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O-PSICODIAGNÓSTICO-NO-HOSPITAL (2)

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1 
SUMÁRIO 
1 A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO HOSPITALAR ................ 2 
1.1 A Psicologia .......................................................................................... 2 
1.2 Psicologia em Contexto Hospitalar ....................................................... 6 
1.3 Estudos sobre a Psicologia da Saúde no contexto hospitalar brasileiro 
 ............................................................................................................. 7 
1.4 A Psicologia Hospitalar no Brasil ........................................................ 11 
2 Competências necessárias à prática psicológica hospitalar ..................... 12 
2.1 Demanda psicológica hospitalar ......................................................... 14 
2.2 Aspectos da conduta do psicólogo capazes de promover a prática 
multidisciplinar ....................................................................................................... 17 
2.3 Análise indutiva .................................................................................. 19 
2.4 Análise crítica ..................................................................................... 21 
3 Gestalt-terapia e o diálogo psicológico no hospital ................................... 23 
3.1 O Contexto do Diálogo no Hospital .................................................... 24 
3.2 Corpo e Diálogo ................................................................................. 26 
3.3 Presença e Inclusão ........................................................................... 27 
4 PSICODIAGNÓSTICO .............................................................................. 32 
4.1 Caracterização do Processo .............................................................. 37 
4.2 Operacionalização .............................................................................. 44 
5 A RELEVÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA SAÚDE ................ 46 
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 52 
 
 
 
 
 
 
 
2 
1 A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO HOSPITALAR 
1.1 A Psicologia 
 
Fonte:pedagogiaaopedaletra.com 
A história da Psicologia, como área de pesquisa e campo de conhecimento, 
passou por grandes transformações nos últimos quarenta anos. O crescimento 
exponencial do número de publicações (artigos, livros didáticos, manuais, etc.) indica 
essa mudança quantitativa. 
A ênfase inicial na História da Psicologia como Ciência e em uma História 
puramente intelectual vem sendo substituída por uma investigação que pluralizou 
seus interesses, apresentando interessantes estudos sobre a profissionalização da 
Psicologia (GEUTER, 1992; CAPSHEW, 1999), o impacto social dos testes 
psicológicos (SOKAL, 1987; ZENDERLAND, 1998; DERKSEN, 2001; GIBBY; 
ZICKAR, 2008), relação da Psicologia com o racismo (RICHARDS, 1997; GUTHRIE, 
1998), a relação da Psicologia com a sociedade (O’DONNELL, 1985; ASH; 
WOODWARD, 1989; CUSHMAN, 1995), a internacionalização da Psicologia 
(BROCK, 2006; PICKREN, 2009) e o contexto social da produção do conhecimento 
psicológico (DANZIGER, 1994), para citar alguns exemplos. 
 
3 
Essa mudança qualitativa na produção historiográfica sobre Psicologia decorre 
de um intenso questionamento do que se denominou de “história tradicional da 
psicologia” (YOUNG, 1966; DANZIGER, 1979, 1984, 1993; O’DONNELL, 1979; 
RICHARDS, 2002; ROGER, 2005; ROSE, 2008; TOOMELA, 2010). 
A História Tradicional da Psicologia parte de um questionamento historiográfico 
que se ancora nas normas hodiernamente vigentes para definir o objeto de estudo da 
Psicologia e com ênfase em autores e ideias. O marco inaugural dessa corrente 
historiográfica é o livro História da Psicologia Experimental, escrito por Edwin Boring 
e publicado originalmente em 1929. O propósito de Boring era apresentar uma 
Psicologia Unificada a partir de uma suposta hegemonia da Psicologia Experimental 
(O’DONNELL, 1979). As principais características da História Tradicional da 
Psicologia são: 
1) Ênfase na obra de “grandes” personalidades da Psicologia 
(Individualismo): Robert Watson é o primeiro historiador da Psicologia a apresentar 
uma História da Psicologia a partir da contribuição de alguns autores, identificando as 
principais contribuições destes pensadores ao campo psicológico e também 
estudando a biografia e o desenvolvimento intelectual destas figuras. O estudo 
biográfico pode servir para uma análise ampla de uma determinada época e de um 
contexto cultural específico. Infelizmente não é isso que ocorre com os estudos da 
História da Psicologia, que tradicionalmente se limita a investigar “grandes homens” e 
suas contribuições teóricas à Psicologia. Essa característica pode ser descrita como 
uma expressão do individualismo da cultura Ocidental na pesquisa em História da 
Psicologia. Uma rara exceção a esse viés é o estudo de Leila Zenderland (1998), que 
analisa como os testes psicológicos se tornaram parte da cultura estadunidense a 
partir de um estudo sobre a vida e a obra de Henry Goddard. 
2) Pouca importância atribuída ao contexto social (Internalismo): A 
concepção historiográfica tradicional tem produzido o que se denominou de “histórias 
internas” da Psicologia. O uso de ferramentas epistemológicas da Teoria do 
Conhecimento por parte de pesquisadores que eram predominantemente psicólogos 
e filósofos para analisar o desenvolvimento do conhecimento psicológico e os 
métodos de pesquisas desenvolvidos na Psicologia como se este envolver ocorresse 
na forma de um progresso gradual e linear até o presente, que se transforma em 
parâmetro para julgar o passado. Outra característica importante do internalismo é 
 
4 
apresentar a história como o desenvolvimento da racionalidade e com o triunfo do 
conhecimento científico frente à irracionalidade e a superstição. 
3) História da Psicologia como História da Psicologia Estadunidense 
(Etnocentrismo): Em função da ascendência econômica e militar dos Estados Unidos, 
concomitantemente ao declínio da Cultura Alemã, o modelo de Psicologia que 
floresceu naquele país americano foi exportado para várias partes do planeta sob o 
rótulo de “A Psicologia”. Os manuais de História da Psicologia, escritos por autores 
estadunidenses e traduzidos em vários países, expressam essa dominação: tomam 
como uma verdade inelutável que a História da Psicologia é a História da Psicologia 
nos Estados Unidos (PICKREN, 2009). 
4) História da Psicologia como História da Psicologia Experimental, com 
pouca ou nenhuma preocupação com outras áreas da Psicologia e com a Psicologia 
Aplicada (Experimentalismo): Boring (1950) escreveu sua História da Psicologia 
Experimental para – entre outros objetivos – demonstrar que, embora durante algum 
tempo a Filosofia exercesse um papel importante para o desenvolvimento da 
Psicologia, havia chegado o momento que a presença do discurso filosófico na 
Ciência Psicológica se tornara anacrônica e obtusa (O’DONNELL, 1979) e propor, em 
um confronto com psicólogos que estavam desenvolvendo uma Psicologia Aplicada 
em várias áreas do campo social, uma Psicologia que produzisse um conhecimento 
essencialmente experimental derivado da pesquisa pura, sem nenhuma aplicação. 
Assim, seguindo o modelo de Boring, muitos manuais e pesquisas sobre História da 
Psicologia não apresentavam nenhuma informação sobre importantes áreas da 
Ciência Psicológica (Psicologia do desenvolvimento, Teoria da personalidade e 
Psicologia Social, por exemplo), o mesmo ocorrendo em relação a áreas aplicadas 
como Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional, e Psicologia da Educação. 
A superação do monopólio dessa forma de produzir História produziu o que 
ficou conhecido como História Crítica da Psicologia. Danziger (1984) desenvolve uma 
análise de dois sentidos possíveis para a expressão “história crítica da psicologia”. 
Inspirado noPrograma Forte da Sociologia do Conhecimento, que compreende o 
conhecimento científico como o resultado de um complexo processo de construção 
social de consensos entre especialistas acerca do que seja conhecimento legítimo, o 
psicólogo alemão distingue uma História Crítica da Psicologia em um sentido “Fraco” 
de uma em um sentido “Forte”. 
 
5 
A História Crítica da Psicologia em um sentido “Fraco” se assenta, em três 
compromissos básicos: 
1) um questionamento das autoridades e fontes primárias do campo; 
2) analisar reflexivamente os pressupostos e compromissos do próprio 
historiador; 
3) postura crítica em relação à Psicologia, questionando o caráter progressivo 
da produção do conhecimento psicológico. 
Uma História Crítica da Psicologia em um sentido “Forte”, contudo, pressupõe 
a construção de um marco historiográfico alternativo a partir de novas ferramentas 
conceituais: os processos construtivos dos objetos psicológicos (DANZIGER, 1984; 
1993; 2003). 
Danziger (1984) está interessado nas atividades construtivas (teóricas, práticas 
ou institucionais) que produzem objetos conceituais (o conceito de inconsciente, por 
exemplo), objetos técnicos (a psicoterapia breve, para citar um exemplo) e objetos 
sociais (o psicólogo hospitalar, para ilustrar com um exemplo tipicamente brasileiro). 
Danziger (1979), fundamentado em Habermas (1990), propõe o conceito de 
interesses intelectuais, que define o ponto de contato entre os interesses sociais e as 
estruturas cognitivas. São os interesses intelectuais de uma comunidade científica que 
definem os conteúdos de sua disciplina. O conceito de interesse intelectual está 
relacionado ao de Profissionalização da Psicologia. 
Há várias experiências de profissionalização que geraram modelos diferentes 
de Psicologia. Danziger (1979) compara os processos desenvolvidos nos Estados 
Unidos (Autonomia da Psicologia em relação à Filosofia) com o da Alemanha (projeto 
de um programa de investigação psicológica sem ruptura com outros campos 
disciplinares). O Brasil pode ser visto como exemplo de um terceiro modelo: 
desenvolvimento de um projeto de Psicologia aplicada à Educação e Saúde, com um 
precário suporte de um incipiente sistema universitário, sem possibilidade de 
construção de uma autonomia profissional até a década de cinquenta. 
Outra categoria importante proposta por Danziger (1984) é de problemática. 
Diferentemente de problema, que remete a interesses individuais, esta categoria 
privilegia o estudo de sujeitos coletivos, buscando ir além das auto representações 
que os psicólogos constroem de suas práticas e produções mediante as quais 
constroem seus objetos psicológicos. 
 
