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Belo Horizonte, 1ª Edição 2020 INCÊNDIO URBANO COMBATE A MANUAL DE BOMBEIROS MILITAR COMANDANTE-GERAL DO CBMMG CEL BM EDGARD ESTEVO DA SILVA CHEFE DO ESTADO-MAIOR DO CBMMG CEL BM ERLON DIAS DO NASCIMENTO BOTELHO AUTORES MAJ BM MOISÉS MAGALHÃES DE SOUSA CAP BM GUSTAVO MORAES FALCÃO CAP BM DILSON VELOSO DIAS JUNIOR CAP BM PAULO HENRIQUE CAMARGOS FIRME 1º TEN BM JOÃO GUSTAVO DE SOUZA CRUZ 1º TEN BM IGOR CÉSAR GRANDI 1º TEN BM ÁGATHA IOLANDA VIDAL E SILVA 1º TEN BM WEYBER SILVA NEVES 1º TEN BM ELEN ROBERTA COSTA CARVALHO 2º SGT BM FABRÍCIO SOUZA LOPES 2º SGT BM GUILHERME AUGUSTO OLIVEIRA DE ANDRADE 3º SGT BM VINÍCIUS FERREIRA MARCELINO COSTA MANUAL DE BOMBEIROS MILITAR – COMBATE A INCÊNDIO URBANO (MABOM – CIURB) BELO HORIZONTE 1ª EDIÇÃO, 2020 Todos os direitos reservados ao CBMMG. É permitida a reprodução por fotocópia para fins de estudo e pesquisa. CRÉDITOS Revisão Técnica/Metodológica: Cap BM Cristiano Antônio Soares, Cap BM Vinícius Bonfim Fulgêncio, Cap BM Shirley Carvalho Neves, 1º Ten BM Marcelo Venesiano Bosco, 1º Ten BM Manoel de Jesus Braga, 1º Ten BM Davi Braga Linke, 2º Ten BM Alexandre Augusto Martins Boreli, 3º Sgt BM Thiago Otávio Oliveira Perpétuo. Revisão de texto/gramatical: 1º Ten BM Flávio Anderson de Brito, 2º Ten BM Raul Souza dos Santos, 3º Sgt BM Maria Luciana de Oliveira. Revisão de arte gráfica: 2º Sgt BM Gilmar Luis Pinto, Cb BM Márcio José Pereira. Diagramação: Cap BM Gustavo Moraes Falcão. Capa: Cabo BM Pedro Daniel Corrêa Nunes. Ilustrações: Cap BM Gustavo Moraes Falcão, 1º Ten BM Elen Roberta Costa Carvalho, 2º Sgt BM Gilmar Luis Pinto. Fotografias: Cb BM Márcio José Pereira, Manoel Freitas Reis. Fotografias de entrada de capítulos: Cb BM Márcio José Pereira. Colaboradores: Cap BM Cristiano Antônio Soares, 1º Ten BM Manoel de Jesus Braga, Al BM Laércio Rodrigues Leite, 2º Sgt BM Lázaro Manoel Santos Rodrigues, 2º Sgt BM Luiz Alexandre Nascimento Maia, 2º Sgt BM Elismá Pereira, 3° Sgt BM Luiz Eduardo Freitas Pimentel, 3º Sgt BM Eudes Marques da Rocha, 3º Sgt BM Clayton Pereira, Cb BM Alex Almeida Andrade, Cb BM Idael Emiliano Gomes Silva, Cb BM Márcio José Pereira, Sd David Souza Lima, Sd BM Eduardo Araújo Caixeta, Sd BM Stella Rodrigues Bernardes, Sd BM Felipe Souza de Jesus, Sd BM Joao Carlos Cordeiro Santos. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C 787 Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Manual de Bombeiros Militar: Combate a incêndio urbano. (MABOM- CIURB) 1.ed. Belo Horizonte: CBMMG, 2020. 540 p. il. 1. Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. 2. Manual de Bombeiros Militar 3. Incêndio urbano. 4. CIURB. 5. Combate a incêndio urbano. I.Sousa, Moisés Magalhães de. II. Falcão, Gustavo Moraes. III. Dias Jr., Dilson Veloso. IV. Firme, Paulo Henrique Camargos. V. Cruz, João Gustavo de Souza. VI. Grandi, Igor César. VII. Vidal e Silva, Ágatha Iolanda. VIII. Neves, Weyber Silva. IX.Carvalho, Elen Roberta Costa. X. Lopes, Fabrício Souza. XI. Andrade, Guilherme Augusto Oliveira de. XII. Costa, Vinícius Ferreira Marcelino. CDD 363.37 Ficha catalográfica elaborada por Andreia Júlio CRB6/2095 Versão digital. https://drive.google.com/drive/folders/1p-r2e6qokJUmrlBCStC1K8lXCm7ABFza?usp=sharing https://drive.google.com/drive/folders/1p-r2e6qokJUmrlBCStC1K8lXCm7ABFza?usp=sharing PREFÁCIO O Combate a Incêndio Urbano e a história dos Corpos de Bombeiros Militares se entrelaçam de forma indissociável. Como missão, desde os primórdios da civilização, é a atividade que melhor nos identifica frente à sociedade, tornando-se justamente a razão primeira da nossa existência. Embora o trabalho que adiante se vê não seja o marco que inaugura a discussão sobre o tema, é nítido o resultado do esforço de vários profissionais, pois a obra busca impulsionar a capacitação técnica dos militares da ativa; alicerçar o conhecimento do futuro bombeiro; e materializar o sucesso de cada um dos veteranos que, com suor e esforço, edificaram a doutrina de combate a incêndio urbano e estrutural do CBMMG. Ao longo dos seus capítulos apresenta-se ao leitor o atual estado da arte dessa atividade que nos é tão cara e importante. Com vistas a oferecer o que há de mais moderno e aplicável à realidade mineira, pretende-se disseminar os conhecimentos de diversas fontes teóricas, nacionais e internacionais. Foram realizados ensaios específicos para atualizar e melhor compreender cada uma das técnicas abordadas. Reforçando a busca pelo aprimoramento constante da vida profissional dos combatentes do fogo, espera-se que a obra se torne referência para cursos de formação e aperfeiçoamento. E, nesse sentido, concito toda tropa a debruçar-se sobre os temas tratados no presente manual; a procurar adaptar-se às evoluções técnicas e retroalimentar as práticas profissionais com sugestões e avaliações relevantes e produtivas. Por fim, ressalto que este não é o livro que esgota o assunto. Que em virtude das mudanças tecnológicas e do avanço das pesquisas científicas, ele sempre carecerá de atualizações que visem aprimorar o trabalho de combate a incêndio urbano, demonstrando o quão viva e instigante é a matéria, como as chamas de uma combustão! EDGARD ESTEVO DA SILVA, CORONEL BM COMANDANTE-GERAL DO CBMMG SUMÁRIO POR CAPÍTULOS CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO ........... 6 CAPÍTULO 2 – EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL E RESPIRATÓRIA .............................................................................................. 97 CAPÍTULO 3 – MATERIAIS BÁSICOS DE COMBATE A INCÊNDIO URBANO........................................................................................................ 141 CAPÍTULO 4 – MANOBRAS COM MANGUEIRAS E MONTAGEM DE ESTABELECIMENTOS ................................................................................. 165 CAPÍTULO 5 – TÉCNICAS DE COMBATE A INCÊNDIO .......................... 206 CAPÍTULO 6 – PASSAGEM DE PORTA E PROGRESSÃO EM AMBIENTE DE INCÊNDIO ............................................................................................... 223 CAPÍTULO 7 – ENTRADAS FORÇADAS .................................................. 239 CAPÍTULO 8 – SALVAMENTO EM INCÊNDIO ......................................... 288 CAPÍTULO 9 – VENTILAÇÃO TÁTICA ...................................................... 325 CAPÍTULO 10 – COMBATE A INCÊNDIO EM VEÍCULOS ......................... 364 CAPÍTULO 11 – COMBATE A INCÊNDIO EM CAMINHÃO-TANQUE ........ 412 CAPÍTULO 12 – INCÊNDIO EM GLP ........................................................... 434 CAPÍTULO 13 – TÁTICA DE COMBATE A INCÊNDIO ............................... 444 CAPÍTULO 14 – NOÇÕES DE MEDIDAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO ................................................................................... 486 CAPÍTULO 15 – CRITÉRIOS A SEREM ADOTADOS PARA AVALIAÇÃO DE DANOS EM ESTRUTURAS DE CONCRETO ARMADO ..ATINGIDAS POR INCÊNDIO ...................................................................................................... 523 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 6 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 7 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO Autor – Cap Falcão SUMÁRIO 1 CONCEITUAÇÃO BÁSICA ........................................................................ 10 1.1 Fogo, Incêndio e Chama .......................................................................... 10 1.2 A ciência do Fogo ..................................................................................... 12 2 TRIÂNGULO DO FOGO .............................................................................14 2.1 Calor........................................................................................................... 14 2.1.1 Propagação do Calor ................................................................................ 16 2.1.2 Efeitos do Calor ........................................................................................ 22 2.2 Combustíveis ............................................................................................ 24 2.2.1 Sólido ......................................................................................................... 24 2.2.2 Líquidos ..................................................................................................... 27 2.2.3 Gases ......................................................................................................... 30 2.2.4 Temperaturas notáveis de combustíveis ................................................ 33 2.3 Comburente ............................................................................................... 38 2.4 Limites de Explosividade ou Inflamabilidade ......................................... 41 3 TETRAEDRO DO FOGO ............................................................................ 45 4 COMBUSTÃO ............................................................................................ 48 5 TIPOS DE CHAMA ..................................................................................... 52 5.1 Chama pré-misturada ............................................................................... 53 5.2 Chama difusa ............................................................................................ 53 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 8 5.3 Chama turbulenta ..................................................................................... 55 5.4 Chama laminar .......................................................................................... 55 5.5 Chamas estacionárias e propagantes..................................................... 