram os fi lósofos preocupados em refl etir sobre novas formas de governo. Dentre eles, podemos destacar Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778), que teorizaram sobre os fundamentos do Estado Moderno. A história da fi losofi a política, quando se refere aos pensadores Hobbes, Locke e Rousseau, costuma defi ni-los como contratualistas e jusnaturalistas. 22 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Assim são defi nidos porque esses pensadores políticos são os maiores expoentes e defensores do Contrato Social, ou seja, são fi lósofos que, entre o século XVI e o XVIII, defenderam que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato. Além disso, este contrato visa garantir e proteger, através do Estado, os direitos fundamentais da natureza humana (jusnaturalismo) – direito à vida, liberdade, propriedade etc. “O homem é o lobo do homem”, com essa citação, podemos sintetizar o que pensa Hobbes (1987) acerca do homem, vivendo no estado de natureza como animal. Para Hobbes, o homem que vive no estado de natureza é um ser mergulhado na ânsia do desejo de poder, de riquezas, de propriedades, por isso ele vive em constante confl ito, em contínua guerra com seus semelhantes. Nesse estado, prevalece a guerra de todos contra todos, e cada homem é um lobo para seu próximo. O sentimento de sociabilidade no estado de natureza inexiste, é nulo. Nesse sentido, abre-se o questionamento de como a espécie humana se perpetuará na face da terra se todos são inimigos e se a guerra é o pão de cada dia. Hobbes defende que os homens têm a necessidade de estabelecer um acordo, um contrato de convivência que possa frear a força destruidora e ilimitada da violência de todos contra todos. A única maneira de colocar freios e limites aos abusos do poder individual é através de um contrato social, em que cada qual abre mão de seu poder e o entrega a um soberano, que encarna as funções do Estado. Esse soberano tem poder de vida e de morte sobre seus súditos; de morte se o súdito não se dobrar às leis criadas pelo soberano, para regular o convívio social. Para Hobbes, o Estado assemelha-se ao monstro Leviatã, fi gura mitológica com extremo poder, da qual faz uso para descrever o corpo político (HOBBES, 1987). FIGURA 10 - O LEVIATÃ DE THOMAS HOBBES FONTE: < https://www.amazon.com.br/Leviat%C3%A3-Mat%C3%A9ria-Forma- Rep%C3%BAblica-Eclesi%C3%A1stica/dp/8580633729>. Acesso em: 25 nov. 2021. 23 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 2 Com o Renascimento, o Mercantilismo, a Reforma Protestante e a expansão do Islamismo, consolida-se um processo de separação do que a Idade Média unira: a razão separa-se da fé; a natureza e o homem, de Deus; o Estado, da Igreja. Temos o advento do Antropocentrismo como fi losofi a dominante, ou seja, o homem como centro das discussões fi losófi cas, científi cas e políticas em oposição ao Teocentrismo. Confi gura-se, assim, um novo período, a Idade Moderna, ou Modernidade (CHAUÍ, 2005). Qual obra e autor são o marco sobre as refl exões políticas modernas? a) A obra O Príncipe, de Maquiavel. b) A obra O Leviatã, de Hobbes. c) A obra A República, de Platão. d) A obra Política, de Aristóteles. 4 DIREITOS SOCIAIS E COLETIVOS: INCLUSÃO DE MINORIAS A fundamentação social que caracteriza a vida moderna, a universalidade dos direitos humanos, não se deve à identidade biológica (naturalismo clássico), nem à fraternidade divina entre os homens, mas se deve a um acordo político entre os homens – o contrato social. No entanto, não se trata mais de uma defi nição simplesmente teórica, mas política, ou seja, positivada através de leis e guardada por um Estado. Tais leis positivas surgiram nos séculos XVII e XVIII, no período de ascensão da burguesia que estava reivindicando uma maior liberdade de ação e de representação política frente à nobreza e ao clero. Elas forneciam uma justifi cativa ideológica consistente aos movimentos revolucionários, com reivindicação de direitos, que levariam progressivamente à dissolução do mundo antigo e feudal e à constituição do mundo moderno, saindo de uma Era dos Deveres e iniciando a Era dos Direitos (BOBBIO, 1992). Vamos estudar a seguir as principais declarações de direitos fundamentais positivadas através de leis que vão garantir a cidadania no Estado moderno. Iniciamos com a Declaração de Direitos de 1668 na Inglaterra. 24 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão A Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1668 A chamada Revolução Gloriosa concluiu o período da Revolução Inglesa, iniciado em 1640, levando à formação de uma monarquia parlamentar. Essa declaração elaborada pelo Parlamento Inglês é considerada um dos mais importantes documentos constitucionais ingleses. Um dos principais objetivos da declaração é limitar o poder do monarca na Inglaterra e dar mais poder ao Parlamento, representando sua soberania sobre o rei. A Monarquia Parlamentar foi instituída, e o absolutismo inglês chegava ao fi m. Além disso, a declaração garantiu a liberdade individual, incluindo a liberdade de imprensa e o direito à propriedade privada, e defi niu os deveres dos cidadãos ingleses, que deixavam de ser súditos. É importante destacar que, embora o documento tenha limitado os poderes do rei de acordo coma vontade popular, o povo, nesse caso, foi representado pelo Parlamento. A Revolução Inglesa, encerrada com o fi m da Revolução Gloriosa, e a Declaração de Direitos de 1689 fortaleceram a burguesia e o liberalismo na Inglaterra, contribuindo para o desenvolvimento do capitalismo e formando um cenário propício ao pioneirismo inglês na Revolução Industrial do século XVIII. FONTE: <https://www.todamateria.com.br/revolucao-gloriosa/>. Acesso em: 15 fev. 2021. FIGURA 11 - REVOLUÇÃO GLORIOSA (1688) FONTE: <https://www.todamateria.com.br/revolucao-gloriosa/>. Acesso em: 15 set. 2021. 