6 
A expressão “contexto social” é inadequada para designar essa compreensão 
da problemática, pois expressa uma concepção naturalista fundamentada na relação 
de um organismo com seu ambiente. Sujeitos coletivos formam um grupo social e/ou 
uma tradição intelectual, cujo trabalho reproduz uma tradição intelectual ou social em 
que estão imersas as práticas produtoras de objetos psicológicos. 
Outra característica da História Crítica de Danziger é sua preocupação com o 
impacto no desenvolvimento teórico da disciplina produzido pela pesquisa histórica. 
História e Teoria Psicológicas estariam imbricadas, sendo o conhecimento histórico 
uma ferramenta importantíssima para desnaturalizar os objetos psicológicos. 
1.2 Psicologia em Contexto Hospitalar 
Foi a partir do final do século XX que a Psicologia começou a integrar o contexto 
hospitalar (Amaral, 1999) e o movimento psicossomático contribuiu para tal (primeiro 
a entrada de psiquiatras e depois de psicólogos), isto é, a partir do momento em que 
as doenças psicossomáticas começaram a ser aceitas pela Medicina (Silva, 2012). 
Em contexto hospitalar, cabe a cada profissional de saúde conhecer os seus 
próprios limites e articular-se com os restantes colegas para uma outra compreensão 
do caso. Este trabalho em equipe pode ser interdisciplinar, multidisciplinar e 
transdisciplinar. É interdisciplinar quando vários profissionais discutem a situação de 
um paciente relativamente a aspectos comuns às várias especialidades; 
multidisciplinar quando o paciente é atendido por vários profissionais de saúde de 
forma independente. Por último, é transdisciplinar quando as ações são planeadas e 
pensadas em conjunto pela equipe. Este trabalho em grupo coloca o sujeito na sua 
condição biopsicossocial (Tonetto & Gomes, 2007). Assim sendo, no hospital, o 
atendimento que era individual é substituído pelo trabalho integrado com a equipe. O 
Psicólogo sai do seu setting para estabelecer contato obrigatório com outros 
profissionais (Silva, 2012). 
Enquanto profissional, o Psicólogo Clínico deverá ter sempre em atenção três 
aspectos, como: a ética enquanto princípio moral, a deontologia no contexto de regras 
e deveres profissionais e a legislação vigente que poderá influenciar a atividade do 
psicólogo Os princípios gerais englobam o respeito pela dignidade e direitos da 
pessoa (os psicólogos devem respeitar as decisões e os direitos da pessoa); a 
competência (os psicólogos têm como obrigação exercer a sua atividade de acordo 
 
7 
com os pressupostos técnicos e científicos da profissão, a partir de uma formação 
pessoal adequada e de uma constante atualização profissional); a responsabilidade 
(os psicólogos devem ter consciência das consequências que o seu trabalho pode ter 
junto das pessoas, da profissão e da sociedade em geral); a integridade (a integridade 
é a qualidade de quem revela integridade moral, uma conjugação coerente dos 
aspectos do eu); e para terminar a beneficência e não-maleficência (os psicólogos 
devem ajudar o seu paciente a promover e a proteger os seus legítimos interesses). 
Relativamente aos princípios específicos, alguns exemplos são: o consentimento 
informado (isto é, a escolha de participação voluntária do paciente em um ato 
psicológico); a confidencialidade e privacidade (relativamente a toda a informação do 
seu cliente); as relações profissionais (é importante a colaboração com outros 
profissionais. O encaminhamento de clientes é um exemplo e sugere a importância 
de psicólogos indicarem os serviços de outros colegas sempre que não tenham 
competência ou manifestem impossibilidade de assumir a intervenção); a avaliação 
psicológica (a avaliação psicológica concretiza-se através do recurso a protocolos 
válidos e deve responder a necessidades objetivas de informação, salvaguardando o 
respeito pela privacidade da pessoa). 
1.3 Estudos sobre a Psicologia da Saúde no contexto hospitalar brasileiro 
 
Fonte:cdn.univicosa.com.br 
 
8 
Os primeiros estudos sobre o trabalho do psicólogo no contexto hospitalar 
brasileiro apareceram no final da década de oitenta (LAMOSA, 1987; CAMPOS, 
1988). Lamosa (1987) sugere que o psicólogo deve desenvolver uma imagem mais 
ampla como profissional de saúde, não se restringindo a questões de Saúde Mental. 
Campos (1988) propõe que o psicólogo, enquanto profissional de saúde, tenha um 
papel clínico, social, organizacional e educacional. 
De certa forma, essa discussão se insere em um contexto mais amplo no qual 
a relação da Psicologia com o campo da Saúde é ressignificado e problematizado no 
Brasil. Alguns trabalhos publicados ainda na década de oitenta iniciaram a discussão 
sobre a atuação do psicólogo no contexto da saúde (MEJIAS, 1984; BRAGA 
CAMPOS, 1988; SILVA, 1988). 
Na década de noventa, a discussão sobre a relação da Psicologia ganha maior 
divulgação a partir do lançamento do livro “Psicologia e Saúde: repensando práticas”, 
publicado em 1992. A reflexão sobre a inserção da Psicologia no âmbito sanitário 
brasileiro ganhou uma maior visibilidade. Um dos textos mais influentes do livro foi o 
de Mary Jane Spink (1992), que versou sobre a estruturação do campo da Psicologia 
da Saúde. Embora não contenha nenhum texto específicosobre o trabalho do 
psicólogo no contexto hospitalar, “Psicologia e Saúde: repensando práticas”, pode ser 
considerado o marco inaugural de uma Psicologia Crítica da Saúde no contexto 
brasileiro. 
A produção de livros sobre o que se denominou de Psicologia Hospitalar, 
contudo, começou a ocorrer ainda na primeira metade da década de oitenta 
(ANGERAMI-CAMON, 1984). O psicólogo Valdemar Augusto Angerami, mais 
conhecido como Camon, publica uma série de livros sobre o tema durante a década 
de noventa (ANGERAMI- CAMON, 1995; 1996; 1997; 1998), sendo um dos autores 
mais influentes do assim denominado campo da Psicologia Hospitalar. 
Em 1998, Yamamoto e Cunha publicam um artigo no qual, a partir de uma 
pesquisa empírica, apresentam alguns questionamentos ao campo. Os autores 
apontam para a necessidade de se repensar a formação do psicólogo brasileiro em 
função dos desafios do campo da saúde e criticam a constituição de uma Psicologia 
Hospitalar, defendendo que se situe o trabalho do psicólogo dentro da perspectiva da 
Psicologia da Saúde tomada em um sentido mais amplo. Em um artigo posterior, 
Yamamoto, Trindade e Oliveira (2002) reafirmam a inadequação do uso de um local 
de trabalho para designar uma área de atuação e acrescentam que tal prática tenderia 
 
9 
a pulverizar e fragmentar o campo profissional da Psicologia, tornando assim muito 
difícil a construção de uma identidade profissional da Psicologia da Saúde. 
O trabalho mais sistemático sobre o campo de atuação do psicólogo que 
trabalha em hospitais, no que tange ao entendimento da identidade profissional, foi o 
de Castro e Bornholdt (2004), que compreendem a denominada Psicologia Hospitalar 
como pertencente à área de Saúde, que utilizaria conhecimentos da Psicologia 
Clínica, das Ciências Biomédicas e da Psicologia Comunitária para intervir nos mais 
diversos contextos sanitários, incluindo o hospital. Outra contribuição importante do 
artigo é que ele é um dos primeiros a tratar da especificidade da Psicologia Hospitalar 
no Brasil tendo como parâmetro a realidade internacional. As autoras comparam 
nossa realidade com as realidades estadunidense e espanhola, nas quais o marco 
conceitual da Psicologia da Saúde serve de fundamentação teórica e prática para o 
trabalho no contexto hospitalar. 
Uma crítica ao trabalho de Castro e Bornholdt (2004) é que as autoras 
apresentam a Psicologia da Saúde como se esta fosse uma área homogênea. De 
acordo com Crossley (2000) e Teixeira (2004), há pelo menos duas perspectivas 
teóricas atualmente: uma Psicologia da Saúde Tradicional e uma Psicologia da Saúde 
Crítica. Essa discussão, contudo, é praticamente inexistente no Brasil. 
Seild e Costa (1999) publicaram um estudo sobre o trabalho do psicólogo na 
rede pública de Brasília no qual descreveram o modo como os psicólogos que 
atuavam em hospitais desenvolviam suas atividades. A pesquisa constatou a 
existência de dois modelos de atuação: o modelo clínico, caracterizado por 
atendimentos individuais, com pouca ou nenhuma interação com equipes de saúde. 
O modelo de atenção integral à saúde, em contraste, apresenta uma atuação difusa 
em diversos setores do hospital, em interação constante com os demais profissionais 
da saúde, visando atender pacientes e seus familiares, equipe e a comunidade em 
geral. 
A pesquisa de Seild e Costa (1999) apontou também que os psicólogos que 
atuavam de acordo com o modelo de atenção integral eram caracterizados por 
realizarem mais pesquisas e pelo maior interesse em contribuir para a construção de 
um corpo teórico- prático da Psicologia da Saúde. Não há nenhum outro estudo a 
respeito da existência desses dois modelos, de modo que não é possível generalizar 
esse resultado e discutir os modelos de atuação existentes no Brasil. A crítica a uma 
abordagem clínica no contexto hospitalar, todavia, aparece em alguns trabalhos da 
 
