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PSICOTERAPIA VIVENCIAL E FORMAÇÃO DO TERAPEUTA Parte III Conteudista Prof.ª Me. Laura Ferreira Crovador 2 Aspectos do manejo do processo terapêutico na Terapia Existencial- Humanista – Inconsciente, Sonhos e a Relação entre Terapeuta e Cliente A Terapia Vivencial, também chamada de Terapia Existencial-Humanista, é uma modalidade clínica relativamente recente no campo da Psicologia. Inserida na chamada Terceira Força da Psicologia, corrente caracterizada por abordagens que se contrapunham aos modelos hegemônicos propostos pelas teorias psicanalíticas e comportamentais. A Terapia Vivencial tem entre suas principais obras de referência livros como A Descoberta do Ser, de Rollo May (1988) e Terapia Vivencial – Uma abordagem existencial em Psicoterapia, de Tereza Cristina Saldanha Erthal (1989). Uma das principais características da Terapia Existencial-Humanista, que a diferencia de demais modalidades clínicas por sua fundamentação teórica. Enquanto outras abordagens orientam suas práticas baseadas em teorias que versam a respeito do funcionamento da mente e da descrição dos quadros psicopatológicos ou de teorias que buscam explicar o comportamento humano, a Terapia Existencial-Humanista baseia toda sua prática e seu entendimento do cliente em premissas a respeito do humano encontradas na Filosofia, articulando conceitos descritos no Existencialismo a uma perspectiva presente no Humanismo. Outro aspecto que diferencia a Terapia Vivencial das demais modalidades clínicas se refere ao método. Enquanto outras abordagens possuem técnicas específicas definidas a priori a serem aplicadas para todos os pacientes, a Terapia Existencial-Humanista trabalha com grande flexibilidade no emprego de diferentes técnicas, desde que seja mantida a postura característica do método de investigação baseado nos preceitos do referencial filosófico. Tanto por seu arcabouço teórico como por sua possibilidade de emprego de técnicas variadas na promoção do desenvolvimento do cliente, frequentemente a Terapia Vivencial suscita dúvidas a respeito de questões relativas ao cotidiano da prática clínica. Entre tais questionamentos é possível destacar os seguintes: Como se dá o entendimento do inconsciente, tão importante para a maioria das modalidades clínicas em psicoterapia, em uma abordagem que não trabalha com tais construtos psicológicos? Como uma abordagem baseada na filosofia entende e trabalha com os sonhos do cliente? 3 Como se dá a relação entre terapeuta e cliente numa abordagem sem uma técnica fixa? A proposta do presente capítulo é responder a esses questionamentos e explicitar de que maneira tais temáticas se situam dentro da perspectiva da Terapia Existencial-Humanista. A respeito da questão do inconsciente A atuação do psicólogo na prática clínica foi influenciada de maneira muito significativa pelo conceito de inconsciente postulado pela psicanálise. Inicialmente descrito por Freud, o inconsciente é um construto teórico que se tornou a base para a explicação do comportamento humano e para a identificação dos quadros psicopatológicos. Ainda que o entendimento freudiano a respeito da estrutura e do funcionamento do inconsciente tenha sido modificado e desenvolvido por outros autores em períodos posteriores, o mesmo tem sido fundamental para grande parte das modalidades clínicas em psicoterapia. Assim, a ideia de uma perspectiva teórica e prática em psicoterapia que não trabalhe com o construto do inconsciente gera estranhamento em muitos estudantes e profissionais (ERTHAL, 1989). Para entender a perspectiva da Terapia Vivencial, é importante ressaltar que não há um consenso no que se refere ao conceito do inconsciente. É possível entender o inconsciente de maneira diferente daquela proposta pela psicanálise, assim, há muitas maneiras de compreender a questão do inconsciente, que pode variar de acordo com os autores, sejam estes psicanalistas ou não. De acordo com Erthal (1989), existem duas maneiras básicas de se conceber o inconsciente: uma temporal, que se refere à impossibilidade do indivíduo manter todas as suas percepções, experiências e emoções conscientes ao mesmo tempo, e outra abissal, que se refere a concepção de inconsciente como centro da vida psíquica, por sua capacidade de atuar sobre a vida consciente, influenciando o comportamento do indivíduo. A segunda noção é mais valorizada pelos psicanalistas, e portanto a que exerceu maior influência sobre a prática clínica da Psicologia. 