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UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI – UNIVATES CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE HISTÓRIA O IMPACTO DA POLÍTICA SONGUN NO PERFIL ECONÔMICO E NO PAPEL INTERNACIONAL DA COREIA DO NORTE A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 Rafael Vinicius Spies Conzatti Lajeado, junho de 2021. Rafael Vinicius Spies Conzatti O IMPACTO DA POLÍTICA SONGUN NO PERFIL ECONÔMICO E NO PAPEL INTERNACIONAL DA COREIA DO NORTE A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 Trabalho de Conclusão de Curso II apresentado à disciplina de TCC II do curso de História da Univates. Orientador: Prof. Dr. Mateus Dalmáz Lajeado, junho de 2021. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Rangel e Fabiane por tudo que fizeram por mim e pelas oportunidades que me oportunizaram através de seus trabalhos e também por serem os responsáveis por eu ser o que sou hoje. Agradeço a minha namorada, Nedisele, por todo o apoio proporcionado no decorrer da graduação, na construção desse trabalho e por tudo na vida. Agradeço ao meu Mestre Luís Fernando Krause, ou melhor, Nandinho, uma pessoa que eu sempre segui seus ensinamentos, principalmente o de estudar História, obrigado por me acolher em seu lar em diversos momentos e me oportunizar diversas experiências. Também agradeço a Carol por ter feito a revisão desse trabalho e as inúmeras dicas que enriqueceram a monografia. Agradeço ao meu orientador, Mateus Dalmáz, por toda orientação e conversas que tivemos desde o início da graduação até esse momento, sou grato por você ter botado fé nesse trabalho e seguir junto comigo nesse trabalho. E por fim, agradecer aos amigos que mesmo distantes estão no meu coração. Esse trabalho é para todos vocês. "A única garantia de democracia é o fuzil ao ombro do trabalhador." (Vladimir Lênin) RESUMO Nesse estudo buscou-se abordar a adoção da política Songun na Coreia do Norte na década de 1990, assim dando ênfase ao impacto no perfil econômico e no papel internacional da Coreia do Norte nesse contexto. O objetivo geral dessa pesquisa é analisar o impacto da política Songun no perfil econômico e no papel internacional da Coreia do Norte na década de 1990. A problematização consiste em identificar qual foi o impacto que a adoção da política Songun proporcionou, especificamente na economia e no papel internacional do país. A metodologia adotada foi a qualitativa, privilegiando o contexto das fontes através da pesquisa bibliográfica, essa que dificilmente encontra-se em língua portuguesa. As hipóteses apontadas são que a adoção da política Songun serviu ao propósito de manter a sobrevivência do regime socialista na parte norte da península coreana, além disso a nuclearização que está intrinsicamente ligada política Songun é vista como fundamental para tal sobrevivência, servindo a propósitos tantos internos quanto externos. Palavras-chave: Coreia do Norte; Zuche; Política Songun; História contemporânea. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................11 2.2 METODOLOGIA .........................................................................................................21 2.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .........................................................24 3. A COREIA DO NORTE NA GUERRA FRIA ............................................................27 3.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................27 3.2 A BIPOLARIDADE DA GUERRA FRIA E SUAS FASES ....................................28 3.3 A RPDC DURANTE A GUERRA FRIA ...................................................................34 3.3.1 GUERRA DA COREIA ...........................................................................................39 3.3.2 IDEOLOGIA ZUCHE E A RPDC DURANTE A GUERRA FRIA......................44 3.3.3 RPDC NA GUERRA FRIA E A RIVALIDADE SINO-SOVIÉTICA ...................47 3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .........................................................53 4. A COREIA DO NORTE NO PÓS-GUERRA FRIA ..................................................56 4.1 INTRODUÇÃO E CONTEXTO DA DÉCADA DE 1990........................................56 4.2 O QUE É A POLÍTICA SONGUN? ..........................................................................57 4.2.1 POLÍTICA SONGUN NA ORDEM MULTIPOLAR .............................................59 4.3 EXECUÇÃO DA POLÍTICA SONGUN....................................................................65 4.3 POLÍTICA SONGUN NO ÂMBITO DOMÉSTICO .................................................74 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO .........................................................78 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................83 6. REFERÊNCIAS: ...........................................................................................................88 8 1. INTRODUÇÃO O objetivo geral da monografia é analisar o impacto da política Songun no perfil econômico e no papel internacional da República Popular Democrática da Coreia (RPDC) a partir da década de 1990. Dessa forma, busca-se compreender como foi possível a sobrevivência da Coreia do Norte como ator internacional no cenário pós-Guerra Fria, uma vez que muitas experiências do socialismo real1 chegaram ao fim com a fragmentação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A RPDC passou por uma situação caótica e específica no ambiente doméstico e externo a partir da década de 1990, sofrendo com o fim da URSS, principal aliado até então e com a Marcha Penosa que inclui a morte do líder Kim Il Sung e as catástrofes naturais, secas e enchentes, que resultaram na falta de alimentos. Como veremos, em consequência disso houve a adoção da política Songun, que é a adoção de uma postura e mudanças políticas e econômicas voltadas para a sobrevivência do Estado norte-coreano nesse contexto de crise. O processo de nuclearização da parte norte da península é uma das consequências dessa política. A problematização aqui proposta é: qual o impacto da política Songun na reconfiguração do perfil econômico e na inserção internacional da Coreia do Norte nos anos pós-1990? Nesse sentido, busca-se compreender, também, qual foi o papel da nuclearização norte-coreana nesse período. Considera-se como hipótese que a adoção da política Songun e a nuclearização da RPDC fizeram parte de uma estratégia de sobrevivência da Coreia do Norte nas Relações Internacionais a partir da década de 1990. Derivado disso, percebe-se mais dois aspectos: 1º) que a nuclearização seria uma forma de 1 O socialismo real é compreendido com base em Hobsbawn (1995), autor que aponta que o socialismo real é a prática da teoria, ou seja, a teoria marxista do século XIX toma forma no século XX, principalmente com a criação da URSS, além disso o socialismo realmente existente implica que pode haver outros tipos de socialismo, todav ia somente esse socialismo se concretizou no século XX. 9 defesa do regime norte-coreano a uma imaginada agressão externa, especialmente após o desmantelamento da URSS; 2º) que a nuclearização geraria um impulso econômico através da independência e autossuficiência energética, assim garantindoque a indústria e a sociedade norte-coreana fossem suficientemente abastecidas. A justificativa para a escolha do tema é a atualidade das questões envolvendo a RPDC, que quase sempre aparece nos noticiários internacionais, principalmente quando ocorre lançamento de novos mísseis balísticos. Dessa forma, buscar compreender como a RPDC desenvolveu-se e conseguiu sobreviver ao ponto de ser considerada uma potência militar faz parte das motivações que levaram ao desenvolvimento desta pesquisa. Como referencial teórico, adotou-se a escola Realista das Relações Internacionais, em específico o Realismo Ofensivo proposto por John Mearsheimer (1990). Essa escolha se deu pelas premissas defendidas por Mearsheimer, a principal delas é a de que um sistema bipolar (Guerra Fria) seria mais seguro do que um sistema multipolar (pós-Guerra Fria). Já a metodologia utilizada nessa pesquisa é a análise qualitativa, assim privilegiando o conteúdo e não a questão estatística. O objetivo ao se utilizar a análise qualitativa é dar ênfase ao contexto do objeto de estudo. Além da introdução e das considerações finais, a monografia está organizada em três capítulos. No primeiro, é tratado sobre o referencial teórico e a metodologia adotadas para a realização do trabalho, assim é realizada uma análise sobre como o Realismo Ofensivo e como a pesquisa qualitativa foram utilizadas nessa pesquisa. No segundo, aborda-se a RPDC na Guerra Fria, evidenciando fatos históricos que desencadearam o desenvolvimento do pensamento Zuche, neste capítulo também é tratado sobre a barganha nacionalista que o Zuche utiliza ao explorar a rivalidade sino-soviética no decorrer da Guerra Fria. No terceiro capítulo é abordado a RPDC no pós-Guerra Fria e a adoção da política Songun substituindo o defasado Zuche, uma vez que o fim da URSS demarca o encerramento de um sistema bipolar e início de um multipolar. A RPDC 10 sofrerá com o fim da Guerra Fria e desmantelamento da URSS, somados a isso há uma crise interna, chamada de Marcha Penosa, quando o líder Kim Il Sung falece, seguida por uma série de catástrofes naturais, especialmente enchentes e secas, resultando crise alimentar e consequente fome. Além disso, no último capítulo é abordado como a RPDC conseguiu sobreviver a esse contexto catastrófico, apontando a aliança entre Kim Jong Il com o setor militar norte-coreano e o processo de nuclearização que a política Songun traz como um dos responsáveis, tanto externamente com a dissuasão nuclear, como internamente com a substituição da matriz energética, adotando a energia nuclear e hidrelétrica como meios de se assegurar a independência e autossuficiência energética. 