10 
área. (YAMAMOTO; CUNHA, 1998; MARCON; LUNA; LISBÔA, 2004; CASTRO; 
BORNHOLDT, 2004; SÁ, et al., 2005;). Um aprofundamento dessa crítica, contudo, 
precisa considerar alguns dados apresentados em algumas pesquisas, que apontam 
a Psicanálise como a abordagem predominante e a Psicoterapia Breve como a técnica 
mais utilizada no contexto hospitalar. (YAMAMOTO; CUNHA, 1998; MARCON; LUNA; 
LISBÔA, 2004;). Os psicanalistas têm produzido uma reflexão sobre a prática da teoria 
criada por Freud no contexto hospitalar que já se avoluma (MOREIRA; PAMBLONA, 
2006; COUTO, 2007; DUTRA; FERRARI, 2007; MOURA; SOUZA, 2007; PINHEIRO; 
VILHENA, 2007; GOMES, 2008; PISETTA, 2008). Infelizmente essa literatura não é 
utilizada nos estudos sobre a prática psicológica no hospital, o que possibilitaria uma 
discussão mais polifônica sobre a questão. Os estudos mais recentes sobre o campo 
hospitalar são muito específicos e não abordam a questão da fundamentação teórica 
da prática profissional (MORE, et al., 2009; SANTOS; JACÓ-VILELA, 2009). 
Por fim, existe uma incipiente discussão a respeito da atuação do psicólogo em 
equipes multidisciplinares (FOSSI; GUARESCHI, 2004; TONETTO; GOMES, 2007). 
Vasconcelos (2002), contudo, prefere denominar de práticas pluriauxiliares aquelas 
em que ocorre a utilização de contribuições de um ou mais campos de saber para o 
domínio de um deles já existente, que se posiciona como coordenador dos demais. 
No âmbito do Conhecimento, o impacto dessa prática na área da Saúde ocorre na 
forma de um imperialismo epistemológico; no campo da prática, na forma de 
medicalização do social, sempre como decorrência da hegemonia da racionalidade 
médica (VASCONCELOS, 2002; TESSER, 2006a; 2006b; 2009; TESSER; LUZ, 
2008). 
Almeida (2000) questiona o imperialismo epistemológico no hospital geral, 
propondo uma interlocução entre os saberes que respeite a especificidade de cada 
um. A autora afirma que o trabalho do psicólogo no hospital geral não deve se limitar 
a resolução de conflitos, mas também deve ocorrer visando à promoção da saúde dos 
pacientes. Em suas palavras, 
Pensar a inserção do psicólogo no hospital geral, especialmente numa 
instituição pública, não pode dispensar a reflexão sobre a situação do sistema 
público de saúde, sua organização, as possibilidades de acesso da 
população aos serviços, as condições em que se dá o trabalho dos 
profissionais, as características sociais da população atendida, enfim, o 
conhecimento e a articulação de todos os fatores envolvidos no processo 
saúde-doença. (ALMEIDA, 2000, p. 27) 
 
11 
1.4 A Psicologia Hospitalar no Brasil 
A Psicologia da Saúde - e mais especificamente a Psicologia Hospitalar -, em 
seu início seguiu e se identificou com métodos do mainstream psicológico, 
comportamental e quantitativo. Amplamente, essa área abordou e se filiou a uma 
perspectiva biomédica ao invés de desenvolver um pensamento crítico em relação a 
esse modelo. A medicina é uma profissão poderosa no mundo ocidental e no início do 
trabalho das equipes multiprofissionais sua dominância das práticas era devida, 
também em parte, à dificuldade de se estabelecer o papel específico de cada membro 
da equipe e seu lugar em espaços tradicionalmente médicos (Spink, 1992; Murray & 
Chamberlain, 1999). 
Na década de 1960, os pioneiros - tais como a Drª Matilde Neder, do Hospital 
das Clínicas de São Paulo -, buscaram na psicologia clínica um modelo de atuação 
para o atendimento de seus pacientes e geralmente eram solicitados a responder à 
demanda médica e a "apagar incêndios" ou "segurar a barra" dos doentes, como 
afirma Spink (1992). 
Em entrevista concedida à Revista Prática Hospitalar, Chiattone (2004) afirma 
ser o Brasil pioneiro mundial na especialidade de psicologia hospitalar, embora a 
American Psychological Association (APA) tenha sido a primeira a reconhecer a área 
da saúde como campo oficial de atuação do psicólogo. Em 20 de dezembro de 2000, 
o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio da resolução nº 14/00,instituiu, 
entre outras especialidades, a de especialista em psicologia hospitalar. 
Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2009), o psicólogo hospitalar tem 
sua função centrada no âmbito secundário e terciário de atenção à saúde, atuando 
em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico, 
grupos psicoterapêuticos, grupos de psicoprofilaxia, atendimentos em ambulatório e 
unidade de terapia intensiva, em pronto atendimento, enfermarias em geral, 
psicomotricidade no contexto hospitalar, avaliação diagnóstica, psicodiagnóstico, Inter 
consultas e, ainda, atua também por meio de consultoria nestes contextos. 
A realidade e o trabalho do psicólogo hospitalar também sofrem influências das 
políticas públicas de humanização em saúde que tornaram a presença de equipes 
multidisciplinares obrigatória no atendimento ao doente hospitalizado. A psicologia da 
saúde e a psicologia hospitalar apresentam perspectivas variadas de teorização e 
prática, derivadas das mais diversas perspectivas psicológicas: comportamental, 
 
12 
social, psicanalítica e fenomenológica. Entretanto, sob o olhar da Gestalt-terapia, 
consideramos ser necessário uma reflexão mais abrangente. No presente trabalho 
propomos refletir também como o self do terapeuta e o diálogo Eu-Tu podem ser 
poderosos instrumentos de trabalho do psicólogo hospitalar, assim como já nos é na 
clínica, quando estamos atentos para suas especificidades. 
2 COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À PRÁTICA PSICOLÓGICA HOSPITALAR 
 
Fonte:midias.folhavitoria.com.br 
Educação por competências é hoje uma nova área de teoria, pesquisa e 
aplicação, como ilustra o programa intitulado “Education and competence studies”, do 
Wageningen University and Research Center na Holanda (WESSELINK et al., 2004). A 
literatura sobre educação por competência tem crescido nos últimos anos, com 
destaque para as publicações institucionais. São exemplos os artigos: “Transforming 
the curriculum” (JONES, 2002), publicado pela Higher Education Reports, e “College 
curriculum competencies and skills former students found essential to their careers”, 
publicado pelo College Student Journal (2004). Há também uma tendência de elaborar 
competências com base em relatos de egressos (COLLINS, 1993). No caso específico 
da psicologia, um exemplo é o artigo “Curriculum review using a knowledge, skills, and 
abilities-based assessment of alumni” (FRIED; JOHANSON, 2003), publicado pela 
Teaching of Psychology. 
 
13 
Resta-nos, agora, analisar os conceitos de competências e habilidades. 
Habilidade é o poder técnico ou legal para realizar um ato. Competência é o uso 
apropriado de habilidades para a realização de um ato, isto é, a escolha de um entre 
vários procedimentos possíveis. Um ato pode ser uma atividade aparentemente 
simples, como segurar um lápis, ou complexa, como escrever. A competência (SVEIBY, 
1998) envolve conhecimento explícito e factual; proficiência prática, física e mental; 
reflexão sobre erros e sucessos passados; e julgamento de valor. O desenvolvimento 
de competências requer, portanto, educação formal, treinamento em ações físicas e 
mentais, análise de experiência e exercícios de decisão. 
É um processo iniciado e fortalecido em relações sociais, mediado por tradições 
culturais e circunscrito a condições ambientais. Competências aplicáveis a uma cultura 
ou situação nem sempre são transferíveis para outras culturas ou situações. 
A competência expressa-se em procedimentos focais e associativos que 
estabelecem elos entre conhecimento e estratégia. O conceito de competência 
assemelha-se ao conceito de conhecimento tácito de Polanyi (1967/1983). Neste 
sentido, a competência age por meio de movimentos entre partes e todo, alternando 
entre diferentes níveis lógicos (premissas e conclusões) e manifestando-se de modos 
habituais ou inovadores. A competência é móvel, apresentando-se de modo inovador 
em função das experiências, e reinterpretando por intermédio de variações em sua 
forma de expressão, principalmente por meio da linguagem. É, portanto, um saber 
interiorizado e integrado. 
Conceber um currículo em competências e habilidades não é o mesmo que 
classificar taxonomias e operações. É definir um caminho que leve o estudante ao 
encontro do conhecimento, por meio de procedimentos claramente definidos, com 
atenção ao que é próximo, distante, subsidiário e focal. No entanto, como diz Polanyi 
(1967/1983), o sentido de cada procedimento está nele mesmo e é compreendido por 
dentro, pela imersão no contato real. O termo competência é também entendido como 
idoneidade ou amparo legal para realizar determinada tarefa, conforme indicado no 
termo habilitação. 
A atuação em psicologia hospitalar requer determinada qualificação para que o 
profissional seja capaz de desenvolver um trabalho que efetivamente contribua para a 
promoção da saúde. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2001), são 
atribuições do psicólogo hospitalar: 
1) atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário; 
 
14 
2) atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa 
voltado para o aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação; 
3) atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe e instituição, visando o 
bem-estar físico e mental do paciente; 
4) atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades 
médicas; 
5) realizar avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento 
para promover e/ou recuperar saúde física e mental do paciente; e 
6) intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família, 
os demais pacientes, a doença e a hospitalização. 
Apesar de já ser uma especialidade reconhecida, tem se debatido muito sobre 
a qualidade dos serviços psicológicos oferecidos em hospitais. 
O objetivo do presente estudo foi definir as competências e habilidades 
necessárias à atuação do psicólogo no âmbito hospitalar a partir da análise das 
diferentes demandas existentes neste contexto. Espera-se que a proposta seja útil ao 
desenvolvimento de ênfases profissionais na área da saúde e especialmente à 
organização pedagógica de cursos de especialização em psicologia hospitalar. 
2.1 Demanda psicológica hospitalar 
Segundo as práticas analisadas, espera-se que o psicólogo hospitalar seja 
capaz de desenvolver ações de assistência, ensino e pesquisa. A assistência consiste 
em prestar atendimento a pacientes internados ou ambulatoriais e seus familiares, e 
assessorar as equipes hospitalares na definição de condutas e tratamentos. Há 
instituições que incluem nas tarefas do mesmo profissional tanto atividades 
administrativas (recursos humanos) quanto atendimento a funcionários. 
As ações assistenciais podem ser realizadas de forma individual ou grupal, em 
espaços reservados, junto ao leito do paciente ou em outros espaços hospitalares, 
conforme a pertinência do atendimento, com enfoque psicológico ou multidisciplinar. 
As variações decorrem dos seguintes fatores: natureza da instituição, vínculo do 
psicólogo (por meio de um serviço de psicologia ou de uma equipe assistencial, 
constituída por profissionais de diferentes áreas), capacitação do profissional, 
recursos disponíveis, necessidades do paciente e características da unidade em que 
 
