Buscar

SACHS350469158-Desenvolvimento-Includente-Sustentavel-Sustentado (1)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 153 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 153 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 153 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Sachs 
Desenvolvimento 
inciudente, sustentável 
sustentado 
Prefácio 
debate sobre o desenvolvimento vem 
sendo travado há algumas décadas, mas 
recentemente se intensificou, muitas vezes 
de maneira estimulante, com as drásticas 
mudanças políticas que o mundo tem 
sofrido, o forte acirramento das tensões 
sociais e a incessante degradação do meio 
ambiente. Nesse contexto delicado, surge a 
proposta de um Desenvolvimento 
Sustentável como alternativa desejável - e 
possível - para promover a inclusão social, 
o bem-estar econômico e a preservação 
dos recursos naturais. 
Essa tese, articulada pelo professor 
lgnaçy Sachs, da École des Hautes Études 
en Sciences Sociales, conquista cada vez 
mais apoio em todo o planeta. 0 professor 
Sachs, um profundo conhecedor dos 
problemas dos países do assim chamado 
Terceiro Mundo, e particularmente do 
Brasil, fundou na França o Centro de 
Estudos sobre o Brasil Contemporâneo e o 
Centro Internacional de Pesquisas sobre 
lVleio Ambiente e Desenvolvimento, para 
aprofundar e desdobrar essa problemática. 
Neste livro, ela é abordada, como 
sempre de maneira fecunda e criativa, com 
enfoques centrados nas questões do 
trabalho, da inclusão social, das políticas 
públicas, da distribuição de renda - todas 
elas perpassadas pelo fio condutor da 
ética, como eixo de um pensamento que 
alia o rigor científico a um humanismo 
veemente. Como diz Celso Furtado, "a 
leitura destes ensaios de Ignacy Sachs, 
grande e lúcido conhecedor da proble-
mática do desenvolvimento e, mais 
especificamente, dos impasses que 
enfrenta o Brasil no momento atual, nos 
encoraja a trazer essas questões para 
primeiro plano." 
Esta obra é publicada em co-edição 
pela editora Garamond e o Sebrae, no 
contexto do Projeto Parcerias com 
Editoras, com o qual o Sebrae busca 
incentivar o setor editorial brasileiro -
constituído majoritariamente por peque-
nas e micro empresas - e simultaneamente 
direcionar suas publicações, em geral de 
conteúdo técnico, para todo o segmento 
dos pequenos negócios. O Projeto também 
visa a estimular o aparecimento de novos 
autores, especialistas em assuntos de 
interesse dos empreendedores e das micro 
e pequenas empresas, confirmando assim a 
vocação do Sebrae e seu compromisso com 
um projeto de desenvolvimento para o 
Brasil que seja includente, sustentável e 
sustentado. 
Ignacy Sachs 
Desenvolvimento 
ineludente, sustentável, 
sustentado 
G a r a m o n d 
Copyright © 2004, Ignacy Sachs 
Direi tos cedidos para esta edição à 
Editora Garamond Ltda. 
Caixa Postal: 16 .230 Cep: 2 2 . 2 2 2 - 9 7 0 
Rio de Janei ro - Brasil 
Telefax: (21) 2 5 0 4 - 9 2 1 1 
e-mail : ed i to ra@garamond .com.br 
Revisão 
Cláudia R u b i m 
Editoração Eletrônica 
Luiz Oliveira 
Capa 
Estúdio G a r a m o n d 
sobre "Quadrados com círculos concêntricos", 
óleo sobre tela de Wladimir Kandinsky 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÂO-NA-FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. 
S126d 
Sachs, Ignacy, 1927-
Desenvolvimento : ineludente, sustentável, sustentado / 
Ignacy Sachs. - Rio de Janeiro : Garamond, 2008 
14x2; 1152p. 
ISBN 85-7617-04-X 
1. Desenvolvimento econômico - América Latina. 2. Desen-
volvimento social - América Latina. 3. Desenvolvimento sus-
tentável - América Latina. 4. Brasil - Política e governo. 5. 
Desenvolvimento econômico - Brasil. I. Título. 
0 4 - 2 5 6 0 . C D D 338.98 
C D U 330.34 
Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, 
por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei n° 9.610/98. 
Sumário 
PREFÁCIO - Celso Furtado 
7 
Desenvolvimento e ética - para onde ir 
na América Latina? 
9 
Desenvolvimento includente e 
trabalho decente para todos 
25 
Da armadilha da pobreza ao desenvolvimento 
includente em países menos desenvolvidos 
69 
Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades, 
obstáculos, políticas públicas 
111 
P R E F Á C I O 
A difícil leitura da realidade 
Celso Furtado 
Em um futuro que, imagino, não será muito remoto, parecerá 
simples devaneio de intelectual ocioso a referência ao que está ocor-
rendo na América Latina, neste final de era marcado pelo funda-
mentalismo mercantil. Ninguém, em sã consciência, acreditará que 
um país rico como a Argentina, dotado de uma classe política tão 
sofisticada, haja sido conduzido, em 2003, a uma situação de tama-
nha ingovernabilidade e de liquidação de seus ativos. 
E também causará espanto o que está ocorrendo em outros países 
do continente. Com efeito, como explicar que uma economia com a 
vitalidade da brasileira, que, nos primeiros três quartos do século XX, 
beneficiou-se de um ritmo de crescimento superado apenas pelo do 
Japão, tenha se conformado com uma taxa de decrescimento (cresci-
mento negativo, para usar o eufemismo da moda) no correr deste 
último decênio? Trata-se de satisfazer a exigências dos que arbitram 
as taxas de juros escorchantes que estão absorvendo mais que a tota-
lidade da poupança nacional, conforme nos explicam consultores 
credenciados. E não se admite que as vítimas do sobre-endividamento 
apelem para métodos clássicos de autodefesa. 
Estas são questões que a coletividade tem não somente o direito, 
mas o dever de formular. A leitura destes ensaios de Ignacy Sachs, 
7 
grande e lúcido conhecedor da problemática do desenvolvimento e, 
mais especificamente, dos impasses que enfrenta o Brasil no mo-
mento atual, nos encoraja a trazê-las para o primeiro plano. A leitura 
deste livro muito nos ajudará a evitar a reprodução da fábula platô-
nica, em que os prisioneiros confundiram a realidade com as ima-
gens projetadas na caverna. 
Rio de Janeiro, junho de 2004 
8 
Desenvolvimento e ética - para 
onde ir na América Latina? 
Estratégias de desenvolvimento 
nacional na era da globalização1 
"Você poderia me dizer, por favor, 
por qual caminho devo seguir agora?", perguntou ela. 
"Isso depende muito de aonde você quer ir", respondeu o gato. 
Lewis Carroll, Alice'sAdventures in Wonderland. 
A - Algumas lições da tragédia desenvolvimentista 
da Argentina 
De acordo com Marshall Berman, a segunda parte de Fausto, de 
Goethe, configura uma tragédia desenvolvimentista. Na Argentina 
de hoje, somos espectadores de uma tragédia desenvolvimentista 
da vida real, e não de uma tragédia literária. 
Alguns chegam a atribuir ao FMI o papel de Mefístófeles. Uma 
avaliação mais realista é a de que o FMI não conspirou para desenca-
1 Paper apresentado no Encontro do BID sobre Ética e Desenvolvimento 
(Buenos Aires, 5 e 6 de setembro de 2002). Versão final de 6 de novembro 
de 2002. Traduzido do original em inglês, intitulado Development and 
Ethics. Whither Latin America? National Development Strategies in the 
Globalization Age, por José Augusto Drummond e Glória Maria Vargas. 
9 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
dear o desastre. Ele apenas recomendou (ou aplicou, diria alguém) 
uma receita terrivelmente equivocada de políticas, inspirada por uma 
visão idealizada de uma globalização simétrica e mutuamente benéfica 
e pelo fundamentalismo de mercado - "má economia e má política", 
para empregar as palavras de Joe Stiglitz (Stiglitz, 2002a e 2002b). 
1- A primeira lição da crise desenvolvimentista da Argentina si-
naliza a falácia do pretenso fim da história e da ideologia. Tanto a 
teoria, com base no estudo histórico comparativo de experiências 
nacionais, quanto a ideologia, baseada em compromissos éticos, 
continuam a ser importantes. Devemos repensar a teoria do desen-
volvimento e as políticas receitadas que derivam dela à luz do que 
aconteceu na Argentina - o casomais extremo de "pobreza na abun-
dância" (Keynes, 2000) e de "desdesenvolvimento" (ou de 
involução, para usar um termo de Clifford Geertz) em circunstân-
cias não bélicas, uma tragédia que resultou de uma mistura letal de 
dependência excessiva de recursos externos, de confiança cega no 
Consenso de Washington e de má governança. 
O colapso da Argentina significa o f im do Consenso de 
Washington e da versão neoliberal do fundamentalismo de merca-
do, tanto quanto o colapso do "socialismo real", na Europa Oriental, 
significou o fim do estatismo e da economia de comando. Estes 
dois paradigmas extremos e diametralmente opostos, agora descar-
tados, delimitam o campo de arranjos institucionais intermediários, 
as economias mistas (Kalecki, 1993; Rodrik, 2000; Sachs, 1998; 
1999; 2000; Tsuru, 1994; Wade, 1990) ao qual pertence o futuro. 
Os mercados são uma instituição entre muitas; a governança 
democrática oferece o único esquema adequado à sua regulação 
(Sen, 2000). Como diz Pradab Bardhan, "cada mecanismo de coor-
denação da sociedade - o Estado, o mercado, a comunidade - tem 
as suas próprias falhas, mas cada um tem algumas vantagens úni-
cas que podemos tentar combinar a fim de coordenar a correção 
das falhas" (Bardhan, 2001). 