25 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Na Idade Média, só quem tinha acesso à propriedade da Terra eram os nobres e a Igreja. Com o direito à propriedade, enquanto direito fundamental, universaliza- se o acesso e a proliferação de propriedades rurais, ampliando o desenvolvimento da agricultura e da pecuária. Assim, criam-se condições de acumulação de capital no campo e o consumo de mercadorias, inicialmente no sistema mercantilista, e depois no sistema capitalista desenvolvido com a Revolução Industrial (CHAUÍ, 2005). O cidadão da modernidade é o sujeito individual, portador de direitos e deveres, proprietário e consumidor, que com sua autonomia participa da vida pública. Como vimos, na antiguidade clássica, o trabalhador era escravo ou servo, que do ponto de vista dos fi lósofos não possuía as disposições necessárias ao exercício da cidadania (pela educação insufi ciente e pela “grosseria” de suas ocupações). Modernamente, o cidadão é, em primeiro lugar, um trabalhador, pois é pelo trabalho que ele ocupa um lugar na comunidade e conquista seus direitos (BOBBIO, 1992). Essa noção de que todo ser humano é detentor, pelo simples fato de existir, de certos direitos naturais básicos, torna-se desde então um tema que desafi a os pensadores e os homens de Estado de todos os tempos e lugares. Vamos verifi car, a seguir, como essa noção está expressa na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, que reconhece explicitamente que todo homem possui direitos naturais, anteriores e superiores ao próprio Estado, e que este tem a obrigação de garanti-los. FIGURA 12 - DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, DE 4 DE JULHO DE 1776 FONTE: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1776.htm>. Acesso em: 15 set. 2021. 26 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia - Williamsburgh, 4 de julho de 1776 Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom povo de Virgínia, reunidos em assembleia geral e livre; direitos que pertencem a eles e a sua posteridade, como base e fundamento do governo. I Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança. II Que todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis. III Que o governo é instituído, ou deveria sê-lo, para proveito comum, proteção e segurança do povo, nação ou comunidade; que de todas as formas e modos de governo esta é a melhor, a mais capaz de produzir maior felicidade e segurança, e a que está mais efi cazmente assegurada contra o perigo de um mau governo; e que se um governo se mostra inadequado ou é contrário a tais princípios, a maioria da comunidade tem o direito indiscutível, inalienável e irrevogável de reformá-lo, alterá-lo ou aboli-lo da maneira considerada mais condizente com o bem público. IV Que nenhum homem ou grupo de homens tem direito a receber emolumentos ou privilégios exclusivos ou especiais da comunidade, senão apenas relativamente a serviços públicos prestados; os quais, não podendo ser transmitidos, fazem com que tampouco sejam hereditários os cargos de magistrado, de legislador ou de juiz. V Que os poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado devem estar separados e que os membros dos dois primeiros poderes devem estar conscientes dos encargos impostos ao povo, deles participar e abster-se de impor-lhes medidas opressoras; que, em períodos determinados devem voltar a sua condição particular, ao corpo social de onde procedem, e suas vagas se preencham 27 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 mediante eleições periódicas, certas e regulares, nas quais possam voltar a se eleger todos ou parte dos antigos membros (dos mencionados poderes) segundo disponham as leis. VI Que as eleições de representantes do povo em assembleia devem ser livres, e que todos os homens que deem provas sufi cientes de interesse permanente pela comunidade, e de vinculação com esta, tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem privados de sua propriedade por razões de utilidade pública sem seu consentimento, ou o de seus representantes assim eleitos, nem estejam obrigados por lei alguma a que, da mesma forma, não hajam consentido para o bem público. VII Que toda faculdade de suspender as leis ou a execução destas por qualquer autoridade, sem consentimento dos representantes do povo, é prejudicial aos direitos deste e não deve exercer-se. VIII Que em todo processo criminal incluído naqueles em que se pede a pena capital, o acusado tem direito de saber a causa e a natureza da acusação, ser acareado com seus acusadores e testemunhas, pedir provas em seu favor e a ser julgado, rapidamente, por um júri imparcial de doze homens de sua comunidade, sem o consentimento unânime, dos quais não se poderá considerá-lo culpado; tampouco pode-se obrigá-lo a testemunhar contra si próprio; e que ninguém seja privado de sua liberdade, salvo por mandado legal do país ou por julgamento de seus pares. IX Não serão exigidas fi