15 
ele é atendido (por exemplo, centros e unidades de tratamento intensivo, 
emergências, internações ou ambulatórios). 
A intervenção psicológica pode ser de apoio, orientação ou psicoterapia. Os 
objetivos são os mais diversos: avaliar o estado emocional do paciente; esclarecer 
sobre dúvidas quanto ao diagnóstico e hospitalização; amenizar angústias e 
ansiedades em situações desconhecidas; trabalhar vínculo mãe-bebê, trabalhar 
aspectos da sexualidade envolvidos na doença e no tratamento; preparar para 
cirurgia; garantir adesão ao tratamento; auxiliar na adaptação à nova condiçãode vida 
imposta pela doença; orientar os pais sobre maneiras mais adequadas de informar as 
crianças sobre a hospitalização ou morte de um familiar; e facilitar o enfrentamento de 
situações de morte e de luto. 
O hospital contemporâneo pode ser caracterizado pelas interações Inter 
profissionais e pelo trabalho em equipes multidisciplinares. Em equipes 
multidisciplinares, compete ao psicólogo: esclarecer sobre acontecimentos biológicos 
que provocam mudanças significativas na vida das pessoas; informar sobre causas, 
consequências e tratamento de doenças que os pacientes apresentam; assegurar a 
adesão ao tratamento; auxiliar na adaptação à nova condição de saúde; propiciar 
trocas de experiência entre pessoas que enfrentam situações semelhantes; criar 
oportunidades de contato com a equipe para esclarecer dúvidas; comunicar normas e 
rotinas de determinada unidade; e avaliar a qualidade dos serviços oferecidos pela 
instituição. 
A demanda para atendimento psicológico pode ser identificada pelo psicólogo 
ou por outro profissional da saúde. No entanto, ao ser solicitado a intervir com 
determinado paciente, cabe ao psicólogo verificar se existe demanda por parte do 
paciente ou se ela é decorrente de dificuldades de conduta da equipe. 
Se for confirmada a necessidade de atendimento psicológico, é preciso avaliar 
o interesse e disposição do paciente para tal intervenção. Caso se trate de dificuldade 
da equipe, cabe ao psicólogo ouvir os participantes e ajudá-los a rever a maneira como 
o caso está sendo conduzindo. Na alta hospitalar de pacientes em acompanhamento 
psicológico, o psicólogo é responsável por avaliar se há necessidade de continuar o 
tratamento e tomar as providências pertinentes. O psicólogo deve intervir de modo a 
obter resultados significativos em curto espaço de tempo. Dependendo das 
características e exigências do hospital, tais resultados devem ser apresentados de 
 
16 
forma concreta. Isto requer a elaboração de instrumentos capazes de avaliar os 
resultados obtidos com a intervenção psicológica. 
O trabalho em hospitais requer flexibilidade na intervenção psicológica. 
Condutas e procedimentos devem ser adaptados aos recursos, às características e 
às necessidades e contexto de atendimento. Os psicólogos devem ser capazes de 
lidar com a questão da morte e do morrer, e serem efetivos na decodificação da 
demanda não verbal. Capacidades de empatia, de persistência e de tolerância à 
frustração são necessárias tanto para os procedimentos de rotina quanto para o 
convívio com as equipes e com a cultura hospitalar. 
As ações de ensino do psicólogo hospitalar consistem em supervisionar 
estágios e, esporadicamente, ministrar treinamentos, cursos, palestras e aulas. A 
orientação consiste em dar instruções para atendimentos aos pacientes e em sugerir 
estratégias para as interações com a equipe. Os estagiários são orientados a justificar 
e esclarecer as dúvidas suscitadas diante da recomendação de atendimento 
psicológico. As supervisões também procuram atender às perguntas e dúvidas dos 
estagiários, ouvindo e discutindo os sentimentos decorrentes do convívio hospitalar. 
A consulta sistemática à literatura e a realização de pesquisas no ambiente hospitalar 
ainda são práticas incipientes. Justifica-se tal conduta com o argumento de que a 
demanda é intensa, não havendo muita chance de um trabalho regular de 
investigação científica. Contudo, com o auxílio dos estudantes, têm sido coletados 
dados para trabalhos de conclusão de curso (monografias, dissertações e teses). Há 
um entendimento de que o trabalho de pesquisa se fortalecerá se houver maior 
entrosamento com a universidade. A relação entre prática e pesquisa não é 
consensual. As opiniões divergem em três sentidos: 
1) há os que reconhecem a necessidade de respaldo científico para a prática e 
tentam efetuá-la no limite de seu trabalho, mas com pouco rigor metodológico; 
2) há os que reconhecem a necessidade, mas não a efetuam por dificuldades 
de conciliação com as demais atividades; e 
3) há os que entendem que a consistência e credibilidade dos serviços será 
uma decorrência natural da boa prática e não, necessariamente, da realização de 
pesquisas. 
 
17 
2.2 Aspectos da conduta do psicólogo capazes de promover a prática 
multidisciplinar 
De acordo com as práticas examinadas, o psicólogo precisa ser persistente na 
defesa de suas ideias e buscar interagir com os demais profissionais para se inserir 
no hospital e conseguir desenvolver seu trabalho. A solicitação de seu serviço 
depende de ele buscar esclarecer quais benefícios podem ser obtidos com a 
intervenção psicológica. O trabalho tende a ser aceito e valorizado por parte daqueles 
profissionais que reconhecem a interferência de fatores emocionais no quadro clínico 
de seus pacientes. 
Os reducionismos profissionais e as diferenças hierárquicas são fatores que 
impedem o desenvolvimento da prática multidisciplinar. Por um lado, a psicologia 
exacerba a defesa do emocional; por outro lado, a medicina limita-se ao tratamento 
do corpo. Avanços neste sentido dependem de o psicólogo promover uma visão 
integrada da relação mente/corpo e reconhecer as implicações orgânicas no estado 
emocional dos pacientes. 
O psicólogo deve ser capaz de expor seus posicionamentos e sustentá-los 
perante os médicos. Caso contrário, criam-se barreiras à intervenção psicológica por 
desconhecimento do trabalho realizado ou por falta de evidências quanto à sua 
efetividade. Também é imprescindível que o psicólogo seja capaz de se expressar de 
forma clara, objetiva e coerente com a linguagem médica. 
O psicólogo enfrenta dificuldades para trabalhar em equipe multidisciplinar em 
virtude de dois fatores limitadores. Um deles é o reduzido número de psicólogos e, 
por conseguinte, a limitação de tempo, indicados nas dificuldades em conciliar o 
acompanhamento às visitas médicas, a discussão de casos e o atendimento 
psicológico. O outro é a pouca disposição dos chefes de serviços em conceder espaço 
ao trabalho de equipe. 
É comum a inserção do psicólogo em determinadas unidades ocorrer mais por 
facilidades interpessoais do que por levantamento de necessidades. Contudo, o 
psicólogo deve buscar vincular sua atuação ao serviço ou unidade e não ao 
profissional autor do convite. Caso contrário, o trabalho psicológico poderá ser 
inviabilizado no momento em que houver mudanças no quadro funcional da unidade. 
Segundo o relato de enfermeiras, o trabalho em equipe propicia maior 
conhecimento aos demais profissionais da área da saúde sobre as atribuições do 
 
18 
psicólogo. A fala das enfermeiras reitera a percepção das psicólogas de que a 
valorização dos serviços dependente dos resultados obtidos. A enfermagem também 
tem expectativas claras com relação à contribuição da psicologia para as equipes. 
Espera-se que a psicologia assessore na definição de condutas e tratamentos, 
trazendo conhecimentos sobre a influência dos aspectos emocionais no quadro clínico 
dos pacientes. Deste modo, é atribuída ao psicólogo a função de qualificar a equipe 
para ser capaz de tomar decisões condizentes com as necessidades dos pacientes. 
Isto implica em tornar a equipe mais autônoma, já que nem sempre o profissional da 
psicologia tem disponibilidade para atendê-la. 
As enfermeiras mencionam basicamente dois tipos de demandas psicológicas. 
A primeira requer maior presença do psicólogo na equipe, explicitando suas posições 
e intervenções para todo o grupo e não somente para enfermeiras por ocasião de 
visitas a pacientes. A segunda traz um aspecto positivo, o reconhecimento da 
demanda, e um aspecto preocupante, a inserção prematura de estagiários no serviço. 
As enfermeiras reconhecem a limitação de tempo da psicologia para atender toda a 
demanda existente. No entanto, consideram que as intervenções psicológicas seriam 
mais eficazes se esses profissionais atendessema um menor número de unidades e 
investissem mais nas situações cuja atuação está consolidada. 
 