56 6 ANÁLISE DA COMBUSTÃO EM UMA VELA ........................................... 56 7 COMBATE/CONTROLE DO INCÊNDIO .................................................... 62 7.1 Abafamento ............................................................................................... 62 7.2 Resfriamento ............................................................................................. 62 7.3 Retirada ou controle de material ............................................................. 63 7.4 Quebra da reação em cadeia ................................................................... 63 8 AGENTES EXTINTORES ........................................................................... 64 8.1 Água ........................................................................................................... 64 8.2 Pó para extinção de incêndio .................................................................. 66 8.3 CO2 (Dióxido de carbono ou Gás carbônico) ......................................... 68 8.4 Espuma ...................................................................................................... 68 8.5 Compostos halogenados (Halocarbonos) .............................................. 68 9 CLASSES DE INCÊNDIO .......................................................................... 71 9.1 Classe A ..................................................................................................... 71 9.2 Classe B ..................................................................................................... 71 9.3 Classe C ..................................................................................................... 72 9.4 Classe D ..................................................................................................... 72 9.5 Classe K ..................................................................................................... 74 10 DESENVOLVIMENTO DO INCÊNDIO ....................................................... 75 10.1 Incêndio Ventilado (Incêndio Limitado pelo Combustível – ILC) ......... 80 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 9 10.2 Incêndio Subventilado (Incêndio Limitado pela Ventilação – ILV) ....... 83 11 CONCEITOS E DEFINIÇÕES COMPLEMENTARES ................................ 88 11.1 Plano neutro .............................................................................................. 88 11.2 Ghost Flames (chamas fantasmas) ......................................................... 89 11.3 Rollover ..................................................................................................... 89 11.4 Feedback radiativo (radiação de retorno) ............................................... 91 11.5 Balanço térmico ........................................................................................ 91 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 93 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 10 1 CONCEITUAÇÃO BÁSICA Inicialmente, para a compreensão mais adequada de alguns termos que serão largamente tratados neste manual, é importante definir três expressões básicas que serão adotadas nesse documento: o conceito de Fogo, Incêndio e Chama. 1.1 Fogo, Incêndio e Chama Ao pesquisarmos em livros de física ou química, encontraremos que o processo sinônimo de fogo é Combustão. Em manuais de bombeiros, a combustão também é geralmente tratada como Fogo. Percebe-se, portanto, que essas palavras são sinônimas. Combustão é uma reação química de oxidação rápida, na qual ocorre a liberação de calor, ou liberação de luz e calor, entre alguma substância e o oxigênio1. Há combustão sem chama, que ocorre entre substâncias nas quais há pouco carbono. (FARADAY, 2003; FRIEDMAN, 1998; TURNS, 2013). Fogo é uma reação de combustão utilizada como ferramenta para execução de diversas tarefas, como aquecer alimentos e ambientes, além de ser utilizado em processos industriais, dentre outras. Enquanto essa reação está absolutamente sob o nosso controle, recebe o nome de fogo. Durante o preparo de um café com aquecimento de água em uma caneca, basta girar a válvula do fogão para acender ou apagar o fogo, até que a água atinja a temperatura necessária para a produção do alimento desejado. Até esse momento, absolutamente controlada pela válvula de um fogão, a reação é denominada fogo. Suponha, porém, que um pano de prato foi esquecido próximo à chama do fogão, e se aqueceu até incendiar. 1 Nem sempre uma chama pode ser vista na reação de combustão. Por exemplo, uma chama de combustão do gás hidrogênio (H2) seria transparente para o olho e não seria facilmente vista. Ainda, uma chama pode ser tornada adiabática e, portanto, o calor não é liberado (QUINTIERE, 2006). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 11 Esse pano de prato, agora em chamas, propaga o calor para o armário ao lado, para o exaustor plástico sobre o fogão, para a toalha sobre a mesa, e essa reação já não pode mais ser controlada pelo simples manejo de válvulas ou botões. Ela requer uma abordagem técnica específica. A essa reação fora de controle, com potencial de causar lesões, morte e danos materiais, damos o nome de Incêndio. Incêndio é a reação de combustão fora de controle, com potencial de causar morte, lesões e danos materiais. A diferença, portanto, entre fogo e incêndio é que fogo é uma combustão controlada, e incêndio é uma reação fora de controle, que requer abordagens e técnicas específicas para debelá-lo. Posto isso, é justamente a área de trabalho e estudo dos Corpos de Bombeiros do Brasil e do mundo. E será, também, o foco dos estudos apresentados neste manual. A chama é a manifestação visual dessa reação,é a luz liberada na combustão2. A chama pode ter diferentes cores e formatos característicos, dependendo do tipo de combustível que estiver queimando, do comburente envolvido, da proporção entre esses reagentes ou do ambiente onde a combustão está ocorrendo. Estudaremos mais detalhadamente a chama a seguir neste manual. A chama é a manifestação visual da reação de combustão, é a luz liberada no processo de queima. A cor da chama nos dá uma informação sobre o seu nível energético; na cor azul, a chama possui maior energia do que quando está avermelhada ou amarelada (figura 1.1). 2 Há reações de combustão que não possuem chamas, como é o caso da combustão do gás hidrogênio. MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 12 Figura 1.1 – Cores de chamas: de 1 para 4, do menos energético ao mais energético Fonte: Arnalich, 2015 1.2 A ciência do Fogo A ciência do fogo exigiu o desenvolvimento da descrição matemática dos processos que compõem a combustão. Quintiere (2006) organizou uma linha do tempo com os estudos mais relevantes para a ciência do fogo, iniciando pelas leis do movimento, propostas no século XVII por Isaac Newton, passando pelos problemas de transferência convectiva de calor e massa. Depois que os princípios gerais de conservação e as relações constitutivas foram estabelecidos, os problemas do fogo não exigiram novas descobertas científicas profundas. No entanto, o fogo está entre os processos de transporte mais complexos e exigiu formulações matemáticas estratégicas para a solução. Requeria um conhecimento profundo dos processos subjacentes para isolar seus elementos dominantes, a fim de descrever e interpretar efetivamente os experimentos, e criar soluções matemáticas gerais. A tabela 1.1 apresenta a linha do tempo elaborada por Quintiere. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 13 Tabela 1.1 – Estudos pioneiros para a ciência do fogo Época Evento Idealizador ~1650 Segunda Lei de Newton (princípio fundamental da dinâmica) Isaac Newton 1737 Relação entre a pressão e velocidade em um fluido Daniel Bernoulli ~1750 Primeira Lei da Termodinâmica (Conservação da Energia) Rudolph Clausius 1807 Equação da condução de calor (Lei de Fourier) Joseph Fourier 1827 Equações do movimento de fluidos viscosos Navier 1845 Stokes ~1850 História química de uma vela – Palestras para a Royal Society Michael Faraday 1855 Equação da difusão de massa (Lei de Fick) A. Fick 1884 Taxa de reação química dependente da temperatura S. Arrhenius ~1900 Radiação térmica e transferência de calor Max Planck 1928 Solução de uma chama de difusão em um duto Burke e Schumann ~1930 Cinética das equações de combustão Semenov ~1940 Frank-Kamenetskii ~1950 Zel’dovich ~1950 Soluções para queimas convectivas H. Emmons, D.B. Spalding ~1960 Soluções para fenômenos do fogo P.H. Thomas ~1970 Liderança nos Estados Unidos de programas de pesquisa de incêndio R. Long, J. Lyons Fonte: Quintiere, 2006 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 14 2 TRIÂNGULO DO FOGO A teoria do triângulo do fogo surgiu como fruto dos diversos estudos da ciência da combustão e auxilia, didaticamente, no processo de compreensão dessa reação. A teoria apresenta que são necessários três requisitos (em concentrações específicas) para que haja uma reação de combustão. Esses três requisitos são o combustível, o comburente e o calor (figura 1.2). Figura 1.2 – Triângulo do fogo Fonte: Autor 2.1 Calor Para melhor compreensão dos conteúdos que serão abordados à frente e preliminarmente à definição de calor, é importante relembrar alguns conceitos básicos de termologia. As moléculas ou partículas possuem uma carga interna de movimento, denominada, por ora, de “grau de agitação”. Quanto mais agitada uma partícula, maior será sua energia, e quanto maior sua energia, maior também será sua temperatura. Energia térmica é uma energia interna que consiste na energia cinética e na energia potencial associadas aos movimentos aleatórios dos átomos, moléculas e outros corpos microscópicos que existem no interior de um objeto (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 