anças ou multas excessivas, nem infl igir- se-ão castigos cruéis ou inusitados. X Que os autos judiciais gerais em que se mande a um funcionário ou ofi cial de justiça o registro de lugares suspeitos, sem provas da prática de um fato, ou a detenção de uma pessoa ou pessoas sem identifi cá-las pelo nome, ou cujo delito não seja claramente especifi cado e não se demonstre com provas, são cruéis e opressores e não devem ser concedidos. XI Que em litígios referentes à propriedade e em pleitos entre particulares, o artigo julgamento por júri de doze membros é preferível a qualquer outro, devendo ser tido por sagrado. XII Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos. 28 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão XIII Que uma milícia bem regulamentada e integrada por pessoas adestradas nas armas, constitui defesa natural e segura de um Estado livre; que deveriam ser evitados, em tempos de paz, como perigosos para a liberdade, os exércitos permanentes; e que, em todo caso, as forças armadas estarão estritamente subordinadas ao poder civil e sob o comando deste. XIV Que o povo tem direito a um governo único; e que, consequentemente, não deve erigir-se ou estabelecer-se dentro do Território de Virgínia nenhum outro governo apartado daquele. XV Que nenhum povo pode ter uma forma de governo livre nem os benefícios da liberdade, sem a fi rma adesão à justiça, à moderação, à temperança, à frugalidade e virtude, sem retorno constante aos princípios fundamentais. XVI Que a religião ou os deveres que temos para com o nosso Criador, e a maneira de cumpri-los, somente podem reger-se pela razão e pela convicção, não pela força ou pela violência; consequentemente, todos os homens têm igual direito ao livre exercícioda religião, de acordo com o que dita sua consciência, e que é dever recíproco de todos praticar a paciência, o amor e a caridade cristã para com o próximo. FONTE: Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid: Universidad Complutense, 1973. In: FERREIRA FILHO, Manoel G. et al. Liberdades Públicas. São Paulo: Ed. Saraiva, 1978. A declaração americana pontua claramente no seu artigo primeiro a ideia de liberdade e igualdade para todos os homens (universalidade). Temos, aqui, um marco defi nidor para a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Tal postulação será ratifi cada e aprofundada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789. 29 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 FIGURA 13 - DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO FONTE: < https://www.unidospelosdireitoshumanos.org.br/what-are-human-rights/ brief-history/declaration-of-human-rights.html>. Acesso em: 15 set. 2021. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão - França, 26 de agosto de 1789 Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou 30 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fi m de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembrem permanentemente de seus direitos e seus deveres; a fi m de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a fi nalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fi m de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Em razão disto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão: Art. 1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2º. A fi nalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão. Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência. 31 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei. Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confi ada. Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verifi car, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fi xar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. Art. 16º. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir sob condição justa e prévia indenização. FONTE: Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid: Universidad Complutense, 1973. In: FERREIRA FILHO, Manoel G. et al. Liberdades Públicas. São Paulo: Ed. Saraiva, 1978. 32 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão A Revolução Francesa consolida os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que são a base da noção contemporânea de Direitos Humanos. Esta infl uência será decisiva para as futuras constituições dos Estados nacionais. Por sua vez, já no século XX, após as duas grandes Guerras Mundiais (1914 e 1939), os países reunidos na Organização das Nações Unidas (ONU), infl uenciados pela Declaração de Independência Americana e pela Declaração da Revolução Francesa promulgaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948. FIGURA 14 - DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 10 DE DEZEMBRO DE 1948 FONTE: <https://www.timetoast.com/timelines/los-derechos- humanos-y-la-democracia/>. Acesso em: 25 nov. 2021. Para aprofundar seus estudos, leia no link a seguir a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 10 de dezembro de 1948: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos- humanos. 