Fonte:uninassau.edu.br 
 
19 
2.3 Análise indutiva 
Com base na descrição apresentada, entende-se que para o psicólogo 
hospitalar se inserir no contexto hospitalar e atender a demanda psicológica existente, 
o mesmo deve apresentar as seguintes competências: 
1. Assegurar autonomia profissional para analisar a demanda psicológica 
hospitalar e propor ações para atendê-la independentemente da natureza da 
instituição e do lugar que a psicologia ocupa na hierarquia. 
2. Sistematizar o trabalho de tal modo que seja possível desenvolver ações 
assistenciais, de ensino e de pesquisa. 
3. Empenhar-se para que o nível de abrangência não comprometa a qualidade 
do serviço prestado. 
4. Identificar a necessidade dos pacientes e escolher métodos de intervenção 
condizentes com o estado de saúde que apresentam e com as características da 
unidade que estão vinculados (Centros e Unidades de Tratamento Intensivo, 
Emergência, Internação ou Ambulatório). 
5. Priorizar ações que complementem o trabalho dos demais profissionais e 
promovam a prática multidisciplinar. 
6. Vincular o trabalho da psicologia às unidades e não a determinados 
profissionais. 
7. Analisar o interesse e disposição do paciente para receber atendimento 
psicológico nas situações em que o serviço é oferecido. 
8. Atuar de modo a obter resultados em curto espaço de tempo para alcançar 
níveis satisfatórios de produtividade. 
9. Garantir que o paciente tenha a oportunidade de continuar o tratamento 
psicológico após a alta hospitalar, quando for avaliado que isto é necessário. 
10. Participar ativamente dos espaços que criam oportunidades de interação 
com outros profissionais. 
11. Coordenar e manejar processos grupais tendo em vista as diferenças 
individuais e socioculturais de seus membros. 
12. Adotar condutas que evidenciem a relevância dos aspectos emocionais no 
quadro clínico dos pacientes e mostrem aos demais profissionais no que consiste a 
prática psicológica hospitalar. 
13. Assessorar as equipes de saúde na definição de condutas e tratamentos. 
 
20 
14. Avaliar a necessidade de trabalhar dificuldades de manejo da equipe e, se 
for o caso, intervir neste sentido. 
15. Identificar quando é necessário utilizar a terminologia médica e quando isto 
pode representar a perda da identidade psicológica. 
16. Avaliar a pertinência de se envolver com atividades burocráticas e de 
interesse administrativo. 
17. Avaliar a importância de oferecer atendimento psicológico para funcionários 
ou trabalhar com eles aspectos relacionados ao ambiente hospitalar. 
18. Potencializar a ação da psicologia com o trabalho de estagiários de modo 
que resulte na conquista de novos espaços e na obtenção de maior reconhecimento 
da prática psicológica hospitalar. 
19. Desenvolver o pensamento crítico dos estagiários criando oportunidades 
de rever a prática realizada e debater assuntos relacionados à mesma. 
20. Contribuir para o desenvolvimento da psicologia hospitalar realizando 
estudos que propiciem maior cientificidade à área. 
21. Propor estratégias que conciliem a prática de pesquisa com as demais 
atividades que precisam ser desenvolvidas no âmbito hospitalar. 
22. Desenvolver recursos que permitam avaliar os resultados obtidos com a 
intervenção psicológica e demonstrar ganhos institucionais na redução de custos. 
23. Apresentar trabalhos e debater em público assuntos relacionados à prática 
psicológica hospitalar. 
24. Analisar os fatores que dificultam a prática psicológica hospitalar e propor 
ações capazes de superá-los. 
25. Evitar assumir responsabilidades que não são funções do psicólogo 
hospitalar para que não sejam geradas expectativas equivocadas com relação à 
atuação deste profissional. 
O desenvolvimento destes atributos pressupõe a aquisição das seguintes 
habilidades: 
1. Identificar, analisar e interpretar demandas psicológicas expressas de forma 
verbal e não verbal. 
2. Compreender e cumprir as normas e rotinas das unidades em que os 
pacientes estão internados. 
3. Adaptar referenciais teórico-metodológicos às necessidades da demanda. 
 
21 
4. Realizar atendimentos individuais ou grupais, de apoio, orientação, 
psicoterapia ou psicodiagnóstico. 
5. Intervir em situações de luto e de morte. 
6. Compartilhar seu conhecimento de forma clara e objetiva. 
7. Articular o conhecimento psicológico com os demais saberes que integram 
as equipes de saúde. 
8. Conhecer e compreender a terminologia médica. 
9. Utilizar o conhecimento e a experiência adquiridos na prática para orientar 
os estagiários. 
10. Planejar e realizar pesquisas aplicando métodos científicos na rotina 
profissional. 
11. Levantar informações sobre o conhecimento produzido na área e assuntos 
relacionados. 
12. Fazer contato com instituições da comunidade que realizam tratamento 
psicológico para encaminhar os pacientes que precisam deste serviço após a alta 
hospitalar. 
2.4 Análise crítica 
A análise das competências e habilidades do psicólogo hospitalar teve como 
ponto de partida as resoluções do Conselho Federal de Psicologia (2000, 2001) sobre 
a caracterização da especialidade. O documento do Conselho Federal de Psicologia 
(2000) é uma descrição geral dos espaços e focos do trabalho da psicologia em 
hospitais, enfatizando as demandas esperadas. Com base neste documento e na 
experiência dos participantes, foi possível fazer o levantamento das competências e 
habilidades apresentadas neste estudo. Tais definições ressaltam as condutas e os 
procedimentos profissionais necessários ao desempenho da prática psicológica 
hospitalar. Entende-se que tais competências e habilidades refletem padrões reais e 
consensuais de desempenho dos profissionais inseridos na área, e não articulações 
burocráticas para atender determinadas exigências legais. 
Como se pôde constatar, muitos dos aspectos levantados são aplicáveis a 
outros contextos de atuação do psicólogo. Tais aspectos são ilustrativos do que pode 
ser considerado geral e compartilhado com outras demandas profissionais e o que 
pode ser específico na prática hospitalar. As competências e habilidades 
 
22 
apresentadas contêm a diferença gradativa do que é geral ao psicólogo, conforme 
listado nas habilidades básicas, e do que é específico ao psicólogo hospitalar, 
conforme listado nas competências. Contudo, é difícil definir fronteiras entre o básico, 
a ênfase profissional ainda na graduação e a especialização, no sentido da pós-
graduação lato sensu. 
A noção de educação por competências é um recurso pedagógico ágil e 
flexível, sensível aos novos tempos. Infelizmente, entre nós, a novidade pedagógica 
veio como exigência legal. Melhor teria sido se viesse como descoberta institucional, 
trabalho de pesquisa ou proposição diferenciada de instituições comprometidas com 
um ensino de qualidade. Como um estatuto legal, é bem possível que os frutos sejam 
escassos. Com isso, todo o trabalho de planejamento do currículo por competências 
pode se transformar em um expediente apenas burocrático, posteriormente 
engavetado ou gravado em CD para impressionar visitantes. Com efeito, serão 
documentos distantes e indiferentes aos espaços pedagógicos reais. 
Por outro lado, a aplicação da noção de competências requer articulação e 
integração entre professores e um projeto pedagógico capaz de implodir a hegemonia 
da sala de aula, dando espaços a laboratórios, bibliotecas, grupos de discussão, 
equipes tutoriais, estágios qualificados e entrosamento com o mundo do trabalho. Um 
bom plano pedagógico por competências requer cuidadoso sistema de avaliação tanto 
para professores quanto para estudantes. Por fim, cabe lembrar as considerações de 
Sveiby (1998) ao relacionar especialidade com competência. Ao especialista, cabe a 
construção das próprias competências e a crítica ao trabalho,apoiada em evidências. 
Cabe ressaltar o caráter preliminar das competências e habilidades apresentadas 
neste estudo, tendo em vista que foram definidas somente a partir das práticas 
analisadas. Considera-se que a validação das mesmas e a possível ampliação para 
contemplar exigências da demanda de diferentes configurações hospitalares 
dependerão do desenvolvimento de novos estudos. Torna-se imprescindível, por 
exemplo, examinar sua veracidade e nível de abrangência, conforme a prática 
psicológica hospitalar desenvolvida no Brasil, nestes últimos cinquenta anos, 
conforme relato da literatura 
 
23 
3 GESTALT-TERAPIA E O DIÁLOGO PSICOLÓGICO NO HOSPITAL 
 
Fonte:valordoconhecimento.com.br 
A Gestalt-terapia é uma abordagem com foco na relação dialógica. O diálogo é 
por nós entendido como fundamental para a existência humana e característica 
essencial da relação terapêutica (Freitas, 2009a). No âmbito hospitalar pode, 
inclusive, ser assumido como instrumento - até mesmo preventivo - frente às 
dificuldades humanas que o adoecer e a hospitalização podem suscitar no cliente, 
como por exemplo, o isolamento de suas atividades cotidianas, da família e do seu 
círculo social, as mudanças de papéis acarretadas pelas limitações e desafios das 
doenças e seus tratamentos, sem mencionar os desafios do processo intrínseco ao 
adoecimento físico. 
Incluir a dimensão ontológica dos usuários dos serviços de saúde possibilita o 
resgate da intersubjetividade e da humanização nesse espaço moldado pela 
impessoalidade de técnicas invasivas e da pretensa neutralidade científica. Em um 
espaço assim moldado, a existência passa a ser referenciada pela ordem das 
intervenções hospitalares e não mais pela própria condição do existir (Sant'Anna, 
2001; Freitas, 2009b). Uma existência, que destacamos ser vivida corporalmente, 
embora em um corpo que não é apenas objeto como a medicina por vezes considera 
e prioriza. 
É sabido que com o Renascimento Cultural, especialmente com Descartes, foi 
permitido um retorno mais intenso à separação entre res cogitans e res extensa. O 
sagrado abre espaço para o material, com a separação entre o sublime - alma - e o 
denso e impuro - o corpo. Com esta separação nasce o avanço dos manuais de 
 