4 Dentro do contexto da Terapia Vivencial, as ideias de consciente e inconsciente serão concebidas a partir do referencial teórico proposto por Sartre. Apesar de se apropriar de conceitos de diversos autores existencialistas, tais como Heidegger e Kierkegaard, foi Sartre, devido característica de sua obra de promover uma aproximação entre Existencialismo e Humanismo, o filósofo de maior influência sobre essa abordagem. Assim, para esclarecer a maneira como a Terapia Existencial-Humanista se situa diante do conceito de inconsciente, é necessário fazer um contraponto entre as perspectivas freudianas e sartreanas não apenas do termo, mas também de seu impacto na vida do indivíduo e sua importância para o conhecimento do mesmo. Segundo Erthal (1989), o conceito de inconsciente foi desenvolvido por Freud devido aos seus trabalhos com a hipnose, que lhe sugeriram que existia algo que atuava sobre a permanência ou remissão dos sintomas de seus pacientes, sem que estes tivessem consciência dessa atuação. A partir dessas observações, Freud elaborou teorias de compreensão do homem a partir da construção de um aparelho psíquico no qual o consciente e o inconsciente são representações que exercem forças na vida do indivíduo, e a relação estabelecida entre os mesmos explica os conflitos que acometem o ser humano. Assim, dentro do arcabouço teórico organizado por Freud, o inconsciente é inferido a partir de evidências de sua interferência sobre a vida do indivíduo, e a ênfase a respeito dessa interferência acarretou na característica determinista, baseada em relações de causalidade entre inconsciente e consciente presente no modelo psicanalítico (ERTHAL, 1989). A partir dessa premissa, o trabalho do terapeuta nessa abordagem é possibilitar que os conteúdos inconscientes possam se tornar conscientes, de maneira que seja possível encadear uma cadeia causal que explique os desejos, emoções e sintomas do paciente. Uma vez que dentro da perspectiva existencialista o homem não pode ser determinado, quer por forças interiores quer por forçar exteriores, já que o mesmo é visto como um ser em construção que carrega a possibilidade e a responsabilidade de escolher a si mesmo, a ideia do inconsciente freudiano 5 não poderia se sustentar na prática da Terapia Vivencial. Ao examinarmos o referencial teórico dessa abordagem, é possível perceber que as ideias de Sartre e Freud não diferem apenas no que se refere ao conceito de inconsciente, mas também apresentam divergências essenciais a respeito do conceito de consciência. Sartre (1943) parte da ideia de que a consciência é inicialmente um nada ou um vazio, que somente pode se estabelecer através da relação com um objeto para o qual a mesma se dirige intencionalmente. De acordo com o arcabouço teórico desenvolvido por Sartre, a consciência deve ser compreendida como um ato em relação com o mundo, e por isso não pode ser definida como depósito de representações, ou como órgão psíquico encapsulado em uma interioridade do indivíduo. Na abordagem da Terapia Existencial-Humanista, ato e consciência não podem ser entendidos separadamente, e por isso a ideia de atos motivados por conteúdos inconscientes é rejeitada. Na teoria de Sartre, o homem é essencialmente livre, e a responsabilidade por suas escolhas dentro dessaliberdade é fundamental para a compreensão da condição humana. Assim qualquer referência a uma determinação inconsciente das ações do pode ser considerada como uma fuga da liberdade e da responsabilidade existenciais, ou, na perspectiva sartreana, como um ato de má-fé. De acordo com Sartre (1943) o agir de má-fé é uma possibilidade humana diante de sua necessidade de se posicionar frente ao mundo, caracterizada pela busca intencional do indivíduo de se esquivar de sua necessidade de escolher, fugindo de sua condição de ser livre. É necessário ressaltar a diferença entre o ato de má-fé e o ato de mentir, para que não se confunda sinceridade com ausência de má-fé. De acordo com Erthal (1989) a mentira é definida pela negação ou ocultação de uma verdade conhecida a um interlocutor que não a conhece, enquanto a má-fé não necessita de um interlocutor, a medida que se trata de uma escolha do indivíduo em sua relação consigo mesmo e com sua própria vida. Já a má-fé é definida pela atitude de busca de ocultação de algo verdadeiro, no caso deste despertar angústia e desprazer ou ainda a atitude de defender uma inverdade que proporcione conforto e prazer. Essa atitude se articula à possibilidade do 6 indivíduo de agir com o objetivo de evitar o contato com aspectos da vida concreta que o coloquem diante da necessidade de tomar uma decisão. A partir dessa perspectiva, podemos refletir que um cliente que justifica suas ações a partir de uma força interna - como o inconsciente - sobre a qual ele não tem consciência nem controle pode ser compreendido pelo terapeuta vivencial como alguém que está agindo com má-fé. Nesse sentido, a direção da