11 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO O impacto da política Songun no perfil econômico e no papel internacional da República Popular Democrática da Coreia (RPDC) na década de 1990 foi analisado sob a ótica da escola Realista das Relações Internacionais, utilizando seus conceitos e premissas fundamentais, especificadamente a abordagem do Realismo Ofensivo (MEARSHEIMER, 1990), utilizado para o entendimento da questão. Antes de tratar dos conceitos e premissas realistas, e da própria abordagem do Realismo Ofensivo, torna-se necessário esclarecer aspectos essenciais da escola teórica Realista e realizar uma pequena síntese sobre sua ideia central: No f inal da Segunda Guerra Mundial impunha-se uma nova abordagem das Relações Internacionais, mais próxima dos fatos e como reação ao Idealismo. Assim, surge o realismo, que atribui à Segunda Guerra Mundial a ingenuidade da diplomacia de apaziguamento que prevaleceu no decurso do período entre as duas guerras. Para o realismo, o Estado é o único ator do sistema internacional; é um ator unitário; racional; e a segurança nacional ocupa o topo da hierarquia dos assuntos internacionais (SOUSA, 2005, p. 156). Dessa forma, o Estado ganha destaque na análise realista e, junto a isso, a questão sobre segurança nacional de cada Estado assume notoriedade nos assuntos internacionais. Santos (2016, p. 85) traz que o Realismo trata o “[...] Estado sendo cerne das Relações Internacionais, de tal modo a ser um ator unitário – representando uma totalidade – e racional – maximizando ganhos e minimizando perdas”. Assim, desconsidera-se o que é gerado dentro do Estado, para então analisar o Estado em sua totalidade. Há uma diversidade dentro da escola do Realismo e também entre os seus autores. Contudo, é possível identificar algumas características comuns: Existem duas características comuns a vários realistas, mas que não são propriamente conceitos: a primeira é a ênfase no que acontece no sistema internacional, o que se traduz por considerar que o que ocorre dentro dos Estados não é relevante para a análise das relações internacionais. É o que alguns chamam da imagem do Estado como uma caixa preta A segunda é um pessimismo pronunciado e def initivo em relação à natureza humana (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 23-24). 12 Nesse sentido, enfatiza-se a distribuição do poder entre os atores internacionais, que são os Estados, buscando visualizar os ganhos relativos. Compara-se os Estados para perceber quanto cada um ganha dos demais, excluindo-se da análise o que acontece dentro dos mesmos (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). A partir dessas características comuns, é possível adentrar nos conceitos fundamentais da escola Realista e utilizá-los com a finalidade de compreender de que maneira foi possível a nuclearização da RPDC a partir da década de 1990 e seus desdobramentos. Nogueira e Messari (2005) conseguem sintetizar em poucas linhas os conceitos do Realismo, destacando a: [...] centralidade do Estado que tem por objetivo central sua sobrevivência, a função do poder para garantir essa sobrevivência, seja de maneira independente — no que seria caracterizado auto-ajuda —, seja por meio de alianças, e a resultante anarquia internacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 23). Os conceitos entrelaçados entre si servem para facilitar a nossa compreensão. Partindo desse ponto, examinaremos cada conceito visto anteriormente com mais minúcia. Iniciaremos a análise com o conceito de Estado, que é o ponto chave da escola Realista, já que considera o Estado como único autor, como evidenciado anteriormente. Nesse sentido, utilizaremos o conceito de Estado apresentado por Nogueira e Messari (2005, p. 24), os quais afirmam que “[...] o Estado é o ator central das relações internacionais.”, dessa forma, assumindo um grande foco na perspectiva realista. Nogueira e Messari (2005) dizem que o Estado possui duas funções precisas ao exercer seu papel nas relações internacionais: manter a ordem dentro do seu território e garantir a segurança de seus cidadãos em relação a agressões externas. Sendo assim, os Estados são parecidos, considerando este ponto de vista. 13 Nogueira e Messari (2005, p. 25) apontam que os realistas tomam o Estado como uma “caixa preta”, encaixando-o dentro do que chamam de “bola de bilhar” (billiard-ball), tratando-o como ator unitário e racional, que age conforme a defesa do seu interesse nacional, a qual resume-se ao menor custo e maior benefício para o Estado. O Estado como ator convive em uma dupla realidade: uma interna, na qual é soberano e tem autoridade e legitimidade para se impor, e outra realidade externa, em um contexto de anarquia internacional, onde está ausente qualquer autoridade soberana internacionalmente. Na realidade externa, a função do Estado é principalmente a defesa do interesse nacional, que nada é além da su a preservação e permanência como ator nas relações internacionais (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 25). Ao tratarmos sobre a RPDC, visualizamos um Estado cercado por grandes potências, desde aliados (China e Rússia) até rivais (Japão, Coreia do Sul e EUA, este comsuas tropas estacionadas na Coreia do Sul). Dessa maneira, o conceito de Estado da escola Realista pode ser bem útil, já que, com o fim da URSS na década de 1990, a RPDC perde seu maior parceiro econômico e, além disso, inúmeras experiências socialistas do leste europeu deixam de existir, causando uma incerteza sobre o destino da RPDC. O temor pelo fim da experiência socialista norte-coreana é um dos pontos centrais para o desenvolvimento da política Songun, que acaba por se relacionar com o papel principal do Estado, que é garantir seu interesse nacional, assegurando a sobrevivência do Estado como ator internacional e no caso da RPDC, a sobrevida da experiência socialista no país. Depois do conceito de Estado, é o momento de trabalharmos o conceito de interesse nacional e sobrevivência. Vimos anteriormente que a prioridade do Estado é manter sua sobrevivência como ator internacional, sendo assim o conceito de interesse nacional está estritamente ligado com o conceito de sobrevivência, já que o primeiro implica no segundo. 14 Opta-se pelos conceitos descritos por Nogueira e Messari (2005), sendo importante citar que “esse interesse nacional é a sobrevivência do Estado e sua permanência como ator. Essa sobrevivência é o interesse nacional supremo e fundamental que deve levar à mobilização de todas as capacidades nacionais.” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 27). Nesse sentido, cada Estado possui seu interesse nacional, que é igual para todos, já que sua sobrevivência garante que continue atuando como um ator internacional. O interesse nacional do Estado é resultado da configuração do sistema internacional, no qual tem-se “[...] a sobrevivência como o maior desejo do Estado. Ela deriva do conceito de anarquia, onde há ausência de Governo mundial, que engendra a busca pela sobrevivência no cenário internacional, visando sua permanência no sistema” (SANTOS, 2016, p. 86). A anarquia do sistema internacional leva os Estados a desconfiarem uns dos outros, o que incentiva os Estados a garantirem sua sobrevivência e propriamente seus interesses. Nogueira e Messari (2005, p. 28) dizem que “ao se garantir a sobrevivência do Estado, se garante também a sobrevivência do indivíduo.” Ao se tratar da RPDC, essa frase recebe uma atenuante, em que não é só a vida de cada indivíduo que está em jogo. Na luta ideológica global entre o capitalismo e o socialismo, a manutenção do Estado norte-coreano, além de preservar o regime socialista e seu interesse nacional, defende seus cidadãos do capitalismo. Isso decorre devido ao passado da península coreana, ao sofrer com o imperialismo japonês durante a II Guerra Mundial (1939-1945) e, posteriormente, com uma guerra traumática em seu próprio território, a Guerra da Coreia (1950-1953), contra os norte-americanos, já no âmbito da Guerra Fria. A sobrevivência do Estado norte-coreano na década de 1990 passa a ser a prioridade de seus dirigentes, neste período de grandes turbulências: queda da URSS, morte do grande líder Kim Il Sung, enchentes, secas e fome. A manutenção do regime e da experiência socialistas tornam-se fundamentais, levando a RPDC a buscar alternativas para sua sobrevivência. Posteriormente aos conceitos de interesse nacional e sobrevivência, trazemos o conceito de Poder, que Nogueira e Messari (2005, p. 28-29) abordam: 15 Enquanto alguns autores def inem o poder como a soma das capacidades do Estado em termos políticos, militares, econômicos e tecnológicos, outros estabelecem uma def inição de poder em termos relativos, ao def inirem o poder de um Estado não em relação as suas capacidades intrínsecas, mas sim em comparação com os demais Estados com os quais compete (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 28-29). Ao compreender o poder do Estado como relativo, Nogueira e Messari (2005) vão ao encontro de Santos (2016), que nos traz que: [...] o poder do Estado não é def inido por suas próprias capacidades, mas sim pela comparação com os demais Estados rivais [...] ao falarmos sobre a teoria neorrealista veremos que Waltz def ine o poder como um meio de garantir a segurança e a sobrevivência. Derivada do conceito de poder surge a