24 
anatomia, da ciência e da medicina, que vão permitir ao médico tratar a doença e não 
o doente (Foucault, 2001). Tal separação mantém até hoje a herança de uma atuação 
em saúde centrada na cura, no hospital e na esfera orgânica ao invés de se pautar 
em uma atuação preventiva, comunitária e holística ou organísmica. 
Apesar de todos os avanços e propostas de humanização e de uma 
compreensão do homem desde sua totalidade - encontrada na Organização Mundial 
de Saúde (OMS) e no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro - no contexto da 
atuação em saúde é ainda o paradigma cartesiano da separabilidade corpo-mente 
que tem prioritariamente motivado a atuação profissional, posicionando a existência 
humana como revelada apenas pela racionalidade, lançando-a para fora das relações 
humanas (Castro, 2002). Não se trata de negar ou esquecer que o usuário dos 
sistemas de saúde público e privado procura tais serviços por sua condição de 
adoecimento somático. Entretanto, tal concepção moderna, cartesiana de homem e 
mundo, que privilegia o contexto da saúde pública como ainda centrado na instituição 
hospitalar restringe a compreensão do existir humano em sua plenitude e se afasta 
das concepções contemporâneas que apontam para uma abordagem complexa do 
humano. 
3.1 O Contexto do Diálogo no Hospital 
Inspirados na filosofia existencial de Martin Buber (1974; 1982), autores como 
Hycner e Jacobs (1997) vão refletir sobre a importância da relação dialógica para a 
constituição do humano e, consequentemente, para todas as relações de cuidado em 
Gestalt-terapia. O diálogo em uma relação psicoterápica se refere ao "contexto 
relacional total em que a singularidade de cada pessoa é valorizada; relações diretas, 
mútuas e abertas entre as pessoas são enfatizadas" (Hycner & Jacobs, 1997, p.30). 
Mas há especificidades e diferenças relevantes entre o contexto psicoterápico e o 
contexto hospitalar. 
Buscar a construção de uma qualidade de diálogo nas instituições hospitalares 
é um desafio com dificuldades impostas pelas próprias condições do contexto: as 
enfermarias que se constituem como espaços públicos, diferente da privacidade dos 
consultórios particulares, a rotatividade dos pacientes, o pouco e exíguo tempo de 
contato, delimitado pelo tempo de internação ou de espera, conflitante com o tempo 
indeterminado dos processos terapêuticos tradicionais, e as infindáveis intervenções 
 
25 
médico-hospitalares entremeando a relação como um conta-gotas infinito. Não são 
raras as vezes em que a intervenção ou apenas uma visita ao paciente ocorre em 
meio a interferência de outros pacientes, familiares, equipe, o que exige do 
profissional uma compreensão desse contexto como sendo sua condição relacional e 
singular naquele momento, determinado pela rotina hospitalar e pela patologia e suas 
conseqüências. O papel do psicólogo nesse contexto não é o do psicoterapeuta em 
um sentido estrito, apesar de defendermos a possibilidade do investimento em uma 
qualidade relacional que o Gestaltterapeuta procura exercer em sua prática. 
Diante da despersonalização sofrida na instituição hospitalar, estar presente 
para um paciente e incluir-se em sua existência exige que o foco do trabalho esteja 
centrado na possibilidade do restabelecimento da sua autonomia e do seu bem-estar 
frente à sua condição. Esta nova, por vezes transitória, condição é permeada pela dor, 
mal-estar e frequentemente, pelo medo, pela ameaça de mutilação ou de interrupção 
de projetos de vida. Essas são condições existenciais delimitadoras do contexto da 
atuação em saúde com as quais o psicólogo hospitalar deve estar preparado para 
lidar. 
Segundo Freitas (2009b, p. 87) 
(...) dentro de uma perspectiva da Gestalt-terapia, todos estes elementos 
devem ser compreendidos como mundo, condição existencial do contexto 
relacional. Assim sendo, todas estas diferenças, interrupções, vínculos, 
podem ser trabalhados como abertura para novas significações, mediante a 
problematização de tais conflitos dentro do como o paciente se apresenta. 
Além das dificuldades impostas pelo contexto, a busca ou o estabelecimento 
de uma relação terapêutica em função de uma atitude dialógica pelo psicólogo não 
determina necessariamente a ocorrência do diálogo: 
Ao abordarmos o outro com uma atitude Eu-Tu, não temos a garantia de que 
um encontro mútuo Eu-Tu irá se desenrolar. Posso me aproximar da outra pessoa 
com uma atitude genuinamente aberta à possibilidade de que tal movimento ocorra. 
No entanto, ele só poderá ocorrer se o outro disser 'sim' a minha aproximação (Hycner 
& Jacobs, 1997, p. 104). 
No contexto da intervenção hospitalar, assim como na psicoterapia, o diálogo 
se constitui a partir da possibilidade da existência da relação mútua entre psicólogo e 
paciente. O que constitui o próprio diálogo, por conseguinte, não é a fala. O que 
comunica é a relação Eu-Tu. Ela pode acontecer simplesmente pelo silêncio, se 
 
26 
constituindo não pela expressão da voz e sim pelo contato. Diálogo é, destarte, 
contato (Hycner, 1995; Freitas, 2009a). 
O diálogo, portanto, se mostra como fenômeno do "entre", do espaço e do 
campo relacional (Hycner, 1995; Freitas, 2009a). Para o estabelecimento do diálogo 
são necessários dois elementos fundamentais, explorados por Hycner (1995) que 
vamos contextualizar aqui no trabalho em saúde, a saber, a presença e a inclusão. 
Aliado a estes elementos, apresentamos o corpo como elemento fundamental da 
relação dialógica. Segundo Freitas (2009a) o diálogo ocorre em dois níveis diferentes: 
no da corporeidade e no nível da fala. "O corpo é, portanto, fundo da expressão", 
espaço da realização do contato.Sendo o corpo "fundo", é o lugar das intersecções, 
é campo, é ponto de contato e encontro entre paciente e psicólogo. Nada mais 
significativo quando o ponto central ou de partida da relação é justamente o 
adoecimento somático. Ao constatarmos que o corpo é elemento essencial do diálogo 
é necessário compreender o que chamamos de corpo e como este se constitui 
enquanto dimensão dialógica. 
3.2 Corpo e Diálogo 
Segundo uma perspectiva fenomenológica, assim como da Gestalt-terapia - 
que concebe o homem como totalidade -, o corpo deve ser apreendido não mais como 
objeto, mas, como perspectiva do mundo, em que o corpo não se torna 
completamente objeto do mundo, senão seu meio de comunicação com este (Freitas, 
2005, 2009a). 
Para a fenomenologia o corpo não é algo que eu tenho, mas que eu sou 
(Merleau-Ponty, 1994). Por isso, no contato com o outro, eu me exponho por meio de 
gestos, atitudes, mímicas, olhares, lágrimas, pelo sorriso e por tantos outros gestos e 
expressões faciais. Tais gestos expressivos não são da ordem apenas corporal, mas 
da ordem do sujeito que é corpo, do corpo como campo expressivo. 
Dito de outra forma: numa compreensão organísmica, "do ponto de vista 
psicológico o corpo se apresenta como espaço de expressão subjetiva e lugar de 
organização de novos sentidos que apontam para a existência humana" (Freitas, 
2005, p. 35). 
A medicina tradicional e mesmo a psicossomática revelam um corpo como um 
objeto a ser compreendido e, quando muito, apenas espaço de uma realidade 
 
27 
psicológica outra, separada e ali representada, embora distante daquela corporal e 
material O corpo doente não é apenas um organismo acometido de infecções ou 
patologias, mas é um corpo experienciado por um doente, como um doente, dotado 
de uma função na relação desse sujeito com o mundo, mas que, apesar de estar 
doente, é também um corpo com história e com perspectivas. Isso é, um corpo que 
carrega sentidos subjetivos que tem relações íntimas com a própria história da 
pessoa, com seus contextos de vida e com os recursos de que dispõe para lidar com 
a doença. 
Assim sendo, diferentemente do médico, o psicólogo da saúde não trabalha 
com o corpo biológico, mas com o corpo vivido, que é uma história, um nó significativo, 
como nos diria Merleau-Ponty (1994). Deste modo, como psicólogos inseridos no 
contexto da saúde, devemos todo tempo nos questionar sobre como estas dimensões 
interagem na significação da existência e na configuração da subjetividade no aqui e 
agora da internação, do adoecimento, da eminência da cirurgia ou até mesmo da 
morte. 
O diálogo Eu-Tu enquanto encontro existencial entre duas pessoas se distancia 
da relação Eu-Isso, característica da atuação biomédica, na qual o corpo perde essa 
condição existencial de campo expressivo e passa a ser figura destacada de seu fundo 
de subjetividade. Por se constituir como um campo expressivo, o diálogo pode se 
configurar por meio de gestos e comunicações não-verbais, recursos indispensáveis 
quando no trato de doentes inseridos no contexto dos leitos do hospital e com os quais 
o psicólogo diariamente necessita se relacionar. 
O ponto de partida é a sua existência fragilizada e debilitada pelo adoecimento. 
O psicólogo hospitalar deve intervir com foco na abertura de possibilidades do 
paciente, em sua atual configuração existencial, seu processo do existir nesse 
contexto específico que é permeado pelo comprometimento somático ou que derivam 
deste. 
3.3 Presença e Inclusão 
A presença é uma atitude do psicólogo na qual este se revela como uma pessoa 
autêntica. É estar na relação abrindo-se existencialmente para que o outro possa se 
apoiar em seu self como caminho de autopercepção. A presença não significa 
simplesmente uma forma de estar com o outro na qual não deva existir interferência 
 