1 0 
IGNACY SACHS 
2- Para que isso ocorra, é preciso haver um Estado enxuto, lim-
po, ativo, planejador e capaz de descortinar o futuro. Como José 
Serra nos lembrou recentemente, a cidadania global continua a ser, 
por enquanto, uma utopia. O Estado nacional tem três funções prin-
cipais: 
a-A articulação de espaços de desenvolvimento, desde o nível local 
(que deve ser ampliado e fortalecido) ao transnacional (que deve 
ser objeto de uma política cautelosa de integração seletiva, su-
bordinada a uma estratégia de desenvolvimento endógeno); 
b-A promoção de parcerias entre todos os atores interessados, em 
torno de um acordo negociado de desenvolvimento sustentável; 
c-A harmonização de metas sociais, ambientais e econômicas, por 
meio do planejamento estratégico e do gerenciamento cotidia-
no da economia e da sociedade, buscando um equilíbrio entre 
diferentes sustentabilidades (social, cultural, ecológica, 
ambiental, territorial, econômica e política) e as cinco eficiên-
cias (de alocação, de inovação, a keynesiana, a social e a 
ecoeficiência). 
3- Em muitos países, como a Argentina, a sustentabilidade social 
é ainda mais frágil e sujeita à disrapção do que a sustentabilidade 
ambiental. Disto resulta a necessidade de construir a estratégia endógena 
de desenvolvimento com base na questão central do trabalho decente 
para todos (OIT 2001, 2002a e 2002b), por meio do emprego ou do 
auto-emprego na produção de meios de subsistência. Sem negar a 
importância da promoção de exportações, é preciso lembrar que nove 
entre cada dez pessoas em todo o mundo trabalham para o mercado 
interno (Ferrer, 2002). Portanto, as potencialidades do mercado in-
terno devem ser aproveitadas como o primeiro passo para revigorar 
as economias em crise. Há três motivos para isso. 
a-A falta de oportunidades adequadas para que os países periféricos 
ampliem as suas exportações na atual ordem internacional 
6 1 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
(CEPAL 2002; Oxfam 2002; Ricupero, 2002; UNCTAD 2002); 
"desenvolvimento a partir de dentro" (Sunkel, 1992) continua a 
ser a única opção viável para a Argentina e para toda a América 
Latina (ver também Ferrer, 2002); 
b-O mercado interno pode ser ampliado por meio da promoção da 
agenda inacabada de transformação rural (reformas agrárias) e do 
combate à heterogeneidade extrema das economias periféricas, 
agenda esta que consta nos escritos de Aníbal Pinto. Essas eco-
nomias podem ser descritas como um arquipélago de empreendi-
mentos altamente produtivos situados num oceano de atividades 
de baixa produtividade - o tecido conjuntivo do sistema econômi-
co. Uma grande parte do PIB é produzida nesse arquipélago e as 
pessoas dão braçadas para sobreviver no oceano em volta. Resul-
tados rápidos podem ser obtidos por uma estratégia centrada nas 
pessoas e no emprego, com a finalidade dupla de aumentar o nú-
mero dos empregos de baixa produtividade e simultaneamente 
melhorar a produtividade destes empregos. Como o seu conteúdo 
de importações tende a ser muito baixo, a sua promoção não exige 
moeda estrangeira, nem financiamento externo. O limite para o 
crescimento induzido pelo emprego, que não seja inflacionário e 
que exija poucas importações, é dado pela elasticidade da oferta de 
bens de salário produzidos internamente (Kalecki, op.cit.); 
c-Um mercado interno em expansão fortalece a competitividade 
sistêmica da economia nacional. 
4- Desde que cada crise constitui uma oportunidade, a Argentina, 
tão bem dotada de recursos humanos e naturais, tem o potencial 
necessário para dar início hic et nunc a uma operação de ajuste infor-
mada pelo conceito de desenvolvimento sustentável, baseada nos cinco 
pilares da endogeneidade (oposta ao crescimento mimético): 
autoconfiança (oposta à dependência), orientação por necessidades 
(em oposição à orientação pelo mercado), harmonia com a natureza e 
abertura à mudança institucional (What now?, 1975). 
1 2 
IGNACY SACHS 
Daí a importância dos notáveis estudos, diagnósticos e propos-
tas formulados pelos acadêmicos que preparam o Plan Fénix (ver 
em particular os números especiais de Enoikos, 2001, e de 
Encrucijadas UBA, 2001). 
B - De Aristóteles ao desenvolvimento sustentável 
1- Nos seus textos Ethics and Economics, Amartya Sen (1990) 
nos lembrou que a economia e a ética estavam interligadas, desde 
Aristóteles, por duas questões centrais de fundo: 
• o problema da motivação humana (como deveríamos viver?); 
• a avaliação das conquistas sociais. 
No entanto, a outra origem da economia - as questões logísticas, 
que Sen chama de "abordagem de engenharia" - se tornou prepon-
derante, hoje, a ponto de fazer a ética ser praticamente esquecida. 
Daí vem a insistência de Sen na reaproximação entre a economia e 
a ética, sem esquecer da política. 
O desenvolvimento, distinto do crescimento econômico, cum-
pre esse requisito, na medida em que os objetivos do desenvolvi-
mento vão bem além da mera multiplicação da riqueza material. O 
crescimento é uma condição necessária, mas de forma alguma 
suficiente (muito menos é um objetivo em si mesmo), para se 
alcançar a meta de uma vida melhor, mais feliz e mais completa 
para todos. 
No contexto histórico em que surgiu, a idéia de desenvolvimento 
implica a expiação e a reparação de desigualdades passadas, criando 
uma conexão capaz de preencher o abismo civilizatório entre as 
antigas nações metropolitanas e a sua antiga periferia colonial, entre 
as minorias ricas modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta 
dos trabalhadores pobres. O desenvolvimento traz consigo a pro-
messa de tudo - a modernidade inclusiva propiciada pela mudança 
estrutural. 
6 3 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
2- Outra maneira de encarar o desenvolvimento consiste em 
reconceituá-lo em termos da apropriação efetiva das três gerações 
de direitos humanos: 
• direitos políticos, civis e cívicos; 
• direitos econômicos, sociais e culturais, entre eles o direito ao 
trabalho digno, criticamente importante, por motivos intrínse-
cos e instrumentais; 
• direitos coletivos ao meio ambiente e ao desenvolvimento (Sen, 
1999; Sengupta, 2001 e 2002). 
Igualdade, eqüidade e solidariedade estão, por assim dizer, em-
butidas no conceito de desenvolvimento, com conseqüências de 
longo alcance para que o pensamento econômico sobre o desenvol-
vimento se diferencie do economicismo redutor. 
Em vez de maximizar o crescimento do PIB, o objetivo maior se 
torna promover a igualdade e maximizar a vantagem daqueles que 
vivem nas piores condições,de forma a reduzir a pobreza, fenôme-
no vergonhoso, porquanto desnecessário, no nosso mundo de abun-
dância. 
a-O crescimento, mesmo que acelerado, não é sinônimo de desen-
volvimento se ele não amplia o emprego, se não reduz a pobreza 
e se não atenua as desigualdades, conforme enfatizado, desde os 
anos 1960, por M. Kalecki e Dudley Seers. De acordo com o 
mesmo raciocínio, não é suficiente promover a eficiência 
alocativa. O desenvolvimento exige, conforme mencionado, um 
equilíbrio de sintonia fina entre cinco diferentes dimensões. Ele 
também exige que se evite a armadilha da competitividade espú-
ria e, em última instância, autodestrutiva, com base na deprecia-
ção da força de trabalho e dos recursos naturais. 
b-A eqüidade, traduzida em termos operacionais, significa o trata-
mento desigual dispensado aos desiguais, de forma que as re-
gras do jogo favoreçam os participantes mais fracos e incluam 
1 4 
IGNACY SACHS 
ações afirmativas que os apoiem. Este princípio se aplica tanto à 
ordem econômica internacional (conforme colocado por Myrdal, 
em 1956) quanto às economias nacionais. O recente relatório 
SEBRAE-PNUD sobre o futuro dos pequenos produtores no Brasil 
(Sachs, 2002) desenvolve detalhadamente esse ponto. 
3- O conceito de desenvolvimento sustentável acrescenta uma 
outra dimensão - a sustentabilidade ambiental - à dimensão da 
sustentabilidade social. 
Ela é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade 
sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com 
as gerações futuras. Ela nos compele a trabalhar com escalas 
múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferra-
mentas do economista convencional. Ela nos impele ainda a bus-
car soluções triplamente vencedoras, eliminando o crescimento 
selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas, 
tanto sociais quanto ambientais. Outras estratégias, de curto pra-
zo, levam ao crescimento ambientalmente destrutivo, mas social-
mente benéfico, ou ao crescimento ambientalmente benéfico, mas 
socialmente destrutivo. Os cinco pilares do desenvolvimento sus-
tentável são: 
a-Social, fundamental por motivos tanto intrínsecos quanto instru-
mentais, por causa da perspectiva de disrupção social que paira 
de forma ameaçadora sobre muitos lugares problemáticos do 
nosso planeta; 
b-Ambiental, com as suas duas dimensões (os sistemas de susten-
tação da vida como provedores de recursos e como "recipien-
tes" para a disposição de resíduos); 
c-Territorial, relacionado à distribuição espacial dos recursos, das 
populações e das atividades; 
d-Econômico, sendo a viabilidade econômica a condido sine qua 
non para que as coisas aconteçam; 
6 5 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
e-Político, a governança democrática é um valor fundador e um 
instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem; a li-
berdade faz toda a diferença.2 
4- Para se progredir simultaneamente nessas cinco dimensões, 
muita coisa tem que ocorrer, de fato. A reunião de Joanesburgo foi 
uma oportunidade perdida para deslanchar uma transição planetária 
para o desenvolvimento sustentável, cujo conteúdo seria: 
a-Estratégias nacionais diferenciadas, mas complementares, no Norte 
(mudando os padrões de consumo e os estilos de vida, reduzin-
do a dependência quanto a combustíveis de origem fóssil e dimi-
nuindo o tamanho da "pegada" da minoria rica); 
b-No Sul, estratégias de desenvolvimento endógenas e inclusivas 
(em vez do transplante de modelos do Norte), propiciando um 
salto para uma civilização moderna, sustentável, com base na 
biomassa, especialmente adequada aos países tropicais; 
c-Um acordo Norte/Sul a respeito do desenvolvimento sustentável, 
aumentando substancialmente o fluxo real de recursos do Norte 
para o Sul (por meio da ajuda e, mais ainda, do comércio justo), 
estimulando simultaneamente as economias em crise do Norte; 
d-Um sistema internacional de impostos (sobre energia, pedágios 
para o uso de oceanos e espaços aéreos, e algum tipo de taxação 
sobre transações financeiras); 
e-Gerenciamento das áreas globais de uso comum. 