balança/equilíbrio de poder, onde um Estado se une a uma grande potência para assegurar melhor seu interesse nacional. Desse modo, constata-se uma atitude política que é extrínseca ao poder, a garantia do interesse nacional, que a busca por esse interesse não garante que a balança f ique equilibrada entre os vários e que inexiste um sistema unipolar no cenário internacional (SANTOS, 2016, p. 86). Ligado ao conceito de poder, encontra-se o conceito de balança/equilíbrio de poder, no qual pode existir uma distribuição de poder bipolar ou multipolar que será abordada mais adiante ao tratarmos sobre o Realismo Ofensivo de Mearsheimer. Há autores que consideram que a distribuição “[...] bipolar é mais estável devido ao congelamento do poder, ou distribuição multipolar é mais estável por introduzir um grau maior de flexibilidade na condução da política internacional” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 30). Cabe ainda destacar que o Estado pode se aliar com outro Estado, no caso, a uma superpotência, para garantir seu interesse nacional. Sobre o poder há uma diferença de pensamento entre dois autores clássicos da escola realista. Nogueira e Messari (2005, p. 29) trazem que: “[...] Morgenthau af irma que os Estados procuram o poder visando à manutenção do status quo, à expansão ou ao prestígio, Waltz def ine o poder como um meio para garantir a sobrevivência e a segurança” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 29). O que nos interessa a partir dessas duas ideias de autores clássicos do realismo é de como o poder é utilizado pela RPDC, que está na busca por aumentar seu poder através do seu prestígio como potência nuclear, ao mesmo tempo em 16 que busca com isso sua sobrevivência e segurança, sendo esse o grande trunfo da política Songun. Ao mesmo tempo em que a RPDC se transforma em um estado com capacidade nuclear, ela passa a ser mais respeitada, da mesma maneira que afasta a possibilidade de agressões externas, assim garantindo sua sobrevivência. O conceito de autoajuda adotado nesta análise é a definido por Nogueira e Messari (2005, p. 31), compreendido pelo fato de que “[...] nenhum Estado pode contar com outro para defender seus interesses e sua sobrevivência”. Desse modo, cada Estado é responsável por seus interesses e sobrevivência, contando com sua própria capacidade para garantir isso, o que caracteriza a autoajuda. Seguindo nesse sentido, Santos (2016) explora o contexto, identificando que esse comportamento dos Estado, de realizar autoajuda, ocorre devido ao cenário internacional, no qual há anarquia, onde os Estados desconfiam-se uns dos outros, mesmo sendo aliados: A forma como os Estados interagem é tida como um sistema de autoajuda. Signif icando que como não há um Governo mundial, ou qualquer outra autoridade supranacional, para que seja assegurado o cumprimento de regras e a segurança dos Estados, os mesmos agem de forma autointeressada. Comportando-se, assim, de forma egoísta. É notável que tudo isso se deve à anarquia internacional, pois todos têm que lutar por sua sobrevivência e utilizar de todos os meios que lhes são disponíveis, pois nenhum Estado pode contar com outro para lhe ajudar, mesmo que essa ajuda seja apenas parcial (SANTOS, 2016, p. 86-87). Nogueira e Mesari (2005, p. 31) falam que os espaços para as alianças em um sistema de autoajuda podem até parecer reduzidos, entretanto não são, em razão de que os mecanismos da balança de poder acabam por estabelecer alianças militares que contemplam o interesse nacional. Importante salientar que a RPDC desenvolveu uma filosofia na década de 1950, a ideologia Zuche, que teve um papel essencial nas relações exteriores com seus aliados,em especial a URSS e a RPC (República Popular da China), não se curvando a nenhum dos dois e explorando a divergência entre ambos para garantir as melhores condições para a Coreia Popular em acordos realizados com essas potências. 17 Por fim, o último conceito é a anarquia internacional. Como comentado anteriormente, o cenário internacional é marcado pela anarquia, visto que não há nenhum Estado supranacional para ditar as regras que todos os demais Estados devem seguir. Entende-se por anarquia “[...] a ausência de uma autoridade suprema, legítima e indiscutível que posa ditar as regras, interpretá-las, implementá-las e castigar quem não as obedece” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 26). O cenário internacional, marcado pela anarquia, transforma-se em um ambiente no qual os Estados vão buscar garantir seus interesses nacionais, mantendo sua sobrevivência: O cenário anárquico propõe um ambiente altamente competitivo, onde há enorme desconf iança por parte do Estado, que todos visam sua sobrevivência [...] e têm a segurança como um bem de soma zero, pois a segurança de um Estado só pode ser atingida quando os outros Estados estão sem segurança (SANTOS, 2016, p. 85-86). Não há um único soberano responsável pelo monopólio do uso legítimo da força no sistema internacional, todavia o que existe é uma coexistência entre múltiplos soberanos que são responsáveis pelo uso legítimo da força em seu próprio território (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 26). Nesse cenário internacional anárquico, o Estado busca sempre manter seu interesse nacional, que não é nada além da sua preservação e permanência como ator nas relações internacionais. O Realismo Ofensivo de Mearsheimer (1990) consiste em apontar que a multipolarização do poder (pós-Guerra Fria) seja o ambiente mais provável para se desenvolver uma guerra, enquanto que a bipolarização (Guerra Fria) teria um efeito pacificador, baseado na dissuasão nuclear. O mundo durante a Guerra Fria, segundo Mearsheimer (1990), era mais seguro do que um mundo pós-Guerra Fria e multipolar, visto que a bipolarização, o poder militar em equidade e a própria posse de armamento nuclear geravam uma dissuasão mais poderosa, inclusive impedindo que Estados menores entrassem em conflito com outros: 18 A tranquilidade da era pós-guerra surgiu por três razões principais: a bipolaridade da distribuição de poder no Continente, a igualdade aproximada em poder militar entre os dois polos estados, e o aparecimento de armas nucleares, que expandiu enormemente a violência da guerra, tornando a dissuasão muito mais robusta (MEARSHEIMER, 1990, p. 11). Para justificar, Mearsheimer (1990) aponta que, em um sistema bipolar, os números de díades de conflito são menores, deixando a guerra menos provável, sendo que também há uma dissuasão nuclear para impedir uma provável guerra. Por fim essa mesma dissuasão tem mais chance de dar certo, pois no sistema bipolar não há muito espaço para erros de cálculo, o que acaba impedindo que algum Estado se aventure em uma guerra a outro: Um sistema bipolar é mais pacíf ico por três razões principais. Primeiro o número de díades de conf lito é menor, deixando menos possibilidades de guerra. Em segundo lugar, dissuasão é mais fácil, porque os desequilíbrios de poder são menores e mais facilmente evitado. Terceiro, as perspectivas de dissuasão são maiores porque os erros de cálculo de poder relativo e de resolução dos oponentes são menores e menos prováveis (MEARSHEIMER, 1990, p. 14). No sistema bipolar, há somente uma díade que é justamente entre as duas potências principais, não abrindo espaço para que outras potências com poderes menores se ataquem entre si, já que não teriam uma posição tão avantajada para isso. Por outro lado, em um sistema multipolar há muitas situações em que os conflitos são potenciais, visto que as díades são mais numerosas, tanto em poderes maiores quanto em menores, fazendo com que a guerra seja mais provável em um sistema multipolar do que bipolar (MEARSHEIMER, 1990, p. 14). Ainda sobre o sistema bipolar, é interessante observar como os Estados menores se comportam perante as potências: Em um sistema bipolar, duas grandes potências dominam. As potências menores têm dif iculdade em permanecer desvinculadas de uma das potências principais, porque as grandes potências geralmente exigem lealdade de estados menores. (Isso é especialmente verdadeiro em áreas geográf icas centrais, menos nas áreas periféricas). Além disso, os estados menores têm poucas oportunidades de jogar as grandes potências contra as outras, porque quando as grandes potências são menos numerosas, o sistema é mais rígido. Como resultado, os estados menores são pressionados para preservar sua autonomia (MEARSHEIMER, 1990, p. 14). 