28 
de considerações ou reservas. A presença é um estar consciente de si para e na 
relação. Ela é fundamental uma vez que o paciente hospitalizado se encontra em 
constante confronto com seu self, seja por sua doença ou mesmo pela situação 
existencial na qual se encontra. 
O psicólogo hospitalar tem como função desempenhar o papel de facilitador e 
promover o diálogo utilizando-se da presença, que em seu desenvolvimento fixa-se 
em fazer com que o paciente se perceba dentro de novas possibilidades. É como se, 
por meio da presença, o paciente pudesse fazer uso do self do terapeuta para 
perceber a si próprio. Essa forma de abordagem é mencionada por Yontef (1998) 
como diálogo horizontal, que é o ato de "se chegar ao centro da existência que o 
paciente esta vivendo" (Yontef, 1998, p. 259). 
Segundo Hycner (1995), presença "é a consciência que se dirige 
completamente ao 'processo de existir' da outra pessoa. Isso requer que o terapeuta 
esteja atento à experiência do cliente, mas atento também a sua própria experiência" 
(p. 114), em nosso caso, atento a sua própria experiência humana de contato íntimo 
e cotidiano com a dor, com a morte e a limitação. É estar aware de si na relação com 
o outro; e estar voltado atentamente à experiência do outro nos conduz à inclusão. 
Na inclusão há uma busca por posicionar-se na experiência do cliente, sem 
julgar, analisar ou interpretar. Tal atitude facilita a ressignificação de sua condição 
existencial e de sua conscientização, abre a possibilidade da auto-aceitação quanto a 
sua experiência frente ao desconhecido, à dependência de uma equipe, às (im) 
possibilidades de tratamento e às limitações que possa vivenciar advindas de sua 
patologia e hospitalização. Na tarefa de atuar no contexto institucional como um todo 
seria de grande valia a reflexão e o estudo de tais atitudes junto à família e à equipe, 
uma vez que o trabalho do psicólogo hospitalar não se restringe ao acompanhamento 
dos pacientes, mas em todo o contexto do processo saúde-doença. Trabalhar as 
expectativas, sofrimentos, desejos e limitações da família e da equipe também se 
constituem como parte fundamental do trabalho do psicólogo hospitalar, sem 
entrarmos no mérito da atuação em saúde nem tampouco dos contextos sociais e 
comunitários de prevenção, também carentes de reflexões em Gestalt-terapia. 
Hycner (1995) afirma que a inclusão é necessária para a existência de uma 
relação dialógica genuína, um movimento de "ir-e-vir", onde o psicólogo 
(...) precisa ser capaz de, tanto humanamente quanto possível, tentar 
experienciar o que o cliente está experenciando do seu lado do diálogo. Na melhor 
 
29 
das hipóteses, é apenas uma experiência momentânea, pois ninguém pode manter 
uma atitude desse tipo durante muito tempo (...). Há uma experiência de ausência de 
self nesses momentos. 
O self do terapeuta passa a ser fundo para que a existência do paciente seja 
figura. Em seu campo, significa emprestar sua existência e sua corporeidade para 
permitir que o estranhamento do sentido do outro encontre espaço de expressão na 
existência atual do terapeuta (Freitas, 2009a). Diferente da empatia, a inclusão é um 
voltar-se "(...) existencialmente para o outro e uma tentativa de experienciar o lado da 
pessoa assim como o próprio" (Hycner, 1995). É permitir ao outro ser ele mesmo 
enquanto Tu. 
Na teoria da Gestalt-terapia é salientada a importância ôntica do contato. Tal 
forma específica de contato que é o diálogo torna-se a base para a autorrealização. 
Quando possibilita a awareness integrativa, permite ao paciente, à família ou à equipe 
responder a uma situação de forma apropriada às suas necessidades e às 
possibilidades da situação que o contexto possa apresentar (Hycner & Jacobs, 1997). 
Sabemos que a Gestalt-terapia defende que para viver essa integração a 
pessoa não deve julgar sua experiência nem desprezar ou alienar aspectos de si 
mesma. Isso inclui seus sentimentos, o medo, a raiva, o seu corpo, seus 
pensamentos, o ambiente, a espera, o desconhecido, assim como sua história. O que 
é também particularmenteverdadeiro para o contexto hospitalar, entretanto, com a 
delimitação de que esses sentimentos no momento e contextos atuais estão 
intimamente relacionados com o processo de saúde-doença. Não é aniquilar a tensão 
entre as partes constitutivas do vivido de uma enfermidade, uma intervenção cirúrgica 
ou uma internação. É permitir que a tensão entre as partes seja suficiente ao mesmo 
tempo para a manutenção da autonomia do paciente, assim como para a continuidade 
do processo de restabelecimento do seu bem-estar físico e psicológico, que pode 
significar a continuidade ou a não continuidade do tratamento médico em todos ou 
alguns de seus aspectos. É uma proposta de descentramento de um modelo de cura 
romântico que busca o restabelecimento de um estado imaginário anterior de bem-
estar para uma proposta de busca incessante da manutenção da autonomia do 
paciente, regulada pela confiança no saber médico e não por um autoritarismo cego 
a um suposto poder científico da medicina contemporânea. 
Assim como a perspectiva de compreensão da totalidade defendida pela 
Gestalt-terapia, a psicologia da saúde busca um modelo que compreenda os múltiplos 
 
30 
fatores inerentes ao processo de adoecimento (biológicos, psicológicos, sociais e 
espirituais), rompendo com modelos lineares e causais da compreensão dos 
processos de saúde-doença (Ogden, 1996). Segundo Freitas (2009b), em Gestalt-
terapia saúde e doença são vistos como dois pólos de um único processo 
pluridimensional, dinâmico e contínuo. As polaridades saúde e doença não se 
enquadram dentro de um critério de exclusão, mas se articulam em uma relação 
complexa e processual. Ser saudável não significa ausência de doenças, nem 
tampouco, estar doente, ausência de saúde, isto é, "o processo de saúde-doença 
implica a compreensão dos significados dos sintomas no contexto da personalidade, 
no contexto de vida, pensamentos e sentimentos dos sujeitos e da cultura" (Freitas, 
2009b, p. 71). Contato é sempre contato, não há parâmetros possíveis para se 
estabelecer o que seja bom ou mau contato. Há que se entender, outrossim, os 
sentidos de cada expressão e de cada traço do sujeito em seu contexto de vida e não 
em comparação com uma curva ou gráfico que buscam uma pretensa padronização 
do campo homem/meio. Buscar aniquilar as tensões inerentes à hospitalização e ao 
adoecimento é aniquilar o próprio sujeito. 
Entender o homem como um campo organismo/meio que se estrutura em uma 
corporeidade expressiva é, especialmente em nosso contexto, falar de alguém que 
sofre sendo seu corpo material, visível e sensível à dor, ao toque, ao olhar do outro, 
ao cheiro que se desprende, ao processo de transformação física, aos sentimentos 
que dele e com ele vivencia. 
Abrir-se a esta possibilidade é permitir uma compreensão de que frente ao 
adoecimento estamos expostos à ressignificação existencial. Uma organização de 
novos sentidos para essa existência no ambiente hospitalar é facilitada por meio do 
contato psicológico, pela mútua atitude do encontro Eu-Tu. Entende-se que o diálogo 
possibilita que a pessoa seja percebida como um ser relacional e considerada na sua 
totalidade, dentro do seu contexto existencial aqui-e-agora, que é aquele da doença, 
da internação, da intervenção médica, da espera e/ou da cirurgia. O diálogo é a busca 
de novos sentidos que advém desta experiência, geralmente destruíndo sentidos 
antes já-constituídos. É a busca de novos sentidos existenciais a partir dessa nova 
história já que o doente não é apenas um organismo acometido de infecções ou 
patologias, mas se refere a um corpo experienciado por um doente, como um doente, 
dotado de uma função na relação deste sujeito com o mundo, mas que, apesar de 
 
31 
estar doente, é tambem um corpo com história e com possibilidades e perspectivas 
(Freitas, 2009b, p. 35). 
Longe de ser alguém que necessariamente conhece e pensa científica ou 
tecnicamente sua patologia, o doente é um ser que vive e sente seu corpo e sua 
doença, o corpo é a extensão de seu projeto existencial humano. Projeto esse que 
extrapola o ambito hospitalar já que é também sua própria subjetividade que mantém 
articulação constante com os espaços sociais, sendo um corpo-no-mundo (Freitas, 
2009b). 
A doença é uma facticidade, no entanto, é revestida pelo sentido que o doente, 
a familia e a equipe atribuem à dor, à enfermidade ou ao tratamento. A doença existe 
independente da vontade do doente, no entanto, é o sofrimento, a dor e todos os 
possiveis desdobramentos de se estar hospitalizado e em tratamento que muitas 
vezes apontam para uma possibilidade de ruptura, entendida aqui como 
ressignificação, na vida da pessoa: 
O corpo doente tem um sentido próprio por nos tirar do habitual, um corpo 
"esquecido" e, por isso mesmo, vivido. A doença faz-nos lembrar que temos um corpo. 
A dor rompe com uma história e com um cotidiano, com um "habitual ser". Mas, 
paradoxalmente, essa história que ao mesmo tempo é surpreendida e forçada a seguir 
novos rumos, é uma referência para os sentidos da dor, essa intrusa inesperada 
(Freitas, 2009b, p. 40). 
E o psicólogo, é a testemunha ocular e existencial dessa vida e dessa invasão. 
 