Terapia Existencial-Humanista seria a de promover a aproximação do cliente com suas ações, ressaltando sua condição de liberdade de escolha, e consequentemente, de responsabilidade por suas escolhas e pela criação de se mesmo. Diante dessa premissa, o foco da Terapia Vivencial se realiza no sentido de promover a possibilidade do cliente vivenciar sua liberdade existencial, fazendo escolhas e assumindo a inteira responsabilidade sobre as mesmas. Devido a influência dos ideais humanistas nessa abordagem, o terapeuta vivencial busca orientar o cliente sempre no sentido de uma maior autenticidade em sua vida, e tal autenticidade só pode se dar quando o indivíduo assume suas escolhas, inclusive quando estas se referem a seu desejo de não escolher,e de deixar que outras pessoas escolham por ele. Essas divergências fundamentais em relação a conceituação de consciente e inconsciente tem desdobramentos que se estendem para além do propósito da prática clínica. Em diversas modalidades clínicas analíticas, o construto do inconsciente é a base para o entendimento de diversos fenômenos, tais os sonhos, o que leva muitos estudantes e profissionais a considerarem, erroneamente, que a Terapia Existencial-Humanista não considera tais fenômenos importantes e não se ocupa dos mesmos. Dentro da perspectiva da Terapia Vivencial esses fenômenos são reconhecidos como muito importantes, mas a maneira de explicar os mesmos se constrói sem o uso de uma ideia de aparelho psíquico. A respeito do trabalho com sonhos Devido a ausência do conceito de inconsciente no referencial teórico da Terapia Existencial-Humanista, frequentemente conclui-se que o trabalho com os sonhos não é uma possibilidade presente nessa abordagem clínica. 7 Entretanto, essa conclusão se mostra equivocada, pois a importância dos sonhos é reconhecida por muitas modalidades clínicas em psicoterapia. O trabalho com os sonhos do cliente é utilizado como recurso terapêutico de maneira diferente por cada abordagem, de acordo com a explicação que cada referencial teórico produz sobre este fenômeno. Para Freud (1972) o sonho é produto da realização de desejos inconscientes, enquanto para Jung (1977) o sonho é uma forma do inconsciente se comunicar com o consciente, e para Perls (1977), que não trabalha com o conceito psicanalítico de inconsciente, o sonho apresenta aspectos da personalidade do indivíduo não estão integradas. A Terapia Vivencial abriga a possibilidade do trabalho com sonhos dentro do processo terapêutico e apresenta uma nova proposta de entendimento e de análise dos mesmos, condizente com a visão de homem descrita pelo referencial do Existencialismo. Partindo do pressuposto que o homem existe em sua relação com o mundo, caracterizada por uma consciência intencional, assim, o sonho também é visto como produto da consciência (ERTHAL, 1989). Assim, a maneira de explicar como o sonho se forma é descrita, nas palavras de Erthal (1989): Se considerarmos que existe um paralelismo, um princípio isomórfico de identidade (conceito extraído da matemática), entre os traços existenciais expressos pelas presenças sensoriais do sonhar e as significações percebidas dos entes sonhados pelo indivíduo que sonha em toda a sua ampla significação nos fornecerá o modo particular (imageante) de ser-no-mundo que ocorre durante o sono que, através da consciência reflexiva, nos fornece um cabedal de explicações ao que ocorre agora no seu real estar-no-mundo. (p128) No trecho destacado acima, a autora descreve a maneira como o sonho é concebido entre os psicoterapeutas existenciais. É possível observar que, dentro dessa perspectiva, o conteúdo do sonho não é entendido como algo disfarçado, que necessite de um trabalho interpretativo para ser compreendido. Pelo contrário, os sonhos podem ser entendidos através de um princípio 8 isomórfico, ou seja, a maneira do cliente de estar-no-mundo representada no sonho reflete sua maneira de ser-no-mundo quando acordado. Os significados atribuídos aos entes no ato de sonhar também podem ser entendidos como parte de uma consciência intencional. Assim, dentro da perspectiva da Terapia Vivencial, o sonho é um recurso valioso dentro do trabalho clínico, não para acessar algum conteúdo inconsciente ou disfarçado, mas para acessar partes da personalidade do cliente que podem aparecer no sonho e serem entendidas através do paralelismo. Dessa maneira, o trabalho com os sonhos pode ser considerado como uma das técnicas que pode ser empregada na prática da Terapia Existencial- Humanista, mesmo não sendo um recurso exclusivo dessa prática. Entretanto, a maneira como os sonhos são trabalhados, sem necessidade de interpretação, é que são característicos desta abordagem. A orientação de trabalho