Gallopin (2001) está certo quando afirma que a transição para 
um mundo sustentável exige um progresso simultâneo em todas 
essas frentes. As perspectivas imediatas são sombrias. Enquanto 
prosseguem na batalha política na frente global, os países latino-
2 Amartya Sen, em artigo recente, afirma o seguinte: "Não é nem um pouco 
óbvio por que o fortalecimento das liberdades democráticas não deva 
fazer parte das demandas centrais do desenvolvimento sustentável." 
{International Herald Tribune, 16 de agosto de 2002). 
1 6 
IGNACY SACHS 
americanos, inclusive a Argentina, poderiam também usar o marco 
conceituai do desenvolvimento sustentável para desenhar as suas 
estratégias nacionais. 
C - Como chegamos lá? 
1- Seria um erro isolar as urgências de curto prazo ligadas ao 
gerenciamento de crises da reflexão sobre a estratégia de médio 
e longo prazos. Ambas devem ser informadas pela mesma visão 
de desenvolvimento sustentável que, de um lado, oferece os cri-
térios de avaliação para as políticas propostas e, de outro, median 
te um amplo debate societal, se desdobra gradualmente num pro-
jeto nacional (de acordo com Jean-Paul Sartre, o homem é um 
projeto; afortiori, uma sociedade humana também deve ser um 
projeto). 
2- A transição para o desenvolvimento sustentável começa com 
o gerenciamento de crises, que requer uma mudança imediata de 
paradigma, passando-se do crescimento financiado pelo influxo de 
recursos externos e pela acumulação de dívida externa para o do 
crescimento baseado na mobilização de recursos internos, pondo 
as pessoas para trabalhar em atividades com baixo conteúdo de 
importações e para aprender a "vivir con lo nuestro". 
Conforme mencionado, o único limite para o crescimento não 
inflacionário e induzido pelo emprego é dado pela disponibilidade de 
bens de salário. Como não é necessário ter moeda estrangeira para 
o financiamento de obras públicas, outras atividades poderiam ser 
financiadas por um Imposto de Valor Adicionado altamente pro-
gressivo. 
Portanto, as condições necessárias para se levar à frente o cres-
cimento induzido pelo emprego são: 
a-capacidade local de planejamento, entendido como a capacidade 
de identificação de gargalos e de recursos ociosos capazes de 
superá-los; 
6 7 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
b-estímulo à capacidade de mobilizar recursos e iniciativas locais; 
c-reabilitação do sistema financeiro nacional, para dotá-lo de um 
mínimo de capacidade de atender às necessidades das empresas 
e do financiamento de obras públicas, sem excluir o recurso (em 
casos excepcionais) à quase-moeda e à promoção do escambo; 
d-uma reforma fiscal que criasse um Imposto de Valor Adicionado 
progressivo sobre o consumo: haveria isenção para os bens es-
senciais, mas ele teria forte incidência sobre artigos de luxo, 
conforme sugerido por Kalecki, no seu texto sobre a índia (op. 
cit.); os salários baixos seriam subsidiados com este imposto 
(Bardhan, op. cit.); 
Cabe traçar aqui uma analogia com as políticas adotadas por 
alguns países da Europa e da Ásia, na primeira fase da reconstrução 
posterior à Segunda Guerra Mundial. Operações de auto-salvação 
eram a única opção para dar início à recuperação. A reconstrução e 
a industrialização posteriores à guerra começaram exatamente des-
sa maneira, por meio do crescimento extensivo, com base na gera-
ção de quantidades maciças de empregos de baixa produtividade.3 
3- Paralelamente, o esforço deve começar em todos os níveis -
do local ao nacional tendo em vista a montagem de uma agenda 
de médio prazo de criação de empregos. A emergência de conse-
lhos quatripartites de desenvolvimento facilitaria muito essa tarefa, 
montando o cenário parao processo de negociação entre todos os 
atores envolvidos - autoridades públicas, trabalhadores, emprega-
dores e o Terceiro Setor (sociedade civil organizada). 
O objetivo supremo é o emprego decente e/ou auto-emprego 
para todos - trata-se da melhor forma de assegurar simultanea-
mente a sustentabilidade social e o crescimento econômico. Em 
3 A transição para o crescimento intensivo, mais tarde, gerou problemas difí-
ceis, que não precisam ser abordados aqui. 
1 8 
IGNACY SACHS 
outras palavras, a ênfase deve ser colocada na mudança da distri-
buição primária de renda, em vez de se persistir com o padrão 
excludente de crescimento, a ser corrigido ex post por meio de 
políticas sociais compensatórias financiadas com a redistribuição 
de uma parcela do PIB. 
Tal abordagem exige a combinação de várias políticas comple-
mentares: 
a-Explorar todas as oportunidades de crescimento induzido pelo 
emprego e com conteúdo zero ou baixo de importações, parti-
cularmente: 
• obras públicas; 
• construção civil, especialmente programas voluntários de cons-
trução de casas populares com apoio governamental (casas 
populares construídas pelo povo); 
• serviços sociais (países que pagam salários baixos têm uma 
vantagem comparativa absoluta na produção deste tipo de ser-
viços); 
• empregos ligados à conservação de energia e de recursos e à 
reciclagem de materiais (em outras palavras, ao aumento da 
produtividade dos recursos), à melhor manutenção do estoque 
existente de infra-estrutura, equipamentos e prédios, de forma 
a ampliar o seu ciclo de vida e, dessa forma, poupar o capital 
necessário à sua reprodução (nos termos de Kalecki, estas são 
as fontes de crescimento que não exigem investimento). 
b-Desenhar políticas para consolidar e modernizar a agricultura fa-
miliar como parte de uma estratégia para estimular o desenvolvi-
mento rural com base na pluriatividade da população rural, dan-
do um salto na direção de uma civilização moderna baseada na 
biomassa (biodiversidade-biomassa-biotecnologias); 
c-Promover ações afirmativas para melhorar a condição de traba-
lhadores por conta própria e microempresas, para ajudá-los a 
6 9 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
sair da informalidade, e apoiar diversas formas de atividade em-
presarial compartilhada, com a finalidade de aumentar o poder 
de barganha e a competitividade dos pequenos produtores (pas-
sando da competitividade espúria para a autêntica); criar uma 
entidade pública - mas não estatal - que atue como um planejador 
comprometido com os interesses dos pequenos produtores (o 
SEBRAE é um bom exemplo); 
d-Estabelecer conexões mutuamente benéficas entre grandes e pe-
quenas empresas (condições jus tas de subcont ra tação , 
terceirização, integração de franquias de agronegócios); 
e-Usar as compras governamentais para promover as micro e pe-
quenas empresas. "The Small Business Authority" (Agência para 
as Pequenas Empresas), dos EUA, criou um complexo sistema 
de preferências para as micro e pequenas empresas; 
f-Fortalecer as empresas industriais de grande porte e transformá-
las em atores competitivos em escala global. Obviamente, é pre-
ciso uma estratégia dupla; isto nos traz de volta à importância 
crucial do sistema financeiro nacional, da sua capacidade de in-
vestir e de algum tipo de controle sobre o fluxo de moeda es-
trangeira que entra e sai. 
4- A insistência nessa modalidade de recuperação a partir das 
próprias forças e nas estratégias nacionais para o desenvolvimento 
sustentável endógeno não deve ser entendida como uma justificati-
va para negligenciar a questão primordial da inserção na economia 
global. Ela tem as suas raízes numa crença dupla: 
• na configuração atual da economia mundial e do equilíbrio de 
poder, os países periféricos não podem agir de forma dife-
rente; 
• quanto mais esses países tiverem sucesso na sua estratégia 
endógena, mais forte será o seu poder de barganha para alcan-
çar a inclusão na economia global em termos mais favoráveis 
1 0 
IGNACY SACHS 
e para renegociar a sua dívida externa em circunstâncias que 
avaliem de maneira realista a sua capacidade de gerar exce-
dentes de moeda estrangeira. 
Enquanto suportam os impactos negativos da globalização na 
sua forma assimétrica atual, os países periféricos deveriam mobili-
zar as suas capacidades intelectuais e políticas para organizar em 
todos os foros internacionais, antes de mais nada na ONU, uma 
intensa campanha a favor da reforma necessária da ordem econô-
mica internacional. A sessão especial da Assembléia Geral da ONU, 
em 1975, foi um fracasso. As propostas formuladas, naquela oca-
sião, não são mais aplicáveis. No entanto, a agenda de 1975 conti-
nua a ser bem pertinente. 
Propostas para a reforma das instituições nascidas em Bretton 
Woods e a adoção do comércio justo provavelmente não nascerão 
por iniciativa dos países do G-8, satisfeitos com o status quo. Ao 
contrário, virão do diálogo entre países periféricos e das suas dis-
cussões com os setores progressistas da sociedade civil dos países 
centrais. O processo provavelmente será longo e difícil. No entan-
to, podemos abrandar o nosso pessimismo ao pensarmos no pro-
cesso de formação da UNCTAD, há 10 anos, graças à visão e à 
energia de Raul Prebisch e dos seus colaboradores. 
Referências 
BARDHAN, Pranab (2001): "Social Justice in the Global Economy". In: 
Economic and Political Weekly, February 3-10, p. 467-479. 
CEPAL(2002): "Desarrollo y globalízación", Santiago de Chile. 
ENCRUCIJADAS UBA - Revista de la Universidad de Buenos Aires (2001), 
Hacia el Plan Fénix. Por un futuro, número 13, noviembre. 