32 
4 PSICODIAGNÓSTICO 
 
Fonte: psicodiagnosticocordoba.com 
Jurema A. Cunha explica que enquanto os psicólogos em geral realizam 
avaliações, os psicólogos clínicos, entre outras tarefas, realizam psicodiagnósticos. 
Pode-se dizer que avaliação psicológica é um conceito muito amplo. Psicodiagnóstico 
é uma avaliação psicológica, feita com propósitos clínicos e, portanto, não abrange 
todos os modelos de avaliação psicológica de diferenças individuais. É um processo 
que visa a identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco 
na existência ou não de psicopatologia. Isso não significa que a classificação 
psiquiátrica seja um objetivo precípuo do psicodiagnóstico, mas sim que, para medir 
forças e fraquezas no funcionamento psicológico, devem ser considerados como 
parâmetros os limites da variabilidade normal (Yager & Gitlin, 1999). É esta 
abordagem que confere a perspectiva clínica a esse tipo de avaliação de diferenças 
individuais. 
O psicodiagnóstico derivou da psicologia clínica, introduzida por Lighter Witmer, 
em 1896, e criada sob a tradição da psicologia acadêmica e da tradição médica. 
Consta que nem ao fundador da psicologia clínica agradou a designação “clínica”, 
adotada apenas por falta de melhor alternativa (Garfield, 1965). Não obstante, tudo 
indica que essa tradição médica, associada à psicologia clínica, teria efeitos 
 
33 
marcantes na formação da identidade profissional do psicólogo clínico, oferecendo-
lhe, por um lado, modelos de identificação e, por outro, acentuando as suas 
dificuldades nas relações Inter profissionais. 
Aquele fim de século e o começo do seguinte foram marcantes pelos trabalhos 
de Galton, que introduziu o estudo das diferenças individuais, de Cattell, a quem se 
devem as primeiras provas, designadas como testes mentais, e de Binet, que propôs 
a utilização do exame psicológico (por meio de medidas intelectuais) como 
coadjuvante da avaliação pedagógica. Por tais razões, a esses três autores é atribuída 
a paternidade do psicodiagnóstico (FernándezBallesteros, 1986). 
A nossa tradição psicométrica, assim alicerçada, ficou melhor sedimentada 
pela difusão das escalas Binet, seguidas pela criação dos testes do exército 
americano, Alfa e Beta. Se a contribuição da psicometria foi e é essencialmente 
importante para garantir a cientificidade dos instrumentos do psicólogo, torna-se 
importante, conforme salienta Groth-Marnat (1999), estabelecer a diferença que existe 
entre o psicometrista e o psicólogo clínico. O primeiro tende a valorizar os aspectos 
técnicos da testagem, enquanto, no psicodiagnóstico, há a utilização de testes e de 
outras estratégias, para avaliar um sujeito de forma sistemática, científica,orientada 
para a resolução de problemas. O psicometrista “utiliza testes para obter dados”, e, 
em sua abordagem, “o produto final é muitas vezes uma série de traços ou descrições 
de capacidades”. Mas é importante lembrar que “essas descrições tipicamente não 
estão relacionadas com o contexto total da pessoa e nem se voltam para os problemas 
singulares que ela possa estar enfrentando” 
Por outro lado, ainda no século passado, a comunidade científica foi muito 
marcada pelas descobertas ocorridas no campo da biologia, com início na verificação 
da “correlação de síndromes clínicas com modificações morfológicas observadas na 
autópsia” (Klerman, 1990) e continuada por outra série de descobertas, como pelas 
“tentativas feitas para correlacionar síndromes mentais com achados de autópsia e 
dados bacteriológicos”. A base científica fornecida à medicina pela biologia levava 
psiquiatras a buscarem as causas da doença mental no organismo e, em especial, no 
sistema nervoso central. Em consequência, “os pacientes psiquiátricos, não mais 
considerados lunáticos, se tornaram ‘nervosos’ (...) ou ‘neuróticos’ ” (Wolman, 1965). 
Dessa época data a divisão dicotômica dos transtornos psiquiátricos em “orgânicos” 
e “funcionais”. Foi nessa escola pré-dinâmica da psiquiatria que surgiu Kraepelin, que 
se notabilizou por seu sistema de classificação dos transtornos mentais e, 
 
34 
especialmente, por seus estudos diferenciais entre esquizofrenia e psicose maníaco-
depressiva. Em consequência, as classificações nosológicas e o diagnóstico 
diferencial ganharam ênfase. 
Não obstante, mesmo no período entre as duas grandes guerras, a 
classificação das doenças mentais pressupunha uma hierarquia, conforme o modelo 
médico, em grandes classes: “transtornos mentais orgânicos, psicoses, neuroses, 
transtornos de personalidade e estados reativos/transitórios”. Quando se evidenciava 
uma condição orgânica, esta “tomava precedência sobre todos os outros diagnósticos” 
(Klerman, 1990, p.18). Neste cenário, tiveram especial importância as obras de Freud 
e Kraepelin, caracterizando bem a diferença entre estados neuróticos e psicóticos, 
dentre os transtornos classificados como funcionais (não-orgânicos). Tal distinção foi 
considerada muito adequada porque “parecia combinar cinco aspectos da 
psicopatologia, simultaneamente: 
1) sintomas descritivos; 
2) causação presumida; 
3) psicodinâmica; 
4) justificação para hospitalização; 
5) recomendação sobre tratamento”. 
Deste modo, Freud, que provinha da melhor tradição neurofisiológica, 
representou o primeiro elo de uma corrente de conteúdo dinâmico, logo seguido pelo 
aparecimento do teste de associação de palavras, de Jung, em 1906, e fornecendo 
lastro para o lançamento, mais tarde, das técnicas projetivas. 
Nesse cenário, Rorschach publicou sua monografia, em 1921, que teve maior 
divulgação na década seguinte. O teste passou a ser utilizado como um passo 
essencial (e, às vezes, único) do processo de diagnóstico. A grande popularidade 
alcançada nas décadas de quarenta e cinquenta é atribuída ao fato de que “os dados 
gerados pelo método eram compatíveis com os princípios básicos da teoria 
psicanalítica” (Vane & Guarnaccia, 1989.). 
Esse foi o período áureo das técnicas de personalidade. Embora o Rorschach 
e o TAT fossem os instrumentos mais conhecidos, começaram a se multiplicar 
rapidamente as técnicas projetivas, como o teste da figura humana, o Szondi, o MPAS 
e tantos outros. 
O entusiasmo que cercou o advento das técnicas projetivas pode ser, em 
grande parte, explicado por dois fatores de peso: 
 
35 
1) o fato de que os testes, tão valorizados na época anterior, principalmente na 
área militar e da indústria, já não pareciam tão úteis “na avaliação de problemas da 
vida (neurose, psicose, etc.) ” (Groth-Marnat, 1999, p.4), e 
2) a valorização atribuída pela comunidade psiquiátrica ao entendimento 
dinâmico. 
Entretanto, a partir de então, as técnicas projetivas começaram a apresentar 
certo declínio em seu uso, por problemas metodológicos, pelo incremento de 
pesquisas com instrumentos alternativos, como o MMPI e outros inventários de 
personalidade, por sua associação com alguma perspectiva teórica, notavelmente a 
psicanalítica (Goldstein & Hersen, 1990), e pela ênfase na interpretação intuitiva 
apesar dos esforços para o desenvolvimento de sistemas de escore (Vane & 
Guarnaccia, 1989). Apesar disso, essas técnicas ainda são bastante utilizadas, 
embora com objeções, por parte dos psicólogos que propugnam por avaliações de 
orientação comportamental e biológica. 
Atualmente, há indiscutível ênfase no uso de instrumentos mais objetivos, 
interesse por entrevistas diagnósticas mais estruturadas, notadamente com o 
incremento no desenvolvimento de avaliações computadorizadas de personalidade, 
que vêm oferecendo novas estratégias neste campo (Butcher, Keller & Bacon, 1985). 
Também, as necessidades de manter um embasamento científico para oferecer 
respostas adequadas e compatíveis com os progressos de outros ramos da ciência, 
especialmente em termos de questões diagnósticas, criadas por modificações 
introduzidas nas classificações oficiais, têm levado à revisão, renormatização e 
criação de novas estratégias de avaliação. 
Aliás, Zacker, já em 1989, afirmava que o reconhecimento da qualidade do 
psicodiagnóstico tem que ver, em primeiro lugar, com um refinamento dos 
instrumentos e, em segundo lugar, com estratégias de marketing de que o psicólogo 
deve lançar mão para aumentar a utilização dos serviços de avaliação pelos 
receptores de laudos. Na mesma década, GrothMarnat (1984) salientava a 
importância do profissional se familiarizar com as reais necessidades do usuário, 
observando que, muitas vezes, psicólogos competentes acabam por “fornecer uma 
grande quantidade de informações inúteis para as fontes de encaminhamento” por 
falta de uma compreensão adequada das verdadeiras razões que motivaram o 
encaminhamento ou, em outras palavras, por desconhecimento das decisões que 
devem ser tomadas com base nos resultados do psicodiagnóstico. Recentemente 
 
36 
(1999), insistiu na mesma ideia, afirmando que o psicólogo clínico deve “entender o 
vocabulário, o modelo conceitual, a dinâmica e as expectativas da fonte de 
encaminhamento”. 
As sugestões apontadas, de conhecer as necessidades do mercado e de 
desenvolver estratégias de conquista desse mercado, parecem se fundamentar na 
pressuposição de que o psicólogo, sobrecarregado com suas tarefas, não está 
avaliando a adequabilidade de seus dados em relação ao público usuário. 
Mas que público é esse? Que serviços ou profissionais podem ter necessidade 
de solicitar psicodiagnósticos? Primeiramente, vejamos onde costuma trabalhar um 
psicólogo que lida com psicodiagnóstico. Segundo Groth-Marnat (1999), o psicólogo 
clínico mais frequentemente exerce suas funções numa instituição que presta serviços 
psiquiátricos ou de medicina geral, num contexto legal ou educacional, bem como em 
clínicas psicológicas. Em termos de Brasil, embora cada vez mais se encontrem 
profissionais da psicologia trabalhando nesses ambientes, especialmente em 
instituições de cuidados com a saúde, é muito comum que o psicodiagnóstico se 
realize em clínicas ou em consultórios psicológicos, em que ele recebe 
encaminhamento principalmente de médicos psiquiatras ou de outra especialidade 
(pediatras, neurologistas, etc.), da comunidade escolar, de juízes ou de advogados, 
ou atende casos que procuram espontaneamente um exame, ou são recomendados 
a fazê-lo por algum familiar ou amigo. 
A questão básica com que se defronta o psicólogo é que, embora um 
encaminhamento seja feito, porque a pessoa necessita de subsídios para basear uma 
decisão para resolver um problema, muitas vezes ela não sabe claramente que 
perguntas levantar ou, por razões de sigilo profissional, faz um encaminhamento vago

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