19 A RPDC, preocupando-se em preservar sua autonomia, desenvolve a política Songun, que possui como um dos objetivos escalonar as tensões entre EUA e RPDC, forçando seu principal aliado, a RPC, a agir em favor dos interesses norte- coreanos, o que somente é possível pela configuração multipolar do sistema internacional. Dessa forma, uma potência menor, como a RPDC, é capaz de jogar duas grandes potências uma contra a outra, no caso a China intervindo na situação para amenizar a escalada da tensão e assim preservar seu interesse, e os EUA buscando de alguma forma desempenhar um papel mais forte no nordeste asiático, o que esbarra na política Songun. Mearsheimer (1990, p. 8) aponta três contra-argumentos que poderão ser utilizados para contrapor as suas previsões pessimistas sobre a multipolarização no próprio futuro da Europa. O primeiro argumento é que a paz será preservada pela ordem econômica internacional liberal. O segundo argumento aponta que as democracias liberais não lutam em guerras umas contra as outras. Por fim, o terceiro argumento sustenta que os europeus tiveram algumas péssimas experiências neste século relacionadas a guerra, não sendo esta, convencional ou nuclear, uma opção sensata para os estados e suas sociedades. A teoria da interdependência econômica, argumento utilizado pelos liberais, é falha na visão de Mearsheimer pois se baseia no pressuposto de que os Estados são motivados a alcançar a prosperidade econômica. Todavia, Mearsheimer aponta que há um sistema internacional anárquico, no qual a prioridade dos Estados é garantir a própria sobrevivência, não havendo objetivo maior que isso, ou seja, não havendo espaço para se buscar a tal prosperidade econômica (MEARSHEIMER, 1990, p. 44). Mearsheimer (1990, p. 46) ainda diz que nessa interdependência econômica também pode haver chantagem e agressividade, visto que os níveis de dependência podem não ser iguais, fazendo com que os estados menos 20 vulneráveis tenham maior poder de barganha sobre os estados mais dependentes, forçando-os a fazerem concessões. Segundo Mearsheimer (1990) a teoria das democracias amantes da paz baseia-se no argumento de que a presença de democracias liberais no sistema internacional ajudará a criar uma ordem mais estável. Dois pontos são essenciais para essa teoria. O primeiro, que os líderes autoritários são mais propensos a buscarem uma guerra do que os líderes das democracias, já que os autoritários não são responsáveis com sua população. O segundo ponto é que os indivíduos que vivem em uma democracia liberal respeitam os direitos democráticos de indivíduos de outros Estados, isso resulta em uma aversão a guerra. Porém, Mearsheimer (1990, p. 49) contradiz essa teoria afirmando que não é possível sustentar a afirmação de que os indivíduos em uma democracia são especialmente sensíveis a guerra e, portanto, menos dispostos do que os líderes autoritários para lutar em guerras, apontando que, no registro histórico as democracias têm a mesma probabilidade de fazer guerras queos estados autoritários. Por fim, a última teoria que poderia ser utilizada contra o cenário multipolar pessimista de Mearsheimer a respeito do futuro da Europa é da obsolescência da guerra, dizendo que os europeus tiveram uma experiência traumática com as guerras (I e II Guerras Mundiais), resultando em uma aversão aos conflitos. Mearsheimer (1990, p. 30) diz que essa teoria é falha porque já bastaria a I Guerra Mundial para a rejeição da guerra convencional, em razão do grande número de baixas que houve no conflito. A teoria ainda afirma que foram os horrores dos conflitos que resultaram em paz durante o período da Guerra Fria, enquanto que Mearsheimer (1990) já aponta para o armamento nuclear como pacificador, enfatizando uma divisão entre a guerra convencional e a nuclear. Sendo assim o Realismo Ofensivo proposto por Mearsheimer (1990) é uma das principais ideias a respeito do pós-Guerra Fria, em específico na Europa, afirmando que um cenário multipolar poderia ser mais conflitante do que o período 21 de bipolarização durante a Guerra Fria, porém mais pacífico do que os primeiros 45 anos do século XX. Nessa pesquisa o Realismo Ofensivo será utilizado para compreender o contexto do desenvolvimento da política Songun, na RPDC no pós-Guerra Fria, utilizando as premissas que Mearsheimer (1990) aponta em seu estudo para compreender como um pequeno Estado foi capaz de jogar duas grandes potências uma contra a outra, ao mesmo tempo em que aposta no desenvolvimento econômico, sem a necessidade de modernizar um exército convencional para isso, já que o domínio sobre a tecnologia nuclear permite a utilização de uma dissuasão mais eficaz durante a escalada de tensões. 2.2 METODOLOGIA Ao tratarmos sobre metodologia devemos levar em consideração o tipo de pesquisa que iremos realizar, sendo necessário “escolher criteriosamente um método para levar a cabo a sua opção de trabalho, cuidando para que o mesmo seja compatível com a sua formação de historiador” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 542). Cardoso e Vainfas (1997) dizem que é necessário adotar certa flexibilidade no uso do método escolhido, para não ficar refém de “[...] procedimentos que prejudiquem as interpretações históricas de fundo e a verificação das hipóteses de trabalho” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 542). Nesse estudo optou-se por uma abordagem qualitativa de pesquisa, dando ênfase ao contexto no qual nosso objeto de estudo está inserido, este que é a política Songun, que se desenvolve na República Democrática Norte Coreana em um período conturbado (Fim da URSS, pós-Guerra Fria, morte de Kim Il Sung e catástrofes naturais). Essa abordagem qualitativa é essencial para a compreensão de determinado contexto, especialmente esse da adoção da política Songun: O pressuposto essencial das metodologias propostas para a análise de textos em pesquisa histórica é o de que um documento é sempre portador 22 de um discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente (CARDOSO; VAINFAS, 1997 p. 539). Desse modo, a bibliografia utilizada para a construção da pesquisa também foi abordada segundo a metodologia qualitativa, buscando compreender o contexto do que estava escrito, para além do discurso, não apenas citando trechos por condizer sobre o assunto abordado. A metodologia de análise do texto será qualitativa, segundo Chemin (2015, p. 56). A pesquisa qualitativa busca tratar sobre a investigação de valores, as atitudes, as percepções e as motivações do que está sendo pesquisado, possuindo como principal objetivo compreender a questão em sua profundidade, sem haver uma preocupação com a estatística. Devemos lembrar que “o desenvolvimento de um estudo de pesquisa qualitativa supõe um corte temporal-espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador (NEVES, 1996, p. 1). Nosso corte temporal-espacial é a RPDC na década de 1990, na qual desenvolve-se a política Songun, objeto do nosso estudo. A pesquisa qualitativa pode ser compreendia através da seguinte citação de Neves (1996): Enquanto estudos quantitativos geralmente procuram seguir com rigor um plano previamente estabelecido (baseado em hipóteses claramente indicadas e variáveis que são objeto de definição operacional), a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada, ao longo de seu desenvolvimento; além disso, não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise dos dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. Nas pesquisas qualitativas, é f req uente que o pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados (NEVES, 1996, p. 1). Uma das características da pesquisa qualitativa é que a compreensão das informações recolhidas é feita de um modo amplo, com a interrelação de diversos fatores. Dessa forma, é dada preferência aos contextos em que estão inseridas essas informações, que podem resultar em um conteúdo descritivo e até mesmo 23 na utilização de dados quantitativos, assim incorporados nas análises realizadas (CHEMIN, 2015, p. 56). Neves (1996, p. 1) ao citar Godoy (1995a, p. 62), aponta que há uma grande diversidade de trabalhos que possuem um conjunto de características essenciais para identificar uma pesquisa qualitativa, tais quais: o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental; caráter descritivo da pesquisa; o significado que as coisas recebem; enfoque indutivo. Destaca-se o papel do significado, uma vez que o pesquisador, partindo de seu referencial, irá interpretar o fenômeno e dará determinado significado, o que servirá de base para a pesquisa qualitativa: O vínculo entre signo e signif icado, conhecimento e fenômeno, sempre depende do arcabouço de interpretação empregado pelo pesquisador, que lhe serve de visão de mundo e de referencial. Esse arcabouço pode servir como base para estabelecer caminhos de pesquisa quantitativa e delimitação do tema, de forma tal que os esforços de cunho qualitativo e quantitativo podem se complementar. Embora possam estar presentes, tais vínculos nem sempre são explicitados de forma clara nos relatórios de pesquisa (NEVES, 1996, p. 2). Chemin (2015, p. 56), ao citar Malhotra (2006), diz que a “pesquisa qualitativa tem como objetivo alcançar uma compreensão qualitativa das razões, das motivações do contexto do problema; [...]”, assim como foi dito anteriormente, a pesquisa qualitativa não se importa só com o que está explicitamente escrito, mas também com o contexto daquilo que está escrito, sendo possível compreender para além das palavras escritas, identificando determinados discursos. Com relação ao contexto: Nas ciências sociais, os pesquisadores, ao empregarem métodos qualitativos estão mais preocupados com o processo social do que com a estrutura social; buscam visualizar o contexto e, se possível, ter uma integração empática com o processo objeto de estudo que implique melhor compreensão do fenômeno (NEVES, 1996, p. 2). Dessa maneira, Cardoso e Vainfas (1997, p. 547) destacam que: [...] a unidade de contexto diz respeito à totalidade, ao “contexto histórico”, às estruturas sociais e/ou ao universo simbólico no qual se insere(m) o(s) discurso(s) analisado(s). Trata-se de uma unidade “arbitrária”, posto que extratextual, que somente o historiador pode determinar, conforme suas 24 opções teóricas, suas escolhas temáticas e suas hipóteses de investigação (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 547). As referências utilizadas nesse estudo passaram por essaabordagem qualitativa, com o objetivo principal de se compreender o contexto do nosso tema de estudo e também do discurso que está por trás do que está escrito. As fontes utilizadas para esse estudo foram artigos científicos, livros, notícias em sites. Deu-se prioridade para os artigos científicos e livros disponíveis em língua portuguesa, entretanto destaca-se a pequena quantidade de tais materiais, havendo uma quantidade mais dinâmica disponível em língua inglesa, espanhola e coreana. Chama a atenção a quantidade e a qualidade das notícias sobre a RPDC e a própria política Songun disponíveis em sites, que se deve ao papel realizado pelo CEPS-BR (Centro de Estudo da Política Songun Brasil), o qual, através de parcerias, realiza traduções do coreano e inglês para o português, além de contar com informações privilegiadas diretamente da Coreia do Norte. Foi possível aplicar uma metodologia qualitativa neste estudo, em razão do nosso objetivo ser compreender o contexto da política Songun, resultado direto do pós-Guerra Fria, na RPDC na década de 1990. O Realismo Ofensivo será muito útil para a nossa compreensão, visto que é uma das vertentes teóricas que mais ganhou força no pós-Guerra Fria. 2.