ENOIKOS - Revista de la Faculdad de Ciências Econômicas de la Universidad 
de Buenos Aires (2001): Hacia el Plan Fénix. Dignóstico y propuestas, 
número 19, noviembre. 
6 1 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
FERRER, Aldo (2002): "A Argentina e a globalização". In: Estudos Avança-
dos, São Paulo, Vol. 16, n° 44, p. 37-54. 
FERRER, Aldo (2002): Vivir con lo nuestro (Segunda edición), Fondo de Cul-
tura Econômica, Buenos Aires. 
GALLOPIN, Giberto C. (2001): "The Latin American World Model (a. k. a. 
the Bariloche model): three decades ago. In: Futures, n° 33, p. 77-88. 
GRUPO FENIX (2002): "Hacia el Plan Fénix - Otra Argentina es posible. De 
la crisis al crecimiento con equidad", GAK, Abraham Leonardo, director 
dei Proyecto Estratégico de la Universidad de Buenos Aires, 19 de abril. 
ILO (2001): Reducing the decentwork déficit: a global challenge, International 
Labour Conference, 89 th Session 2001, Geneva. 
ILO (2002a): Global employment agenda, Geneva. 
ILO (2002b): Decent work and the informal economy, International Labour 
Conference, 90th Session. 
KALECKI, M. (1993): Collectedworks ofMichalKalecki, VolumeS, Developing 
economies, Clarendon Press, Oxford. 
KEYNES, John Maynard (2002): La Pauvreté dans 1'abondance, Paris, 
Gallimard, 291 p. 
M YRD AL, Gunnar (1956): An International Economy. Problems and Prospects, 
Harper, New York. 
OXFAM (2002): Rigged Rules and Double Standards - Trade, Globalisation, 
and thefight against poverty, Oxford. 
RICUPERO, Rubens (2002): Esperança e ação. A ONU e a busca de desenvol-
vimento mais justo, Paz e Terra, São Paulo. 
RODRIK, D. (2000): "A valiosa herança da economia mista". In: O Estado de 
São Paulo, 6 de agosto. 
SACHS, Ignacy (1998): "The State and the Social Partners - Towards a 
Development Compact". In: Economic andPolitical Weekly, August 15-
22, p. 2233-2239. 
SACHS, Ignacy (1999): "Léconomiepolitique du développementdes économies 
mixtes selon Kalecki: croissance tirée par l 'emploi". In: Mondes en 
développement, Paris-Bruxelles, Tome 27- n° 106, p. 23-34. 
SACHS, Ignacy (2000): Understanding Development, People, Markets and the 
Statein MixedEconomies, Oxford University Press, New Delhi. 
SACHS, Ignacy (2001): "Um projeto para o Brasil: a construção do mercado 
nacional como motor do desenvolvimento". In: A grande esperança em 
1 2 
IGNACY SACHS 
Celso Furtado - Ensaio em Homenagem aos seus 80 anos, org.: BRESSER 
PEREIRA, Luís Carlos e REGO, José Márcio, São Paulo, Editora 34, p. 
45-53. 
SACHS, Ignacy (2002): Desenvolvimento humano, trabalho decente e o futuro 
dos empreendedores de pequeno porte no Brasil, SEBRAE/UNDP, 
Brasília DF. 
SEN, Amartya (1990): Ethics and Economics, Oxford University Press, New 
Delhi. 
SEN, Amartya (1999): Development as Freedom, Alfred A. Knopf, New York. 
SEN, Amartya (2000): "A Decade of Human Development". In: Journal of 
Human Development, Vol. 1, N° 1, p. 17-23. 
S E N G U P T A , A r j u n (2001) : " D e v e l o p m e n t po l icy and the r igh t to 
development". In: Frontline, march 2, p. 91-96. 
SENGUPTA, Arjun (2002): "Official Development Assistance - The Human 
Rights Approach". In: Economic and Political Weekly, April 13, p. 1424-
1436. 
STIGLITZ, Joseph E. (2002a): "Globalism's Discontents". In: The American 
Prospect, Vol. 13, Issue 1, January 1-14. 
STIGLITZ, Joseph E. (2002b): Globalization andits discontents, Norton, New 
York. 
SUNKEL, O. (1992): Development from within. Toward a neostructuralist 
approach for Latin America, Lynne Rienner, Boulder. 
TSURU, Shigeto (1994): Economic theory and capitalist society: the selected 
essays of Shigeto Thuru, Vol. 1, Edward Elgar Publishíng Company, 
Brookfield. 
UNCTAD (2002): Trade and Development Report, New York and Geneva, 
United Nations. 
WADE, R. (1990): Governing the Markets: Economic Theory and the Role of 
Government in EastAsian Industrializations, Princeton University Press, 
Princeton. 
WHAT NOW? (1975): Dag Hammarsklõld Report on Development and 
International Cooperation, Development Dialogue, n° 1-2, Uppsala. 
Desenvolvimento 
trabalho decente 
includente e 
para todos1 
Prólogo 
Ao longo dos últimos sessenta anos, o desenvolvimento tem sido 
uma poderosa idée-force para o sistema das Nações Unidas, tanto 
como conceito analítico quanto como ideologia. Assim como o ele-
fante de Joan Robinson - difícil de se definir, porém, fácil de se 
reconhecer o desenvolvimento não se presta a ser encapsulado 
em fórmulas simples. A sua multidimensionalidade e complexidade 
explicam o seu caráter fugidio. Como seria de se esperar, o concei-
to tem evoluído durante os anos, incorporando experiências positi-
vas e negativas, refletindo as mudanças nas configurações políticas 
e as modas intelectuais. 
As discussões em torno deste tema contribuíram para o refina-
mento do conceito, porém contrastam com o sombrio histórico do 
desenvolvimento existente em muitas partes do mundo. Daí a ne-
cessidade de se revisitar a idéia de desenvolvimento, com vistas a 
torná-lo mais operacional, enquanto se reafirma, mais do que nun-
1 Artigo preparado para a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da 
Globalização, OIT, Outubro 2002. Traduzido do original Inclusive 
Development and Decent Work for Ali, por José Augusto Drummond e Gló-
ria Maria Vargas. 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
ca, a sua centralidade, já que esta idéia está sendo contestada de 
dois ângulos distintos. 
Os autodenominados pós-modernos propõem renunciar ao con-
ceito, alegando que o desenvolvimento tem funcionado como uma 
armadilha ideológica construída para perpetuar as relações 
assimétricas entre as minorias dominadoras e as maiorias domina-
das, dentro de cada país e entre os países. Propõem avançar para 
um estágio de pós-desenvolvimento, sem explicar claramente o 
seu conteúdo operacional concreto. Estão certos, por suposto, 
quando questionam a possibilidade de crescimento indefinido do 
produto material, dado o caráter finito do nosso planeta. Porém, 
esta verdade óbvia não diz muito sobre o quê deveríamos fazer 
nas próximas décadas para superar os dois principais problemas 
herdados do século XX, apesar do seu progresso científico e téc-
nico sem precedentes: o desemprego em massa e as desigualda-
des crescentes. 
Quanto aos fundamentalistas de mercado, eles implicitamente 
consideram o desenvolvimento como um conceito redundante. O 
desenvolvimento virá como resultado natural do crescimento eco-
nômico, graças ao "efeito cascata" (trickle down effect). Não há 
necessidade de uma teoria do desenvolvimento. Basta aplicar a 
economia moderna, uma disciplina a-histórica e universalmente 
válida. 
A teoria do "efeito cascata" seria totalmente inaceitável em ter-
mos éticos, mesmo se funcionasse, o que não é o caso. Num mun-
do de desigualdades abismais, é um absurdo pretender que os ricos 
devam ficar mais ricos ainda, para que os destituídos possam ser 
um pouco menos destituídos. 
Para enfrentar estes dois problemas, precisa-se urgentemente de 
uma reaproximação da ética, da economia e da política (A. K. Sen, 
1987). Como escreveu Gandhi, "As economias que ignoram consi-
derações morais e sentimentais são como bonecos de cera que, mes-
2 6 
IGNACY SACHS 
mo tendo aparência de vida, ainda carecem de vida real" (M. K. 
Gandhi, Young índia, 27/10/1921). 
Na medida em que as desigualdades morais2 resultam da organi-
zação social, elas só podem ser superadas mediante atos de 
voluntarismo responsável - políticas públicas que promovam a ne-
cessária transformação institucional e ações afirmativas em favor 
dos segmentos mais fracos e silenciosos da nação, a maioria traba-
lhadora desprovida de oportunidades de trabalho e meios de vida 
decentes, e condenada a desperdiçar a vida na luta diária pela sobre-
vivência. 
Como observou Ricupero (2002, p. 64), as economias não se 
desenvolvem simplesmente porque existem. O desenvolvimento 
econômico tem sido uma exceção histórica e não a regra. Não 
acontece espontaneamente como conseqüência do jogo livre das 
forças de mercado. Os mercados são apenas uma das muitas ins-
tituições que participam do processo de desenvolvimento. Sendo 
míopes por natureza, socialmente insensíveis e, segundo G. So-
ros (2002), amorais, a sua regulação - melhor seria dizer a sua re-
regulação - é urgente, tendo em vista o resultado negativo da apli-
cação das prescrições neoliberais, resumidas pelo Consenso de 
Washington. 
De certa forma, o Consenso de Washington atuou como uma 
contra-reforma direcionada contra o capitalismo reformado, que 
atingiu a sua maturidade após a Segunda Guerra Mundial, inspirado 
2 Para uma distinção entre desigualdades naturais, ver Jean-Jacques Rousseau: 
"Je conçois dans 1'espèce humaine deux sortes d'inégalités; l'une que j'appelle 
naturelle, et qui consiste dans la différence des âges, de la santé, des forces 
du corps, et de ses qualités de 1'esprit, ou de 1'âme, 1'autre q u o n peut 
appeler inégalité morale, ou politique, parce qu'elle dépend d'une sorte de 
convention, et quelle est établie, ou du moins autorisée par le consentement 
des hommes. Celle-ci consiste dans les différents privilèges, dont quelques 
uns jouissent, au préjudice des autres, comme d'être plus riches, plus honores, 
plus puissants queux, ou même de s'en faire obéir" (p. 77). 