33 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Segundo Norberto Bobbio (1992), a partir dessas declarações, podemos perceber gerações de direitos humanos consolidando na história da sociedade ocidental a passagem de uma era dos direitos, que substituiria a era dos deveres. I - Uma primeira geração - surgida em função das lutas pela liberdade individual, proteção à vida e à propriedade que correspondem aos chamados Direitos Civis; e dos Direitos Políticos (votar e ser votado) presentes principalmente na Declaração da Independência Americana (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (1789). II - Uma segunda geração - surgida em função das lutas por direitos sociais relacionados aos direitos trabalhistas, saúde, educação e segurança expressa principalmente na Declaração Universaldos Direitos Humanos da ONU (1948). As conquistas dos direitos trabalhistas, tais como limite de jornada diária, descanso semanal remunerado, férias remuneradas, limite de idade, aposentadoria, assistência médica e segurança no trabalho foram frutos de várias lutas sociais, caracterizando a Idade Contemporânea. A conquista dos direitos trabalhistas ocorreu a partir, principalmente, de um processo de entendimento do que é realmente o trabalho para os seres humanos. Este entendimento ocorreu em conjunto com o desenvolvimento do exercício da cidadania e da educação do trabalhador e sua participação nas questões sociais, políticas e econômicas. III - Uma terceira geração - surgida em função de questões relacionadas aos problemas difusos (Direitos Difusos: a titularidade desses direitos não é plenamente identifi cável), que dizem respeitos a todos (paz, vida saudável, meio ambiente) e, também, das minorias (direitos coletivos: existe um vínculo que compõe o grupo): negros, indígenas, mulheres, pessoas portadoras de necessidades especiais, homossexuais etc. A Lei 8.078/90 dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. O Art. 81 dessa lei conceitua o direito difuso como transindividual, de natureza indivisível, sendo os titulares desses direitos sujeitos indeterminados. Já os direitos coletivos são também transindividuais de natureza indivisível, sendo titulares desse direito grupo, categoria ou classe. Por fi m, defi ne os direitos individuais homogêneos como os decorrentes de origem comum. Esta terceira geração abarca, então, os movimentos ecológicos, relacionados à proteção ambiental e a uma vida saudável. A ética ambiental surgiu como resposta à representação da natureza enquanto reservatório inesgotável de recursos com um ilimitado poder gerador e regenerativo, perspectiva que, a partir de meados do século XX, foi maioritariamente identifi cada como a responsável pela crise ambiental contemporânea. Já as questões ecológicas se intensifi caram principalmente depois dos grandes desastres ecológicos, tais como a poluição de cidades e a contaminação por vazamentos radioativos e nucleares (CARVALHO, 2013). 34 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Os Direitos Humanos de terceira geração surgiram principalmente após os movimentos civis nos Estados Unidos contra a discriminação racial (Martin Luther King) e a guerra do Vietnã (1962-1972). Em 1986, na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, foi garantida a alteridade universal em função do direito dos indivíduos e dos povos desenvolverem-se, pois “toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político”. Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, procurou-se garantir o direito de viver em harmonia com a natureza, pois “os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. Também se expressa a necessidade de garantir o direito a um meio ambiente preservado – para gerações presentes e futuras –, pois “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”. Uma normatização recente é o chamado Protocolo de Kyoto, ratifi cado por vários países visando principalmente a diminuição da poluição da atmosfera terrestre (ONU, 1992). IV - Uma quarta geração – questões bioéticas ainda em fase de discussão em vários países e diz respeito às pesquisas biológicas e manipulações dos patrimônios genéticos (clonagem, manipulação genética, alimentos transgênicos etc.). Ou seja, se referem às questões da vida humana, das gerações futuras e daqueles que ainda não nasceram. A bioética apresenta-se hoje como uma importante área a ser estudada, no campo da Ética Aplicada. Cada vez mais os avanços da ciência, especialmente na área médica, têm afetado de forma intensa a vida dos seres humanos. Temas como aborto, eutanásia, clonagem e a discussão sobre o direito à integridade do código genético, por exemplo, constituem-se no centro das discussões dessa parte aplicada da Ética que estuda a vida, tanto na sua origem como no seu desenvolvimento e no seu fi m. A bioética é uma área de estudo interdisciplinar que envolve a Ética e a Biologia, fundamentando os princípios éticos que regem a vida quando ela é colocada em risco pela medicina ou pelas ciências. V - Direitos de quinta geração – ainda em gestação, relacionados ao direito dos animais, fundamentados principalmente na capacidade de sentir dor e sofrimento. O movimento em defesa dos animais é recente e foi fortemente impulsionado com a publicação do livro Animal Liberation (1975) do fi lósofo australiano Peter Singer. Desde o início do movimento de libertação dos animais na década de 1970, muitos pensadores questionam se criar animais para alimentação em grandes fazendas, em condições de opressão (trancafi ados em pequenos espaços, sem as condições naturais de luz solar e ar limpo etc.), é moralmente correto. 