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO Nesse capítulo abordamos o referencial teórico e a metodologia adotadas para a construção deste trabalho. O referencial teórico adotado foi o da escola Realista das Relações Internacionais, especificadamente o Realismo Ofensivo proposto por Mearsheimer (1990), utilizando seus conceitos e premissas. Por outro lado, a metodologia adotada foi qualitativa, privilegiando o conteúdo e o seu contexto sobre a estatística. 25 A partir do referencial teórico buscamos compreender de que forma e que fatores estavam envolvidos para que houvesse uma nuclearização na RPDC n o decorrer da década de 1990, levando em conta a adoção da política Songun. Dessa maneira a compreensão de conceitos da escola Realista foi fundamental para nosso melhor entendimento. Os conceitos de Estado, interesse nacional, poder, sobrevivência, auto- ajuda e anarquia do sistema internacional foram de extrema importância para a compreensão da política Songun na RPDC na década de 1990, pois a adoção dessa política corresponde as premissas do Realismo Ofensivo propostas por Mearsheimer (1990). Mearsheimer (1990) busca através do Realismo Ofensivo apontar que a multipolarização (pós-Guerra Fria) era mais propícia para o desenvolvimento de conflitos do que a bipolaridade (Guerra Fria), uma vez que essa última contava com um elemento pacificador que era a dissuasão nuclear. Para justificar sua opinião, Mearsheimer (1990) aponta que em um sistema bipolar conta somente com uma díade, com as superpotências controlando os Estados menores, por outro lado, isso não ocorreria na multipolarização, havendo muitas situações de conflitos em potenciais. O Realismo Ofensivo proposto por Mearsheimer (1990) caracteriza-se por afirmar que um cenário multipolar pode ser mais conflitante do que o cenário bipolar que houve com a Guerra Fria. Nessa pesquisa a utilização do Realismo Ofensivo serviu para a compreensão da política Songun, assim buscou-se também compreender como um pequeno Estado foi capaz de sobreviver ao fim da Guerra Fria, mesmo seu lado saindo “derrotado” do conflito. A metodologia adotada nesse estudo, como dito anteriormente, foi a qualitativa, com o objetivo de dar ênfase ao contexto sob o qual nosso objeto de estudo está inserido, ou seja, a política Songun na RPDC na década de 1990. A partir dessa metodologia qualitativa, buscou-se abordar a bibliografia utilizada seguindo essa metodologia, dessa maneira buscamos compreender o que estava escrito e também o contexto disso que está escrito, analisando os discursos 26 que as fontes apresentam, por isso o principal objetivo dessa metodologia é compreender a questão em profundidade, ignorando a estatística. A adoção do referencial teórico baseado no Realismo Ofensivo relacionou- se bem com a adoção da metodologia qualitativa, em razão da política Songun poder ser compreendia por essa abordagem qualitativa, assim como o Realismo Ofensivo, servindo para a compreensão do contexto do pós-Guerra Fria. 27 3. A COREIA DO NORTE NA GUERRA FRIA 3.1 INTRODUÇÃO A Guerra Fria inicia-se logo após o fim da II Guerra Mundial, visto que os EUA e a URSS saem do conflito como os grandes vencedores e, dessa forma, passam a competir por poder no cenário internacional, resultando em um sistema bipolar, no qual são vistos como duas superpotências. A Europa, um dos palcos do conflito, chega ao final da II Guerra Mundial destruída, já que as potências do Eixo e dos Aliados se combateram por um longo período. A destruição na Europa afeta o cenário internacional, uma vez que a ordem era multipolar até mesmo antes da I Guerra Mundial, porém agora a ordem estabelecida é bipolar, na qual as duas superpotências não são europeias. A Guerra Fria possui esta característica única que é a bipolaridade, dessa maneira, cabe a nós interpretar essa bipolaridade e além disso, compreender as fases da Guerra Fria. Mas, antes, é necessário discutir a respeito da bipolaridade e da multipolaridade no Sistema Internacional. Há uma divergência entre os autores realistas sobre a estabilidade da balança de poder, alguns afirmam que a ordem bipolar é mais estável, apontando o congelamento de poder como um dos motivos para isso, enquanto que outros apontam a ordem multipolar como mais estável, em razão de um grau maior de flexibilização na condução da política internacional, contando com mais atores (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Como já apresentado anteriormente, utilizaremos a abordagem do Realismo Ofensivo, descrita por Mearsheimer (1990), o qual considera a ordem bipolar mais estável em relação à multipolar. Nesse sentido, buscamos interpretar a postura adotada pela RPDC durante a Guerra Fria, com a adoção da Ideologia Zuche, e no pós-Guerra Fria, com a introdução da Política Songun. 28 3.2 A BIPOLARIDADE DA GUERRA FRIA E SUAS FASES A Guerra Fria é resultado direto das ações que levaram ao fim a II Guerra Mundial, já havendo acordos sobre a divisão de influência no mundo por parte das potências mesmo antes da guerra ser finalizada, como ocorrido na Conferência de Ialta, realizada na Crimeia em fevereiro de 1945. Com o final da II Guerra Mundial, inicia-se o período conhecido como a ordem internacional da Guerra Fria (1947-1955), no qual a ordem bipolar é estabelecida e o mundo dividido conforme as influências das superpotências: [...] os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no f im da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual mas não contestado em sua essência. A URSS controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia predominante inf luência — a zona ocupada pelo Exército Vermelho e/ou outras Forças Armadas comunistas no término da guerra — e não tentava ampliá-la com o uso de força militar. Os EUA exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia imperial das antigas potências coloniais. Em troca, não intervinha na zona aceita de hegemonia soviética (HOBSBAWN, 1995, p. 224). Assim, as duas superpotências passaram a competir para manter e ampliar sua influência em diversas regiões do globo, porém mantinham uma certa coexistência pacífica, que nesse período pode ser percebida através dessa aceitação de distribuição global desigual: [...] as duas superpotências aceitavam a divisão desigual do mundo, faziam todo esforço para resolver disputas de demarcação sem um choque aberto entre suas Forças Armadas que pudesse levar a uma guerra e, ao contrário da ideologia e da retóricada Guerra Fria, trabalhavam com base na suposição de que a coexistência pacíf ica entre elas era possível a longo prazo. Na verdade, na hora da decisão, ambas conf iavam na moderação uma da outra, mesmo nos momentos em que se achavam of icialmente à beira da guerra, ou mesmo já nela (HOBSBAWN, 1995, p. 225-226). Nesse período os soviéticos adotaram o “[...] reinício do processo de militarização das fronteiras, o recrudescimento da política de espaços na Europa Oriental e o aceleramento do projeto de desenvolvimento da bomba atômica (SARAIVA, 2008, p. 204). Percebe-se nesse momento uma movimentação soviética para manter sua influência, principalmente na Europa Oriental , e também 29 a busca pelo desenvolvimento da bomba atômica que os EUA já possuíam. Dessa maneira, Saraiva (2008, p. 204) ainda traz que “[...] esses três fatores alimentariam a disputa entre as superpotências ao longo de toda a Guerra Fria”. A competição por influência entre EUA e URSS fez com que se desenvolvesse uma corrida, tanto armamentista quanto espacial, dessa forma não só o armamento nuclear era importante, mas também a capacidade tecnológica de cada superpotência para se desenvolver: O controle da energia atômica e o desenvolvimento da pesquisa espacial elevaram os soviéticos à condição de igualdade com os norte-americanos nesses dois campos, já nos anos 1950. O Pacto de Varsóvia viria, mais tarde, estender o guarda-chuva de proteção nuclear de Moscou sobre a Europa Oriental. O equilíbrio atômico entre as duas superpotências se tornaria, assim, um dos eixos “quentes” da Guerra Fria até a segunda metade dos anos 1950 (SARAIVA, 2008, p. 205). O balanceamento entre as superpotências nessa ordem bipolar se deu através do equilíbrio atômico, pois ambas possuíam uma grande capacidade destrutiva em seus arsenais. Com cada superpotência possuindo a capacidade de destruir não somente a outra superpotência, mas o mundo em si, houve a necessidade de afastar a guerra como instrumento de política, em razão da possibilidade de destruição mútua no caso de uma guerra nuclear: Assim que a URSS adquiriu armas nucleares — quatro anos depois de Hiroxima no caso da bomba atômica (1949), nove meses depois dos EUA no caso da bomba de hidrogênio (1953) — as duas superpotências claramente abandonaram a guerra como instrumento de política, pois isso equivalia a um pacto suicida. Não está muito claro se chegaram a considerar seriamente a possibilidade de uma ação nuclear contra terceiros — os EUA na Coréia em 1951, e para salvar os f ranceses no Vietnã em 1954; a URSS contra a China em 1969 —, mas de todo modo as armas não foram usadas. Contudo, ambos usaram a ameaça nuclear, quase com certeza sem intenção de cumpri-la, em algumas ocasiões: os EUA para acelerar as negociações de paz na Coréia e no Vietnã (1953, 1954), a URSS para forçar a Grã-Bretanha e a França a retirar-se de Suez em 1956. Infelizmente, a própria certeza de que nenhuma das superpotências iria de fato querer apertar o botão nuclear tentava os dois lados a usar gestos nucleares para f ins de negociação, ou (nos EUA) para f ins de política interna, conf iantes em que o outro tampouco queria a guerra (HOBSBAWN, 1995, p. 227). 