15 Temperatura é a medida da maior ou menor agitação das moléculas ou átomos que constituem um corpo. Quanto maior a temperatura, maior será a energia cinética de suas moléculas. Um corpo mais quente possui mais energia que um corpo mais frio (MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). Quando dois ou mais corpos, com diferentes temperaturas, entram em contato, a tendência natural é que eles busquem um estado de equilíbrio térmico, caracterizado pela uniformidade da temperatura dos corpos (MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). Para que o equilíbrio ocorra, será necessário haver transferência de energia. Aquele corpo que tem uma energia maior (temperatura maior) irá ceder energia para o corpo com energia menor (temperatura menor). Essa energia transferida de um corpo mais quente para outro menos quente recebe o nome de Calor (figura 1.3). Figura 1.3 – Transferência de calor entre corpos de diferentes temperaturas Fonte: Autor Calor é a energia térmica em trânsito, que flui de um ponto mais energético para outro menos energético, buscando encontrar o equilíbrio térmico. A energia térmica é transferida de um corpo para outro em virtude, unicamente, de uma diferença de temperatura entre eles (MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 16 2.1.1 Propagação do Calor Sabe-se, até agora, que o calor fluirá de um ponto mais energético a outro menos energético. Aqui serão apresentadas as formas como esse calor flui de um ponto a outro, ou seja, como ocorre a propagação do calor. 2.1.1.1 Condução Um material aquecido em um ponto absorve energia e aumenta sua temperatura. Os elétrons e átomos desse material vibram intensamente por causa da alta temperatura a que estão expostos. Essas vibrações, e a energia associada, são transferidas ao longo do material através de colisões entre os átomos, sem que esses átomos sofram translação ao longo do material. Dessa forma, uma região de temperatura crescente se propaga pelo material (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013). A propagação por condução ocorre quando, por exemplo, colocamos a ponta de uma colher metálica em contato com uma chama. A ponta da colher irá se aquecer e suas partículas aumentarão seu grau de agitação, ampliando as colisões entre as partículas adjacentes, induzindo a elevação da temperatura e resultando no aquecimento do cabo da colher (figura 1.4). Figura 1.4 – Condução em uma barra metálica Fonte: Autor CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 17 2.1.1.2 Convecção A convecção é o método de propagação do calor que ocorre em meios fluidos (gases e líquidos) e verticalmente para cima. O fluido, depois de aquecido, diminui sua densidade relativa, passando a ficar mais leve e tendendo, em regra3, a “subir”. Enquanto essa camada aquecida sobe, ela propaga o calor verticalmente para cima, aumentando a temperatura dos terços superiores de uma edificação em chamas. Um fluido, ao contrário de um sólido, é uma substância que pode escoar. Um fluido é uma substância que escoa porque não resiste a tensões de cisalhamento, embora muitos fluidos, como é o caso dos líquidos, resistam a tensões compressivas (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013). Densidade é a quantidade de matéria que ocupa um determinado espaço. Em um sistema fluido, se tivermos uma determinada quantidade de matéria e esta for aquecida, ela ocupará um espaço maior, ficando relativamente menos densa ou “mais leve” que o ar em suas imediações. A densidade de um fluido é inversamente proporcional a sua temperatura, isso significa dizer que para o mesmo material: quantomais quente, menos denso (FRIEDMAN, 1998; MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). A convecção pode ser verificada, por exemplo, em uma panela contendo água que é levada ao fogo (figura 1.5). A água, no terço inferior da panela, em contato mais próximo com a chama (fonte de calor), quando aquecida, aumenta o grau de agitação de suas moléculas e diminui sua densidade relativa, tornando-se “mais leve” que a água presente na parte superior da panela. Por consequência, essa água aquecida irá subir, e a água fria, relativamente mais densa e “pesada”, irá descer. Caso haja continuidade desse aquecimento será estabelecida uma 3 Embora a tendência do fluido seja subir, essa camada poderá caminhar horizontalmente, devido ao formato do ambiente no qual se encontra. O fluido não possui formato definido, podendo amoldar- se de acordo com o ambiente. MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 18 corrente de convecção, pois a água fria, que agora se localiza nos terços inferiores, passará a absorver energia da chama e se aquecer, tendendo a subir para o topo da panela. Já a água localizada nos terços superiores irá ceder calor para o ambiente, resfriando-se, tornando-se relativamente mais densa e, por consequência, voltará ao fundo da panela. Figura 1.5 – Convecção em um recipiente com água Fonte: Autor O ar, por ser fluido, quando é aquecido também fica “mais leve” e tende a se posicionar nos terços superiores de uma edificação no caso de incêndio. Nos incêndios confinados, estruturais ou compartimentados, que são aqueles que possuem obstáculos que impedem a exaustão dos gases quentes, produtos da combustão, os terços superiores do cômodo em chamas tendem a concentrar as maiores temperaturas (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, 2012; GRIMWOOD, 2008). Dessa forma, é possível compreender que nas ações de combate a incêndio, quanto mais alto o bombeiro estiver posicionado, maiores serão as temperaturas às quais estará exposto, motivo pelo qual, por vezes, a atividade é realizada pelos combatentes na posição de joelhos. Estima-se que cerca de 70% da energia propagada na fase crescente de um incêndio ocorra por convecção (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 19 ESPÍRITO SANTO, 2014). A tabela 1.2 apresenta uma comparação entre o percentual da energia de combustão propagada por radiação e convecção por diversas chamas difusas de gases. Tabela 1.2 – Percentual teórico de propagação do calor Gás Radiação Convecção Não propagado Hidrogênio 9 91 0 Metano 18 81 1 Etano 20 79 1 Propano 27 68 5 Etileno 32 59 9 Propileno 39 50 11 Fonte: Friedman, 1998 A convecção também exerce um importante papel de propagação de incêndios em edifícios verticais (figura 1.6), justamente por ter a tendência de alcançar os níveis superiores com maior velocidade. Esse processo de ascensão traz como consequência a elevação de temperatura de outros materiais e potenciais combustíveis que estejam no caminho. Figura 1.6 – Propagação do calor em edificação vertical Fonte: Autor MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 20 2.1.1.3 Radiação Todos os corpos aquecidos emitem radiação térmica, que ao ser absorvida por outro corpo, provoca nele uma elevação de temperatura. A radiação térmica se dá por meio da propagação de ondas eletromagnéticas (FRIEDMAN, 1998; HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013; MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). Diferente da condução e da convecção, a radiação não depende de nenhum meio físico para se propagar. Um exemplo da propagação por radiação é o aquecimento do planeta pelos raios do sol, mesmo que haja um vácuo entre os dois (figura 1.7). Nesse caso, não há nenhum meio físico para que esse calor se propague por condução ou convecção. Figura 1.7 – Radiação térmica da energia do Sol na Terra Fonte: Autor Nesse sentido, enquanto a condução segue o caminho imposto pela localização das moléculas, como no exemplo da colher metálica, e a convecção, um fluxo vertical para cima nos meios fluidos; a propagação por radiação não segue um caminho específico, pois o calor ocorre uniformemente em todas as direções. A figura 1.8 demonstra os três tipos de propagação do calor. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 21 Figura 1.8 – Métodos de propagação do calor Fonte: Autor A propagação por radiação exerce um papel importante no desenvolvimento do incêndio. As paredes, tetos e a camada de fumaça que nele acumula, quando estão muito quentes, emitem uma quantidade suficiente de radiação térmica (feedback radiativo) (figura 1.9) capaz de criar condições para que materiais combustíveis, ainda não queimados, se tornem inflamáveis simultaneamente, ocasionando comportamentos extremos do fogo, como a ignição súbita generalizada (flashover) que será estudada mais à frente. Figura 1.9 – Radiação de retorno (feedback radiativo) em ambiente incendiado Fonte: Autor MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 22 2.1.2 Efeitos do Calor Para as atividades de combate a incêndio existem também outros efeitos importantes a serem estudados. O primeiro deles, e mais importante, é o efeito sobre os combustíveis. Depois da propagação do calor e da elevação da temperatura, os combustíveis sólidos e/ou líquidos vão passar por mudanças de estado físico e/ou químico ocasionadas pela elevação do grau de agitação das moléculas induzida pelo calor. Estado físico da matéria (estado de agregação, ou fase) está relacionado, também, ao grau de agitação de suas moléculas. Quando fornecemos calor a um corpo, sua temperatura se eleva, ocorre um aumento da energia de agitação de seus átomos. Esse aumento faz com que a força de ligação entre os átomos seja alterada, podendo acarretar modificações na organização e separação desses átomos. Em outras palavras, a absorção de calor por um corpo pode provocar nele uma mudança de fase. No estado sólido, os átomos ou moléculas do material formam uma estrutura rígida através de sua atração mútua. No estado líquido, os átomos ou moléculas têm mais energia e maior mobilidade. Formam aglomerados transitórios, mas o material não tem uma estrutura rígida e pode escoar em um cano ou se acomodar à forma de um recipiente. No estado gasoso, os átomos ou moléculas têm uma energia ainda maior, não interagem a não ser através de choques de curta duração, e podem ocupar todo o volume de um recipiente (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013; MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). Outro efeito do calor que também se aplica às atividades de combate a incêndio é o que ocorre nos materiais das estruturas, a exemplo da ação do incêndio sobre uma edificação em concreto armado4. Quando as estruturas passam por uma 4 Concreto armado é um elemento estrutural elaborado com concreto, cujo comportamento estrutural depende da aderência entre concreto e armadura, e no qual não se aplica alongamentos iniciais das armaduras antes da materialização dessa aderência (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2013). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 23 intensa elevação de temperatura, os materiais tendem a aumentar seu volume pelo efeito da dilatação. Porém, cada material possui o próprio coeficiente de dilatação e se comportam de maneiras diferentes quando expostos à mesma elevação de temperatura. Essa dilatação causa uma movimentação estrutural, que pode resultar no desabamento da edificação. As movimentações estruturais são perceptíveis por meio de trincas, fissuras e rachaduras nas paredes, vigas e pilares (figura 1.10). Figura 1.10 – Trincas, fissuras e rachaduras pós-sinistro Fonte: Autor Dilatação é o aumento das dimensões de um corpo devido ao aumento de sua temperatura. Salvo algumas exceções, todos os corpos se dilatam, quando sua temperatura aumenta. Quando a temperatura do sólido é aumentada,há um aumento na agitação de seus átomos, fazendo com que eles, ao vibrarem, se afastem mais da posição de equilíbrio. O coeficiente de dilatação é uma constante de proporcionalidade que varia em cada tipo de material, e que representa as facilidades ou dificuldades que determinado material tem de aumentar seu volume devido às elevações de temperatura (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013; MÁXIMO e ALVARENGA, 1993) MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 24 Quanto às pessoas afetadas por um incêndio, além de queimaduras, há outros efeitos fisiológicos perceptíveis no organismo dos bombeiros e das eventuais vítimas expostas ao incêndio. O corpo humano quando inserido em um meio aquecido e sujeito à transferência de energia térmica tende a elevar sua temperatura. Em um ambiente incendiado, que pode chegar a temperaturas próximas a 1000ºC, o corpo absorve energia do meio, ficando mais quente. O peso dos equipamentos de proteção individual, bem como dos equipamentos hidráulicos, somado à natureza desgastante da atividade de combate a incêndio contribuem também para a elevação da temperatura corporal. Por se tratar de seres homeotérmicos5, o corpo trabalha intensamente para compensar e impedir a elevação de temperatura. Esse trabalho acaba sendo traumático para o organismo, o que resulta em algumas consequências fisiológicas, como desidratação, exaustão, câimbras, náuseas, vômitos, desmaios, doenças cardiovasculares, dentre outros efeitos (BRAGA, NETO e SALAZAR, 2016; QUINTAL, 2012). 2.2 Combustíveis Combustível é o material que queima, isto é, que sofre transformações físicas e/ou químicas no processo de combustão. Existem três tipos de combustíveis: sólidos, líquidos e gases. 2.2.1 Sólido Combustíveis sólidos são exemplificados por materiais como madeira, papel, plástico, etc. Quando submetidos aos efeitos do calor, elevando-se a temperatura dos mesmos, eles aumentam o grau de agitação de suas moléculas. Primeiramente os materiais sofrem uma desidratação, e toda a água de seu conteúdo passa para o estado de vapor. Existe um determinado ponto em que o grau de agitação molecular é tão grande que as moléculas sofrem uma quebra em 5 Homeotérmicos são seres que tem uma temperatura média constante. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 25 sua estrutura, passando a liberar um gás com potencial combustível, que contribui para a reação de combustão. O nome desse processo de quebra molecular que ocorre no combustível sólido é pirólise. Pirólise é um processo em que o material sólido é decomposto, ou quebrado em compostos moleculares mais simples, devido ao calor. Pirólise normalmente precede a combustão (NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION, 2004). A temperatura em que a maioria dos sólidos sofre pirólise está na faixa de 250ºC a 450ºC (FRIEDMAN, 1998). Cabe complementar que não é apenas o fogo o responsável pela elevação de temperatura de combustíveis sólidos. Existem outros exemplos de fontes de energia que fazem com que a temperatura de um determinado combustível aumente, como o atrito, reações químicas, eletricidade, dentre outros. É curioso notar que nos combustíveis sólidos, que sofrem a quebra da estrutura molecular, o material é dividido basicamente em duas grandes partes: uma parte que “queima”, que contribui com a reação de combustão, e outra parte que “não queima” geralmente denominada de resíduos ou cinzas. Outra característica dos combustíveis sólidos é que eles queimam em razão de superfície e profundidade. Sabe-se que todo o material que tiver condições ideais para participar da reação de combustão irá sofrer a queima. As condições ideais são as concentrações mínimas dos três requisitos: combustível, comburente e calor. Materiais que queimam tanto em razão de superfície quanto profundidade são aqueles constituídos de espaços suficientes em seu interior que permitam a participação dos três elementos para iniciar a combustão. Um bloco de madeira, por exemplo, cuja superfície está em contato com o ar e com uma fonte de calor irá sofrer a combustão. Mas a madeira não é hermeticamente fechada, há espaços “vazios” em seu interior que contém ar. Por isso, mesmo na profundidade desses materiais, é possível encontrar condições ideais de concentração dos três requisitos para que haja uma combustão. MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 26 Um sólido pode estar na forma de pó, de uma fina folha (como o papel) ou de um bloco espesso (como um tronco de árvore). A combustão se espalha mais rápido quanto mais finas estiverem as partículas de combustível. Dependendo das condições em que se encontram sólidos pulverizados, com partículas suspensas no ambiente, poderá ocorrer uma deflagração desse material, em um fenômeno conhecido como explosão de poeira (dust explosion) (FRIEDMAN, 1998; GRIMWOOD e DESMET, 2003). Se em um ambiente com alta concentração de poeira combustível não for possível enxergar as mãos quando os braços estão estendidos, o risco de explosão é muito grande (GRIMWOOD e DESMET, 2003). Combustíveis, sejam sólidos ou líquidos, irão se incendiar mais facilmente dependendo da superfície de contato que tiverem disponível para reagir com o ar. Dessa forma, sólidos particulados ou líquidos pulverizados queimam com maior facilidade do que blocos espessos, ou líquidos concentrados (TURNS, 2013). Uma demonstração da possibilidade de ignição em partículas pulverizadas pode ser realizada por meio da produção de uma “bola de fogo” soprando um punhado de amido de milho sobre uma fonte de ignição (figura 1.11). Figura 1.11 – Demonstração de ignição em amido de milho Fonte: Autor CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 27 A tabela 1.3 apresenta alguns dados de materiais sólidos que, em suspensão, ficam sujeitos a explosão. Tabela 1.3 – Dados de alguns materiais sólidos sujeitos a explosão de poeira Material Mínima Concentração inflamável (g/m³) Energia mínima para ignição (J) Temperatura de autoignição da nuvem (ºC) Pressão máxima de explosão (psi) Pó de café 85 0.16 410 44 Amido de milho 45 0.04 400 95 Grãos mistos 55 0.03 430 115 Soja 35 0.05 520 99 Açúcar 35 0.03 350 91 Trigo 55 0.06 480 103 Amido de trigo 25 0.02 380 105 Farinha 50 0.05 380 95 Carvão 55 0.06 610 83 Fonte: National Fire Protection Association, 2008 2.2.2 Líquidos Diferente dos combustíveis sólidos, os materiais líquidos, quando aquecidos, não vão sofrer uma decomposição de sua estrutura química. Líquidos passam por um rearranjo molecular: a mudança do estado físico (TURNS, 2013). Líquidos inflamáveis, quando aquecidos, passam para o estado de vapor, em um processo que recebe o nome de Vaporização. No estado de vapor, assumem o potencial inflamável, e basta o contato com o ar, a uma temperatura mínima específica, para que se conclua a reação de combustão. Como nos líquidos inflamáveis a transformação é física, conseguirá reagir todo o seu conteúdo que passar para o estado de vapor e ao final da reação de combustão não haverá resíduos ou cinzas dessa queima. MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 28 Diferentemente dos sólidos, que sofrem pirólise, os líquidos sofrem vaporização. A vaporização é um processo de transformação física da matéria, e, portanto, é reversível, ou seja, o vapor de um líquido, caso não tenha reagido, se for resfriado, voltará a sua condição líquida. Já nos combustíveis sólidos, a transformação é uma mudança do estado químico da matéria devido a seu aquecimento. Ocorre uma “quebra” da estrutura molecular, que é irreversível e não poderá ser desfeita, nem mesmo se houver resfriamento desses gases antes da reação de combustão. Sobre a definição de líquido inflamável, algumas literaturas divergem quanto à nomenclatura específica entre combustível e inflamável. A Resoluçãoda Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – 5232/2016 define que líquidos inflamáveis são líquidos, misturas de líquidos ou líquidos que contenham sólidos em solução ou suspensão (por exemplo, tintas, vernizes, lacas, etc., excluídas as substâncias que tenham sido classificadas de forma diferente, em função de suas características perigosas) que produzam vapor inflamável a temperaturas de até 60°C, em ensaio de vaso fechado, ou de até 65,6°C, em ensaio de vaso aberto, normalmente referidas como ponto de fulgor. Já a Norma Regulamentadora 20 do Ministério do Trabalho especifica que se o ponto de fulgor do líquido for menor do que 60ºC é considerado um líquido inflamável. Se o ponto de fulgor estiver entre 60ºC e 93ºC será um líquido combustível (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 1978). A velocidade de evaporação de um líquido é tanto maior quanto maior for a área de sua superfície livre (MÁXIMO e ALVARENGA, 1993). Por isso, os líquidos inflamáveis queimam apenas em razão de superfície. Já a profundidade do líquido inflamável não reagirá no processo de combustão por dois motivos: a substância está na forma líquida (e a combustão é um processo que ocorre entre gases) e também não há comburente no interior do conteúdo líquido, requisito sem o qual não haverá combustão. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 29 2.2.2.1 Slop-Over e Boil-Over Em primeira análise, quando comparado com sólidos que queimam tanto em razão de superfície quanto de profundidade, pode ser erroneamente concluído que os líquidos inflamáveis são combustíveis mais seguros de se realizar o combate a incêndio, mas é justamente o oposto. Por queimarem apenas em razão de superfície, qualquer perturbação na mesma poderá resultar em fenômenos que podem propagar subitamente um incêndio em um líquido: o slop-over e o boil-over. Slop-over é uma perturbação súbita da superfície de um líquido inflamável, ocasionada geralmente quando se tenta combater um incêndio em líquido inflamável utilizando água. A água, ao entrar em contato com o líquido muito aquecido, imediatamente passa para o estado de vapor em um processo instantâneo e violento. Um litro de água no estado líquido, quando passa para o estado de vapor, ocupa um espaço de 1700 litros instantaneamente (NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION, 2008; GRIMWOOD e DESMET, 2003). Quando se aplica água na superfície de um líquido inflamável muito aquecido a mudança brusca de estado líquido para vapor empurra a superfície do líquido inflamável fazendo com que ele transborde do seu recipiente (figura 1.12). Cada gotícula do líquido inflamável que transbordou possui uma superfície própria, que em contato com o ar conclui a reação de combustão. Por isso quando se utiliza água na superfície de um líquido inflamável, na verdade o incêndio aumenta ao invés de diminuir, pois a vaporização violenta desse agente extintor causa o aumento da superfície de contato do líquido com potencial inflamável. Figura 1.12 – Slop-Over - esquema didático Fonte: Autor MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 30 O Boil-over (ebulição turbilhonar) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2000) é um fenômeno característico de incêndios em grandes tanques de líquidos inflamáveis. Esse evento requer que uma quantidade de água esteja depositada no fundo do tanque (figura 1.13). Após a água receber energia da onda de calor do combustível em chamas, aumentar sua temperatura e passar para o estado de vapor, atuará como um êmbolo, que empurra o líquido inflamável, fazendo com que este transborde, aumentando sua superfície de contato e ampliando, por consequência, a magnitude desse incêndio (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE GOIÁS, 2017; FRIEDMAN, 1998). Figura 1.13 – Boil-Over - esquema didático Fonte: Autor Em resumo, a principal diferença entre o Slop-Over e o Boil-Over está no ponto em que ocorre a perturbação da superfície do líquido inflamável. Enquanto no Slop-Over a perturbação é instantânea, causada pelo contato direto da água com a superfície, no Boil-Over a perturbação ocorre gradativamente e a partir da base do recipiente, pois a água que evapora a partir do fundo do tanque empurra o líquido inflamável causando seu transbordamento. 2.2.3 Gases Com poucas exceções6, uma reação de combustão é uma reação que ocorre entre substâncias no estado gasoso, sejam os gases combustíveis liberados 6 A combustão de metais pirofóricos é resultado de uma reação exotérmica dos materiais no estado sólido com o oxigênio presente no ar. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 31 dos materiais sólidos, ou os vapores inflamáveis liberados dos líquidos. A reação de combustão só se processará entre substâncias gasosas. Os gases inflamáveis, como o gás liquefeito de petróleo (GLP) ou gás natural veicular (GNV), portanto, já estão na condição ideal para que iniciem a reação e é justamente por isso que tendem a queimar com maior facilidade. 2.2.3.1 BLEVE Um fenômeno muito perigoso relacionado a incêndio em tanques que contenham gases ou líquidos inflamáveis é o BLEVE (Boiling Liquid Expanding Vapor Explosion), cuja tradução livre é a explosão do vapor expandido pelo líquido em ebulição. Suponha o seguinte cenário: um caminhão tanque contendo 20 mil litros de gasolina sofre um acidente na rodovia, vem a tombar e se inicia um incêndio em suas imediações. O contato da chama desse incêndio com o costado do tanque fará com que a gasolina líquida aumente sua temperatura, passando gradativamente para o estado de vapor (figura 1.14-a). A gasolina no estado de vapor aumenta seu volume e, portanto, começa a exercer pressão nas paredes internas do costado do tanque. Caminhões-tanque possuem válvulas de alívio que equalizam a pressão interna do tanque por meio da liberação do excesso de pressão, impedindo sua ruptura explosiva. Dessa maneira, logo após a ação, o dispositivo volta a se fechar, contendo o restante do material em seu interior (figura 1.14-b). Esse procedimento se repete várias vezes, sempre que o vapor de gasolina exerce uma pressão suficiente para acionar a válvula de alívio. Porém, para cada vez que o mecanismo é acionado, parte do conteúdo de gasolina é liberada para o ambiente externo, o que permite que mais gasolina líquida passe para o estado de vapor no interior do tanque, diminuindo, gradativamente, o volume de gasolina líquida. Enquanto a chama do incêndio externo consegue transferir calor para a gasolina líquida, induzindo sua vaporização, tem-se um processo relativamente controlado. Porém, com a diminuição da quantidade de gasolina líquida em condições de absorver o excesso de energia produzida pela chama, o costado do MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 32 tanque passa a ficar mais quente, o que ocasiona a dilatação e fragilização de sua estrutura. Como o vapor de gasolina está permanentemente no interior do tanque exercendo pressão em sua parede interna, em determinado momento a pressão será forte o suficiente para romper a parede do tanque (figura 1.14-c). Essa ruptura, quando ocorrer, será explosiva e induzirá imediatamente a combustão de todo vapor ainda não incendiado, que no momento terá contato com o comburente, e ainda irá projetar os materiais sólidos em diversas direções, podendo causar grandes acidentes (figura 1.14-d). Figura 1.14 – Processo de evolução de um BLEVE Fonte: Autor CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 33 2.2.4 Temperaturas notáveis de combustíveis Há uma relação que se pode estabelecer entre combustíveis e calor, na qual é possível perceber alguns fenômenos característicos. São os pontos notáveis de temperatura de combustíveis. Há três pontos notáveis que se aplicam aos diversos tipos de combustíveis (sólidos, líquidos e gases). 2.2.4.1 Ponto de Fulgor É uma característicados líquidos inflamáveis ou combustíveis. Representa a menor temperatura na qual o líquido libera vapores que tem condições de se inflamar momentaneamente em contato com o ar. Como a reação de combustão nesse ponto não gera energia suficiente, devido à baixa concentração de vapores inflamáveis como reagentes, caso seja retirada a fonte direta de calor (chama, fagulha), a reação irá cessar (figura 1.15) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2000, 2014; FRIEDMAN, 1998; GRIMWOOD e DESMET, 2003; MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 1978; NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION, 2004; QUINTIERE, 2006; STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). Figura 1.15 – Esquema demonstrando o ponto de fulgor Fonte: Autor MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 34 2.2.4.2 Ponto de Combustão É uma característica dos líquidos inflamáveis7 ou combustíveis. Representa a menor temperatura na qual o líquido, após liberar vapores em condições inflamáveis e esses vapores reagirem com o ar, produzirá uma combustão com energia suficiente para vaporizar mais líquido, manter a combustão, e se sustentar, mesmo após a retirada da fonte direta de calor (chama, fagulhas). O ponto de combustão (figura 1.16) geralmente se situa poucos graus acima do ponto de fulgor, de 5ºC a 15ºC. Há, ainda, combustíveis cujo ponto de combustão e de fulgor são os mesmos (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2000; FRIEDMAN, 1998; GRIMWOOD e DESMET, 2003; NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION, 2004; QUINTIERE, 2006; STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). Os valores dos pontos de combustão são difíceis de serem mensurados, pois oscilam de acordo com uma série de variáveis relativas a cada combustível, como o tamanho da fonte de ignição, o tempo de exposição do líquido a essa fonte, a proporção e eficiência do fluxo de calor e influências do movimento de ar sobre o líquido. Figura 1.16 – Esquema demonstrando o ponto de combustão Fonte: Autor 7 Existem raros exemplos de sólidos que possuem pontos de fulgor e combustão, como a naftalina e a cânfora, em que o sólido passa diretamente ao estado de vapor (sublimação). Há ainda alguns combustíveis, como a parafina (da cera da vela, por exemplo) que são sólidos, mas, primeiro passam para o estado líquido, em seguida ao estado de vapor e, então, queimam. Esses sólidos, que ‘queimam como líquidos’, também possuem pontos de fulgor e combustão (QUINTIERE, 2006; FRIEDMAN, 1998). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 35 2.2.4.3 Temperatura de ignição Para quaisquer tipos de combustíveis, sólidos, líquidos ou gases, a temperatura de ignição (também tratada como temperatura de autoignição) é a temperatura mínima em que a substância, exposta ao ar, deverá ser aquecida por uma fonte direta de calor (chamas, fagulhas) para iniciar uma reação de combustão (figura 1.17) (FRIEDMAN, 199; GRIMWOOD e DESMET, 2003; NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION, 2004, 2008; QUINTIERE, 2006; STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). Algumas temperaturas de ignição de sólidos combustíveis estão apresentadas na tabela 1.4. Figura 1.17 – Esquema demonstrando ponto de ignição Fonte: Autor Tabela 1.4 – Temperatura de ignição de alguns sólidos combustíveis Sólidos Temperatura de ignição (°C) PVC 470 Nylon 450 Polietileno 350 Poliestireno 490 Poliuretano 420 Policarbonato 570 Teflon 600 Madeira 250-350 Papel 200-350 Feno 230 Palha 240 Lã 570 Fósforos 160-180 Carvão 140-300 Algodão 300-400 Fonte: Grimwood e Desmet, 2003 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 36 2.2.4.4 Autoignição Vê-se que a temperatura de ignição de um combustível é definida como a temperatura mínima em que se inflama. Essa ignição pode ser alcançada pelo uso de fontes externas, como uma faísca ou uma chama (ignição pilotada). A temperatura de ignição e de autoignição de um combustível possuem o mesmo valor, sob as mesmas condições. No entanto, o termo autoignição é usado quando não há fonte de ignição externa direta. Tais condições podem ocorrer devido à radiação térmica em combustíveis não inflamados no interior de edificações expostas a um incêndio; pelo aquecimento do óleo em uma panela até que subitamente entre em ignição pelo contato com o ar; dentre outros exemplos. (DAVID SCHOTTKE, NFPA, IAFC, 2014; FRIEDMAN, 1998; GRIMWOOD e DESMET, 2003; NATIONAL FIRE PROTECTION ASSOCIATION, 2004, 2008; QUINTIERE, 2006; STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). É importante entender que todo combustível deve atingir sua temperatura de autoignição para queimar. Mesmo no caso de uma ignição pilotada quando, por exemplo, um isqueiro é aplicado a um pedaço de papel, uma pequena porção do papel é trazida para sua temperatura de ignição para que o fogo seja iniciado. No entanto, seria possível acender o mesmo papel colocando-o em um forno e elevando a temperatura até a ignição do papel, ponto em que ele se autoinflamaria (STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). A temperatura de ignição (ou autoignição) é um ponto notável dos combustíveis. Já, a autoignição, é um processo de queima sem contato com fonte direta de ignição. A autoignição merece importante destaque, pois é nesse processo em que ocorrem alguns dos comportamentos extremos do fogo, como o Flashover e o Backdraft, que serão estudados nos capítulos seguintes. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 37 Para o exemplo que será apresentado agora, suponha que o ponto de fulgor de um líquido inflamável seja 10ºC, seu ponto de combustão seja 25ºC e sua temperatura de ignição (ou autoignição) seja 460ºC. Quando um líquido é aquecido até seu ponto de fulgor ou ponto de combustão e nenhuma fonte externa de ignição é levada para dentro da nuvem de vapor, não ocorrerá ignição. Por exemplo: o etanol geralmente é armazenado em temperaturas significativamente acima de seu ponto de fulgor e combustão, mas não se inflama. Nesse caso, se uma fonte de calor alcançar o interior dos vapores, elevando a temperatura para sua temperatura de ignição, ocorrerá a combustão. Neste ponto, se o líquido estiver em seu ponto de fulgor, os vapores queimarão como um flash momentâneo, mas a combustão não será sustentada (figura 1.18). Figura 1.18 – Ponto de fulgor Fonte: Autor No entanto, se o líquido estiver em seu ponto de combustão, a combustão irá se sustentar (figura 1.19). Figura 1.19 – Ponto de combustão Fonte: Autor MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 38 Se nenhuma fonte de ignição externa é trazida à nuvem, e se a temperatura ambiente for aumentada, superando o ponto de combustão dos vapores, poderá ser alcançada a temperatura de ignição. Nesse caso, mesmo sem uma fonte direta de ignição (chamas, fagulha, etc.), os vapores irão se incendiar em um processo denominado autoignição (figura 1.20) (STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). Figura 1.20 – Autoignição Fonte: Autor Na figura 1.20, o aquecimento do ambiente interno da edificação pelo incêndio que está do lado de fora já foi suficiente para incendiar os vapores combustíveis que estavam no seu interior, sem que houvesse contato direto das chamas externas com esses vapores. 2.3 Comburente Comburente é o outro gás que reage com o gás combustível ou vapor inflamável concluindo a reação de combustão. O principal comburente está presente no ar: é o oxigênio. E já que o oxigênio é o comburente mais comum na reação de combustão dos incêndios urbanos, detalharemos um pouco mais sobre a influência da concentração de oxigênio no processo de combustão. O Ar é composto por 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de outros gases (figura 1.21). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 39 Figura 1.21 – Diagrama de distribuição dos gases na atmosfera Fonte: Autor Especificamente sobre a concentração do oxigênio, que é o nosso comburente de interesse neste momento,dividiremos didaticamente8 sua concentração em três terços de sete (figura 1.22): de 0 a 7%, de 7 a 14% e de 14 a 21% (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, 2012; CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2014; CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE GOIÁS, 2017; GRIMWOOD, 2008). Figura 1.22 – Demonstração didática do comportamento da combustão nas diferentes faixas de concentração de Oxigênio Fonte: Autor 8 A divisão da concentração de oxigênio em três faixas distintas não pode ser tratada com a uniformidade apresentada no texto. De acordo com cada tipo de combustível, haverá uma concentração de oxigênio que permitirá a ocorrência de queima viva, lenta, ou que não permitirá a combustão. A exemplo, para o monóxido de carbono (CO), mesmo a concentrações de oxigênio de 5% (mistura rica), ocorreria a combustão (FRIEDMAN, 1998; TURNS, 2013). MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 40 Entre 21% e 14% a reação de combustão terá uma característica de “queima viva”, ou seja, irá produzir calor e será possível visualizar luz, por meio da chama produzida nessa reação. Caso a concentração de oxigênio esteja entre 14% e 7% a queima será “lenta”, a combustão estará na fase de incandescência, que produz pouco calor e pouca luz e não será visualizada uma chama viva e, sim, brasas. Entre 7% e 0% não haverá reação alguma de combustão, por insuficiência do comburente oxigênio (figura 1.23). Figura 1.23 – Queima viva (a) e queima lenta (b) (a) (b) Fonte: Todamatéria, 2019 Existem, porém, condições raras em que a concentração de oxigênio poderá estar acima dos 21% naturalmente encontrado na atmosfera. Isso ocorrerá em locais em que haja armazenamento deste gás, como hospitais, centrais de carregamento de oxigênio, oficinas com uso de oxi-acetileno, usuários de oxigênio em domicílio, dentre outros. Se houver vazamento desse gás durante um incêndio, haverá a queima denominada “muito viva”. A intensidade das chamas será aumentada e a quantidade de calor produzido será maior, aumentando, por consequência, os riscos das operações de bombeiros nesses ambientes. Embora seja o mais comum, o oxigênio não é o único comburente disponível. Há outros gases que reagem com o combustível em reações químicas, como aqueles encontrados no grupo 17 (VII-A) da tabela periódica (Halogênios), que são os elementos mais eletronegativos9, como Flúor, Cloro e Bromo. Algumas 9 Eletronegatividade é a predisposição que um determinado átomo tem em atrair elétrons para si em uma reação química. Quanto mais eletronegativo, maior será sua tendência em reagir com outros gases. CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 41 das reações desses comburentes podem ser tão, ou mais violentas que a reação do combustível com o oxigênio, podendo resultar em chamas intensas, mesmo na ausência de ar, por exemplo: 𝐻2 + 𝐶𝑙2 → 2𝐻𝐶𝑙 + 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟 𝐶𝐹3𝐵𝑟 [𝐻𝑎𝑙𝑜𝑛 1301 ∗] + 2𝑀𝑔 → 3 2 𝑀𝑔𝐹2 + 1 2 𝑀𝑔𝐵𝑟2 + 𝐶(𝑓𝑢𝑙𝑖𝑔𝑒𝑚) + 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑁2𝐻4 [𝐻𝑖𝑑𝑟𝑎𝑧𝑖𝑛𝑎] → 𝑁2 + 2𝐻2 + 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟 𝐶2𝐻2 [𝐴𝑐𝑒𝑡𝑖𝑙𝑒𝑛𝑜] → 2𝐶 + 𝐻2 + 𝑐𝑎𝑙𝑜𝑟 *Agentes extintores de compostos halogenados reagem violentamente com metais pirofóricos, que serão estudados mais à frente (FRIEDMAN, 1998). 