27 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
nos escritos de Keynes e Beverídge e nas experiências do New-
Deal americano. O capitalismo reformado foi, assim, construído 
com o propósito de exorcizar as terríveis lembranças da Grande 
Depressão, com base nos conceitos de pleno emprego, Estado de 
Bem-Estar e planejamento. Ele proporcionou também uma alterna-
tiva ao "socialismo real" do bloco soviético, que, naquela época, 
tinha credibilidade entre segmentos importantes da opinião pública, 
devido ao seu sucesso em mobilizar toda a força de trabalho dispo-
nível para o crescimento econômico extensivoe rápido e para a 
industrialização.3 
Os trinta anos dourados do capitalismo4 (1945-1975) coincidi-
ram com a Guerra Fria entre os dois velhos blocos e com a corrida 
armamentista. Esta situação frustrou os esforços das Nações Uni-
das de construir uma ordem internacional mais eqúitativa, porém, 
ao mesmo tempo, criou condições favoráveis para que os países 
em desenvolvimento se envolvessem em políticas de não-alinha-
mento e tirassem proveito das melhores experiências dos dois blo-
cos competidores.5 
A situação mudou radicalmente durante os anos 70. A invasão 
da Checoslovaquia, em 1968, apagou as últimas ilusões quanto à 
capacidade do bloco soviético de construir uma versão do "socia-
lismo com rosto humano". Os capitalistas perderam assim parte do 
seu medo e ficaram mais arrogantes. A crise de energia e suas con-
seqüências foram usadas para desacreditar o keynesianismo e logo 
3 Conforme colocado por Jean Ziegler (2002, p. 33), os partidos social-
democratas ocidentais e os seus sindicatos transformaram em vantagens 
sociais para seus clientes o medo capitalista da expansão do comunismo 
(Les nouveaux mêtres du monde et ceux qui leur résistent, Fayard, Paris, 
2002, p. 33). 
4 "Les trente années glorieuses", segundo Jean Fourastier. 
5 Este foi certamente o caso da índia durante o governo de Nehru, a tentativa 
mais importante de definição de uma terceira via. 
1 8 
IGNACY SACHS 
depois a contra-reforma neoliberal ganhou força, com as eleições 
de Margaret Thatcher e Ronald Reagan. 
A queda do muro de Berlim marcou o fim do socialismo real 
como paradigma de desenvolvimento e abriu o cenário para o evan-
gelho neoliberal, que dominou a cena até o final dos anos 90. Po-
rém, o paradigma neoliberal não cumpriu as suas promessas. A 
tragédia do desenvolvimento da Argentina6 pode ser considerada 
como o fim do Consenso de Washington, se não como um conceito 
ideológico - as ideologias alienadoras custam a morrer - pelo me-
nos como programa pragmático. 
Não precisamos aqui entrar na polêmica sobre o papel do FMI 
(ver, em particular, J. Stiglitz, 2002). Reparemos simplesmente que 
os únicos países em desenvolvimento que se deram razoavelmente 
bem, na década passada, foram precisamente aqueles que se recu-
saram a aplicar à la lettre as prescrições contidas no Consenso de 
Washington. 
Assim, estamos sentados em cima das ruínas de dois paradigmas. 
Chegou o momento de colocar o evangelho neoliberal entre parên-
teses, como um interlúdio7 infeliz, e de revisitar a breve história da 
idéia do desenvolvimento, rica em apreciações e recomendações 
muito pertinentes para a nossa discussão. 
6 Marshall Berman analisou a segunda parte de Faustus, de Goethe, como a 
primeira tragédia do desenvolvimento. Por analogia, podemos falar da 
tragédia de desenvolvimento argentino, desta vez verdadeira, e não produ-
to da ficção literária. 
7 Usa-se esta palavra em analogia com a observação de Gunnar Myrdal de que 
o capitalismo de livre mercado foi apenas um interlúdio entre dois perío-
dos marcados pelo intervencionismo do Estado: o mercantilismo e, de-
pois, o capitalismo reformado. 
2 9 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
Desenvolvimento: um conceito fugidio e em evolução 
Está por ser escrita uma história abrangente da idéia de desenvol-
vimento.8 Limitar-me-ei neste espaço a umas poucas observações, 
enfatizando alguns pontos relevantes para a presente discussão. 
1. Recordemos que a reflexão sobre o desenvolvimento, tal como 
se conhece hoje, começou nos anos 40, no contexto da preparação 
dos anteprojetos para a reconstrução da periferia devastada da Eu-
ropa no pós-guerra. Refugiados antifascistas húngaros, poloneses 
e alemães, residentes na Grã-Bretanha, foram mobilizados para esta 
tarefa, na suposição de que o Leste Europeu não cairia sob a influência 
soviética - a Conferência de Yalta não tinha acontecido ainda. 
Os problemas que estes países enfrentavam eram similares aos 
de outras periferias: estrutura fundiária anacrônica, agricultura cam-
ponesa atrasada, condições adversas de comérc io para as 
commodities primárias, industrialização incipiente, desemprego e 
subemprego crônicos, e necessidade de um Estado desenvolvi-
mentista ativo para enfrentar o desafio de estabelecer regimes de-
mocráticos capazes simultaneamente de conduzir a reconstrução 
do pós-guerra e de superar o atraso social e econômico. Em grande 
medida, o trabalho da primeira geração de economistas do desen-
volvimento foi inspirado na cultura econômica dominante da época, 
que pregava a prioridade do pleno emprego, a importância do Esta-
8 Um primeiro volume poderia tratar das discussões precursoras dos séculos 
XIX e XX sobre desenvolvimento avant la lettre, na Rússia, Índia, Japão, 
China e América Latina, bem como das contribuições dos autores dos 
países periféricos da Europa. Um segundo volume deveria focalizar os 
planos de reconstrução para a Europa escritos na Grã-Bretanha, princi-
palmente por refugiados de países sob ocupação nazista, muitos dos quais 
subseqüentemente ingressaram nas Nações Unidas como a primeira gera-
ção de funcionários. Um terceiro volume seria necessário para avaliar a 
importante contribuição das diferentes agências das Nações Unidas e de 
outras agências, com ênfase especial nas comissões regionais. Um quarto e 
último volume concentrar-se-ia no trabalho acadêmico, enfatizando as 
importantes contribuições de pensadores de países em desenvolvimento. 
3 0 
IGNACY SACHS 
do de Bem-Estar, a necessidade de planejamento9 e a intervenção do 
Estado nos assuntos econômicos para corrigir a miopia e a insensi-
bilidade social dos mercados. 
Passado meio século, algumas das preocupações originais des-
ses p lane jadores cont inuam vál idas . Como lidar com a 
heterogeneidade estrutural, tanto econômica quanto social? Uma das 
muitas definições do subdesenvolvimento insiste na impossibilidade 
de se empregar toda a força de trabalho disponível mediante a ado-
ção de tecnologias avançadas, por falta de capital suficiente. Daí a 
necessidade de se achar um equilíbrio entre as metas de moderniza-
ção e industrialização, de uma parte, e, de outra, a promoção do 
pleno emprego e/ou o auto-emprego sem perder de vista a necessi-
dade de aumentar continuamente a produtividade do trabalho, em 
última instância, a fonte de progresso econômico. 
Mesmo hoje, as economias em desenvolvimento ainda podem 
ser descritas como arquipélagos de empresas modernas com alta 
produtividade do trabalho, imersas no oceano de atividades de pro-
dutividade baixa ou muito baixa, que formam o tecido intersticial do 
sistema econômico.10 A maior parte do PIB vem do arquipélago. A 
maior parte das pessoas nadam no oceano, tentando sobreviver. 
Os padrões de crescimento econômico devem ser avaliados 
neste contexto. O crescimento rápido impulsionado por empre-
sas modernas não reduzirá por si só a heterogeneidade inicial. 
Pelo contrário, tende a concentrar a riqueza e a renda nas mãos 
dos poucos felizardos que controlam o arquipélago, relegando 
ao oceano todos aqueles que se tornam redundantes, devido à 
substituição do trabalho pelo capital. Os autores latino-america-
9 Von Hayek, por causa de sua desconfiança quanto ao planejamento, ficou 
numa situação de dissidente solitário. 
10 Esta descrição difere dos dois modelos setoriais das economias formal e 
informal. A O I T está certa quando afirma que as atividades podem ser 
formais ou informais, porém não representam setores separados. 
6 1 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
nos estavam certos ao denunciar este padrão de crescimento 
como concentrador e excludente. Daí a necessidade de se ter 
uma estratégia dupla, na qual também se dê atenção às oportuni-
dades para o que pode ser chamado de crescimento puxado pelo 
emprego,11 umassunto do qual falaremos em maior detalhe mais 
adiante. 
2. A negociação política feita pelos aliados em Yalta colocou 
os países do Leste Europeu na trilha do "socialismo real", relati-
vamente bem-sucedido, como foi dito, em promover um cresci-
mento extensivo e acelerado durante as primeiras duas décadas 
do pós-guerra. Toda a força de trabalho disponível foi utilizada; 
embora mal paga, ficou protegida contra a maldição do desem-
prego e se beneficiou de um sistema razoavelmente elaborado de 
proteção social. As dificuldades que levaram, em última instân-
cia, ao colapso do sistema, ainda estavam por vir: a incapacida-
de de passar de um sistema de crescimento extensivo para um 
crescimento intensivo guiado pela tecnologia e pelo consumo em 
massa, a impossibilidade de administrar eficientemente, sob re-
gimes autoritários, economias e sociedades complexas, a repres-
são manu militari às tentativas de se reformar internamente o 
sistema. A credibilidade do socialismo real perdeu-se definitiva-
mente com a invasão a Praga pelos tanques soviéticos, em 1968. 
As reformas de Gorbatchev vieram tarde demais. A queda do 
muro de Berlim marcou o fim do paradigma de desenvolvimento 
não capitalista, conhecido como socialismo real, e a vitória da 
coalizão liderada pelos Estados Unidos na guerra fria contra o 
bloco soviético. 