30 A ameaça nuclear serviria melhor como barganha, já que a real utilização desse tipo de armamento poderia resultar em uma mútua destruição, o que parece não ter sido o objetivo de nenhuma das duas superpotências, assim: Os dois lados viram-se assim comprometidos com uma insana corrida armamentista para a mútua destruição, e com o tipo de generais e intelectuais nucleares cuja prof issão exigia que não percebessem essa insanidade [...] como era de se esperar, os dois complexos industrial - militares eram estimulados por seus governos a usar sua capacidade excedente para atrair e armar aliados e clientes, e, ao mesmo tempo, conquistar lucrativos mercados de exportação, enquanto reservavam apenas para si os armamentos mais atualizados e, claro, suas armas nucleares. Pois na prática as superpotências mantiveram seu monopólio nuclear (HOBSBAWN, 1995, p. 233). Manter o monopólio nuclear era manter a estabilidade como superpotência e consequentemente a bipolaridade do sistema, pois uma terceira superpotência quebraria esse cenário bipolar, transformando-o em multipolar. Se essa terceira superpotência também fosse dotada de capacidade nuclear bélica poderia desiquilibrar a distribuição de influência entre as superpotências, levando provavelmente ao conflito. Podemos pensar nessa distribuição de influência bipolar analisando o nordeste asiático. Saraiva (2008) diz que desde Ialta havia um acordo de equilíbrio na Ásia, no qual o nordeste asiático faria parte da influência soviética, enquanto o Pacífico estaria sob influência norte-americana. Todavia, problemas nas definições dessas áreas de influência fizeram com que “[...]sobre a Coréia viesse incidir um choque condominial de proporções dramáticas para o curso das relações internacionais contemporâneas” (SARAIVA, 2008, p. 210). É nesse período de estabelecimento da influência bipolar que ocorre a ascensão comunista na China (1949) e a Guerra da Coreia (1950-1953), mostrando a importância do domínio no nordeste asiático por parte das superpotências. A respeito da Guerra da Coreia, ela será abordada em breve, cabendo aqui somente uma menção em relação a fase da Guerra Fria em que ela está inserida. A segunda fase da Guerra Fria conhecida como coexistência pacífica (1955- 1968), é o resultado da fase anterior de quando se incentivou uma corrida 31 armamentista, sobretudo nuclear, ficando eviden te a capacidade destrutiva de ambas as superpotências: A f lexibilização da ordem bipolar foi a característica mais marcante das relações internacionais no período que vai de 1955 a 1968. [...] A coabitação pacíf ica, alimentada pela percepção da capacidade destrutiva que carregavam com seus armamentos atômicos, e as forças profundas que vieram alimentar os novos movimentos nas relações evidenciaram a imperfeição do modelo bipolar (SARAIVA, 2008, p. 212). A coexistência pacífica é o período no qual ambas superpotências entram em acordo, em que reconhecem a capacidade destrutiva da outra e, assim, evitam criar tensões que realmente as levem para um conflito direto: Na verdade, o resultado líquido dessa fase de ameaças e provocações mútuas foi um sistema internacional relativamente estabilizado, e um acordo tácito das duas superpotências para não assustar uma à outra e ao mundo, simbolizado pela instalação da “linha quente” telefônica que então (1963) passou a ligar a Casa Branca com o Kremlin. O Muro d e Berlim (1961) fechou a última f ronteira indef inida entre Oriente e Ocidente na Europa. Os EUA aceitaram uma Cuba comunista em sua soleira (HOBSBAWN, 1995, p. 240). Conforme Saraiva (2008, p. 213) a coexistência pacífica é o resultado de seis grandes movimentos nas relações internacionais: aggiornamento (atualização) econômico e político da Europa Ocidental; flexibilização intraimperial no sistema de poder das duas superpotências; desintegração do bloco comunista; descolonização dos povos e nações afro-asiáticas; articulação própria de alguns países latino- americanos visando inserção internacional e declínio gradual das armas nucleares na barganha de poder mundial. A partir desses movimentos percebe-se uma mudança de perspectiva durante a Guerra Fria, em que a bipolaridade do sistema internacional mostra-se imperfeita. Assim, abriu-se espaço para que novos mecanismos fossem implementados e atenuassem a incerteza da Guerra Fria: Os seis fatores juntos, interligados, tendiam a atenuar o peso da Guerra Fria, animando mecanismos mais dinâmicos e menos dicotômicos da vida internacional. A coexistência pacíf ica foi, portanto, o resultado de uma re- acomodação das forças profundasque vinham alimentando as mudanças da ordem bipolar típica e do sistema de f inalidades, dos novos cálculos e estratégias, que tornaram a vida internacional dos tardios anos 1950 e 32 grande parte da década de 1960 menos insegura que os incertos anos da Guerra Fria (SARAIVA, 2008, p. 214). A terceira fase da Guerra Fria é conhecida como deténte, ou relaxamento, ocorrendo de 1969 a 1979, período em que há um relaxamento nas tensões entre os EUA e a URSS. As superpotências se tornam mais próximas e parceiras uma da outra, todavia, ainda ocorrem conflitos localizados na periferia do sistema internacional: O conceito de détente está vinculado umbilicalmente aos novos arranjos dos tardios anos 1960 e à década de 1970. A erosão do monolitismo ideológico dos dois blocos atribuiu uma nova conotação às relações internacionais. Além de adversários, os Estados Unidos e a União Soviética apresentaram-se como parceiros. Esse foi o ineditismo histórico que permite separar a década de 1970 dos anos rígidos da Guerra Fria e do período da coexistência pacíf ica. A confrontação deixaria de ser direta para ser transportada para conf litos localizados na Ásia, na África e no Oriente Próximo (SARAIVA, 2008, p. 233). Segundo Hobsbawn (1995, p. 241), na década de 1970 o mundo entrou na Segunda Guerra Fria, havendo uma grande mudança na economia mundial, com crise a longo prazo, que serão características das duas décadas a partir de 1973, chegando ao auge no começo da década de 1980. Saraiva (2008, p. 231) aponta que “a deténte, consubstanciada no concerto americano-soviético, foi a característica mais nítida daqueles anos”, resultando na flexibilização das relações entre as superpotências. Segundo o mesmo autor, há quatro fenômenos que são característicos desse período de deténte: o concerto americano-soviético; tomada de consciência da Europa, Ásia e América Latina quanto a diversidade de interesses; proposta dos países do Terceiro Mundo em construir uma nova ordem econômica internacional e crises econômicas geradas pelas intranquilidades das crises energética e financeira. Percebe-se, a partir desses fenômenos, que a bipolaridade no cenário internacional, exercida pelas superpotências, já enfrentavam alguns problemas, em especial porque seus aliados cresciam economicamente. No caso dos EUA, temos o Japão e a UE em ascensão econômica e, no caso da URSS, temos a RPC em 33 crescimento econômico, e também questionando algumas decisões tomadas pela URSS: Os quatro fenômenos formaram o conjunto de transformações observadas na essência do sistema internacional e modif icaram suas causalidades. Não houve, nos anos 1970, mudança substancial na hierarquia das potências, mas vários fatores abalaram a ordem bipolar e af irmaram a diversidade, bem como a multipolaridade econômica e ideológica (SARAIVA, 2008, p. 232). Assim, no período da deténte, as superpotências passaram a buscar um relacionamento mais próximo, como parceiros, visto que os aliados de ambas cresciam econômicamente, o que poderia ser percebido como uma ameaça a estabilidade bipolar do Sistema Internacional. Desse modo, nenhuma das superpotências queria perder seu poder hegemônico para algum de seus aliados. A última fase da Guerra Fria corresponde às últimas décadas do século XX, décadas de 80 e 90 (1980-1999). Esse período é marcado pelo desmantelamento da URSS, havendo um breve período de predominância de uma única superpotência, os EUA, seguida pela multipolarização do sistema internacional. A Guerra Fria chega ao fim com o desmantelamento da URSS em diversos países. Dessa maneira, cabe destacar que a experiência do socialismo real foi derrotada por causa da corrida armamentista com os EUA, ao tentar competir com o programa “Guerra nas Estrelas”, e também pelas reformas políticas e econômicas (Glasnot e Perestroika), que fracassaram e conseguiram levar ao fim a URSS: A agonia f inal do modo de produção socialista teve início quando a superpotência americana adotou o programa armamentista conhecido como “Guerra nas Estrelas”, forçando a superpotência soviética a tentar reproduzir o “keynesianismo militar” da administração Reagan, numa corrida tecnológica e militar, que, a seu termo, revelará custosa demais para a União Soviética. O f inal político relativamente rápido dessa “era dos extremos” da competição hegemônica global, para seguir o título do livro de Eric Hobsbawn sobre o breve século XX, pode, no entanto, ser contraposto, do ponto de vista econômico, ao longo século XX de Giovanni Arrighi, isto é, a continuidade cíclica do século americano e o lento deslocamento de hegemonias econômicas (Japão, União Europeia), sem claras alternativas ao capitalismo triunfante de um fin-de-siéde pouco complacente com os perdedores (ex-socialistas, países da África, partes da América Latina e do Oriente Médio) (SARAIVA, 2008, p. 256). 