35 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Pode-se dizer, também, que Direitos Humanos é um conjunto de normas e regras fundamentais para a convivência em sociedade dos seres humanos e o ambiente natural. Os Direitos Humanos têm por fi nalidade garantir a sobrevivência e o desenvolvimento do homem, a preservação de seu habitat e a garantia da evolução da humanidade. Atualmente, temos a preocupação e a discussão recente com a preservação e o sofrimento de todos os animais e seres vivos. A Era dos Direitos Norberto Bobbio Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. O problema – sobre o qual, ao que parece, os fi lósofos são convocados a dar seu parecer – do fundamento, até mesmo do fundamento absoluto, irresistível, inquestionável, dos direitos do homem é um problema mal formulado: a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis, da luta por parlamentos contra os soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimentos, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma terra, dos pobres que exigiam dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos FONTE: BOBBIO, N. Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992. p. 5. 36 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Por sua vez, no Brasil, apesar de ter sido descoberto (ou redescoberto) em 1500, somente após a sua independência em 1822 é que promulgou a sua primeira constituição. No entanto, mesmo sendo independente, era ainda uma monarquia com restrições aos direitos civis e políticos. Devido a fortes pressões internacionais, principalmente da Inglaterra, contra o tráfi co negreiro, também pressões internas do movimento abolicionista e devido à infl uência da Revolução Francesa e do Iluminismo, culminou-se a Lei Áurea de 1888 contra a escravidão. LEI ÁUREA Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. A Princesa Imperial Regente, em nome de sua majestade, o Imperador Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do império que a Assembleia Geral decretou e elasancionou a Lei seguinte: Art. 1º - É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augusto da Silva do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888 - 67º da Independência e do Império. Carta de Lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembleia Geral, que houve por bem sancionar declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara. FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353. htm>. Acesso em: 15 out. 2021. 37 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 Este documento é um marco no Brasil para a determinação dos direitos fundamentais da pessoa humana: direito à vida, liberdade e igualdade, ou seja, dos Direitos Civis. No ano seguinte, com a Proclamação da República (1889), dá- se um avanço nos direitos políticos. Estes direitos expressos na Lei Áurea e na Constituição Republicana referem, na análise de Norberto Bobbio (1992), como direitos de primeira geração. A Constituição Brasileira de 1988 adota uma posição bastante avançada no que diz respeito aos direitos humanos, reconhecendo não apenas os tradicionais direitos políticos e civis (direito à liberdade de pensamento, de expressão, de reunião e associação, de proteção contra a prisão arbitrária, de votar e ser votado, entre outros), como também os chamados "direitos de segunda geração" e de “terceira geração”, que abarcam aspectos mais amplos da vida do homem em sociedade e que incluem o direito à educação, à saúde, ao lazer, à habitação e a um meio ambiente saudável. A Constituição prevê, igualmente, garantias para o exercício desses direitos. Ao declarar que todos são detentores do direito de ir e vir, por exemplo, garante o exercício desse direito por meio do instituto do Habeas Corpus. Vejam, a seguir, os principais artigos da Constituição de 1988, relativos aos Direitos Humanos, abrangendo os Direitos Sociais. Constituição de 1988 República Federativa do Brasil CONSTITUIÇÃO Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais Capítulo II Dos Direitos Sociais Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 7. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz. 38 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão [...] Título VIII Da Ordem Social Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profi ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § lº O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de defi ciência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de defi ciência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2.º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fi m de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de defi ciência. §3.º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho [...]; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profi ssional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específi ca; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fi scais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; 39 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afi ns. § 4.º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5.º A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6.º Os fi lhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualifi cações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à fi liação. § 7.