O fim do socialismo real foi certamente um marco importante 
na breve história da idéia de desenvolvimento. Alguns se apressa-
u A esse respeito, ver Sachs (1999), que trata da teoria do desenvolvimento 
de Kalecki (Mondes en développement). 
1 2 
IGNACY SACHS 
ram em ver nele a desqualificação final do conceito de desenvolvi-
mento não capitalista, chegando até a proclamar o fim da história. 
Tal conclusão não tem fundamento. Como conceito histórico e 
social, o desenvolvimento é por natureza aberto, o que o diferen-
cia da noção de desenvolvimento orgânico. Outras tentativas de 
transcender o capitalismo podem surgir, na China ou em qualquer 
outro lugar, e elas não precisam ter o mesmo destino do socialis-
mo real. 
É ainda mais absurdo descartar o planejamento como tal, por 
causa do fracasso do planejamento autoritário, centralizado e 
abrangente do tipo soviético. As suas duas principais fraquezas 
foram a sua base técnica inapropriada - estávamos ainda na época 
pré-informática - e, mais importante, a falta de feedbacks da so-
ciedade, por causa da natureza não democrática do regime. A ad-
ministração de economias complexas requer transparência e res-
ponsabilidade, circulação de informações exatas e liberdade de dis-
cussão, bem como uma mídia plural. 
Em contraste com o tipo de planejamento soviético, o planeja-
mento moderno é essencialmente participativo e dialógico, e exige 
uma negociação quatripartite entre os atores envolvidos no proces-
so de desenvolvimento, levando a arranjos contratuais entre as au-
toridades públicas, as empresas, as organizações de trabalhadores e 
a sociedade civil organizada. Certamente, este tipo de planejamento 
tem um futuro brilhante pela frente. 
3. A maior parte da reflexão sobre desenvolvimento realizado 
nas Nações Unidas ou induzido por esta organização tinha como 
base implícita o paradigma do capitalismo reformado, reconhecen-
do, no entanto, uma diferença básica entre o funcionamento das 
economias desenvolvidas e das menos desenvolvidas. As primeiras 
são essencialmente limitadas pela demanda, enquanto que os países 
menos desenvolvidos compartilhavam com os países do socialismo 
real a característica de serem limitados pela oferta e, portanto, de-
6 3 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
penderem do investimento dirigido à expansão das capacidades pro-
dutivas. 
Assim, concentraram-se diferentes modalidades e aspectos do 
desenvolvimento em economias periféricas, estruturalmente hete-
rogêneas, com predominância de mercados capitalistas e mistas. 
Cada adjetivação exige uma explanação: 
• periféricas: opostas às economias capitalistas centrais, às quais 
estão vinculadas por relações assimétricas,12 analisadas por Raul 
Prebisch no seu célebre e ainda pertinente modelo de centro-
periferia (ver, em particular, Beilschowsky, R., 2000, e 
Ricupero, R., 2002); 
• estruturalmente heterogêneas em vários sentidos: apresentam 
um contraste forte entre enclaves urbanos modernos e econo-
mias rurais mais ou menos atrasadas, enormes disparidades 
sociais, culturais e de estilo de vida entre as elites ocidentalizadas 
e o grosso da população, padrões concentrados de distribui-
ção de renda e de riqueza; 
• de mercado predominantemente capitalista: já que o setor ca-
pitalista da economia, mesmo coexistindo com outros mode-
los de produção pré-capitalistas ou protocapitalistas, é o mais 
dinâmico; 
• economias mistas, por terem diferentes configurações de 
seus setores privado e público e, pelo menos em alguns 
casos, um Estado desenvolvimentista enxuto, limpo e pró-
ativo. 
12 François Perroux definiu dominação como uma relação assimétrica e 
irreversível. 
1 4 
IGNACY SACHS 
Box 1 - Boa sociedade, meios de existência viáveis, trabalho decente. 
O desenvolvimento pretende habilitar cada ser humano a ma-
nifestar potencialidades, talentos e imaginação, na procura da 
auto-realização e da felicidade, mediante empreendimentos 
individuais e coletivos, numa combinação de trabalho autôno-
mo e heterônomo e de tempo dedicado a atividades não produ-
tivas. 
A boa sociedade é aquela que maximiza essas oportunidades, 
enquanto cria, simultaneamente, um ambiente de convivência 
e, em última instância, condições para a produção de meios de 
existência (livelihoods) viáveis, suprindo as necessidades ma-
teriais básicas da vida - comida, abrigo, roupas - numa varie-
dade deformas e de cenários-famílias, parentela, redes, comu-
nidades. 
A produção de meios de subsistência depende da combinação 
dos seguintes elementos: 
• Acesso a ativos requeridos para a produção de bens e servi-
ços para autoconsumo, no âmbito da economia doméstica; 
• Acesso ao treinamento, técnicas e ativos necessários para a 
produção de bens e serviços orientados para o mercado 
mediante auto-emprego; 
• Disponibilidade de trabalho decente, de tempo integral ou 
parcial, para os membros da família que o desejam; 
• Acesso universal aos serviços públicos; 
• Acesso ã habitação autoconstruída, alugada ou adquirida 
mediante esquemas subsidiados de moradia popular; 
• Disponibilidade de tempo livre para atividades não pro-
dutivas. 
Os aspectos qualitativos são essenciais. As formas viáveis de 
produção de meios de existência não podem se apoiar em esforços 
excessivos e extenuantes dos seus produtores, em empregos mal 
pagos e realizados em condições insalubres, na provisão inadequa-
da de serviços públicos e em padrões subumanos de habitação. 
6 5 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
Dois avanços conceituais importantes devem ser enfatizados: 
a- Desde os anos 70, a atenção dada à problemática ambiental levou 
a uma ampla reconceitualização do desenvolvimento, em termos 
de ecodesenvolvimento, recentemente renomeado desenvolvi-
mento sustentável. 
O desenvolvimento sustentável obedece ao duplo imperativo éti-
co da solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exige a 
explicitação de critérios de sustentabilidades social e ambiental e de 
viabilidade econômica. Estritamente falando, apenas as soluções que 
considerem estes três elementos, isto é, que promovam o cresci-
mento econômico com impactos positivos em termos sociais e 
ambientais, merecem a denominação de desenvolvimento, como se 
pode ver na tabela a seguir: 
Tabela 1: Padrões de Crescimento Econômico 
impactos sociais impactos ambientais 
1- desenvolvimento + + 
2- selvagem - -
3- socialmente benigno + -
4- ambientalmente benigno - +Durante as três décadas que separam a Conferência das Nações 
Unidas sobre Meio Ambiente - a de 1972, realizada em Estocolmo, 
e a Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 
Joanesburgo, em 2002 - , o conceito de desenvolvimento sustentá-
vel foi refinado, levando a importantes avanços epistemológicos. 
Para os propósi tos deste texto, é suf ic iente enfa t izar que a 
sustentabilidade social é um componente essencial deste conceito. 
Com relação aos critérios de sustentabilidade social, podemos re-
^ tomar a posição de Dudley Seers, para o qual o crescimento econô-
/ mico, mesmo quando rápido, não traz desenvolvimento, a menos que 
gere emprego e contribua para a redução da pobreza e das desigual-
1 6 
IGNACY SACHS 
dades. Kalecki e Seers estiveram entre os primeiros economistas a 
assinalar, nos anos 60, a necessidade de se analisar o desenvolvimen-
to econômico não só em termos de crescimento do PIB, mas tam-
bém, e talvez em primeiro lugar, em termos do emprego. 
b- A segunda e talvez mais importante reconceituação foi forte-
mente influenciada pelos trabalhos de A. K. Sen (1999). O desen- e* 
volvimento pode ser redefinido em termos da universalização e do 
exercício efetivo de todos os direitos humanos: políticos, civis e 
cívicos; econômicos, sociais e culturais; bem como direitos coleti-
vos ao desenvolvimento, ao ambiente etc. Embora os direitos sejam 
indivisíveis, deve ser dado um status especial ao direito ao trabalho, 
visto o seu duplo valor, intrínseco, mas também instrumental, já 
que o trabalho decente abre o caminho para o exercício de vários 
outros direitos. 
4. Podemos resumir a evolução da idéia de desenvolvimento, no 
último meio século, apontando para a sua complexificação, repre-
sentada pela adição de sucessivos adjetivos - econômico, social, 
político, cultural, sustentável - e, o que é mais importante, pelas 
novas problemáticas. Mesmo assim, carecemos de um paradigma 
convincente capaz de lidar com os dois problemas aos quais já nos 
referimos, isto é, desemprego maciço/subemprego e desigualdade 
crescente. 
Segundo a OIT, um terço da força de trabalho está desemprega-
do ou subempregado e os sucessivos relatórios do PNUD sobre o 
desenvolvimento humano documentam a brecha crescente entre a 
renda das minorias ricas e as maiorias pobres. A distribuição da 
riqueza é ainda mais desequilibrada. Vivemos em um mundo 
crescentemente fragmentado, a despeito de toda a fala sobre a 
globalização. E mais, as nossas economias se caracterizam por um 
alto grau de desperdício. De todas as formas de desperdício, a pior 
de todas é aquela que destrói vidas humanas por meio do déficit de 
oportunidades de trabalho decente. 
6 7 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
Isso não quer dizer que as vítimas do desenvolvimento desigual 
não trabalhem. Como observou Joan Robinson, elas são pobres de-
mais para poderem se dar ao luxo de não trabalhar. Ao mesmo 
tempo, quando desempregadas, descobrem que pior que ser explo-
rado é não ser sequer explorado. 
De tal forma, e em sentido estrito, a maioria pobre não está 
totalmente excluída da esfera econômica. O sociólogo brasileiro 
José de Souza Martins (2002) tem razão quando fala de formas 
perversas, anormais e desiguais de inclusão social.13 Podemos di-
zer, no entanto, que a maioria pobre está praticamente excluída do 
processo de desenvolvimento, entendido como a apropriação efe-
tiva da totalidade de direitos humanos (ver, em particular, Kothari, 
1993). Sob algumas circunstâncias, a inclusão justa se converte 
em requisito central para o desenvolvimento. Se o adjetivo deve 
colocar atenção no aspecto mais essencial do paradigma de de-
senvo lv imen to , podemos fa la r então de desenvolvimento 
ineludente. 