com os sonhos da Terapia Vivencial é a de conservação do sonho da maneira como exposto pelo cliente, de maneira a favorecer que o mesmo perceba seu significado. Uma vez que os sonhos apontam para possibilidades existenciais do cliente, o trabalho com os sonhos se mostra de grande ajuda pra concretizar o propósito da Terapia Existencial-Humanista, de favorecer que o cliente descubra e realize suas potencialidades de maneira autêntica. O terapeuta deve se centrar no objetivo de proporcionar ao cliente a construção de relações entre seus sonhos e sua vida quando desperto. É importante perceber a diferença fundamental entre a análise dos sonhos realizada pela Terapia Vivencial e a interpretação dos sonhos proposta pela psicanálise. Dentro da perspectiva psicanalítica, a interpretação é guiada pelo conteúdo, ou seja, pelas imagens presentes no sonho, de maneira que o significado da interpretação está contido na imagem (ERTHAL, 1989). Já na abordagem da Terapia Existencial-Humanista os sonhos são considerados como mais uma forma do cliente ser e de apresentar no mundo, cujo significado reside na existência concreta e situada do cliente, e não e uma teoria desenvolvida a priori a ser aplicada para a interpretação de todos os sonhos e todos os sonhadores. 9 Por ser influenciada pela Fenomenologia, a Terapia Vivencial trabalha com o conceito de intencionalidadeda consciência, e por isso o sonho é considerado como portador de muitas interpretações diferentes. Nesse sentido, o terapeuta vivencial busca basear sua análise dos sonhos nos significados atribuídos pelo cliente ao seu próprio sonho. Erthal (1989) afirma que todos os sonhos têm o potencial de ajudar a conhecer o momento existencial do cliente está vivendo. Por isso, a autora alerta para o risco do terapeuta contaminar os conteúdos dos sonhos com suas expectativas teóricas, ressaltando a importância da interpretação emergir do cliente. Dessa forma, é possível perceber que a ausência do conceito de inconsciente não impede o trabalho com os sonhos na perspectiva da Terapia Vivencial. Tal abordagem oferece uma compreensão particular do ato de sonhar e dos significados dos conteúdos dos sonhos, além de uma proposta de análise dos mesmos condizente com seu referencial teórico. Relação Terapeuta-Cliente Na Terapia Vivencial, tanto o papel do terapeuta quanto a relação entre este e seu cliente é permeada pelos ideais do Humanismo. Essa escola filosófica influenciou significativamente a Terapia Existencial-Humanista com seus conceitos de tendência à realização e ao desenvolvimento do homem, e ainda com a premissa de que o homem é essencialmente bom, mas pode ser afetado negativamente por fatores externos (ERTHAL, 1989). É possível observar tais valores na prática clínica dessa abordagem e nos atributos esperados do terapeuta vivencial. Uma vez que o humanismo afirma que, caso o indivíduo não esteja se desenvolvendo plenamente isso se deve à ausência de um ambiente acolhedor e favorável à promoção do crescimento pessoal do mesmo, uma das atribuições do terapeuta vivencial será a de construir, em sua relação com o cliente, este ambiente capaz de reintegrar os aspectos da vivência do cliente e de sua auto-imagem. O terapeuta vivencial deve compartilhar dos valores humanistas, tais como acreditar na condição de liberdade do indivíduo, confiar em sua tendência ao crescimento e em sua potencialidades essenciais de autorrealização. 10 Nesse sentido, são fundamentais para a prática da Terapia Existencial- Humanista que o terapeuta assuma uma atitude de respeito pelo cliente enquanto pessoa, aceitação incondicional e compreensão empática (ERTHAL, 1989). A partir dessas características é possível concluir que os ideais do terapeuta vivencial se aproximam muito das qualidades desejáveis em um terapeuta que atua na Abordagem Centrada na Pessoa proposta por Rogers. Em seu livro, Erthal (1989), frequentemente recorre a ideias propostas por Rogers para descrever o encontro terapêutico esperado dentro da perspectiva da Terapia Existencial-Humanista. A aceitação incondicional é considerada pela Terapia Vivencial como condição básica para a realização do processo terapêutico. Ao partir da premissa de que todo ser humano busca aceitação em sua ambiente, essa abordagem defende que ao se sentir em um ambiente no qual não precisa se esforçar para receber essa aceitação, o cliente se sentirá livre para se conscientizar de si mesmo e fazer escolhas no sentido de seu desenvolvimento pleno. A compreensão empática, ou empatia, deve ser entendida como “uma compreensão do que ocorre co o cliente como se fosse ele, sem deixar de ser uma pessoa diferente” (ERTHAL, 1989 p 79). A autora afirma que o terapeuta vivencial deve buscar essa