º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente, levar-se-á em consideração o disposto no art. 204. FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 15 out. 2021. Assim, os Direitos Humanos se efetivam na observância de aspectos sociais, políticos e econômicos que dizem respeito à preservação e garantia dos direitos fundamentais, quais sejam o direito a uma vida digna, à liberdade, à educação, à saúde, à liberdade de expressão etc. Dentre os aspectos que conferem sustentação à doutrina dos Direitos Humanos, estão a democracia, a cidadania, a alteridade, a tolerância, a paz etc. A seguir disponibilizamos um link de um vídeo de Norberto Bobbio, A Era dos Direitos: https://www.youtube.com/ watch?v=3XZks_Um4Z8 Algumas biografi as são grandes histórias de luta e defesa dos Direitos Humanos. É o caso de Gandhi (1982), que retrata o indiano e sua luta não violenta, Mandela: o caminho para a liberdade (2013), que reconta a vida do sul-africano que dedicou sua vida ao fi m da segregação racial de seu país, e A Teoria de Tudo (2014), 40 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão cinebiografi a do astrofísico Stephen Hawking, que fez descobertas importantes enquanto sofria de uma doença motora degenerativa aos 21 anos. FONTE: <https://fundacaotelefonicavivo.org.br/noticias/10- fi lmes-para-refl etir-sobre-direitos-humanos/>. Acesso em: 25 nov. 2021. Recomendamos algumas obras de Norberto Bobbio sobre Direitos Fundamentais: BOBBIO, N. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. BOBBIO, N. Sociedade e Estado na Filosofi a Política Moderna. São Paulo: Brasiliense, 1996. BOBBIO, N. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1998. BOBBIO, N. Locke e o Direito Natural. 2. ed. Brasília: UNB, 1998. BOBBIO, N. O conceito de Sociedade Civil. Rio de Janeiro: Graal, 1994. BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 3 Segundo Norberto Bobbio(1992), a partir das declarações de direitos, podemos perceber gerações de direitos humanos, consolidando na história da sociedade ocidental a passagem de uma era dos direitos, que substituiria a era dos deveres. Considerando o exposto, associe os itens, utilizando o código a seguir: 41 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 I- Primeira Geração. II- Segunda Geração. III- Terceira Geração. IV- Quarta Geração. V- Quinta Geração. ( ) Surgida em função das lutas por direitos sociais relacionados aos direitos trabalhistas, saúde, educação e segurança expressa principalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948). ( ) Surgida em função questões relacionadas aos problemas difusos (Direitos Difusos: a titularidade desses direitos não é plenamente identifi cável), que dizem respeitos a todos (paz, vida saudável, meio ambiente) e, também, das minorias (direitos coletivos: existe um vínculo que compõe o grupo): negros, indígenas, mulheres, pessoas portadoras de necessidades especiais, homossexuais etc. ( ) Questões bioéticas ainda em fase de discussão em vários países e diz respeito às pesquisas biológicas e das manipulações dos patrimônios genéticos (clonagem, manipulação genética, alimentos transgênicos etc.). ( ) Ainda em gestação, relacionada ao direito dos animais, fundamentados principalmente na capacidade de sentir dor e sofrimento. ( ) Surgida em função das lutas pela liberdade individual, proteção à vida e à propriedade que correspondem aos chamados Direitos Civis; e dos Direitos Políticos (votar e ser votado) presentes principalmente na Declaração da Independência Americana (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (1789). Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) II - III - IV - V - I. b) I - II - III - IV - V. c) III - II - IV - V - I. d) V - III - IV - II - I. 42 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, estudamos que a inclusão social decorre principalmente da busca que todas as pessoas fazem para garantir sua efetiva participação na vida pública, tentando garantir seus direitos individuais, sociais e coletivos. Segmentos que, antigamente, estavam à margem da sociedade, sendo excluídos e discriminados, agora tentam a ampliação de seus direitos e, consequentemente, a sua inclusão social. Estas ações são resultados das práticas de fortalecimento da cidadania - e reconhecimento de direitos – que acompanham a tendência histórica de ampliação dos espaços de representação política abertos pela pressão das lutas sociais. Trilhamos os caminhos teóricos que descrevem a trajetória histórica e conceitual sobre a inclusão social, bem como as teorias dos direitos coletivos e sociais que disciplinam os códigos normativos atuais, desvelando o percurso da Era dos Deveres para a Era dos Direitos. Percebemos o porquê de a inclusão ter se constituído em um imperativo do nosso tempo, tornando-se, assim, um princípio regulador que incide em nossas vidas, pautando nossas maneiras de nos conduzirmos e de conduzirmos aos outros. Vimos, então, na primeira geração, os Direitos Civis e Políticos; na segunda geração, os Direitos Sociais; na terceira geração, os Direitos Difusos e coletivos (minorias), de proteção ao meio ambiente, da paz e da autodeterminação dos povos; na quarta geração, os Direitos de proteção ao patrimônio genético e respeito à dignidade da vida humana. Segundo alguns pensadores, já está em gestação uma quinta geração de direitos, relacionados aos direitos dos animais. REFERÊNCIAS ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Lisboa: Quetzal, 2009. BENVENUTO, A. O surdo e o inaudito: à escuta de Michel Foucault. In: GONDRA, J.; KOHAN, W. (Orgs.). Foucault 80 anos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. BOBBIO, N. Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 43 DA ERA DOS DEVERES PARA A ERA DOS DIREITOS Capítulo 1 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 25 nov. 2021. CAMARGO, E. P. de. Inclusão social, educação inclusiva e educação especial: enlaces e desenlaces. Ciênc. educ., v. 23, n. 1, jan./mar. 2017. CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2013. CHAUÍ, M. Convite a Filosofi a. São Paulo: Ática, 2005. FOUCAULT, M. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008. GRUPPI, L. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1980. HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. HOBBES, T. O Leviatã. São Paulo: Nova Cultura, 1987. HONNETH, Axel. Lutas por reconhecimento: a gramática moral dos confl itos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. INFOESCOLA. Código de Hamurabi. 2021a. Disponível em: https://www. infoescola.com/historia/codigo-de-hamurabi/. Acesso em: 15 set. 2021. INFOESCOLA. Inclusão Social. 2021b. Disponível em: https://www.infoescola. com/sociologia/inclusao-social/. Acesso em: 15 set. 2021. KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Abril, 2019. KELSEN, H. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. KELSEN, H. Teoria pura do direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. LOCKMANN, K. As práticas de inclusão por circulação: formas de governar a população no espaço aberto. Pelotas: UFEPEL, 2016. 44 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010. MATTAR, J. Introdução à Filosofi a. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. MILL, J. S. O Utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2020. MOORE, G. E. Princípios éticos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. NASCIMENTO, W. F. do. Por uma vida descolonizada: diálogos entre a bioética de intervenção e os estudos sobre a colonialidade. 2010. 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CAPÍTULO 2 DIVERSIDADE E INCLUSÃO SOCIAL A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Investigar as várias faces da exclusão social: gênero, sexo, raça, pessoa com defi ciência, idade, etnias e situação socioeconômica. • Compreender os principais aspectos sociais da diversidade e inclusão relacionados às minorias. • Estudar as principais teorias sobre diversidade e seus impactos no mundo do trabalho. • Analisar o cenário atual sobre a inclusão de minorias na sociedade, no Brasil e no mundo. • Identifi car as várias faces da exclusão social. • Relacionar os principais aspectos sociais da diversidade e inclusão relacionados às minorias. • Perceber o cenário atual sobre a inclusão de minorias na sociedade, no Brasil e no mundo. • Avaliar as políticas públicas sobre diversidade e inclusão na sociedade atual. 46 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão 47 DIVERSIDADE E INCLUSÃO SOCIALCapítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Como estudamos no capítulo anterior, segmentos que, antigamente, estavam à margem da sociedade, sendo excluídos e discriminados, agora tentam a ampliação de seus direitos e, consequentemente, a sua inclusão social. Essas ações são resultados das práticas de fortalecimento da cidadania – e reconhecimento de direitos – que acompanham a tendência histórica de ampliação dos espaços de representação política. Neste capítulo, daremos ênfase à denominada terceira geração – surgida em função das questões relacionadas aos problemas difusos (direitos difusos: a titularidade desses direitos não é plenamente identifi cável), que dizem respeito a todos (paz, vida saudável, meio ambiente) e, também, das minorias sociais (direitos coletivos: existe um vínculo que compõe o grupo): negros, indígenas, mulheres, pessoas com defi ciência, homossexuais e demais grupos discriminados historicamente. Esses direitos da terceira geração surgiram principalmente após os movimentos civis nos Estados Unidos contra a discriminação racial (Martin Luther King) e a guerra do Vietnã (1962-1972). Em 1986, na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, garante-se a alteridade universal em função do direito dos indivíduos e dos povos se desenvolverem, pois toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político. Os direitos de terceira geração são atribuídos de forma genérica às formações sociais e atuam na proteção dos direitos transindividuais, coletivo ou difuso de determinado grupo, numa clara preocupação com a manutenção da vida. No entanto, não se destina especifi camente à proteção do homem isoladamente, mas da coletividade em geral (BOBBIO, 1992). 