Definindo a inclusão justa 
A maneira natural de definir o desenvolvimento ineludente é por 
oposição ao padrão de crescimento perverso, conhecido, como já 
se mencionou, na bibliografia latino-americana como "excludente" 
(do mercado de consumo) e "concentrador" (de renda e riqueza). 
Dois outros aspectos do crescimento excludente são: 
• mercados de trabalho fortemente segmentados, que mantêm 
uma grande parcela da maioria trabalhadora confinada a ativi-
dades informais, ou condenada a extrair a sua subsistência 
precariamente da agricultura familiar de pequena escala, sem 
quase nenhum acesso à proteção social (ver Rodriguez, O., 
13 Ver também a sua entrevista na Folha de São Paulo, "Mais!", 15 de setembro 
de 2002. 
1 8 
IGNACY SACHS 
1998, e Revista Latinoamericana de Estúdios dei Trabajo, 
1999); 
• fraca participação na vida política, ou completa exclusão dela, 
de grandes setores da população , pouco ins t ruída , 
suborganizada e absorvida na luta diária pela sobrevivência, 
sendo as mulheres, sujeitas à discriminação de gênero, as mais 
fortemente atingidas. 
O desenvolvimento includente requer, acima de tudo, a garantia 
do exercício dos direitos civis, cívicos e políticos. A democracia é 
um valor verdadeiramente fundamental (A. K. Sen) e garante tam-
bém a transparência e a responsabilização (accountability) neces-
sárias ao funcionamento dos processos de desenvolvimento. No 
entanto, existe uma grande distância entre a democracia representa-
tiva e a democracia direta, que cria melhores condições para o de-
bate dos assuntos de interesse público. 
Todos os cidadãos devem ter acesso, em igualdade de condi-
ções, a programas de assistência para deficientes, para mães e fi-
lhos, para idosos, voltados para a compensação das desigualdades 
naturais ou físicas. Políticas sociais compensatórias financiadas pela 
redistribuição de renda deveriam ir mais longe e incluir subsídios ao 
desemprego, uma tarefa praticamente impossível naqueles países 
onde apenas uma pequena minoria está empregada no setor organi-
zado e onde o desemprego aberto é bem menos significativo que o 
subemprego. 
O conjunto da população também deveria ter iguais oportunida-
des de acesso a serviços públicos, tais como educação, proteção à 
saúde e moradia. Seguem-se alguns comentários a este respeito. 
A educação é essencial para o desenvolvimento, pelo seu valor 
intrínseco, na medida em que contribui para o despertar cultural, a 
conscientização, a compreensão dos direitos humanos, aumentan-
do a adaptabilidade e o sentido de autonomia, bem como a 
autoconfiança e a auto-estima. É claro que tem também um valor 
6 9 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
instrumental com respeito à empregabilidade. Porém, a educação é 
condição necessária, mas não suficiente, para se ter acesso a um 
trabalho decente. Deve vir junto com um pacote de políticas de 
desenvolvimento, mesmo que alguns prefiram apresentá-la como 
uma panacéia. Um dos paradoxos que prevalecem hoje é o desem-
prego maciço de adultos existindo lado a lado com o intolerável 
fenômeno do trabalho infantil. Para poder colocar todas as crianças 
na escola é necessário distribuir bolsas para aqueles oriundos de 
famílias pobres, cuja sobrevivência depende do dinheiro que levam 
para a casa.14 
Mesmo sendo muito importante o acesso aos serviços de saúde, 
eles fazem parte de um objetivo mais amplo, que é o de melhorar a 
saúde das pessoas. Isto depende de uma alimentação adequada (se-
gurança alimentar), do acesso à água limpa, da melhoria das condi-
ções de moradia e de trabalho, de uma melhor educação e de medi-
das preventivas, como vacinação. 
Existe um debate a respeito de a moradia ser ou não um serviço 
público. Tratá-la desta forma, nos países do antigo bloco soviético, 
não trouxe resultados satisfatórios. No entanto, a provisão de mo-
radia decente para todos, preenchendo, desta forma, uma necessi-
dade básica, é certamente um enorme desafio para o desenvolvi-
mento includente. Daí a importância de políticas de moradias popu-
lares e, em particular,de esquemas baseados na autoconstrução 
assistida, nos quais as autoridades públicas se juntam aos esforços 
dos futuros moradores, cujo trabalho se constitui numa forma não 
monetária de poupança. 
Todos os quatro itens se serviços públicos citados acima -
programas de assistência, a educação, a saúde, e a moradia - exi-
gem financiamento público, por meio da redistribuição de uma 
14 O programa pioneiro "Bolsa Escola", introduzido por Cristovam Buarque, 
em Brasília, merece todo o destaque neste contexto. 
4 0 
IGNACY SACHS 
parcela do PIB, independentemente da forma como sejam admi-
nistrados: seja diretamente pela administração pública, por insti-
tuições que pertençam ao terceiro setor da sociedade civil organi-
zada ou até por empresas privadas. A questão de se as primeiras 
três devem permanecer completamente na esfera pública, devido 
ao seu valor para o bem-estar social, é matéria de acaloradas dis-
cussões ideológicas. Os defensores do paradigma neoliberal pro-
põem, em seu lugar, soluções de mercado, no que são auxiliados 
pelo fato de que, em muitos países, a atuação do setor público tem 
sido um tanto falha.15 
Os limites entre as esferas pública e privada, assim como a defi-
nição dos bens públicos, são outros assuntos a serem discutidos. 
Mais importante ainda é fazer uma distinção entre as políticas 
compensatórias financiadas pela redistribuição de renda mediante 
o sistema fiscal e as políticas de emprego que mudam a distribui-
ção de renda primária. Ambas são necessárias, porém as primei-
ras são de natureza puramente social e requerem despesas contí-
nuas, ano após ano, enquanto que as segundas, mediante a criação 
de oportunidades de trabalho decente, geram renda e proporcio-
nam uma solução duradoura ao problema social. Ceteris paribus, 
a geração de emprego deve ser p re fe r ida às po l í t i cas 
assistencialistas compensatórias, se não por outra razão, porque 
as segundas nunca proporcionam a dignidade que provém do em-
prego.16 
A economia capitalista é louvada por sua inigualável eficiência 
na produção de bens (riquezas), porém ela também se sobressai 
por sua capacidade de produzir males sociais e ambientais. Para 
15 A este respeito, ver o prólogo de Kannan K. P. e Pillai N. V. (2002). 
16 Segundo Há-Joon Chang (2002), J. Stiglitz apóia esta opinião e considera 
que se exige mais ênfase para que o pleno emprego e a maior participação 
do emprego sejam considerados como partes essenciais de uma sociedade 
genuinamente democrática. 
6 1 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
os ideólogos do fundamentalismo de mercado, estes males são o 
preço inevitável do progresso econômico. Só podem ser mitiga-
dos e compensados mediante a produção de bens públicos, tais 
como a redução da pobreza ou a proteção do meio ambiente. Em 
outras palavras, o desemprego maciço, o subemprego e as desi-
gualdades sociais são inerentes ao sistema capitalista, porém estes 
inconvenientes seriam mais do que compensados pela eficiência 
da economia capitalista de mercado. 
Este argumento se apóia, no entanto, numa definição muito 
estreita de eficiência. Num importante livro sobre os limites do 
mercado, Kuttner (1997) distingue três tipos de eficiência: a 
alocadora, associada ao nome de Adam Smith, a inovadora 
(schumpeteriana) e a keynesiana, que consiste em pleno emprego 
de todos os meios de produção. Em outro texto, argumentei que 
há outros dois tipos de eficiência: a social (que se sobrepõe à 
keynesiana quanto ao pleno emprego e a força de trabalho) e a 
ecoeficiência. Não resta dúvida de que o capitalismo é muito 
eficiente em termos de alocação, porém deficiente em termos das 
eficiências keynesiana, social e ecoeficiência, que são essenciais 
ao conceito de desenvolvimento ineludente, fundamentado no tra-
balho decente para todos. Longe de ser um parâmetro estimado a 
partir de comportamentos passados, a elasticidade de emprego do 
crescimento deve ser tratada como uma variável no planejamento 
do desenvolvimento, pois é a chave de uma estratégia de desen-
volvimento ineludente. Taxas mais altas de crescimento econômi-
co global presumivelmente trarão maior emprego. Porém, é igual-
mente importante refletir sobre como maximizar o potencial de 
emprego para uma dada taxa de crescimento, influenciando a com-
posição do produto (output-mix) e selecionando as técnicas apro-
priadas, sem perder de vista o objetivo de aumentar a produtivida-
de do trabalho, no qual se apóia, em última instância, o progresso 
econômico. 
1 2 
IGNACY SACHS 
Produtividade maior e mais empregos - maximizando o 
potencial de emprego do crescimento. 
A lamentável situação caracterizada pelo crescimento perverso 
(desdesenvolvimento) dos países periféricos e pela deterioração do 
emprego nos países centrais se relaciona muito com a transforma-
ção estrutural da economia mundial e com os três descolamentos 
identificados por Peter Drucker (1986): 
1 .descolamento entre a economia financeira e a economia real 
(financiarização); 
2.descolamento entre o crescimento do PIB e a demanda por 
commodities, basicamente como uma conseqüência do crescimen-
to da parcela de serviços nos padrões de consumo; 
3.descolamento entre o crescimento do PIB e o emprego, devi-
do à substituição de empregos causada pelo progresso técnico. 
O crescimento da produtividade do trabalho deve ser bem-vin-
do, já que se constitui na base do progresso econômico. Em teoria, 
ele deveria nos permitir avançar pelo caminho da progressiva elimi-
nação do trabalho heterônomo, doloroso e alienante, liberando tem-
po para atividades autônomas, produtivas e não produtivas.17 Esta é 
a essência da visão generosa proposta, entre outros, por Ivan Illich 
(1977) e por André Gorz (1988). 