2.4 Limites de Explosividade ou Inflamabilidade A reação de combustão não requer simplesmente a participação de três requisitos no processo, ela também exige que esses requisitos estejam dentro de concentrações específicas para que a reação possa ocorrer. Verifica-se, ao estudar o comburente, que o oxigênio a baixas concentrações, reagirá de forma diferente com o combustível, podendo, inclusive, não reagir. Outro fator que interfere na combustão é a concentração de combustíveis. Existem determinados combustíveis que se estiverem em concentrações muito baixas, não irão reagir com o comburente. Mas também, se estiverem em concentrações relativamente muito altas (que varia para cada combustível), vão fazer com que a concentração de comburente diminua, impedindo uma combustão. A esse conceito damos o nome de limites inferior e superior de inflamabilidade ou explosividade. Limite inferior de explosividade ou inflamabilidade (LIE) é a concentração mínima de combustível necessária para que haja uma reação de combustão. Abaixo do LIE não haverá ignição. Alguns equipamentos do CBMMG fazem a leitura desse índice em inglês, e registram LEL (lower explosive limit). MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 42 Limite superior de explosividade ou inflamabilidade (LSE) é a concentração máxima de combustível que ainda permitirá uma reação de combustão. Uma vez superado o LSE não haverá reação de combustão. Alguns equipamentos do CBMMG fazem a leitura desse índice em inglês, e registram UEL (upper explosive limit). Cada um dos combustíveis possui um valor diferente para o seu LIE e LSE. Entre os limites de explosividade tem-se a faixa de explosividade e aproximadamente no meio dessa faixa tem-se a reação considerada como mistura ideal, ou seja, aquela em que haverá a maior liberação de luz e calor, caso haja uma ignição (figura 1.24). Figura 1.24 – Diagrama dos Limites de explosividade Fonte: Autor O aumento da temperatura interfere diminuindo o limite inferior de explosividade (TURNS, 2013). O gás de cozinha é, basicamente, uma mistura de propano (C3H8) e butano (C4H10), cujo limite inferior de explosividade é aproximadamente 2%, e o limite superior é aproximadamente 9%. Para efeitos de demonstração, calcularemos apenas a combustão do propano, cujo limite inferior de explosividade é 2,1% e o superior é 9,5% (PETROBRÁS DISTRIBUIDORA, 2018). Imagine um compartimento contendo 4% de gás propano por volume, e 96% de ar, completamente misturados. Como o ar contém 21% de oxigênio por volume e 21% de 96% é 20, o compartimento deve conter 20% de oxigênio por volume (FRIEDMAN, 1998). O volume percentual de um gás é o mesmo que o CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 43 percentual molar. Portanto, a razão entre mols10 de oxigênio no compartimento e mols de propano é de 20 mols de oxigênio para 4 mols de butano, perfazendo a razão de 20:4, ou 5:1 (razão estequiométrica). Caso haja uma fagulha nesse compartimento, surgirá uma chama, que consumirá todo o combustível, resultando na produção de luz e calor, e deixando como produtos CO2 e água. Sabe-se que a razão estequiométrica da reação de combustão do propano é 5, conforme demonstrado pela equação abaixo, devidamente balanceada. 𝐶3𝐻8 + 5𝑂2 → 3𝐶𝑂2 + 4𝐻2𝑂 + 𝒄𝒂𝒍𝒐𝒓 A partir dessa reação, percebe-se que são necessários 5 mol de oxigênio para concluir uma reação completa com 1 mol de Propano. Valores maiores ou menores para essa razão produzirão reações incompletas. A razão estequiométrica de oxidante é simplesmente a quantidade necessária para queimar completamente certa quantidade de combustível. Se uma quantidade de oxidante maior do que a estequiométrica é fornecida, diz-se que a mistura é pobre em combustível, ou simplesmente, pobre; fornecer uma quantidade de oxidante menor que a estequiométrica resulta em uma mistura rica em combustível ou, simplesmente, rica (TURNS, 2013). A tabela 1.5 apresenta algumas concentrações de propano, ar e oxigênio a temperatura ambiente e, por meio dela, pode-se perceber que ocorre um afastamento da razão estequiométrica à medida em que são alteradas as concentrações do combustível. A tabela 1.6 apresenta os limites de explosividade de combustíveis mais comuns. 10 Mol é uma unidade de medida utilizada para expressar a quantidade de matéria microscópica, como átomos e moléculas. É um termo que provém do latim mole, que significa quantidade. A quantidade de matéria presente em um mol é de: 6,02.10²³ entidades (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2013). MABOM – COMBATEA INCÊNDIO URBANO 44 Tabela 1.5 – Comportamento do gás propano em diferentes concentrações na combustão Concentração de combustível % Propano % Ar % Oxigênio Razão estequiomé trica Combustão Muito pobre 1,00 99,00 20,79 20,79 Não haverá Pobre 2,10 97,90 20,56 9,79 Incompleta Ideal 4,03 95,97 20,15 5,00 Completa Rica 9,50 90,50 19,01 2,00 Incompleta Muito rica 15,00 85,00 17,85 1,19 Não haverá Fonte: Autor Quanto mais afastadas da razão estequiométrica ideal para a combustão, menor será a quantidade de luz e calor liberados e maior será a geração de produtos de uma combustão incompleta. Os produtos de uma combustão de hidrocarboneto podem ser CO2; CO; H2O; H2; C (fuligem); CH (FRIEDMAN, 1998; QUINTIERE, 2006). Em determinados pontos (fora dos limites de explosividade), sequer haverá reação de combustão. Tabela 1.6 – Limites de explosividade de combustíveis Combustível Ponto de fulgor (ºC) LIE (%) LSE (%) Temperatura de autoignição (ºC) Gasolina aditivada (Grid) < -43 1,3 7,1 >250 Gasolina comum C < 0 1,3 7,1 >250 Etanol 15 3,3 19 400 Metanol 199 2,7 19 370 Propano < -56 2,1 9,5 410 - 540 Butano -60 1,8 8,4 346 Acetileno -17,8 2,3 100 305 Acetona 7 3,3 19 423 Diesel S 500 ou S 10 38 nd nd >225 Querosene 40 0,7 5 210 Querosene de aviação 40 0,7 5 238 GNV gás 6,5 17 482 – 632 GLP gás 1,9 – 2,1 8,5 – 9,5 nd Hidrogênio gás 4 77 566 Monóxido de Carbono gás 12,5 74 605 Nd: não disponível Fonte: Petrobrás Distribuidora, 2019; White Martins, 2019 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 45 3 TETRAEDRO DO FOGO Uma vez apresentados os três requisitos necessários para que haja a reação de combustão, que representam a teoria do Triângulo do Fogo, é importante incrementá-la com estudos mais recentes, realizados durante o processo de verificação das formas de combate a um incêndio ou extinção das chamas (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2014). Foi verificado que, uma vez estabelecida, a reação só é mantida caso haja um quarto elemento, que é a reação em cadeia. A inclusão da reação em cadeia no Triângulo do Fogo incrementou a Teoria do triângulo para a teoria do Tetraedro do Fogo (figura 1.25). Para que a combustão se inicie são necessários três componentes (requisitos): calor, combustível e comburente [triângulo do fogo]. Enquanto a combustão se processa, podemos constatar a presença de quatro componentes (elementos): os três anteriores acrescidos da reação em cadeia [tetraedro do fogo] (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2014). Figura 1.25 – Tetraedro do fogo Fonte: Autor Para compreender a reação em cadeia, suponha a combustão do gás metano (CH4) apresentada abaixo pela fórmula química devidamente balanceada. 𝐶𝐻4 + 2𝑂2 → 𝐶𝑂2 + 2𝐻2𝑂 + 𝒄𝒂𝒍𝒐𝒓 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 46 A combustão é um processo que irá demandar que a molécula de CH4 seja “quebrada” para que possa se unir às moléculas de O2 no processo de combustão. Para que haja a quebra do metano, e sua consequente reação com o O2, será necessário o fornecimento de uma quantidade de energia mínima (energia de ativação). No caso do metano, sua energia de ativação é 250 KJ/mol, ou seja, um mol de metano precisa absorver 250 KJ para poder reagir com 2 mol de oxigênio (em uma equação já balanceada). Após a reação, porém, será liberada uma quantidade de calor de aproximadamente 890 KJ/mol (figura 1.26), que é suficiente para induzir uma nova ativação em pelo menos outros três mols de metano e, assim, sucessivamente, em uma reação em cadeia. Esse processo ocorrerá ininterruptamente, até que se encerre a disponibilidade de combustível ou de comburente. Figura 1.26 – Caminho da reação do Metano Fonte: F.M.Olinda, 2016 Energia de ativação é a energia mínima necessária para que os reagentes iniciem a reação química (TURNS, 2013). De forma ampliada, ainda, suponha que uma chama se inicia em um pedaço de madeira e que esse material já está no ponto de ignição (ou seja, em CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 47 chamas). O produto dessa combustão é a liberação de luz e calor. Porém, esse calor também é capaz de induzir uma nova reação de combustão, pois ele eleva a temperatura da madeira adjacente, que passa a desprender gases inflamáveis após sofrer pirólise. Esses gases reagem com o comburente e iniciam uma nova reação de combustão, que aquece a madeira adjacente e assim, sucessivamente (figura 1.27), tem-se estabelecida uma reação em cadeia que manterá a combustão ativa. Figura 1.27 – Reação em cadeia – macro Fonte: Autor A nível molecular, a reação em cadeia também pode ser exemplificada. As moléculas instáveis, como o OH, CH, CH2 e CH3, são chamadas de radicais livres. Certos tipos de átomos (por exemplo: hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, flúor, cloro), que normalmente formam moléculas diatômicas estáveis (H2, O2, N2, F2, Cl2, respectivamente) são chamados de átomos livres quando estão em uma forma não ligada (H, O, N, F, Cl). Átomos livres também são instáveis, de forma que rapidamente se combinam entre si ou reagem com outras moléculas disponíveis. Átomos livres e radicais livres são extremamente importantes pois têm um papel fundamental nas combustões de alta temperatura, principalmente pela participação na reação em cadeia. Durante o processo de combustão são liberados radicais livres e átomos livres que são muito instáveis e reativos. Buscando reagir, eles induzem uma nova quebra em uma molécula, que liberará outros radicais livres e, assim, sucessivamente (FRIEDMAN, 1998). MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 48 Reações em cadeia envolvem a produção de espécies químicas radicais que subsequentemente reagem produzindo outro radical. Esse radical, por sua vez, reage produzindo ainda outro radical. Essa sequência de eventos, ou reação em cadeia, continua até que uma reação envolvendo a formação de moléculas estáveis a partir de dois radicais quebre a cadeia (TURNS, 2013). 