34 Hobsbawn (1995, p. 234) destaca que, apesar da corrida armamentista entre as superpotências, “[...] as armas nucleares não foram usadas”. Assim, percebe-se uma característica mais estável na bipolaridade durante a Guerra Fria do que no cenário multipolar anterior, visto que, apesar do avanço tecnológico-militar, exemplificado na confecção de armas de destruição em massa, elas não foram utilizadas para tal fim, mas sim para barganhar com a outra superpotência. Para finalizar essas fases da Guerra Fria, é necessário ressaltar que segundo Mearsheimer (1990) a bipolaridade, mesmo com seus defeitos, mostrou- se mais estável que os períodos anteriores, no qual a multipolarização resultou em duas guerras mundiais. 3.3 A RPDC DURANTE A GUERRA FRIA Ao tratarmos da RPDC durante a Guerra Fria, é preciso voltar nosso foco para a II Guerra Mundial, período em que a dominação imperialista japonesa na península coreana resultou em uma grande exploração das matérias-primas e mão- de-obra coreana, ao mesmo tempo em que instituiu uma niponização da península: Os colonizadores buscavam erradicar a identidade nacional coreana, inclusive com a obrigação de adoção de nomes próprios e uso da língua japonesa, enquanto construíam uma inf raestrutura moderna e indústrias para aproveitar os recursos minerais do país (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 19). Dessa forma, percebe-se o caráter preconceituoso que o nacionalismo japonês possuía ao tratar as regiões dominadas através de sua expansão territorial, que tinha como objetivo garantir as matérias-primas para sua indústria, ao mesmo tempo em que forçava novos mercados a se abrirem aos produtos gerados pelas indústrias, fomentando a máquina de guerra japonesa: 35 O colonialismo japonês na Coreia foi controverso, pois pode ser visto tanto como elemento modernizador e desenvolvimentista, como também um sistema brutal e repressor. Na verdade, trata-se de uma contradição dialética, porque foi ambas as coisas e, como em todos os casos de colonialismo, a modernização é estruturada em benef ício da metrópole (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 33). O investimento japonês na infraestrutura da península coreana deve ser percebido como mais um meio de ampliar a dominação do imperialismo e não como uma dádiva dos imperialistas aos povos dominados, visto que a única razão para o investimento são os benefícios que a potência imperialista receberá, enquanto o povo dominado ainda estará subordinado a outros interesses alheios ao seu. Ademais, o investimento japonês na infraestrutura coreana foi uma forma de aumentar a exploração da península coreana. Consequentemente a isso, e para preservar esses investimentos, os japoneses criaram um sistema repressor contra os coreanos, buscando impedir uma revolta contra a dominação do Império Japonês. A península coreana já sofria com a intervenção japonesa em seu território desde 1910.Todavia, com os esforços de guerra japonês antes e durante a II Guerra Mundial, a situação na península se complicou, uma vez que o império japonês precisava de mais matérias-primas, mão-de-obra e soldados, além de evitar uma possível rebelião nessa região dominada: Com a Guerra do Pacíf ico (1937-1945), os coreanos sofreram ainda mais os efeitos da dominação japonesa, com exploração eco nômica, recrutamento e emigração forçados de mão de obra, perseguição política, obrigação de servir no exército como força auxiliar e o fenômeno das Mulheres de Prazer (Comfort Women), obrigadas a se prostituir e acompanhar os of iciais japoneses (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 20). Outro efeito da dominação japonesa na península coreana foi o esboço de uma divisão entre o norte e o sul: o norte concentrando a indústria pesada e os principais recursos minerais, enquanto o sul era responsável pela produção agrícola e materiais têxteis: Os japoneses estabeleceram uma divisão de trabalho regional que impactou fortemente no desenvolvimento das duas Coreias, quando foram 36 divididas pelo Paralelo 38°. O norte concentrava a indústria pesada e as atividades de mineração, enquanto o sul produzia os alimentos (65% em 1945) e os bens de consumo (sobretudo têxteis). Essa divisão do trabalho era f ruto das diferenças geográf icas e da disposição de recursos naturais no território coreano: a porção setentrional era, predominantemente, uma zona de montanhas, rica em recursos minerais e com grande potencial hidrelétrico, mas com apenas 16% de terras férteis; na região meridional predominavam planícies, com grande quantidade de terras férteis e uma população duas vezes maior. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 39) Ainda sobre esse período de domínio japonês na península coreana, ressalta-se o papel desempenhado pelos guerrilheiros comunistas na luta antiimperialista, que possuíam contatos com guerrilheiros da China, visto que a fronteira entre a península coreana com o restante do continente nesse período era bastante porosa (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015). O domínio japonês na península coreana chega ao fim com a ação do Exército Vermelho da URSS, ao libertar o nordeste asiático do domínio japonês, seguindo o que já tinha sido brevemente combinado com outras potências aliadas: A Coreia e o nordeste da China, ao longo da Segunda Guerra Mundial, tornaram-se uma praça de armas, reservas militares e centros industriais, por se encontrarem protegidas dos bombardeios norte-americanos. Durante a Conferência de Ialta, foi demandado à URSS atacar os japoneses pela retaguarda, noventa dias após o f im das hostilidades na Europa (8 de maio), o que se deu em agosto de 1945, simultaneamente ao bombardeio nuclear das cidades de Hiroshima e Nagasaki. Este último evento estava mais vinculado à nascente Guerra Fria que à Segunda Guerra Mundial, que se encerrava. Mas, ao mesmo tempo que a URSS era introduzida na balança de poder da Ásia oriental, por força dos acordos de Ialta, o presidente Truman (que substituía o recentemente falecido Roosevelt) procurava limitar o impacto desse novo fator regional, bem como a emergência dos movimentos nacionalistas e revolucionário s asiáticos (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 47) Com o estabelecimento da URSS na balança de poder na Ásia Oriental, há uma divisão da península coreana, seguida pelo estabelecimento de dois Estados, cada um deles aliando-se com uma superpotência hegemônica, passando a ser protegido por sua respectiva aliada. Cada Estado estabelecido vai seguir as diretrizes encaminhadas pela superpotência. O norte adotará o modelo de economia soviética, apostando nos 37 planos quinquenais, e o sul adotará uma política de extrema repressão aos líderes e movimentos pela reunificação da península, atendendo aos anseios norte- americanos (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015): O estabelecimento de dois Estados coreanos, com regimes políticos opostos e estreitamente ligados às potências líderes dos dois blocos, viria a torná-lo ainda mais complicado, com a criação de um regime socialista na China. A nova conf iguração geopolítica da Ásia oriental estabelecia, a partir de então, uma massa continental sob o controle comunista, e uma periferia oceânica insular (Japão, Taiwan e Filipinas) e peninsular (Coreia do sul e Vietnã do Sul), sob o domínio norte-americano. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 56-57) Cabe ressaltar que, logo após a libertação da península e sua divisão em áreas de influência no paralelo 38, o norte foi beneficiado com uma grande assistência soviética que tinha o intuito de desenvolver a indústria norte-coreana, aproveitando-se da infraestrutura que já havia, aquela que anteriormen te havia recebido investimentos dos imperialistas japoneses, com o objetivo de sustentar seu crescimento econômico: Além disso, a industrialização norte-coreana foi facilitada pelo grande volume de assistência soviética durante a ocupação, tanto em termos de formação e importação de técnicos, escassos naquele momento, quanto de auxílio f inanceiro e comercial. Desde 1946, a URSS forneceu à Coreia do Norte maquinário industrial, equipamentos, matérias-primas e combustível para a reconstrução econômica do país. De acordo com as estatísticas da RPDC, a produção industrial, em geral, mais que triplicou entre 1946 e 1949, com os setores de maior crescimento abarcando a construção civil, os têxteis, a metalurgia, o maquinário, a mineração e o carvão. Além disso, o desenvolvimento industrial norte-coreano foi fortemente favorecido pela abundância de recursos energéticos e o grande potencial hidrelétrico do país. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 61) Ainda nesse período de pós-II Guerra Mundial e pré-Guerra da Coreia, ocorrem reformas profundas na parte norte da península, idealizadas por Kim Il Sung, buscando estabelecer uma economia socialista sólida e baseada no modelo soviético: Concomitantemente à reforma agrária e à nacionalização das indústrias, estabeleceu-se, na RPDC, uma economia socialista semelhante ao modelo soviético, dirigida pelo Estado, com base em planos de longo prazo e alto grau de centralização da indústria e da agricultura. Assim, o governo estabelece metas de produção, determina os preços, redistribui 38 renda e aloca investimentos. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 61). A RPDC, desde o seu início no pós-II Guerra Mundial, seguirá o exemplo de quem a ajudou a ser libertada, no caso a URSS. Dessa maneira, a RPDC adotará o mesmo modelo econômico soviético, no qual o dirigismo estatal, a grande centralização das indústrias e também os grandes investimentos na indústria pesada serão características de ambos. Essa semelhança será marcante no relacionamento entre os países, visto que, no decorrer da Guerra Fria, a URSS irá conceder diversos empréstimos e outros auxílios para fortalecer o desenvolvimento da parte norte da península. Um fato marcante entre o final da II Guerra Mundial e a Guerra da Coreia (1950-1953) é a Revolução Chinesa, consumada em 1º de outubro de 1949, alterando a configuração política do nordeste asiático, visto que agora a maior parte da massa territorial continental pertencia aos comunistas, causando um certo temor para a parte sul da península e ao próprio Estados Unidos: Esse evento foi particularmente importante por forjar, inevitavelmente, novos vínculos entre a Coreia do Norte e a China, o que ampliou consideravelmente a capacidade de negociação de Kim Il Sung no pós - Guerra da Coreia, permitindo-lhe barganhar com os dois gigantes comunistas. A iniciativa da RPDC de prover auxílio, ainda que limitado a suas possibilidades, para o sucesso da Revolução Chinesa demonstra, por sua vez, que as elites norte-coreanas não eram mero fantoche da URSS e que já vislumbravamuma forma de garantir a autonomia do país (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 58). A URSS ficará em um primeiro momento responsável pela maior parte da ajuda econômica e militar destinada a parte norte da península, em razão da atuação política no encaminhamento do fim da II Guerra Mundial. Mas, por questões de maior proximidade, a China passará a também se preocupar com o regime do norte, visto que a manutenção desse regime impediria ela de fazer fronteira com um aliado em potencial dos EUA. 39 Essa nova configuração no nordeste asiático influenciará a política externa da RPDC durante o decorrer da Guerra Fria, em razão da busca por autonomia do norte da península. Essa autonomia é em relação aos seus aliados, URSS e RPC, o que ficará mais marcante com a disputa sino-soviética pela hegemonia do bloco comunista. A premissa do realismo que aponta que nenhum Estado pode confiar em outro Estado, imigo ou aliado, encontra fundamento nessa questão de rivalidade sino-soviética, uma vez que há disputado de poder dentro do próprio bloco, essa disputa que será bem explorada pela barganha nacionalista promovida pelo Zuche de Kim Il Sung. 3.3.1 GUERRA DA COREIA A Guerra da Coreia (1950-1953) é o resultado direto da clivagem política entre as superpotências da Guerra Fria, visto que cada uma sustentava seu aliado e, por se tratar de uma região estratégica no nordeste asiático, nenhuma das superpotências queria ceder espaço para a outra, deixando a possibilidade de uma reunificação da península cada vez mais distante. Ao tratarmos da Guerra da Coreia, nosso objetivo é abordar o contexto do conflito e não tanto o conflito em si, ou seja, queremos identificar a participação dos aliados de cada lado, URSS e RPC apoiando o norte da península e EUA apoiando o sul da península. Dessa forma trataremos dos aspectos mais impactantes do conflito. Na literatura referente ao assunto, muito se fala sobre o que levou ao conflito, ora acusando um lado, ora o outro lado. O mais interessante não é culpabilizar somente um lado pelo conflito, já que muitos fatores, desde o final da II Guerra Mundial, desencadearam o contexto na península coreana: A discussão sobre a responsabilidade pelo desencadeamento da guerra em 25 de junho de 1950 é pouco importante, porque ambos os lados desejavam a unif icação pela força e, a partir de determinado momento, os EUA, a China e a URSS estavam dispostos a apoiá-la, embora sem 40 esperar que se tornasse um conf lito mundializado. Além disso, a Coreia do Sul já se encontrava em guerra civil havia quase três anos, com o governo tentando esmagar as guerrilhas e com frequentes choques armados na f ronteira intercoreana. Mas a guerra se revelou uma traumática experiência, com um nível inédito de violência e destruição e de dimensão internacional, com os EUA e algumas outras nações sob a bandeira da ONU, de um lado, e os chineses, de outro. Encerrada num impasse, a divisão se perpetuou. Os coreanos, comunistas e anticomunistas, não foram peões das potências, mas os protagonistas, e Rhee não desejava aceitar o armistício. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 21) Torna-se difícil apontar os responsáveis pelo início do conflito em razão de haver muitas atenuantes e a própria questão do envolvimento de ambas superpotências. Podemos apontar o principal fator que desencadeou o conflito, que foi a ideia de reunificação da península pelo uso da força, que era o desejo de ambos os lados, mas que teve suas primeiras ações pela parte norte da península: Não há consenso entre os historiadores acerca de quem deu início a Guerra da Coreia e quais foram suas causas. A historiograf ia norte- americana e a sul-coreana tradicionais sustentam que o conf lito teria sido def lagrado por Kim Il Sung, com apoio da URSS, com o objetivo de dominar toda a península. A historiograf ia of icial norte-coreana, por sua vez, defende que o norte estava respondendo a provocações sul-coreanas na f ronteira e que o objetivo do ataque teria sido a libertação da metade sul da península. Em uma análise mais acadêmica, autores como Cumings (2004), French (2005) e Lee (1996) questionam ambas as versões, alegando que a guerra teria se originado de causas múltiplas, com responsabilidades imputáveis a todos os atores envolvidos, não apenas os internos, mas também os externos, como os EUA e a URSS. Todavia, nenhuma das duas superpotências tinha interesse prévio de entrar em conf lito direto. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 64-65) O que podemos considerar a respeito dos motivos do conflito é a necessidade dos ambos os lados em liderarem o processo de reunificação, ou seja, cada lado queria prevalecer sobre o outro e, desse modo, expandindo sua ideologia no território alheio. Já que as causas do conflito são múltiplas e há um objetivo comum para ambos, que é a reunificação, podemos buscar o ponto de partida para o desencadeamento das ações, como uma forma de identificar os principais fatores: 41 O ponto de partida foi a proclamação da República Popular Democrática da Coréia pelos revolucionários comunistas que haviam lutado contra os japoneses (SARAIVA, 2008, p. 210). Saraiva (2008) aponta a proclamação da RPDC como ponto de partida para o conflito, todavia, essa proclamação ocorreu em 9 de setembro de 1948 e foi uma resposta da parte norte da península à proclamação da parte sul da península, realizada em 15 de agosto de 1948. Percebe-se então que há uma escalada nas tensões entre o norte e o sul da península coreana a partir de suas respectivas proclamações, porém não cabe aqui identificar a RPDC como a responsável, visto que sua proclamação foi uma resposta a um fato anterior. Por isso, cabe a República da Coreia a responsabilidade pelo aumento das tensões que desencadearam o conflito. Além das proclamações, salientamos que há outros motivos para esse aumento das tensões e que, antes da Guerra da Coreia, já havia uma guerra civil na parte sul da península, marcada pelas “[...] revoltas antiamericanas no sul e assassinatos de líderes pró-unificação [...]” (SARAIVA, 2008, p. 210): Na realidade, desde 1948, já existia uma guerra civil na península, que apenas se internacionalizou. Stalin não ordenou, e sim aceitou os planos de Kim, para compensar a evolução desfavorável da situação europeia (criação da Alemanha Ocidental e da OTAN), pois a Coreia era pouco relevante para a estratégia soviética. Na perspectiva da URSS, a conjuntura parecia propícia, pois em agosto de 1949 o país se tornou uma potência nuclear e, em outubro, os comunistas chegavam ao poder na China. (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 65) O início da guerra é marcado pela atuação do Exército Popular Coreano (EPC), alcançando várias vitórias em uma rápida expansão em direção ao sul, encurralando as tropas da ONU (Organização das Nações Unidas) em Pusan. Além disso, houve o apoio da população, que acolheu o EPC como libertador, reconstituindo os Comitês Populares e realizando a reforma agrária nas terras libertadas (VISENTINI; PEREIRA; MELCHIONNA, 2015, p. 68). Hobsbawn (1995) diz que os EUA estavam abalados com a ascensão comunista na China em 1949 e assim preocupados com a situação na península coreana, dessa forma: “[...] os EUA e seus aliados (disfarçados como Nações 42 Unidas) intervieram na Coréia em 1950 para impedir que o regime comunista do Norte daquele país se estendesse ao Sul.” (HOBSBAWN, 1995, p. 234). A rápida expansão do EPC teve uma resposta imediata dos EUA, que acabou intervindo no conflito para impedir uma derrota de seu aliado, essa que consolidada impactaria o contexto geopolítico do nordeste asiático e do pacífico: A crise foi avolumada com o desembarque dos mariners ao lado de Seul e o recuo das tropas norte-coreanas. No início de outubro, o general Mac
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