2 AS VÁRIAS FACES DA EXCLUSÃO SOCIAL: GÊNERO, SEXO, RAÇA, PESSOA COM DEFICIÊNCIA, IDADE, ETNIAS E SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA A Constituição Federal de 1988 reconhece direitos coletivos e demandas sociais que extrapolam o âmbito individual. A fi m de assegurar a manutenção destes direitos, movimentos sociais se organizaram em torno de pautas políticas social e culturalmente igualitárias. Nesse sentido, as questões identitárias de 48 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão sujeitos sociais subalternizados, invisibilizados e discriminados socialmente ganharam força nas esferas públicas a partir dos anos 1990, como os movimentos sociais feministas, negros e das comunidades periféricas, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (MACHADO, 2006; MIGUEL, 2016). Conforme afi rmam Faundes (1996, p. 668 apud DIAS; CABRAL, 2021): Sem dúvida alguma, os sistemas de diferenciação social, como classe, raça, etnia, geração, além de gênero, implicam sempre em relações desiguais e de submissão com consequências importantes para a autonomia individual e coletiva, e para o exercício pleno da cidadania, quando se considera o ser humano como agente protagonista de sua própria transformação social. Essa discussão nos remete individualmente à questão dos direitos humanos e à luta permanente pela igualdade de direitos que estudaremos a seguir, destacando nesta seção alguns grupos que historicamente são discriminados socialmente. Podemos defi nir minoria social como: [...] uma parcela da população que se encontra, de algum modo, marginalizada, ou seja, excluída do processo de socialização. São grupos que, em geral, são compostos por um número grande de pessoas (na maioria das vezes, são a maioria absoluta em números), mas que são excluídos por questões relativas à classe social, ao gênero, à orientação sexual, à origem étnica, ao porte de necessidades especiais, entre outras razões (BRASIL ESCOLA, 2021, s.p.). A temática das minorias sociais se tornará um tema acadêmico, com diferentes abordagens conforme o grupo discriminado que estudaremos a seguir. 2.1 DIVERSIDADE: GÊNERO E SEXUALIDADE Segundo Basilio (2021 apud CLAM, 2009, p. 39): [...] ainda muito pequenos já começamos a lidar com as expectativas que a sociedade deposita sobre cada um. Já na infância, entraremos em contato com uma lista de predileções, afazeres e tarefas específi ca construídos socialmente como “coisa de meninos” ou “de meninas”. Eles gostam de azul, de futebol e não choram. Essas diferenciações, entretanto, não são naturais, mas socialmente e historicamente construídas, a partir de padrões normativos do que é ser homem e o que é ser mulher (BASILIO, 2021 apud CLAM, 2009, p. 39). 49 DIVERSIDADE E INCLUSÃO SOCIAL Capítulo 2 Conforme aponta Santiago (2021, s.p.), “investigar o conceito de gênero é muito importante para a construção do que se entende como justiça social, porque ele trata do caráter social fundamental das diferenças que são atribuídas às mulheres e aos homens”. De uma maneira geral, as pessoas têm uma tendência a imaginar que as diferenças entre mulheres e homens, ou sobre o que é ser mulher e o que é ser homem, são naturais. Baseados no sexo biologicamente defi nido, através de falas machistas e/ou sexistas, a sociedade atual considera a possibilidade de afi rmar ações, vistas como “socialmente adequadas”, a esses comportamentos ou atitudes, atribuídas de tal forma que acabam gerando o preconceito e a desigualdade entre esses gêneros. O conceito de gênero vem para nos ajudar a entender que essa desigualdade, ou seja, os homens estarem em posições superiores na sociedade, terem melhores salários, posições de liderança, tudo aquilo considerado natural aos homens, é socialmente construído. Para que a gente equilibre essa balança, isso precisa ser desconstruído, porque se foi aprendido dessa forma pode ser aprendido de outra que possibilite às mulheres desenvolverem seu pleno potencial e acessarem as oportunidades da mesma maneira que os homens (SANTIAGO, 2021 apud CLAM, 2009, p. 109). Segundo Faundes (1996, p. 670): [...] as relações de gênero são produto de um processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida, reforçando a desigualdade existente entre homens e mulheres, principalmente em torno a quatro eixos: a sexualidade, a reprodução, a divisão sexual do trabalho e o âmbito público/cidadania. Para esclarecer ainda mais tais temáticas, analise o quadro a seguir: QUADRO 1 – RELAÇÕES DE GÊNERO Eixo 1 - A sexualidade na mulher tem sido relacionada com a reprodução, ou seja, para a mulher o centro da sexualidade é a reprodução e não o prazer. A sexualidade reduzida à genitalidade se apresenta para as mulheres como algo sujo, vergonhoso, proibido. Os homens, ao contrário das mulheres, recebem mensagens e são preparados para viver o prazer da sexualidade através do seu corpo, já que socialmente o exercício da sexualidade no homem é sinal de masculinidade. De um modo geral, podemos dizer que as mulheres desde que nascem são educadas para serem mães, para cuidar dos outros e para “dar prazer ao outro”. A sua sexualidade é negada, reprimida e temida. Eixo 2 - Outro dos eixos em que se constrói e se concretiza a desigualdade entre homens e mu- lheres é a reprodução. A mulher pode gerar um fi lho, e isto que em si é uma fonte de poder que tem sido controlada, bem como determinante em outros papéis da mulher, diminuindo as possibilidades e limitando suas vidas das em outros âmbitos, como no campo do trabalho. 50 Introdução e Panorama Mundial da Inclusão Eixo 3 - O terceiro eixo é a divisão sexual do trabalho. Pelo fato biológico de que a mulher é quem engravida e dá de mamar, tem sido atribuída a ela a totalidade do trabalho reprodutivo. Às mulheres, portanto, se atribui o fi car em casa, cuidar dos fi lhos e realizar o trabalho doméstico, desvalorizado pela sociedade e que deixava as mulheres “donas de casas” limitadas ao mundo do lar; com menos possibilidade de educação, menos acesso à informação, menos acesso à formação profi ssional etc. A situação nos últimos tempos tem mudado e cada vez mais um número maior
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