experiência para alcançar a essência de seu cliente e para que o mesmo possa ter a sensação de ouvir a si mesmo através de seu terapeuta. De acordo com Erthal (1989), na Terapia Vivencial espera-se que o terapeuta desenvolva sua sensibilidade diante das relações humanas, para que através dela possa compreender seu cliente em suas potencialidades e limites. A autora afirma ainda que o terapeuta dessa abordagem deve ser autêntico e transparente, para estabelecer uma relação como pessoa em sua totalidade com o cliente, para assim poder ajudá-lo a perceber a si mesmo e a sua maneira de viver. Dentro da perspectiva da Terapia Existencial-Humanista, o terapeuta deve ser autêntico, pois considera-se que ele serve de modelo ao cliente, a medida que o orienta no sentido de tomar atitudes que o levam a autorrealização de si mesmo. Na abordagem da Terapia Vivencial, entende-se 11 que a autenticidade do terapeuta promove a autenticidade do cliente. Erthal (1989) salienta que esse modelo que o terapeuta deve ser não pode ser entendido como o ato de moldar intencionalmente o cliente, pois sempre caberá ao último o desenvolvimento de seus valores e suas tomadas de decisão diante de seus conflitos. Um aspecto que diferencia o terapeuta vivencial do terapeuta rogeriano e o aproxima das demais modalidades clínicas baseadas no Existencialismo é o trabalho com o conceito de epoché. O manejo clínico através desse conceito se refere à necessidade do terapeuta suspender suas opiniões, emoções e conhecimentos prévios a respeito do fenômeno durante o processo terapêutico, para dessa forma possibilitar a compreensão do cliente a partir de sua singularidade e dos significados que o mesmo atribui às suas experiências. Assim, é possível perceber que os atributos desejáveis no terapeuta vivencial são definidos por uma composição entre atributos de terapeutas humanistas, tais como os rogerianos, e de atitudes de analistas existenciais. Tal composição é coerente com a construção do arcabouço teórico da Terapia Existencial-Humanista, uma vez que seu referencial se define pela articulação de conceitos e perspectivas provenientes de escolas filosóficas diferentes. Conclusão Diante dos tópicos apresentados acima, é possível perceber que a Terapia Existencial-Humanista possui um referencial teórico vasto, capaz de abarcar a complexidade do ser humano em uma série de fenômenos, inclusive naqueles usualmente relacionados ao inconsciente. É importante que se perceba que a causalidade inconsciente presente em inúmeras abordagens analíticas é apenas uma construção teórica feita na tentativa de buscar explicações para os conflitos humanos, seus sintomas e comportamentos. Porém, a determinação inconsciente está distante de ser a única explicação possível para tais fenômenos, pois não apenas a Terapia Vivencial, assim como outras modalidades clínicas, é capaz de promover uma compreensão e um cuidado para o indivíduo sem necessariamente utilizar esse tipo de recurso teórico. 12 Ao retomar os aspectos da Terapia Vivencial abordados acima, é possível concluir que o referencial Filosófico não oferece um limite para a prática clínica do psicólogo, uma vez que este oferece elementos capazes de orientar não apenas a compreensão, mas também o manejo do processo terapêutico. Todavia, a Terapia Existencial-Humanista ainda é uma modalidade clínica recente, pouco conhecida em sua singularidade, e muitos equívocos ainda acontecem a respeito da essência de sua proposta. Uma vez que se compreenda a noção de homem que embasa a Terapia Vivencial, pode-se perceber que a ideia de que esta é uma abordagem pouco profunda, ou que seu referencial não fundamenta a prática clínica não passa de um equívoco, causado por preconceito e falta de conhecimento sobre o tema. Apesar dessa abordagem não ter articulado seu arcabouço teórico a partir do questionamento sobre determinados comportamentos ou sintomas, isso não significa que tais temáticas sejam negligenciadas em sua importância para a prática clínica. Com um conhecimento aprofundando da Filosofia, é possível perceber que a mesma tem muito a oferecer para a prática do psicólogo, na interminável tarefa de buscar compreender o humano em sua multiplicidade e complexidade. 13 Referências Bibliográficas ERTHAL, T. C. S. Terapia Vivencial – Uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1989. FREUD, S. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1972. JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. MAY, R. A Descoberta do Ser. São Paulo: Rocco, 1988. PERLS, F. S. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977. SARTRE, J.P. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1943.
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