4 COMBUSTÃO Uma vez apresentados os três elementos necessários para criação do fogo: combustível, comburente e calor, bem como a característica responsável pela manutenção constante da combustão: a reação em cadeia, abordaremos agora os diferentes tipos de combustão. Anteriormente notou-se uma definição geral de combustão: “Uma reação química que libera luz e calor”. Essa reação, quanto à qualidade e quantidade dos reagentes e produtos envolvidos, poderá ser do tipo completa ou incompleta. Quanto à velocidade, poderá ser denominada queima muito viva, viva ou lenta. Poderá, ainda, ser uma combustão espontânea, ou até uma explosão. Combustão completa é aquela em que foram consumidos todos os reagentes e cujos produtos serão gases não inflamáveis e não reagentes, como dióxido de carbono (CO2) e água. Na combustão completa do gás metano, verifica-se que todos os reagentes foram consumidos e que o produto da reação não é inflamável. 𝑪𝑯𝟒 + 𝟐𝑶𝟐 → 𝑪𝑶𝟐 + 𝟐𝑯𝟐𝑶 + 𝒄𝒂𝒍𝒐𝒓 A combustão incompleta ocorrerá quando a proporção entre comburente e combustível não for suficiente para consumir todos os reagentes, ou quando houver perturbação da zona de reação. Dentre os produtos da reação CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 49 incompleta estão o monóxido de carbono (CO) e a água, ou carbono elementar (fuligem) e água (figura 1.28). O monóxido de carbono é um produto inflamável e pode se incendiar, sendo inclusive um dos responsáveis (junto com outros gases não incendiados, produtos da combustão incompleta) por outro comportamento extremo do fogo, denominado ignição explosiva ou backdraft que será estudado mais à frente (LAMBERT, 2014). Na Combustão incompleta do gás metano, verifica-se que o produto da reação poderá ser um materialainda inflamável. 𝑪𝑯𝟒 + 𝟑 𝟐 𝑶𝟐 → 𝑪𝑶 + 𝟐𝑯𝟐𝑶 + 𝑪𝒂𝒍𝒐𝒓 𝑪𝑶 + 𝟏 𝟐 𝑶𝟐 → 𝑪𝑶𝟐 + 𝑪𝒂𝒍𝒐𝒓 Ou 𝑪𝑯𝟒 + 𝑶𝟐 → 𝑪(𝒇𝒖𝒍𝒊𝒈𝒆𝒎) + 𝟐𝑯𝟐𝑶 + 𝑪𝒂𝒍𝒐𝒓 𝑪 + 𝑶𝟐 → 𝑪𝑶𝟐 + 𝑪𝒂𝒍𝒐𝒓* *A queima do carbono elementar confere a cor amarelada e brilhante à chama de uma vela (FARADAY, 2003; TURNS, 2013). Figura 1.28 – Produtos da combustão Fonte: Stauffer, Dolan e Newman, 2008 MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 50 A produção de carbono livre (carbono elementar) ou fuligem em uma combustão incompleta pode ser exemplificada com um fato cotidiano: quando o gás do botijão de cozinha começa a acabar em nossas casas, verificamos que a chama em contato com o fundo da panela deixa-o enegrecido. Isso acontece porque a quantidade de combustível é insuficiente para uma reação completa com o comburente, conforme foi programado pelo sistema do fogão. Quando a quantidade de combustível é suficiente para que haja uma mistura adequada com o comburente, o resultado será uma chama azul e combustão completa, que não deixará resíduos. Porém, caso haja falta de oxigênio ou de combustível, essa combustão será incompleta, a chama será amarelada, e irá gerar outros produtos indesejados, dentre eles, o carbono elementar, que escurece os fundos das panelas. A Combustão viva ou queima viva é aquela em que há presença de chamas. A queima lenta ou incandescência é aquela na qual não há ocorrências de chamas, apenas brasas. Já a queima muito viva, quando há grandes concentrações de comburente, se produzirá de maneira rápida, e a taxa de liberação de luz e calor serão maiores e mais intensas que a queima viva (FRIEDMAN, 1998). Outro tipo de combustão é a combustão espontânea. Estudada especialmente no ramo da biologia, é a que ocorre em materiais que, por meio de reações químicas internas, aumentam sua própria temperatura até que atinjam o ponto de ignição. O termo autoaquecimento também é usado para descrever esse processo. Como discutido anteriormente, a temperatura de ignição é a condição que um material deve atingir para se inflamar de maneira sustentada, sem necessidade de permanência de uma chama pilotada. Para materiais sólidos, a ignição espontânea pode se manifestar tanto em combustão lenta, como em combustão viva. Exemplos comuns de ignição espontânea incluem pilhas de feno úmidas, panos de algodão oleosos, óleos vegetais ou o fósforo branco (figura 1.29). Nesse último caso, ocorre uma reação CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 51 do material pirofórico com o oxigênio do ar, que resulta no surgimento de chamas e a conclusão da combustão. Repare que, diferente da autoignição em combustíveis comuns, o processo da combustão espontânea ocorre devido ao autoaquecimento do material, que independe de uma fonte externa de calor, seja direta ou indireta (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, 2012; QUINTIERE, 2006; STAUFFER, DOLAN e NEWMAN, 2008). Figura 1.29 – Ignição espontânea do fósforo branco Fonte: Autor Por fim, a combustão de alta velocidade poderá ser explosiva. Se a sua velocidade de reação for maior que a velocidade do som (340 m/s), será uma detonação. Se for uma velocidade menor que a do som, será uma deflagração. Backdrafts e explosões ambientais em um ambiente com GLP enquadram-se em explosões do tipo deflagração. A explosão é caracterizada pela expansão repentina e violenta de um combustível gasoso, podendo gerar uma onda de choque (na detonação) e causar lesões ou até um colapso estrutural (CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, 2012; GRIMWOOD e DESMET, 2003; LAMBERT, 2014). Os efeitos dessa onda de choque estão dispostos na tabela 1.7. MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 52 Tabela 1.7 – Demonstração dos efeitos de uma onda de choque causada por explosão Efeito da onda de choque Pressão exercida pela explosão (psi) Quebra do vidro de janelas 0,15-0,22 Janelas estilhaçadas, gesso rachado; pequenos danos a alguns edifícios 0,51-1,09 Pessoas são derrubadas 1,02-1,45 Falha do revestimento de madeira ou amianto para casas convencionais 1-2 Falha de paredes construídas de blocos de concreto convencionais 2-3 Ruptura de tanques de armazenamento de óleo 3-4 Danos graves a edifícios com estrutura de aço estrutural 4-7 Ruptura do tímpano 5-15 Estruturas de concreto armado severamente danificadas 6-9 Vagões de trem derrubados 6-9 Provável destruição total da maioria dos edifícios 10-12 Danos nos pulmões 29-73 Letalidade 102-218 Formação de cratera em solo médio 290-435 Fonte: Kinney e Graham, 1985 5 TIPOS DE CHAMA No exemplo de uma vela acesa, a luz liberada no processo de combustão é denominada chama. Ela representa a fina zona de reação na qual os gases combustíveis e comburentes se encontram para reagir liberando energia (TURNS, 2013). Chamas podem ser categorizadas como pré-misturadas ou difusas. Elas ainda podem ser laminares ou turbulentas, bem como estacionárias ou propagantes. Vê-se que qualquer combinação é possível, mas a chama de um incêndio é difusa, turbulenta e propagante (FRIEDMAN, 1998). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 53 5.1 Chama pré-misturada Em uma chama pré-misturada o comburente é misturado ao gás combustível antes que ocorra a elevação de temperatura e conclusão da reação. Por isso a reação de combustão na chama pré-misturada tende a ser uma reação de combustão completa. Um identificador visual para uma reação de combustão completa na chama é a cor característica azulada (figura 1.30), como se pode perceber na trempe de um fogão, que realiza a pré-mistura do ar com GLP antes do aquecimento desses gases. Figura 1.30 – Chama pré-misturada de um maçarico Fonte: Autor 5.2 Chama difusa A chama difusa é formada quando combustível e comburente são misturados após o contato com a fonte de calor, em um local denominado zona de reação. Por ser uma mistura mais pobre entre reagentes do que em uma chama pré-misturada, a reação de combustão será incompleta. Dentre os produtos de uma reação incompleta de combustão está o carbono livre, cuja incandescência confere a cor amarelada para a chama (figura 1.31). MABOM – COMBATE A INCÊNDIO URBANO 54 Figura 1.31 – Chama difusa Fonte: Todamatéria, 2019 A chama difusa também pode ser encontrada no topo da chama da vela (figura 1.32). A vela contém em sua chama os dois tipos, a pré-misturada e a difusa. A partir do estudo da queima de uma vela é possível entender todo o processo de combustão que nos interessa na atividade de combate a incêndio. Figura 1.32 – Chama de uma vela (pré-misturada na base e difusa no topo) Fonte: Autor A cor de uma chama depende também do nível de energia emitido na queima. Baixa produção energética produz uma coloração que tende ao espectro do vermelho, já alta emissão de energia tende ao espectro do azul. As chamas mais quentes possuem uma aparência esbranquiçada (GRIMWOOD, 2008). CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS E COMPORTAMENTO DO FOGO 55 5.3 Chama turbulenta Chamas grandes e volumosas, geralmente são turbulentas (figura 1.33). Isto é, a velocidade e a temperatura variam em diferentes pontos da chama. O percurso de qualquer partícula se movendo pela chama é errático, com muitas mudanças de direção e significativas variações de temperatura ao longo do percurso (FRIEDMAN, 1998). Figura 1.33 – Chama turbulenta de um incêndio Fonte: Portal G1, 2018 5.4 Chama laminar Por outro lado, pequenas chamas, como as chamas de velas ou do fogão a gás doméstico, geralmente são laminares, ou seja, as linhas de transmissão são suaves e as flutuações de temperatura estão ausentes ou são consideravelmente pequenas. Como uma regra geral, uma chama difusa maior que 30 cm será turbulenta,
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