Não há dúvida de que os países industrializados avançados devem 
refletir sobre o uso ótimo do progresso técnico: quanto se destina à 
redução do tempo de trabalho e quanto vai para a acumulação de bens 
adicionais? Em que ponto se deve parar a busca do crescimento ma-
terial, se se considera que o objetivo último do desenvolvimento é 
uma civilização do ser e não do ter, e, mais ainda, que a finitude do 
planeta estabelece um limite para a expansão da produção material? 
17 Para uma distinção entre trabalho heterônomo (dirigido por outros) e 
autônomo, ver Ivan Illich. O mesmo autor nos lembra da etimologia da 
palavra francesa "travai/": a tortura medieval chamada tripallium. 
6 3 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
Essas são, sem dúvida, perguntas muito importantes para um 
debate prospectivo de longo prazo. Porém, elas não devem nos dis-
trair quanto às urgências sociais que devem ser resolvidas com prio-
ridade. Embora proponha como a meta do desenvolvimento uma 
civilização do ser, Joseph Lebret especifica como pré-condição ne-
cessária um compartilhamento eqüitativo do ter.18 
A nossa preocupação deve dirigir-se imediatamente às imensas 
desigualdades que existem hoje no acesso às oportunidades de tra-
balho, na remuneração do trabalho, na proteção e participação so-
ciais e na geração de renda e riqueza. Na ausência de condições e 
regras de conduta eqüitativas em todos estes quesitos, o fim do 
trabalho (heterônomo) não tem chance de se converter numa meta 
realista. Tanto mais que as pessoas ainda têm que aprender a apre-
ciar como uma verdadeira medida de sua liberdade cultural o tempo 
liberado para atividades autônomas e a dar preferência a elas, em 
vez de alocar o seu tempo liberado aos prazeres do consumismo. 
Hic at nunc o nosso problema consiste assim em reconciliar os 
objetivos do progresso econômico, alimentado pelo aumento da pro-
dutividade do trabalho, com o imperativo de proporcionar oportuni-
dades de trabalho decente para todos. Várias observações cabem 
aqui. 
• Primeiro, a redução do conteúdo do trabalhopor unidade de 
um dado produto pode ser compensada pelo incremento na 
demanda total por este produto, estimulada pela redução do 
preço e pelo crescimento geral do PIB, ocasionado pelo pro-
gresso técnico. 
• Segundo, as reduções na incorporação direta de trabalho são 
compatíveis com o incremento da demanda por trabalho a mon-
tante da cadeia produtiva (pesquisa, desenho) e a sua jusante 
(;marketing, distribuição, manutenção). 
18 "La civilisation de l'être dans lepartage équitable de 1'avoir". 
44 
IGNACY SACHS 
• Terceiro, o progresso técnico é instrumental para a criação de 
novos produtos e para o estímulo a novas necessidades. 
• Quarto, e mais importante, a perda de empregos em alguns 
setores pode ser compensada com a ampliação do emprego 
em outros setores, dependendo das mudanças realizadas na 
composição do produto e na escolha das técnicas. Estas são 
as duas variáveis-chaves do jogo do planejamento que visa à 
harmonização dos dois objetivos aparentemente contraditórios, 
a saber, o progresso técnico veloz e o pleno emprego. Para 
isto, faz-se necessária uma estratégia dupla. 
De uma parte, o progresso técnico rápido é uma exigência nas 
indústrias de bens comercializáveis que competem nos mercados 
mundiais. Nenhum país pode se dar o luxo de não ter firmas quali-
ficadas que atuem como global players, mesmo que isto implique 
em enxugamento do seu pessoal. 
De outra parte, as mesmas pressões não se aplicam à produção 
de bens e serviços não comercializáveis, nem de muitos bens que 
pertencem à categoria de comercializáveis, mas que, na prática, 
não enfrentam uma competição externa nos mercados internos, pois 
estão protegidos pela distância, pelos altos custos de transporte ou 
pelas preferências dos consumidores (por exemplo, alimentos pe-
recíveis). Nove de cada dez pessoas, pelo menos, estão emprega-
das na produção de não comercializáveis. Portanto, as tendências 
negativas do emprego nas indústrias modernas deveriam ser com-
pensadas por meio da ampliação da participação dos bens e serviços 
não comercializáveis no perfil da produção. 
Isto requer uma participação maior nos padrões de consumo 
de serviços e alimentos produzidos localmente (segurança alimen-
tar local), bem como uma maior prioridade para investimentos em 
infra-estrutura e construção civil (especialmente vivenda social). 
Richard Méier (2000) se aventurou a sugerir que os países africa-
nos deveriam dar o pulo do gato na direção da sociedade de servi-
6 5 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
ços, sem necessariamente ter que repetir os estágios de cresci-
mento pelos quais os países industrializados passaram. 
O universo do crescimento puxado pelo emprego deveria ser plena-
mente explorado, recorrendo-se, em todas as esferas da produção de 
não comercializáveis, a métodos intensivos em trabalho. Em outras 
palavras, precisamos investigar até onde podemos avançar por esta via 
antes de encontrar a barreira da oferta adequada de bens de salário 
(uma condição para evitar pressões inflacionárias) e/ou a da escassez 
de divisas. Como regra, a maior parte dos bens não comercializáveis 
tem um conteúdo baixo em importações. Em muitos países, a agricul-
tura e as indústrias manufatureiras locais têm a possibilidade de ajustar 
a oferta de bens de salário até a demanda incrementada que advém dos 
empregos adicionais gerados pelas obras públicas. 
Mudando o foco para outros setores da economia, as seguintes 
margens de liberdade devem ser exploradas: 
• examinar as sinergias potenciais entre empresas modernas de 
grande porte e empresas de pequeno porte, trabalhando com 
métodos re la t ivamente in tens ivos em mão-de-obra 
(subcontratação da produção e terceirização dos serviços); um 
caso especial é a integração de pequenos produtores rurais 
com os agronegócios (sobre conexões entre empresas, ver 
UNCTAD, 2000 e 2001); 
• avaliar as possibilidades de expansão da produção de vários 
tipos de biomassa agrícola, florestal e aquática para usos 
diversificados, como alimento, rações para animais, ener-
gia, fertilizantes, materiais de construção, matéria-prima in-
dustrial, fármacos e cosméticos. Diversos países em de-
senvolvimento terão um futuro brilhante se conseguirem 
explorar competentemente a sua biodiversidade, mediante 
o uso de biotecnologias, tanto para aumentar a produção de 
biomassa quanto para aumentar o espectro de produtos de-
rivados dela. Desta forma, podem se engajar, antes dos 
1 6 
IGNACY SACHS 
países industriais, num padrão relativamente intensivo e ge-
nuinamente sustentável de emprego, desde que sejam res-
peitadas as regras de um manejo ecologicamente viável das 
florestas, dos solos e dos recursos hídricos (ver Sachs, 
2000b, 2001 e 2001b); 
• ativar, mediante métodos intensivos em emprego, fontes de 
crescimento independentes de investimento, de duas manei-
ras: (a) prestando mais atenção à produtividade dos recursos 
naturais, por meio da conservação da energia e da água, 
reciclando o lixo e usando produtivamente os resíduos agrí-
colas (Sachs, 1988, Weizsacker, Lovins and Lovins, 1997); 
(b) garantindo uma melhor manutenção do estoque de infra-
estruturas, equipamentos e prédios, para prorrogar o seu ci-
clo de vida e, desta forma, liberar para investimento produti-
vo adicional o capital que seria de outra maneira exigido para 
a sua reposição;19 
• por último, cuidar do futuro da maioria trabalhadora dos pe-
quenos produtores, auto-empregados, que trabalham na agri-
cultura familiar e em pequenos negócios e que se pautam por 
um padrão de racionalidade similar àquele observado por 
Chayanov na agricultura camponesa.20 Esta questão será abor-
dada na seção seguinte. 
19 Kalecki, em sua teoria do crescimento, introduz dois parâmetros responsá-
veis pelo crescimento sem investimentos: a taxa de depreciação real e o 
coeficiente de melhor utilização das capacidades produtivas existentes. 
Quanto mais baixa a taxa de depreciação (atingida mediante melhor ma-
nutenção), maior será ceteris paribus a taxa de crescimento econômico. 
Uma melhor utilização da capacidade produtiva existente também levará 
a uma maior taxa de crescimento global. 
20 O dinheiro flui com facilidade dos bolsos das empresas até os bolsos domés-
ticos, e vice-versa, algo totalmente contrário à racionalidade observada 
em empresas organizadas. 
6 7 
DESENVOLVIMENTO: INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO 
Box 2 - Taxas de crescimento do emprego 
A taxa de crescimento do emprego (e) depende das taxas de 
crescimento do PIB (r) e da produtividade do trabalho (p): 
e - r - p 
A tabela seguinte apresenta as taxas de crescimento do empre-
go (e) resultantes das diferentes combinações de r e p. As taxas 
de crescimento de r figuram na primeira linha horizontal, as 
taxas de crescimento da produtividade p figuram na primeira 
coluna à esquerda e as taxas de emprego resultantes da combi-
nação de r e p na interseção das duas. 
Para muitos países em desenvolvimento, um crescimento anual 
do emprego de 2% é o mínimo exigido para absorver os recém-
chegados ao mercado de trabalho. A redução do desemprego e do 
subemprego exige combinações de r e de p localizadas à direita da 
diagonal 2 (assinalada em negrito). Todas as combinações à esquer-
da da diagonal representam uma deterioração de emprego. 
De pequenos produtores a microempresários 
A categoria de "pequenos produtores" inclui todos aqueles en-
volvidos em atividades de pequena escala realizadas fora do univer-
1 8 
IGNACY SACHS 
so das empresas modernas. Estas últimas abrangem tanto firmas 
grandes e médias, como uma variedade de pequenas empresas in-
dustriais, comerciais e de serviços, algumas delas unipessoais, que 
vão desde lojas e restaurantes até sofisticadas empresas de alta 
tecnologia e firmas de consultoria. As micro e pequenas

Continue navegando